Retirado
do site:
http://federativo.bndes.gov.br/dicas/D077.htm
Desenvolvimento Urbano
LEGISLAÇÃO
DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
(Publicado originalmente como DICAS nº 77 em 1996)
O objetivo
da prefeitura, ao elaborar leis de uso e ocupação do solo,
deve ser democratizar o acesso à terra e à qualidade de vida.
A
legislação de uso e ocupação do solo é fundamental para a vida
urbana, por normatizar as construções e definir o que pode ser
feito em cada terreno particular, interfere na forma da cidade
e também em sua economia. Mas, em geral, trata-se de um
conjunto de dispositivos de difícil entendimento e aplicação,
e as leis não são muito acessíveis aos cidadãos por seu
excesso de detalhes e termos técnicos. O grande nível de
detalhe dificulta também a fiscalização que se torna
praticamente impossível de ser realizada, deixando a maioria
da cidade em situação irregular. Além disso, raramente fica
explicitado seu impacto econômico na distribuição de
oportunidades imobiliárias.
Em muitos
municípios, a legislação de uso e ocupação do solo é uma
"caixa preta", que poucos conhecem profundamente e que, em não
raros casos, é usada para atender interesses particulares. Por
má fé, desconhecimento ou casuísmo, vai sendo alterada sem
nenhuma preocupação com a totalidade. O resultado é uma
legislação cada vez mais complexa e abstrata, que acentua as
desigualdades existentes na cidade.
Um governo
comprometido com a promoção da cidadania e da qualidade de
vida não pode se permitir conviver com uma legislação de uso e
ocupação do solo nessas condições, sob pena de ver crescerem
as desigualdades sociais enquanto o capital imobiliário se
apropria dos destinos da cidade.
CONCEPÇÃO
TRADICIONAL
O
instrumento técnico-jurídico central da gestão do espaço
urbano é o Plano Diretor, que define as grandes diretrizes
urbanísticas. Tradicionalmente, estas diretrizes incluem
normas para o adensamento, expansão territorial, definição de
zonas de uso do solo e redes de infