Reportagens 2008 (1ª parte)

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  Reportagens 2008 (1ª Parte)

A memória é hóspede incômodo (Rui Barbosa)

Reportagens 2008( 1ª parte)

Reportagens 2008

Tópico 1  Favela cresce perto da antiga Vila Alice
Tópico 2  Favela com obra do PAC não terá 'puxadinhos'
Tópico 3  Exemplo de política habitacional
Tópico 4  Prédios públicos serão vendidos à baixa renda
Tópico 5  Barracos estão até 30% mais caros
Tópico 6  O desafio das favelas
Tópico 7  Uma favela de prédios
Tópico 8  Investir em casas
Tópico 9 Cabral quer combater crescimento de favelas
Tópico 10 Desabamento acende sinal de alerta
Tópico 11 Aluguéis de imóveis em favelas rendem mais de R$ 100 milhões
Tópico 12 Poder Público foi “sócio” das milícias no Rio, avalia presidente de CPI Marcelo Freixo
Tópico 13 Governo prepara pacote contra déficit habitacional
Tópico 14 Baixa renda é saída para construtoras
Tópico 15 Milícia começa agir no Terreirão 
Tópico 16 Para relatora da ONU, crise reflete erros

Voltar ao Topo       TÓPICO 1

Favela cresce perto da antiga Vila Alice

Jornal O Globo, , 10/janeiro/2008

Rafael Galdo

O adensamento da favela Julio Otoni próximo à área da removida Vila Alice, em Laranjeiras, preocupa moradores do bairro, que temem que a comunidade desocupada em 2006 ressurja. Embora alguns afirmem que já existem casas no antigo perímetro da comunidade, o subprefeito da região, Marcelo Maywald, garante não haver construções no local. Segundo ele, a sensação de expansão se deve ao crescimento vertical da vizinha Julio Otoni.

O certo, no entanto, é que quem mora perto dali sente os efeitos do aumento da população na encosta. Morador do bairro que não quis se identificar conta que o prédio dele costuma ter a área de lazer invadida pelos vizinhos da favela, algumas vezes para jogar futebol num campo do condomínio. Antes da remoção da Vila Alice, ele diz que o mesmo conjunto de edifícios gastou cerca de R$ 35 mil para construir um muro de 400 metros a fim de evitar a ocupação de seu terreno. Mas nem assim impede as invasões.

Maywald reconhece que a situação é preocupante. Ele diz que está sendo programada a remoção de cerca de 20 famílias da Julio Otoni que vivem em área de risco, o que deve acontecer neste semestre.

Enquanto isso, crescem também as reclamações quanto à violência e ao abandono da Rua Alice, um dos acessos  à comunidade.

Moradora da parte alta da rua que não se identificou afirma que quando tem que voltar para casa a pé à noite, só anda acompanhada:

É deserto, e não vejo policiais nem guardas municipais por aqui.

Já um rapaz que trabalha numa das casas da rua, que sequer revelou o nome, diz que evita cruzar o trecho próximo à esquina com a Rua Mário Portela:

Já vi uma senhora sendo assaltada ali. Quem trabalha comigo e tem que passar por lá de carro, vai com toda cautela.

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Favela com obra do PAC não terá 'puxadinhos'

Jornal O Globo, 20/fevereiro/2008

Marcelo Dias

Em troca da escritura de posse definitiva de suas casas, moradores das favelas urbanizadas pelo PAC não poderão mais construir "puxadinhos". A idéia é deter a favelização vertical na cidade. Outros instrumentos em que o governo aposta para evitar a expansão dos barracos são os anéis viários e os planos inclinados previstos nos projetos. Segundo o vice-governador Luís Fernando Pezão, essas obras serviriam como limites físicos para essas comunidades. Mas, para isso, falta combinar com as prefeituras do Rio e de Niterói, a quem caberá a fiscalização das habitações e das encostas nas comunidades.

Daremos os títulos de propriedade, mas essas pessoas não poderão construir nada além daquilo que constará nas especificações das casas. Os anéis viários e os planos inclinados vão delimitar fisicamente as favelas, contendo o seu crescimento. E as prefeituras atuarão para fiscalizar o cumprimento disso  diz Pezão.

Vice fala em pedir mais verbas

O vice-governador acena com a possibilidade de pedir mais recursos para reformar mais residências. Por ora, está previsto que o governo fará melhorias em 11.660 imóveis. Mas, se houver um número de casebres em más condições superior aos 5.062 apartamentos que serão construídos, Pezão diz que não haverá outra saída:

Nesse caso, teremos que pedir mais dinheiro, mesmo.

Em Manguinhos, os tiros disparados anteontem no local onde trabalhadores eram cadastrados alteraram a rotina das inscrições, mas não afastaram os candidatos. O número de atendentes aumentou para agilizar o cadastramento e diminuir tempo de espera e riscos.

Como um dos funcionários foi atingido por estilhaços de bala, a equipe que trabalhava na comunidade foi remanejada. O policiamento não chegou a aumentar, mas o estado de alerta ontem era maior. Até o comandante de Policiamento da Capital, coronel Marcus Jardim, e o comandante do 22º BPM (Maré), tenente-coronel Luigi Gatto, estiveram em Manguinhos.

Cerca de 2.500 pessoas procuraram ontem o posto móvel para se cadastrar em Manguinhos. A fila na comunidade da Varginha tinha mais de mil moradores. Muitos dormiram na fila.

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Exemplo de política habitacional

Jornal do Commercio, 21/fevereiro/2008

Muitos ainda se perguntam, com alguma dose de preconceito, como é possível que um morador de favela possa comprar eletrodomésticos sofisticados e até carro novo, enquanto aceita viver em condições tão degradantes de higiene e segurança. Entretanto, a questão seria mais esclarecedora se fosse formulada de outra forma. Partindo do pressuposto que a maioria das pessoas sabe escolher suas prioridades de consumo e investimento, e que se pudesse optaria por morar em condições mais favoráveis, como é possível que o morador da favela possa ter acesso à compra de produtos de avançada tecnologia, como eletrodomésticos sofisticados e automóveis novos, e, no entanto, não consiga obter financiamento para melhorar suas condições de moradia?

É bem provável, que na maioria das grandes cidades brasileiras, o preço de um imóvel seja superior ao de um automóvel novo, mas também é provável que se houvesse financiamento de longo prazo com taxas de juros reduzidas, muitos moradores de favela ou cortiços teriam renda suficiente para pagar as prestações de uma casa própria.

Para se adquirir um automóvel novo hoje no País, basta entrar em uma concessionária, escolher o veículo, fazer o plano de pagamento e sair com o carro. Se o modelo de aquisição da casa própria chegasse próximo do processo de aquisição do automóvel, com certeza teríamos menos pessoas alojadas em habitações populares precárias. É óbvio, porém, que a compra de um bem como o imóvel requer muito mais fiscalização do Estado e precauções pelo adquirente do que um carro. Mas convenhamos que há um fosso creditório muito grande entre ambos bens na hora de alcançá-los.

Hoje, o déficit habitacional brasileiro chega a mais de oito milhões de unidades. Se considerarmos aquelas famílias que têm casa própria, porém em condições precárias, a demanda por investimentos no setor imobiliário seria ainda maior.

Experiências bem sucedidas no México mostram que é possível atender à demanda por moradia a custos e prazos satisfatórios, desde que o mercado financeiro desenvolva instrumentos de investimento rentáveis e de financiamento compatíveis com a renda da população.

A maioria dos empreendimentos habitacionais mexicanos é de responsabilidade da iniciativa privada, que desenvolveu técnicas modernas de construção em escala industrial, com boa qualidade e preços baixos. Uma casa de 70 m² de
área privativa é colocada à venda por um preço em torno de US$ 20 mil, algo como R$ 35 mil. Se financiada em 30 anos, com taxa de juros reais de 6% ao ano, a prestação mensal não passaria de R$ 200, ou cerca de um quarto da renda familiar da maioria da população que mora em favela em São Paulo.

A solução do problema habitacional brasileiro também passa pela questão da regularização da propriedade dos imóveis e pelo equacionamento da colateralidade necessária aos financiamentos. Hoje, muitos moram em áreas invadidas e não possuem nenhum título de propriedade. E a maioria não tem acesso a crédito porque não tem garantias para sustentá-lo.

Segundo o economista peruano Hernando de Soto, essas questões estão interligadas. Soto ficou mundialmente conhecido pela difusão de sua teoria sobre a importância da regularização da unidade habitacional familiar como instrumento de melhoria da condição social das camadas mais pobres da população. Segundo ele, o título de propriedade serve como importante garantia na obtenção de recursos para o financiamento de pequenos negócios que multiplicam a renda familiar e possibilita a aquisição de imóvel de melhor qualidade ou de realizar reforma do imóvel atual.

Um mutirão de regularização dos imóveis, ainda que precários, pode ser uma forma de se iniciar um círculo virtuoso no mercado imobiliário de baixa renda no Brasil.

Recentes avanços na economia brasileira, como o controle da inflação, a redução das taxas de juros, o desenvolvimento de novos mecanismos de poupança e empréstimos, a abertura de capital das principais construtoras e a implantação de medidas que fortalecem a garantias dos empréstimos, como a alienação fiduciária e o patrimônio de afetação dentre outros, já permitem vislumbrar melhorias no mercado imobiliário.

No final do ano passado, foi veiculado nos principais jornais do país que uma importante empreiteira brasileira deseja construir na Grande São Paulo um mega projeto habitacional nos moldes mexicano. Esperamos que esta iniciativa tenha sucesso e que muitas outras sejam implantadas em curto espaço de tempo. Se isto acontecer, ninguém mais precisa ficar surpreso quando souber que além de eletrodomésticos sofisticados e carro novo, a população de baixa renda também poderá ter acesso a uma casa decente.

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Prédios públicos serão vendidos à baixa renda

O Dia,  23/fevereiro/2008

Cristiane Campos,

Programa Crédito Solidário financia imóveis no Centro do Rio, sem juros, por 20 anos

Projeto de revitalização vai transformar prédios abandonados em moradias para a população de baixa e média renda nos bairros do Centro, Saúde, Gamboa, Santo Cristo, Cruz Vermelha, Estado e Leopoldina. O primeiro vai beneficiar nove famílias que vivem em condições precárias em dois sobrados das ruas da Constituição e Regente Feijó. Os ocupantes terão acesso ao financiamento pelo Programa Crédito Solidário, administrado pela Caixa Econômica Federal. Eles pagarão prestações em média de R$ 95, durante 20 anos, sem juros.

Serão construídos nove apartamentos de 35 metros quadrados. O prazo da obra é de 10 meses. De acordo com a Cehab-RJ (Companhia Estadual de Habitação), existem 500 prédios do estado nessa situação. A companhia fará um levantamento para saber quantas unidades poderão ser construídas.

Segundo o advogado da Cehab-RJ, Tiago Franco Fontes, o ocupante terá o direito real de uso, ou seja, não poderá vender o imóvel, só repassá-lo. Nesse caso, o Iterj (Instituto de Terras) será o responsável pela análise da nova família. A verba para iniciar o projeto vem do Orçamento Geral da União e do Programa Nacional de Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, do Ministério das Cidades. Os dois imóveis são avaliados em R$ 680 mil.

É a primeira vez que o estado destina imóveis à habitação popular. São unidades vazias, deterioradas e terrenos usados como estacionamento. O Iterj vai verificar a condição das áreas.

A arquiteta e coordenadora da ONG Rehab Centro, Laís Coelho, diz que a luta por moradia digna e próxima ao trabalho dessas famílias é antiga. "Foi vital o empenho de todos, principalmente dos ocupantes. O projeto serviu de exemplo para o estado", lembra. A Cehab informa que a iniciativa da Assciação Moradia Digna nas Áreas Centrais e da ONG contribui para elaboração de um Plano de Habitação.

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Barracos estão até 30% mais caros

Jornal O Globo, , 06/março/2008

Cláudio Motta

As obras do PAC sequer começaram e já estão dando lucro para vendedores de imóveis que atuam em Manguinhos, no Complexo do Alemão e na Rocinha. A perspectiva de melhorias nas comunidades  como saneamento, abertura de ruas,
escolas, creches e arborização  aumenta a procura por moradias nesses locais. Por causa disto, os preços subiram até 30%.

Mesmo os aluguéis estão ficando mais caros, de acordo com Erivaldo Lira, presidente da Associação de Moradores de Manguinhos.

Os donos de casas em ruas que serão alargadas ou terão muitos benefícios, como a Gil Gafrée, já estão avisando que vão aumentar o aluguel. Quem cobra R$ 200 pedirá até R$ 260. Quem tem um barraquinho que valia R$ 5 mil agora está pedindo R$ 7.500 disse Erivaldo Lira.

Não são apenas os novos moradores que agitam o mercado. Durante as obras, 6.408 casas serão demolidas, de acordo com a Secretaria estadual de Obras. Grande parte desses proprietários não deve sair das comunidades. E 1.197 deles terão o dinheiro das indenizações para comprar suas casas.

O próprio governo do estado será um dos grandes compradores de casas. A previsão é de que 389 sejam oferecidas como permuta para os moradores que terão casas derrubadas.

Tanta movimentação de compra e venda é considerada uma grande oportunidade de negócios para Adelino Azevedo. Ele circula por Manguinhos com uma escada de metal e dezenas de cartazes manuscritos com a propaganda de seus serviços: "Quer vender sua casa? Tratar com Adelino". Otimista, acredita que o preço dos imóveis subirá até 50%.

É como carro velho, você faz uma boa reforma e o preço dobra. Por isso as casas ficarão cada vez mais valorizadas. As pessoas já estão ansiosas para vender por outro preço. Quem pedia R$ 10 mil já está pedindo mais R$ 3 mil em cima. Todos estão trabalhando com preços maiores pensando nas melhorias das obras  disse.

Procura cresce apesar dos preços mais altos Apesar do aumento dos preços, Adelino afirma que a procura por casas é crescente em Manguinhos:  Vendo rápido. Estou com apenas uma casa para oferecer.

O aumento dos preços das casas é um dos fatores que aumentam o temor de Maria Lopes de ficar sem ter onde morar depois que sua casa for derrubada pelas obras:  Não quero deixar de morar na comunidade e tenho medo que a indenização não dê para comprar outra.

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O desafio das favelas

Jornal do Commercio, 07/março/2008

O início nesta sexta-feira, com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em três complexos de favelas do Rio - Alemão, Manguinhos e Rocinha - assinala um
momento significativo em relação à proposta para assegurar a presença do Estado em áreas onde a atuação de facções criminosas tornou-se nas últimas décadas, por força de diferentes fatores, mais pronunciada, realçando por isso mesmo, em momento dos mais oportunos, o compromisso com a valorização da cidadania e a melhoria da qualidade de vida de sua população.

- Essa visita tem uma relevância simbólica, que é a presença do presidente, e outra concreta, que é o lançamento de uma política que pode ajudar a reduzir a absoluta ausência do Estado nessas comunidades - disse a propósito o sociólogo João Trajano, diretor do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). A diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, socióloga Julita Lengruber, ressaltou também que "pela primeira vez temos a sensação de que o governo federal começa a se comprometer com a questão da segurança nessas áreas pobres, neutralizando o poder do tráfico no local".

Nesse sentido, o vice-governador e secretário de Obras, Luiz Fernando Pezão, reiterou em entrevista que o grande legado das obras de urbanização dessas favelas será "a devolução da cidadania a seus moradores", afirmando ainda
que a determinação do governador Sérgio Cabral é levar esses projetos a outras comunidades, como o Complexo da Penha e Jacarezinho. Segundo ele, pessoas que hoje não acreditam nos projetos, ao verem as obras em andamento e perceberem os benefícios que delas advirão, vão se engajar na construção de uma nova realidade para elas: "A invasão será de cidadania".

A previsão é de que as obras estejam concluídas em dois anos, tratando-se da maior intervenção urbanística em favelas da cidade. No total, serão investidos cerca de R$ 3,8 bilhões do PAC no Estado.

Abre-se, portanto, em relação às favelas, focada na reversão do processo de degradação das condições de vida de seus moradores, uma nova fronteira de ação, afinada não apenas com empreendimentos de conteúdo urbanístico mas visando,sobretudo, propiciar efeitos diretos e indiretos do ponto de vista econômico e social. Trata-se, pois, de um desafio, cuja superação exige perseverança e sinaliza uma proposta que tem a ver com a multiplicação das oportunidades de educação e trabalho, bem como gradual neutralização dos bolsões de criminalidade e violência que se irradiam, não raro, no entorno das comunidades faveladas, em detrimento dos índices de desenvolvimento humano cuja elevação importa incessantemente buscar.

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Uma favela de prédios

Jornal O Globo, , 06/set embro/2008

Selma Schmidt

Na Rocinha, quase 70% das construções têm de três a seis andares

A primeira parcial do levantamento que está sendo concluído pelo escritório do arquiteto Luiz Carlos Toledo - vencedor de concurso do estado para elaborar o Plano Diretor da Rocinha, a ser executado com verbas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da União - mostra a dimensão da ocupação da favela, que se assemelha a um grande paredão de concreto, em que os prédios são maioria. Das 6.864 edificações visitadas e mapeadas até agora, 67% têm de três a seis andares. Toledo espera terminar o estudo, iniciado há cinco meses, no fim de setembro.

O número de imóveis vistoriados até agora, e ainda não contabilizados, no entanto, é bem maior. Segundo Toledo, mais de dois terços da favela foram percorridos por sua equipe. E é com base no que foi observado que o arquiteto não tem dúvidas para afirmar que a Rocinha tem mais do que o dobro dos 56.338 moradores contados pelo IBGE no último censo demográfico, em 2000.

- Seguramente, a Rocinha tem entre 110 mil e 120 mil habitantes - diz o arquiteto.

Toledo montou uma filial de seu escritório na principal via da Rocinha - a Estrada da Gávea. Lá estão trabalhando 20 pessoas, entre universitários e estudantes de escolas técnicas, das áreas de arquitetura, engenharia e ciências sociais. Em duplas e munidos de câmeras, eles estão percorrendo cada canto da favela.

- Esses jovens não contam só as edificações e quantos pavimentos e lajes elas têm. Verificam quais os usos dos imóveis. Em cada lugar, também mapeiam pontos de ônibus, lixões, valas, entre outras coisas - explica o arquiteto.

Dos 6.864 prédios já mapeados, a maioria tem três andares (2.421), vindo a seguir os de quatro pavimentos (1.444). Outros 1.374 têm um andar; e 1.032 têm dois. Foram encontrados 440 edifícios com cinco andares; 110 com seis; 35 com sete; cinco com oito; e dois com nove pavimentos. Os pesquisadores estiveram ainda no único prédio de 11 pavimentos da favela, chamado de Empire State, encontrando 77 apartamentos, sete por andar.

- O levantamento mostra ainda que mais da metade dos prédios construídos na Rocinha supera os gabaritos fixados por decreto pelo prefeito César Maia para as novas edificações na comunidade. O decreto está ultrapassado - diz a vereadora Andrea Gouvêa Vieira (PSDB).

Pelo decreto, na chamada área central, as novas edificações podem ter até dois andares. Dos 2.920 mapeados, 78% são maiores - alguns deles têm cinco, seis e até sete andares.

Para o Bairro Barcelos, César fixou em quatro andares o gabarito. Dos

355 Imóveis contabilizados nessa localidade, 29% são mais altos. A situação é semelhante na Vila Verde: 27% das 360 edificações mapeadas têm mais do que os três andares fixados.

Nas localidades conhecidas como Dionéia e Cachopa, 55% dos prédios tem mais de dois andares (gabarito da subzona D). Já na Paula Brito, 69% das 225 edificações contabilizadas têm mais de dois pavimentos. É na Paula Brito que fica o prédio mais alto da Rocinha.

No Portão Vermelho, 34% dos 94 imóveis estão acima do gabarito (um andar). O percentual é de 24% das 465 edificações do Laboriaux (máximo permitido é de dois andares). Já na Vila Cruzado, 21% dos 207 imóveis estão fora do gabarito (três andares). Na Roupa Suja, 63% das edificações têm mais de dois pavimentos. E na Macega, área de risco e non aedifícandí, há 182 casas.

- É ótimo que o prefeito tenha criado uma legislação para a Rocinha. Só que temos que reassentar famílias que estejam em áreas de risco, fora dos ecolimites e destinadas a ruas, calçadas e equipamentos urbanos. Não teria como reassentá-las dentro da comunidade, se a legislação não permitir construir prédios mais altos em alguns pontos - argumenta Toledo.

O maior gabarito permitido pelo decreto - cinco pavimentos - vale para apenas um trecho da Estrada da Gávea: entre a Curva do S e a Cachopa. A legalidade do decreto, porém, é questionada pelo vereador Luiz Antonio Guaraná (PSDB), que ingressou com representação no Ministério Público. O decreto também foi transformado em projeto de lei por vereadores, e receberá emendas.

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Investir em casas

Jornal O Globo, 03/abril/2008

O Brasil tem um déficit habitacional de oito milhões de moradias, segundo estimativa de especialistas no ramo. Tal déficit é calculado considerando-se as habitações subnormais recenseadas pelo IBGE (construções em favelas,
palafitas, cortiços, e moradias rudimentares nas zonas rurais) e ainda o número de pessoas e famílias que vivem como agregados ou dividem as mesmas habitações.

Trata-se de um déficit muito elevado, resultante de anos de baixo investimento na política habitacional. O investimento necessário para eliminá-lo será alto, mas é totalmente justificável, encaixando-se perfeitamente no grande esforço que opaís se propõe a fazer para acabar com a miséria e a extrema pobreza.

Em decorrência desse investimento incipiente, a população de baixa renda teve de partir para a autoconstrução em um esforço próprio de poupança de grande magnitude diante de suas limitações financeiras. Isso teve impacto social e urbano, acelerando a favelização de cidades como o Rio, ajudada pela leniência de governantes. As moradias nessa faixa de renda quase sempre são rudimentares, inacabadas, com material pouco resistente às intempéries, e sem orientação técnica. Além disso, geralmente são construídas em terrenos impróprios (áreas de risco), com grande adensamento ou total falta de infra-estrutura.

Com tantas dificuldades, o desperdício de recursos financeiros, materiais e mão-de-obra é proporcionalmente muito alto nesse processo de autoconstrução. E o Estado posteriormente acaba tendo de intervir, levando infra-estruturais para as áreas carentes, porém sem planejamento prévio.

Um efetivo programa de habitação, voltado para famílias com renda de até cinco salários mínimos, traria grande benefício à população mais pobre, que não precisaria comprometer todo seu esforço de poupança apenas na autoconstrução. O programa reduziria custos, daria mais qualidade às moradias e também permitiria o assentamento de infra-estrutura com planejamento prévio. Já existe, inclusive, um arcabouço legal para o plano, o sistema de habitação social.

As propostas que a Câmara Brasileira da Indústria de Construção encaminhou ao presidente Lula, conjugando recursos públicos e privados para se pôr em prática um programa de moradias populares, são exeqüíveis, pois o investimento se faria ao longo de 15 anos. Em 2023, o Brasil não teria mais déficit habitacional, depois de construir uma média anual de pouco mais de 500 mil moradias populares.

 

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Cabral quer combater crescimento de favelas

Jornal O Globo Online, 08 de maio de 2008

Uma reunião na última segunda-feira entre o governador Sérgio Cabral e seus mais importantes secretários de estado foi o início de uma política de contenção da expansão de favelas no Rio, de acordo com reportagem publicada
no jornal "O Globo". O governador disse que, a partir de agora, parar o crescimento destas comunidades em áreas florestais é uma das suas prioridades. Para isso, serão destinados recursos para a compra de um helicóptero e também para o monitoramento via satélite da expansão. Além disso, haverá mais pessoal para fiscalização.

De acordo com o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, já ficou definido que serão criadas barreiras de contenção ao crescimento das comunidades mais fortes do que os atuais eco-limites de madeira e cabo de aço, implantados pela prefeitura do Rio. Segundo ele, em alguns casos, serão construídas estradas ou imóveis.

De acordo com Minc, o governador Sérgio Cabral está particularmente preocupado com a expansão da Rocinha, que, segundo ele, estaria seguindo em direção ao Parque da Cidade, onde já há uma favela na entrada. Na reunião,
também foi definido que haverá a contenção da expansão das comunidades junto aos Parques da Tijuca, na Zona Norte, e da Pedra Branca, na Zona Oeste.

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Desabamento acende sinal de alerta


Jornal do Brasil, maio de 2008

Prédio cai e deixa mulher ferida. Segundo acidente em um mês expõe problemas na política de habitação
|Felipe Sil

NO BAIRRO, DIZ AMORE, 90% DAS CONSTRUÇÕES SÃO ILEGAIS

Crea-RJ culpa invasores pelos casos de desabamento

De acordo com o Conselho Re- gional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-RJ), no Recreio há muitos lotes irregulares, seguidos da expansão de comunidades irregulares. ­ A pessoa constrói mas não consegue provar que é proprietário. Conseqüentemente, a prefeitura não consegue fiscalizar as construções, erguidas de qualquer maneira e oferecendo perigo a moradores e vizinhos ­ diz Canagé Vilhena, consultor do conselho. O administrador regional do bairro, Raphael Lima, já revelou aoJB Barra que a maior dificuldade da prefeitura é localizar os proprietários
das construções irregulares. ­Nestes lotes, muitos compram os imóveis com identificação e outros documentos falsos. Não há uma transação legal nesses casos, o que dificulta o nosso trabalho ­ revela.

Para a fundadora do Fórum Recreio Livre, Maria Lúcia Massot, a nova tragédia no bairro relacionada a desabamento é culpa da omissão da prefeitura em combater, de maneira eficaz, as invasões na região que, segundo ela, acontecem de maneira desenfreada há mais de 10 anos. ­ Há uma década o Terreirão, por exemplo, possuía cerca de dois mil moradores. Hoje, já são mais de 10 mil. Onde está o Cesar Maia?

Dia 2 de maio, 1h da manhã: o desabamento de um imóvel na Favela 3, no Recreio, mata a estudante Juliana Ferreira da Silva, de 25 anos, e deixa duas pessoas feridas. Ontem, 26 de maio, 1h55: um prédio de quatro andares,
em construção, vai ao chão na Rua DW, causando sérios danos a casas de dezenas de vizinhos e deixando ferida Maria de Cássia da Silva, de idade não revelada pelos bombeiros. Em menos de um mês, os dois desabamentos no Recreio colocaram em xeque a política de habitação da prefeitura. O bairro, repleto de condomínios de classe média-alta, cujos moradores pagam um dos IPTUs mais elevados da cidade, também possui em seus limites dezenas de pequenas comunidades. Uma delas, a maior de todas, é o Terreirão, que após anos de invasões e de irregularidades já tem mais de 10 mil moradores. Todos também em situação de risco, segundo o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-RJ). O desabamento de ontem, na pequena comunidade Brisas do Pontal, deixou irritado o presidente da associação de moradores. ­ Isso é culpa da omissão do poder público. Todos os edifícios e casas da minha comunidade são irregulares porque falta planejamento urbanístico. No futuro, mais acidentes podem acontecer, e com mortes ­ alerta Nápoles Menezes, presidente da Associação de Moradores Brisas do Pontal. Apesar do impacto do desabamento, apenas Maria de Cássia da Silva, que passava no local no momento da queda, foi atingida por rebocos e sofreu fraturas nas pernas e na bacia. Ela passou por cirurgia no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra. Um dos principais motivos de a tragédia não ter resultado em mortes tem nome e sobtenome: Jorge da Pomacena,
bombeiro do 2º SGMar (Barra) e vizinho do prédio. Há duas semanas ele começou a perceber que havia algo errado, já que uma grande rachadura apareceu em uma das paredes. Com isso, deixou os outros moradores em alerta e, juntamente com a associação, retirou os trabalhadores da instalação. ­ Desde o surgimento de pequenos sinais que demonstravam a precariedade do edifício, fiquei alerta quanto aos riscos. Quando, de madrugada, ouvi o
primeiro barulho, corri pela rua acordando todo mundo e ajudando a evacuar os moradores ­ ele contou. Apesar de seu esforço e de ter salvo dezenas de vidas, Jorge perdeu tudo que tinha. Seu parceiro improvisado de resgate, Erinaldo Lima, autônomo, de 34 anos, também não teve sorte. ­ Sou casado e tenho quatro filhos pequenos. O que vou fazer agora? O proprietário me ligou dizendo que ia nos indenizar. Essa é a última esperança que temos. A Defesa Civil interditou o local e a perícia investiga as causas do acidente. Os moradores do Recreio, porém, parecem já ter certeza dos motivos para mais uma tragédia.

Isso é culpa da omissão do poder público. Os edifícios da minha comunidade são irregulares por falta de planejamento
Nápoles Menezes,presidente da Associação de Moradores Brisas do Pontal

A prefeitura não consegue fiscalizar as construções erguidas de qualquer maneira, oferecendo perigo a moradores e vizinhos
Canagé Vilhena consultor do Crea-RJ

SEM ABRIGO ­ Erinaldo Lima, que perdeu tudo, com um de seus filhos: `O que vou fazer agora?' PREJUÍZO ­ Um morador tenta tirar sua moto dos destroços do prédio que desabou, ontem. Dezenas de casas no entorno vieram abaixo

Cerca de 90% das construções de novos prédios no Recreio estão em situação irregular. A afirmação do presidente da Associação de Moradores e Amigos do Recreio (Amore), Dair Zanotelli, publicada neste mês pelo JB Barra, sugere a falta de fiscalização da prefeitura em relação a cerca de 300 esqueletos. Decidido a buscar uma solução para o problema, o líder comunitário reuniu-se há 10 dias com representantes do Conselho Regional de Engenharia e
Arquitetura do Rio (Crea-RJ) e, em ronda pelas principais ruas do bairro, verificou que muitas das construções não têm placas com dados das construtoras responsáveis. Também identificou que obras embargadas, por não respeitarem o gabarito e as plantas da prefeitura, continuam a ser erguidas por operários sem equipamentos de segurança. ­ As construtoras não respeitam normas básicas. Muitas obras já foram embargadas, pois ao longo da construção não respeitam os limites impostos pela planta-base fornecida e licenciada pela prefeitura ­ explica Zanotelli. Entre os exemplos, prédios que avançam além da metragem permitida para a construção e outros que não respeitam a distância de 1,5 metro entre a varanda de dois prédios distintos. ­ O representante do Crea-RJ ficou assustado ao comprovar tantas ilegalidades. Quero providências. O fato é que existe um lobby para proteger os engenheiros. Como a prefeitura não tem equipe de fiscais, a desordem corre solta e ao fim do processo, mesmo desrespeitando o gabarito, consegue-se o habite-se. Por isso, 90% dos prédios e 30 % das escrituras são  legalizados irregularmente através de uma máfia ­ acusou Dair Zanotelli.
 

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Aluguéis de imóveis em favelas rendem mais de R$ 100 milhões

O Globo Online, 25 de agosto de 2008


Erguer "condomínios" em que os proprietários ao mesmo tempo exploram e têm que garantir a integridade dos bens e dos inquilinos é uma das peculiaridades da perigosa atividade de construção civil em comunidades pobres do Rio. De acordo com reportagem da série Favelas S/A, publicada na edição desta segunda-feira do jornal 'O Globo', esse mercado informal movimenta pelo menos R$ 107 milhões em aluguéis em favelas. O cálculo é do economista Ib Teixeira, com base no Censo do IBGE de 2000, que revelou a existência de 35.500 casas alugadas (12% do total) nas favelas.

Ib estima que o patrimônio imobiliário dos 307.500 imóveis de favelas da capital seja de R$ 7,3 bilhões. Uma quantia gigantesca, sem falar nos conjuntos habitacionais favelizados e loteamentos irregulares. Uma realidade bem diferente da desbotada idéia de que todos os problemas das favelas têm origem social. O mercado de compra e venda nessas comunidades chega a superar o que se arrecada no asfalto, curiosamente desvalorizado muitas vezes por conflitos em favelas.

Mas quem se aventura na construção em favelas conhece o risco. A falta de regras e o contrato verbal prejudicam os moradores, que ficam sem proteção legal, à mercê da vontade de proprietário, traficantes ou milicianos. Nas
favelas, a denúncia vazia original (um contrato podia ser cancelado sem qualquer razão), criada em 1964 e extinta em 1979, ainda vigora. Mesmo sem ser um grande construtor, Maurício (nome fictício), de 33 anos, preferiu deixar a Barreira do Vasco, onde mantém negócios e uma casa alugada, com medo do tráfico.

Rio tem déficit habitacional de cerca de 800 mil imóveis

O Rio tem hoje um déficit habitacional de cerca de 800 mil imóveis, concentrado na população de baixa renda, é o que revela a reportagem da série Favelas S/A, publicada na edição desta segunda-feira do jornal 'O Globo'. No Brasil, esse número gira em torno de oito milhões. Desde a década de 80, as favelas, com a omissão do poder público, não param de crescer. A migração para a Região Sudeste agrava o problema. Em 70, o Rio já tinha uma considerável Região Metropolitana, com 13% da população urbana brasileira.

O Favela-Bairro foi um diferencial em relação a outras metrópoles, mas não avançou como se esperava. Há problemas associados ao processo de favelização, como adensamento excessivo, questões fundiárias e falta de infra-estrutura e de condições sanitárias.

Ex-moradores dominam mercado de quitinetes na Rocinha

No morro formado pelas encostas da Gávea e de São Conrado, bairros ricos da cidade, ganha-se por hora de trabalho R$ 2,14 - na vizinha Lagoa, este valor é sete vezes maior - e os moradores ocupados têm a metade da escolaridade média dos cariocas. Mas os indicadores de Adeir Tostes Farias, de 54 anos, filho de um mineiro que veio ganhar a vida no Rio, dão um olé nas estatísticas do IBGE para o lugar. É o que revela a reportagem da série Favelas S/A, publicada na edição desta segunda-feira do jornal 'O Globo'.
onstruindo prédios e alugando quitinetes, ele subiu na pirâmide social. E de elevador. Com o faturamento do mercado informal da favela, Adeir vive muito bem, obrigado, no Condomínio Wonderful Ocean Suites, na Avenida Canal de Marapendi, na Barra.

Enquanto 56 mil moradores, segundo o último censo, tentam conviver na caótica e claustrofóbica arquitetura da Rocinha, lidando com mazelas como a alta taxa de tuberculose, Adeir pôde pagar 40 vezes mais pelo apartamento onde mora do que cobraria por uma de suas quitinetes. Se ele as vendesse, claro. O aluguel é uma espécie de cabresto na Rocinha. Quem tem quitinetes não vende, o que inviabiliza o sonho da casa própria e garante renda mensal
vitalícia para os proprietários.

A confusão urbanística deve muito a criativas e intermináveis formas de negociação das lajes. Um corretor da favela conta que, às vezes, o dono do imóvel vende a laje para alguém construir, com o compromisso de que o
próximo teto será seu. Outra novidade é o direito à vista. Por valores entre R$ 8 mil e R$ 10 mil, um morador compra do vizinho de frente o compromisso de que ele não vai construir sobre sua laje.

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Poder Público foi “sócio” das milícias no Rio, avalia presidente de CPI Marcelo Freixo
Luciana Lima - enviada especial   
Agência Brasil, Quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Rio de Janeiro - O Poder Público no Rio de Janeiro não fechou os olhos para a milícia, na opinião do presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias instalada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), deputado Marcelo Freixo (P-SOL). “Ele foi sócio”, avalia o deputado.

“Se o Poder Público tivesse fechado os olhos, as milícias não teriam crescido tanto. Ele abriu os olhos, se interessou pelas milícias, ajudou a eleger pessoas que ocupavam cargos na segurança pública, incentivou. Estou falando de ações concretas como ajuda orçamentária a centros sociais controlados por milícias, permissão para que os chefes de milícias se candidatassem utilizando suas legendas”, avalia o deputado, referindo-se ao DEM, partido do prefeito Cesar Maia.

A “associação”, na opinião do deputado, teve claro objetivo eleitoral. “Muitos políticos foram beneficiados pela milícia. Basta observar que ex-secretários de Segurança tiveram suas campanhas muito bem aceitas em áreas como Rio da Pedras. Sabemos que só faz campanha em área de milícia quem tem acordo com milícia. Os milicianos não foram enfrentados. Não houve plano de enfrentamento às milícias. Pelo contrário. Foram tratados muitas vezes como solução, um mal menor.”

“O prefeito do Rio de Janeiro chamou por muito tempo as milícias de auto-defesa comunitária. Isso não é fechar os olhos. Isso é abrir os olhos e buscar um conceito para milícia que seja positivo”, destaca o deputado, que acredita estar diante de um novo posicionamento do governo estadual no enfrentamento das milícias.

A mudança de posição, na avaliação de Freixo, ocorreu a partir do seqüestro de integrantes de uma equipe de reportagem do jornal O Dia, em maio deste ano. Eles foram torturados por tentarem fazer uma reportagem na Favela do Batan, em Realengo, zona oeste da cidade.

“Hoje existe um enfrentamento do estado a esses grupos. Demorou muito. Essas milícias cresceram muito e chegaram a esse ponto. Somente neste ano é que se tem conseguido articular o trabalho do Parlamento e do Ministério Público com a Polícia Civil. Hoje há um entendimento do Poder Público que não é um mal menor”, disse o deputado, que, na semana passada, ouviu o depoimento do secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, a portas fechadas.

De acordo com o deputado, Beltrame admitiu o erro ao ter considerado as milícias “um mal menor”. “Houve um reposicionamento. No depoimento do secretário à CPI, ele diz isso. Diz que não é um mal menor”, relata o parlamentar, que também afirma ter ouvido o mesmo posicionamento do delegado da 35ª Delegacia de Polícia Civil, Marcos Neves. “Em depoimento à CPI o delegado disse: eu errei, eu achei no início que era um mal menor. Não penso mais assim. Eu estava errado.”

Marcos Neves é responsável pela delegacia de Campo Grande, área de atuação da maior e mais organizada milícia do Rio de Janeiro, chamada Liga da Justiça. Ele aponta a milícia como autora dos atentados a bomba, contra a sua delegacia no ano passado.

Na avaliação de Freixo, por ser movida por agentes públicos, por se utilizar do aparato do Estado e por ter perspectiva política, a ação das milícias representa a maior ameaça à soberania do Estado. “Muito mais do que o desorganizado crime de tráfico de drogas, que é violento, brutal, mas, é evidentemente desorganizado, não tem braço político”, compara.

O pedido de criação da CPI das Milícias foi apresentado em fevereiro do ano passado, mas só foi aprovado neste ano, depois do episódio do Batan. “Abre-se mão, dessa forma, do monopólio da força do Poder Público. Tem-se justiça paralela. Tem-se o estado leiloado”, avalia o parlamentar.


 


Organização de moradores dificulta atuação de milícias, afirma pesquisador

Luciana Lima - enviada Especial

Rio de Janeiro - A distribuição das milícias no Rio de Janeiro também é feita de forma diversa. No entanto, nas áreas onde a população tem maior nível de escolaridade e mais acesso aos meios de comunicação, essas organizações não conseguem se instalar. Um episódio, ocorrido em junho deste ano em Botafogo, zona sul da cidade, caracteriza esse fenômeno, de acordo com o pesquisador da organização não-governamental Justiça Global, Rafael Dias. Ele conta que uma milícia tentou atuar no bairro.

Segundo ele, na primeira semana, ocorreu uma série de delitos incomuns na região próxima ao 2º Batalhão da Polícia Militar. Depois, nos escaninhos dos prédios, chamou a atenção dos moradores um comunicado distribuído com a oferta de um “apoio alternativo”. O chefe da “prestação de serviços” seria um sargento da PM, lotado no Batalhão de Choque. Os moradores, indignados, procuraram a presidente da associação de moradores do bairro que, em seguida, se reuniu com os interessados em realizar a “segurança”. Do encontro, participou o sargento da PM, que ouviu dos condôminos o desinteresse na contratação do serviço.

“Os moradores se queixaram de ter ouvido uma ameaça velada por parte do PM. Além de registrarem ocorrência no Batalhão também deram publicidade ao fato. Percebeu-se então um recuo. Uma desistência da milícia em se colocar no bairro”, explicou Rafael Dias.

“Por fatos assim é que a milícia não chegou à zona sul. Pode chegar? Pode. Mas é importante ressaltar que quanto mais conscientes de seus direitos e deveres e quanto mais voz cada comunidade tiver, mais difícil se torna a infiltração da milícia”, destacou o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, instalada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado Marcelo Freixo (P-SOL-RJ).

A ausência dos serviços básicos do Estado, como saúde, segurança e educação, em regiões mais pobres também facilita a instalação das milícias. “O complexo do Alemão, por exemplo,é uma comunidade propícia ao domínio da milícia por total abandono do Poder Público. Um lugar com mais de 200 mil moradores e apenas uma escola do Estado, três escolas públicas ao todo. Não há política de segurança que dê certo. Não há como a ordem ser pactuada. Ela tem que ser imposta, tem que ser violenta. Aí, o Estado disputa com os criminosos para tentar controlar a região, hoje controlada pelo tráfico”, ressaltou o deputado.

Em Campo Grande, bairro da zona oeste, a ação da milícia é controlada pela Liga da Justiça. “É uma milícia que atua com um monopólio muito grande, com grande uso da força e de domínio, com característica de máfia por ter controle familiar”, explicou Freixo.

Já na região de Jacarepaguá e Rio das Pedras, há uma pulverização dos domínios. “Em Jacarepaguá não se tem uma só milícia, mas várias. Mas com práticas muito semelhantes como implantação do terror, domínio de território, braço político, controle de atividades comerciais, controle com viés moralista, liderança de agentes armados do estado e busca do lucro por meio de atividades extorsivas.

Esse conjunto, segundo o deputado, de fatores é importante para a definição do que é milícia. “Isso é importante para não confundir, por exemplo, com segurança privada, com grupos de extermínios. Se não deixarmos muito claro o que é milícia, tudo passa a ser. Dessa forma, nada é milícia.”

No caso da segurança privada, que atualmente existe em cada centímetro quadrado de bairros da zona sul, como Ipanema e Leblon, não há imposição. “As pessoas podem pagar e contratam aquele serviço. Ela coloca uma cancela na rua e seguranças. Há um pacto entre o prestador de serviço e quem está contratando. No caso da milícia a segurança é imposta”, explicou Freixo.

A CPI pretende apresentar um relatório preliminar no dia 15 de setembro e um relatório final no dia 15 de novembro. O documento apontará os agentes políticos de cada milícia, para isso, os deputados estão analisando o mapa eleitoral de cada área.

“Raras são as milícias que não têm uma vinculação eleitoral com alguém. Se um determinado político tem todos os votos de um bairro e não tem voto em qualquer outro lugar é um indício de que precisa ser investigado. Outro indício é se o político exerce alguma atividade econômica conhecidamente ligada à ação miliciana. Ainda não temos a totalização de quantos são os candidatos das milícias. Mas já sabemos quem são os candidatos mais fortes das milícias e eles serão chamados a depor”, explicou.

Estão na lista para serem convocados os vereadores Jerominho Guimarães, apontado como chefe da Liga da Justiça, em Campo Grande; Nadinho, de Rio das Pedras; Luiz André Deco, da Praça Seca; Cristiano Girão, da favela Gardênia Azul; localizada na região de Jacarepaguá. “São pessoas que a polícia investiga por vínculo com as milícias.


 


Milícias conduzem até a vida de moradores no Rio de Janeiro

Luciana Lima - enviada especial

Rio de Janeiro - “Uma mulher, que tinha um envolvimento lá - enfim, questão de adultério - foi posta na rua, teve a cabeça raspada e teve que descer o morro. Ela tinha um envolvimento com um traficante, que saiu dali depois que a milícia tomou o controle. Ela, por isso - ou por, não sei qual foi a postura dela depois que a milícia tomou o controle - ela foi colocada nua, pra fora de casa, teve a cabeça raspada e foi obrigada a descer o Morro do Sossego assim”.

O relato é de um morador de Bangu, subúrbio da região Oeste do Rio de Janeiro, e consta da pesquisa “Seis por Meia Dúzia?”, um estudo coordenado pelo professor Ignácio Cano, que ouviu moradores de áreas dominadas por milícias na capital e na Baixada Fluminense, lançada hoje (18).

O estudo baseou-se em 248 matérias de jornais, 3.469 registros do Disque-Denúncia, além de 46 entrevistas com moradores de áreas onde as milícias atuam. Os dados demonstram que, entre janeiro 2006 e abril de 2008, foram registradas 1.549 denúncias de extorsão em áreas dominadas por milícias e mais de 500 acusações de homicídios, o que confirma a natureza violenta desses grupos e o tipo de dominação que exercem.

O cotidiano se mostrou mais cruel em bairros onde o controle das milícias ultrapassa os limites da privacidade. Muitos procedimentos se assemelham às praticas do tráfico.

“Minha mãe mora em Bento Ribeiro [zona Norte]. Lá, puseram na caixa de correio dela um bilhete: segurança particular, mensalidade R$ 30,00. Eles entregaram a filipeta e avisaram em todas as casas que a partir daquele momento houve um controle tremendo. Não pode mais ouvir música alto (...) e eles não aceitam funk, eles não aceitam todo tipo de música”, descreve um morador do bairro Del Castilho, na zona Norte.

Pelo relato do mesmo morador, a milícia também decide se é a hora de as crianças irem para creches. “Eles disseram que ela informasse a eles mensalmente as crianças que estavam indo para a creche, porque eles iriam tentar averiguar quais eram os motivos. Se fosse um motivo banal, por exemplo, eles iriam denunciar para o conselho tutelar”, diz o morador.

De acordo com o coordenador da pesquisa, houve grande resistência dos moradores dessas áreas para falar sobre o assunto. “Conseguir testemunhos sobre milícias [foi] mais árduo que obter depoimentos sobre o tráfico, por exemplo. Apesar da garantia de sigilo, vários entrevistados se mostraram claramente receosos, se negaram a gravar”, comentou. Na maior parte das vezes, os moradores responderam às perguntas, fora do bairro, no ambiente de trabalho. As entrevistas foram realizadas entre outubro de 2007 e março de 2008.

Alguns depoimentos demonstram que a intensidade do controle sobre a população é variável, dependendo de cada área. De acordo com a pesquisa, em alguns lugares os milicianos atuam quase como um sistema de segurança privado, não interferindo na vida dos moradores de forma tão efetiva ou “desde que a ordem pública não seja ameaçada”, relata a pesquisa.

“Não, não colocaram regra nenhuma não. Pelo contrário, eles até eram bem solícitos com os moradores. Quando alguém chegava aqui mais tarde, acompanhavam até chegar em casa. A milícia aqui foi milícia ligth. Milícia braba tem lá na Carobinha [Favela da Carobinha localizada na região de Campo Grande, na zona Oeste]”, disse um entrevistado morador de Bangu, também na zona Oeste da capital.

As entrevistas demonstraram que algumas milícias restringem o direito de ir e vir dos moradores dos bairros onde se impuseram. Os moradores acabam impedidos de circular pelos “territórios” considerados inimigos. “Não se pode usar drogas e nem pensar em ir lá na Cidade de Deus”, disse um morador de Jacarepaguá. A Cidade de Deus é dominada por traficantes.

O pesquisador da Justiça Global Rafael Dias, que participou das entrevistas, destacou que o nível de interferência na vida particular é um ponto que diferencia a milícia da atuação do tráfico de drogas, por exemplo. As duas organizações interferem, mas de formas diferentes. “Quando há uma briga, o traficante faz uma mediação. Já houve caso do tráfico também espancar homens que batem em mulher. Mas a milícia apresenta uma cultura militar. É um discurso moralizante. Não pode beber, Não pode escutar funk. O discurso anti-drogas também é muito forte”, disse o pesquisador.

Apesar do discurso conservador, em alguns lugares a milícia optou por permitir a venda de drogas e o uso, dentro de casa. “Eles permitem que a pessoa use drogas em casa. Se pegam a pessoa fumando maconha ou crack na rua, eles dão uma dura. Se pegam de novo, eles matam”, destacou.

Presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Milícias, instalada na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o deputado Marcelo Freixo destacou que, devido ao discurso moralizante da milícia, a população dos bairros passou a enxergá-las com bons olhos. “A população chegou a ver as milícias também como um mal menor. Isso porque existe um apelo moral. Eles chegam, dominam o território e dizem que não tem mais a droga, não tem mais a baderna, não tem mais o tiroteio com a polícia. E não tem mesmo porque a milícia não enfrenta a polícia. A milícia é a polícia”, afirmou o deputado.

No entanto, os efeitos nocivos do controle passam a ser sentidos pela população, na opinião de Freixo, logo após o início da atuação dos milicianos. “A população começa a sentir que vira refém desses grupos, que matam também. Eles não apenas matam as pessoas, eles matam e mostram que matam”, descreve o deputado.

Submetido a uma situação na qual as execuções sumárias são vistas como naturais, um morador de Santa Margarida, em Campo Grande, relata a ação de “limpeza” promovida pela milícia local. “Morador não morreu ninguém, era tudo bandido. O problema é que os bandidos eram todos conhecidos nossos. Tinha gente da minha idade, que cresceu comigo. A gente não podia nem falar que não, não matem. Era bandido, tinha que morrer, morreu”!

A CPI estima que existam hoje cerca de 150 milícias no estado do Rio de Janeiro. Quase sempre, seus integrantes podem ser identificados por um colete preto escrito “apoio”. No entanto, parte dos integrantes da milícia trabalha à paisana e se confunde com a população dos bairros. Em alguns bairros, os milicianos proibiram a população de usar roupas pretas, cor privativa dos integrantes do grupo.

A concentração é na cidade do Rio, mais especificamente na zona Oeste da cidade, ao longo da Avenida Brasil, da Linha Amarela e nas cidades mais desenvolvidas do interior do estado, principalmente do Sul Fluminense. A pesquisa abordou moradores de várias áreas, mas principalmente as que apresentaram maior número de denúncias contra a milícia no Disque-denúncia: Campo Grande, Anchieta, Canal do Anil (Jacarepaguá), Bangu, Campinho, Comendador Soares, Del Castilho, Guadalupe, Guaratiba, Itaguaí, Jacarepaguá, Paciência, Penha, Ramos, Santa Cruz, Sepetiba e Vila Kennedy.


Tiro no rosto identifica crimes cometidos por milícias

Luciana Lima - enviada especial

Rio de Janeiro - Se os tiroteios se tornam mais raros nas áreas controladas pelas milícias, as mortes com características de execução aumentam. O crime cometido pela milícia é, geralmente, identificado com um tiro final no rosto. “Os corpos são colocados na rua, sempre no fim do dia, e o último tiro é sempre no rosto. O objetivo é desfigurar completamente a pessoa. Isso amplia o medo, que é um elemento muito importante para quem vende segurança e provoca terror. Essa é a lógica”, descreve o deputado Marcelo Freixo (P-SOL), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, instalada na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

O delegado Marcos Neves, da 35ª Delegacia de Polícia Civil, localizada na área de Campo Grande, entregou à CPI um relatório contendo várias fotos de vítimas da milícia em seu bairro e, em todas elas, os corpos tinham o rosto desfigurado.

Imortalizado no cinema nas últimas cenas filme Tropa de Elite, dirigido por José Padilha, o tiro de fuzil no rosto esteve presente no relato de vários pesquisadores. O representante da Justiça Global Rafael Dias destaca que a prática é aplicada contra policiais do bairro que entram em choque com a milícia.

“As práticas da milícia são muito violentas. Os casos de morte de policiais que entraram em choque com a polícia apresentaram um traço comum, o tiro no rosto para desfigurar. Não tem como sair da milícia. Se o policial entrou, não tem como sair. Se ele não entrou, tem que no mínimo fazer vista grossa ou colaborar.”

A colaboração, de acordo com ele, significa inclusive, “limpar” a área para que a milícia chegue. “Existem relatos de lugares dominados pelo tráfico em que a polícia entrou primeiro, dominou, para depois a milícia chegar e se instalar”, conta.

“Com a milícia, as trocas de tiros param, mas as mortes não. Moro no centro de Campo Grande, em uma área mais urbana, sem favelas, e com polícia na rua. Mesmo assim, tenho que pagar R$ 10 por mês por segurança. Todo dia R$ 10, uma mulher loura passa na minha rua recolhendo. Sei que ela é mulher de um policial militar”, relata uma moradora à Agência Brasil. Ela pediu para que seu nome não fosse divulgado temendo represálias.

“Na vila onde moro existem cinco casas e todas pagam. Se a gente não paga, o carro aparece arrombado, ou então, ele simplesmente é levado, sua casa é assaltada. Eles [os milicianos] tocam o terror e vendem proteção”, conclui.
 
Uma escola na Favela do Barbante, palco da execução de sete pessoas há cerca de dez dias, já havia suspendido as aulas, uma semana antes da chacina. “Os alunos começaram a ligar para a escola para dizer que não iriam para as aulas, porque não podiam sair de casa com medo de morrer. A diretora resolveu então fechar a escola para não prejudicar os alunos”, explica uma moradora.

Os fatos fazem parte do cotidiano de moradores da área controlada pela maior milícia já identificada no Rio de Janeiro, a Liga da Justiça. A organização é apontada como responsável pelo ato “desesperado” – na avaliação do próprio secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame – de assassinar sete moradores da Favela do Barbante.

O único propósito da milícia nesse crime foi o de se mostrar necessária, imprescindível no dia-a-dia das dos moradores da zona oeste, de acordo com as investigações da Polícia Civil.

“A milícia impõe. Ela é baseada na lógica do terror. Há sempre em um processo de extorsão e de domínio de território pelo controle de atividades econômicas. Vendem a seguinte idéia: eu te protejo de mim mesmo. O eixo é a atividade econômica, a busca é de lucro. Esses grupos têm também perspectivas de poder. Quanto mais organizada e mais forte, maior a representatividade política”, analisa o deputado Marcelo Freixo.

Dos executados na chacina na Favela do Barbante, nenhum tinha envolvimento com o crime. As investigações apontam que eles foram escolhidos como alvo da milícia liderada por uma família de políticos influentes na zona oeste do Rio de Janeiro. São chefes dessa família o vereador Jerominho Guimarães, que se encontra preso e seu irmão, Natalino Guimarães, que teve o mandato cassado há duas semanas e que também foi preso.

A família luta para levar mais um de seus membros ao Legislativo do Rio de Janeiro. A filha de Jerominho, Carminha Guimarães concorre ao cargo de vereadora e garante que as acusações contra seu irmão, Luciano Guimarães, apontado como mandante da chacina, representam perseguição política do delegado de Campo Grande, Marcos Neves.

Luciano Guimarães teria dado as ordens e também participou das execuções, escolhendo aleatoriamente quem iria morrer. Além dele, que teve a prisão decretada, mas está foragido, o delegado aponta como integrantes do grupo de 17 pessoas que teriam matado os moradores da Favela do Barbante três policiais militares que estão na ativa, dois policiais civis e um bombeiro.

“Esse atentado teve como objetivo primeiro criar a idéia na comunidade de que a presença de milicianos é imprescindível. Eles tentaram atribuir os crimes ao tráfico”, avalia o delegado.


Milícias lucram mais com cobrança de pedágio que com venda de entorpecentes

Luciana Lima - enviada especial

Rio de Janeiro - Quando toma uma van para ir ao curso de pós-graduação, o advogado nem estranha mais a parada no cruzamento da Avenida Campo Grande, principal artéria do bairro, com a Rua Vitor Alves. Depois de entregar dinheiro a um homem que veste um colete preto, o motorista segue seu caminho. Também é familiar a presença de um policial, a aproximadamente 10 metros, alheio à cobrança corriqueira do “pedágio”.

“Só posso pensar que ele divide a grana com o policial. Se o motorista não paga, sofre as conseqüências. Já vi colocarem fogo nas kombis e em vans durante a noite”, disse o advogado, em entrevista à Agência Brasil. Temendo represálias, ele pediu para não ser identificado.

O principal lucro das milícias, e também do tráfico atualmente, é com o transporte alternativo. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos em Transporte Alternativo do Rio de Janeiro, Guilherme Biserra, para circular nas áreas dominadas pelo tráfico e pelas milícias, cada veículo precisa pagar R$ 50 por dia.

“Uma cooperativa com cerca de mil carros, que é a média, vai ter que desembolsar por mês R$ 1,2 milhão. Com isso, o cooperado acaba andando todo irregular, deixa de pagar licenciamento do carro, deixa de fazer manutenção, e fica doido atrás de passageiros para tirar o prejuízo. É uma extorsão”, reclama Biserra.

Além do “pedágio”, Biserra denuncia a tomada de algumas cooperativas pelos chefes das milícias. “As cooperativas se transformam em cooperfraudes. Têm CNPJ [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica], registro, mas, na verdade, os cooperados acabam trabalhando para uma pessoa, um dono, ligado à milícia ou ao tráfico. São na verdade grupos que se constituem em cooperativas de fachada para extorquir dinheiro dos trabalhadores. O interesse dessas cooperativas é cobrar taxas diárias para poder rodar”, denuncia.

As “cooperfraudes” e as denúncias de cobrança de pedágio foram citadas em um relatório entregue ao ministro da Justiça, Tarso Genro, no ano passado, mas, segundo Biserra, o governo federal não tomou qualquer providência. “Os trabalhadores em transporte alternativo esperam uma ação da Polícia Federal para combater essa prática. Não dá para contar com a Polícia Militar, porque muitos dos seus integrantes fazem parte desse esquema, coordenam esse esquema”, disse.

Conforme estimativa do setor, os lucros do tráfico e das milícias com a cobrança do pedágio podem chegar a R$ 150 milhões por mês, mais que o obtido com a venda ilegal de entorpecentes. “Com certeza, o transporte alternativo é o que mais rende lucro para os grupos organizados”, destaca o deputado Marcelo Freixo, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, que funciona na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

“Milícia é grupo armado, formado e liderado por agentes públicos, prioritariamente integrantes ou ex-integrantes da Polícia Militar, com domínio de território, com grande lucratividade em atividades econômicas extorsivas. A extorsão se dá tanto de forma direta, como no caso da cobrança por segurança, até extorsão por meio do controle do gás, dos aluguéis, da água, do transporte alternativo (vans), mototáxi, controle da netcat, também conhecida como gatonet [TV a cabo pirata]”, explicou o deputado.

Em alguns áreas da chamada Grande Campo Grande, e da região de Jacarepaguá, a CPI já constatou grilagem de terras feita pelos milicianos. “Eles tomam as terras e acabam alugando para servir de depósito para lojas de material de construção”, relatou um comerciante de Bangu.

No caso das milícias, o pesquisador Ignácio Cano identificou na composição, policiais, agentes penitenciários, bombeiros ou outros agentes armados do estado, quase sempre em posições de comando. “Há também civis, moradores das comunidades, que colaboram com os milicianos em algumas ocasiões, e pessoas recrutadas entre narcotraficantes derrotados”, constatou.

No caso da venda de gás, por exemplo, há informações do setor que apontam lucro mensal de cerca de R$ 16 milhões. Segundo estimativas do Sindicato dos Revendedores de Gás GLP do Estado do Rio de Janeiro, existem 15 mil pontos de venda ilegais na cidade, muitos em áreas dominadas por milícias.

Em depoimento na CPI das Milícias, o representante do sindicato ressaltou que existem apenas 1.580 pontos regulares de revenda de gás na cidade do Rio de Janeiro. Ele citou que uma das empresas irregulares, localizada em Rio das Pedras, bairro considerado berço das milícias na capital, venderia 3 mil botijões de gás por dia em Jacarepaguá. O faturamento diário, apenas dessa empresa, pode chegar a R$ 25 mil.
Com TV a cabo os lucros podem podem chegar a R$ 120 milhões. As mensalidades cobradas, que variam de acordo com a região, vão de R$ 20 a R$ 35, com acesso a todos os canais.


PT do Rio se reúne para expulsar deputado envolvido com milícias

Luciana Lima - enviada especial

Rio de Janeiro - A executiva regional do PT do Rio de Janeiro e a bancada do partido na Assembléia Legislativa se reúnem na próxima segunda-feira (1º) para decidir sobre o afastamento do deputado estadual Jorge Babu, acusado pelo Ministério Público de envolvimento com milícias. De acordo com o presidente regional do PT do Rio, Alberto Cantalici, há uma grande pressão dentro do partido pelo afastamento de Babu.

 “A reunião servirá para decidirmos qual será o procedimento adotado. Sabemos que será um procedimento sumário, mas é necessário que o estatuto do partido seja cumprido, dando a ele o amplo direito de resposta”, explicou Cantalici.

Na opinião do deputado federal petista Antônio Carlos Biscaia, que é coordenador do Núcleo de Segurança Pública do PT Nacional, a decisão de afastar Babu é tardia e o diretório regional do partido é responsável pelo desgaste sofrido pela legenda devido às denúncias contra o parlamentar. “A decisão de manter um bandido desses no partido só poderia dar nisso”, disse o deputado, que já ocupou a Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão ligado ao Ministério da Justiça.

Biscaia também é a favor da expulsão do irmão de Babu, Elton Babu, candidato a vereador pelo PT. Cantalici é contra isso. “Temos que tomar nossas decisões independentemente das eleições. Não podemos afastar o irmão dele que não tem nada a ver com os crimes”, disse o presidente do PT. Biscaia contra-argumenta: “É necessário também expulsar o irmão dele. O partido tem que empunhar de novo a bandeira da ética”.

Biscaia lembrou que na ocasião em que Jorge Babu foi preso em uma rinha de galo no Recreio dos Bandeirantes, o partido havia decidido pela sua expulsão. Babu teria então entrado com um recurso,. que nunca chegou a ser julgado pela executiva do partido, e conseguiu se candidatar a deputado pela legenda.

“Na época, só três pessoas do partido se levantaram contra a candidatura dele à Assembléia Legislativa: Inês Pandeló, Alessandro Molon e eu. Portanto, o diretório regional do PT tem responsabilidade pelo que está acontecendo dentro do partido”, destacou Biscaia.

Jorge Babu era policial civil no bairro de Santa Cruz, onde nasceu e foi criado. Ele se elegeu duas vezes vereador pelo PT. Na primeira eleição, em 2000, obteve 13.572 votos. Em 2004, sua votação para a reeleição como vereador pulou para 23.788. Em 2006, Babu conseguiu se eleger deputado estadual com 32.486, todos na zona oeste do Rio de Janeiro, região controlada pela ação miliciana.

O Ministério Público do Rio de Janeiro acusa Babu, o tenente-coronel da PM Carlos Jorge Cunha e mais nove pessoas de integrar a milícia que age nos conjuntos habitacionais da Rua Murilo Alvarenga (em Inhoaíba), Cesarinho (em Paciência) e na Comunidade da Foice. Entre os acusados estariam um fuzileiro naval, um bombeiro, dois policiais militares e cinco moradores da Zona Oeste. Todos tiveram prisão preventiva pedida pelo Ministério Público, com exceção de Babu que tem foro privilegiado por ser deputado e só pode ser preso em flagrante.

A Corregedoria da Polícia Civil fez as investigações com base em interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça. Essas ligações demonstram a cobrança de taxas de segurança de comerciantes que variam de R$ 10 a R$ 100 por semana, de acordo com matéria publicada hoje (29) pelo jornal O Globo.

Segundo a denúncia, o grupo chefiado por Babu estaria agindo desde o final de 2005, com práticas típicas da atuação de milícias como uso da violêncioa para fazer cobranças, emprego de armas de fogo, inclusive fuzis, imposição de monopólio na venda de gás e na distribuição clandestina de TV a cabo ("gatonet").

As investigações teriam partido da denúncia feita em maio de 2007 por um comerciante da Comunidade da Foice, em Pedra de Guaratiba, expulso pela milícia. Ele teria reclamado que o grupo havia implantado uma rede de "gatonet" na sua loja, que oferecia o serviço de forma legalizada. O comerciante faz parte agora do Programa de Proteção a Testemunhas.


PF prende 11 pessoas ligadas à milícia por crimes eleitorais no Rio

Vladimir Platonow - repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - A Polícia Federal (PF) deflagrou hoje (29) a Operação Voto Livre para prender 22 duas pessoas ligadas à milícia Liga da Justiça por crimes eleitorais. Entre os presos está a filha do vereador Jerominho (PMDB), Carmen Glória Guimarães, a Carminha, candidata a vereadora. As prisões foram pedidas pelo Ministério Público Eleitoral ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE).

Eles foram indiciados por formação de quadrilha armada, tentativa de homicídio e formação de curral eleitoral, crime previsto no Artigo 301 do Código Eleitoral. O irmão de Carminha, Luciano Guimarães, que já é procurado pela Polícia Civil, agora também passa a ser alvo da PF.

De acordo com o superintendente da Polícia Federal no Rio, delegado Valtinho Caetano, até o final da manhã já haviam sido presos 11 suspeitos. Todos devem seguir ainda hoje para o Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná, a bordo de um avião da PF.

“Iniciamos investigações há cerca de 90 dias. Tínhamos informação de que haveria candidatos coagindo eleitores em determinadas áreas, incluindo a Carminha Gerominho. Ela usava pessoal da milícia conhecida como Liga da Justiça, composta em sua maioria por PMs”, disse Caetano.

Entre os 22 indiciados, 13 são policiais militares. O delegado afirmou que Carminha foi presa porque estava se beneficiando da influência da milícia sobre eleitores, principalmente na zona oeste da cidade, nas Favelas do Batan, Barbante e Carobinha. A PF investiga duas tentativas de homicídio contra pessoas que se negaram a ceder espaços para colocar cartazes da candidata em seus imóveis e outras que tiveram de deixar suas casas por não a apoiarem.

Entre os presos, está um comerciante de gás que forçava a venda do produto por um preço superior ao praticado no mercado a fim de gerar recursos para a campanha de Carminha, segundo o delegado Valtinho Caetano.

Segundo lista divulgada pelo Ministério Público Eleitoral, tiveram prisão temporária expedida por 30 dias: Carmem Glória Guimarães, Luciano Guimarães, Fábio Pereira de Oliveira, Ivilsor Umbelino de Lima, Julio César Ferraz, Flávio Mendes Augusto, Expedito Pereira Marques,  Alexandre de Souza Pereira, Carlos Henrique Ramos, Marco Antonio dos Santos Lopes, Moises Pereira Maia Júnior, Toni Angelo Souza Aguiar, Ricardo Carvalho Santos, Airton Padrilha de Menezes, Alonso dos Santos Holanda, Alexandre Bira, policial militar Kennedy, Marciel Paiva de Souza, Luciano Sabino da Silva, e Tiago, conhecido por Toni; Guilherme de Bem Berndinelli e Paulo César de Carvalho.

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Governo prepara pacote contra déficit habitacional

Jornal Extra, 26 de setembro de 2008


O governo federal está preparando o Plano Nacional de Habitação (Planhab), que deverá ser divulgado em outubro, com o objetivo de tornar mais abrangente o crédito habitacional voltado para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos (R$ 2.075). Com isso, o governo pretende acabar ou reduzir consideravelmente  o déficit habitacional, que está em oito milhões de moradias, até 2023.

Uma das ações do plano será criar um fundo garantidor, provavelmente com  recursos do Tesouro Nacional e do Fundo de Garantia, que protegerá os bancos dos riscos de conceder empréstimos mais longos e de valor mais, elevado para esse segmento da população.

Em conjunto

O plano está sendo traçado em conjunto entre os ministérios das Cidades e do Planejamento. Mas, depois de apresentado, terá aindaque passar pelo Congresso Nacional.

Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Paulo Safady Simão, seria um erro do governo autorizar a aplicação do Fundo de Garantia em ações da Petro-bras, como foi divulgado pela imprensa no início desta semana, por conta do Planhab.

Segundo Safady, isso significaria desviar os recursos de sua finalidade original, que é levar habitação e saneamento básico à população de baixa renda, para aumentar rendimentos que estão concentrados na classe média.
 

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Baixa renda é saída para construtoras


Gazeta Mercantil, 27/nov


A expansão do mercado de edificações brasileiro, responsável por 5,29% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 2007, exige a adoção de métodos e medidas que acelerem a lucratividade e diminuam os gastos, já que os efeitos da crise internacional começarão a ser sentidos no setor daqui para frente. Os desafios e a atual realidade das construtoras e incorporadoras foram apresentados na última edição do Boletim de Conjuntura Industrial realizado
pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e pelo Instituto de Economia da Unicamp, a ser divulgado nesta semana.

Com a demanda aquecida, o mercado ainda não sofreu nenhum impacto que diminuísse sua produtividade. As medidas implantadas pelo governo, como a liberação da linha de crédito de R$ 3 bilhões para a construção civil divulgada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, possibilitam que os empreendedores tenham subsídios concretos para dar continuidade ao desenvolvimento do setor. "Se forem tomadas as medidas corretas, o setor não irá sofrer grandes impactos. O governo está sinalizando que irá controlar a crise e se mantiver esse crédito, as construtoras continuarão investindo", afirmou o economista da ABDI e um dos responsáveis pelo acompanhamento do Boletim, Rogério Araújo.

Para que o mercado continue acelerado, segundo identificou o estudo, as construtoras e incorporadoras devem ser cautelosas e buscar diferentes alternativas de crédito, a fim de diminuir a imobilização de seus recursos e manter o ritmo entre oferta e demanda. Com um ciclo de negócios longo - em média de 36 meses - a construção civil precisa de um volume significativo de capital para executar seus empreendimentos, tendo assim o crédito um papel expressivo no setor.

A habitação para a população de baixa renda é um dos pontos fortes de investimento no setor e, pode ser uma das oportunidades futuras para as incorporadoras em meio à crise econômica. As novas oportunidades de emprego e, conseqüentemente, o aumento da renda, elevou o consumo de imóveis por parte das classes C, D e E. Antes sem capital para aquisição e sem possibilidades de financiamento, essas classes tiveram a demanda reprimida. Hoje, com a intenção do governo de diminuir o déficit habitacional, tornam-se público-alvo do setor imobiliário.

O Boletim indica, como estimativa do próprio mercado bancário, que o crédito habitacional passe dos atuais 3% para 10% do PIB em 2015. "Se o PIB não diminuir e a renda da população continuar subindo, o mercado encontrará novas oportunidades na crise, como a habitação para baixa renda", comentou o economista.

O aumento da produtividade e qualidade de todas as etapas de produção também são aspectos importantes para a expansão do setor, como evitar perdas desnecessárias de materiais e qualificar a mão-de-obra formal. "Manter o setor forte é importante, pois ele gera muita renda e empregos", diz Araújo. Uma das metas apresentadas no estudo pela Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) é a elevação em 50% da produtividade e a redução das perdas nessa mesma proporção até 2010.

De janeiro a setembro deste ano, foram criadas 301 mil novas vagas de empregos formais, em comparação aos 177 mil no mesmo período em 2007. No entanto, os índices de informalidade são altos, contribuindo para a baixa produtividade já que as empresas informais não cumprem as normas e não seguem um padrão de qualidade. Para Araújo, um dos grandes desafios desse mercado é revertê-lo para a formalidade, "uma empresa formal tem mais facilidade na obtenção crédito, dessa forma, provavelmente as informais devam modificar sua estrutura, mas isso depende da conscientização das empresas".

As indústrias de insumos também precisam acompanhar a demanda do mercado elevando sua produtividade. O nível de utilização da capacidade instalada das fabricantes de materiais de construção corresponde a 85%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Material de Construção. A atual preocupação das indústrias de insumos é se conseguirão aumentar a capacidade produtiva para acompanhar a demanda, caso o mercado continue aquecido mesmo com a crise econômica mundial.
 

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Milícia começa agir no Terreirão 

Por Joyce Pimentel*

Há dois anos uma reivindicação antiga dos moradores se transformou em realidade: a construção de um batalhão de Polícia Militar no bairro. Na época, então a governadora Rosinha Garotinho, entregou à população o 31º BPM (Recreio dos Bandeirantes) totalmente equipado, inclusive com sistema de monitoramente de alta tecnologia e certa quantidade de viaturas.
Mas o que era para ser alegria, na época, também era tido como receio para alguns moradores. Muitos eram contra a retirada do batalhão de dentro da comunidade do Terreirão, situada no Recreio. Segundo a população local, a favela sempre foi um local tranqüilo e os moradores de bairros nobres se deslocavam até o Terreirão para fazer suas compras devido ao preço atrativo e a tranqüilidade do local.
- Lutamos tanto para a construção de um batalhão para a região. Hoje ele está baseado na Avenida Abelardo Bueno e é bastante moderno. Mas a retirada do efetivo do Terreirão levou  a infiltração de bandidos para aquela área que nunca teve registro de violência - lembrou um morador do Recreio dos Bandeirantes, que pediu para não ser identificado por questões de segurnça.
Mas hoje o que na época era medo se transformou em realidade. No mês passado, nove famílias foram expulsas da comunidade e vivem sobre proteção. De acordo com alguns moradores que vivem na favela, um homem foi executado na frente da família por estar envolvido com grilagem de terra e atualmente sua esposa está sendo obrigada a deixar a casa em que reside com três filhos.
- A milícia está se infiltrando aqui e há pessoas vindas da Cidade de Deus e do Santa Marta - afirmou uma moradora, que também não quis ser identificada. Também há informações, repassadas pelos próprios moradores, que esses grupos estão seqüestrando e matando menores de dentro da comunidade.
- Todos os corpos são jogados no matagal que cruza a Avenida Abelardo Bueno. As vítimas antes de serem executadas são violentadas e torturadas - contou outro morador, que também na quis revelar sua identidade.
Ele acrescenta ainda que, diversas casas estão sendo postas à venda e famílias inteiras vivem constantemente sobre ameaças. No entanto, há registros na 16ª DP e no próprio batalhão da região.
- Essas pessoas já estão na eminência de serem presas. Não está declarado se realmente são milicianos ou alguma facção criminosa que está tentando controlar o Terreirão - revelou o comandante Mouzinho.
No que diz respeito a milícia o delegado Carlos Augusto é enfático e afirma que a região da AP-4 foi a que mais combateu esse tipo de grupo.
- Fomos a única delegacia que acabou com mais de quatro grupos de milicianos. Mesmo assim, existe a dificuldade nesse combate, porque algumas comunidades preferem lidar com os milicianos que lidar com os traficantes, tornando assim, difícil o seu combate - afirmou o titular da 16ª DP.

* repórter AIB - redacao@aib.org.br
Foto: Arquivo/ Povo do Rio


 

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Para relatora da ONU, crise reflete erros

Gazeta Mercantil, Carolina Pereira, 23 de dezembro de 2008


Desde maio de 2008, a relatora especial do Direito à Moradia Adequada do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) é uma brasileira. A arquiteta Raquel Rolnik foi eleita por unanimidade pelos
governos que integram a organização e assumiu o cargo ocupado anteriormente pelo indiano Miloon Khotari. Entre suas funções, Raquel viaja pelo mundo para relatar as políticas habitacionais de vários países. A ex-secretária de
Planejamento Urbano do governo Lula acredita que a atual crise econômica reflete erros das políticas de habitação de diversos governos. Para a relatora, eles priorizaram o incentivo à obtenção de crédito para a casa própria, com foco na indústria da construção civil, em vez de ver a habitação como parte das políticas de bem-estar.

A arquiteta explica que o mercado imobiliário se tornou um dos elementos fundamentais da criação do valor do sistema financeiro e acabou ganhando importância por ser capaz de criar uma forma de crédito - a hipoteca -, que gerou um campo de especulação financeira global. Para ela, uma alternativa para esse cenário é o aluguel, que deve ser subsidiada pelo governo. "É preciso sair da política da casa própria", diz. "Aqui, o problema da falta de habitação é resolvido com assentamento precário e irregular, com autoconstrução. Essa é a verdadeira política de construção brasileira", avalia Raquel. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Gazeta Mercantil - Existe alguma relação entre as políticas de habitação e a atual crise econômica?

Essa também é a crise de um modelo que foi formulado desde os anos 1980, quando a habitação deveria ser resolvida pelo mercado, por meio da ampliação do crédito. As políticas de apoio social - estabelecidas, principalmente após a Segunda Guerra Mundial nos Estados Unidos e na Europa -, que faziam parte das políticas de bem-estar, foram se desmantelando e minguando pouco a pouco e, ao mesmo tempo, foi aumentando o apoio para comprar a casa própria.
No Brasil, no entanto, a política sempre foi de financiamento; nunca houve política de apoio social. Aqui, as políticas de habitação sempre foram voltadas basicamente para as empresas de construção civil, e não para o direito à moradia. Claro que essa indústria tem grande impacto na economia, pois emprega muita gente. Mas o grande problema é dizer que isso se faz em nome das necessidades de habitação do povo brasileiro. O que aconteceu foi que o esquema de incentivo ao crédito explodiu. Quem não tem capacidade de comprar uma habitação no mercado não tem capacidade de comprar uma habitação no mercado e ponto. Não adianta inventar a hipoteca da hipoteca da hipoteca.

Gazeta Mercantil - E por que o mercado imobiliário foi o estopim da crise?

Infelizmente, o mercado imobiliário se tornou um dos elementos fundamentais da criação de valor do sistema financeiro e acabou tendo importância muito grande na economia, pois, a partir desses ativos, é possível ter acesso ao crédito fazendo uma hipoteca. Isso foi um dos elementos que geraram esse campo de especulação financeira global, que encareceu o solo urbano. No entanto, determinados setores da economia deveriam ser protegidos, como é o caso da moradia. Esse modelo está com os dias contados, pois se mostrou incapaz de dar conta das necessidades de habitação. No Brasil, por exemplo, o principal problema é a população com faixa de renda entre zero e três salários mínimos, e esse processo não atinge essa camada da população.

Gazeta Mercantil - No Brasil houve também algum movimento que fez com que os preços dos terrenos aumentassem nos últimos anos?

A abertura de capital em bolsa de construtoras como Gafisa e Cyrela fez com que essas companhias se capitalizassem e começassem a comprar muitos terrenos. Com isso, começou a subir o preço do solo por causa do aumento de demanda, o que tornou a habitação mais cara.

Gazeta Mercantil - Qual deveria ser o papel do governo para tentar suprir o déficit de habitações do País?

Nessa área, a intervenção pública sempre é muito importante, subsidiando aluguel como parte da rede de proteção social. É preciso sair da política da casa própria, o aluguel é uma política que pode ser importante nessa área. O bolsa-aluguel existiu em São Paulo na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy (PT), mas a atual gestão decidiu descontinuar. Além disso, é muito importante haver a regulamentação do solo urbano com reserva de terreno para habitação protegida. É preciso também entender que construir casa não é como fazer um produto qualquer, pois é construir cidade, e isso é uma responsabilidade pública. Aqui, o problema da falta de habitação é resolvido com assentamento precário e irregular, com autoconstrução. Essa é a verdadeira política de construção brasileira. Nunca uma família que ganha de um a três salários mínimos vai conseguir pagar pelo crédito para ter sua casa própria. Além disso, a "periferização" também é um problema habitacional. Por uma questão cultural, o governo não investe em projetos de
reurbanização do centro.

Gazeta Mercantil - Qual é o seu trabalho na ONU?

Minha tarefa consiste em visitar os países e apresentar avaliações sobre a política de moradia, que é considerada pela ONU um dos direitos universais invioláveis dos cidadãos.

Gazeta Mercantil - O que o Brasil pode esperar como conseqüência de ter uma brasileira como relatora especial da ONU?

A expectativa é de que o Brasil tenha uma posição dentro desse campo por causa dos avanços que tem no campo jurídico. O direito à moradia está na Constituição brasileira. Esse arcabouço institucional é um dos mais avançados do mundo. No entanto, os princípios da Constituição não foram implementados. Por outro lado, o Brasil também é referência na urbanização das favelas. A expectativa é que o Brasil possa mostrar como se faz e, para isso, vai ter que implementar tudo o que está previsto na Constituição. A maior missão do relator é despertar consciência para o setor. Minha expectativa é contribuir para a questão nesse sentido.

Gazeta Mercantil - Você acha que o programa de urbanização da favela de Paraisópolis, em São Paulo, pode ser considerado bem-sucedido?

Urbanização de favela é um direito, tem que regularizar a situação dessas moradias. Mas não há nenhum caso no Brasil em que tenha sido feita uma regularização plena, que inclui a regularização ambiental, administrativa e
também fazer com que a favela passe a ser vista como uma parte integrante da cidade, com ruas com nome e número nas casas. Além disso, do ponto de vista patrimonial, a urbanização e regulação existentes no Brasil são muito pouco
ou quase nada. O problema básico é a favela não ser parte integrante da cidade. E isso nenhum político quer mudar porque essa ambigüidade é necessária para que a inserção na cidade possa ser trocada por voto em época de eleição.

 

 


 

 

 

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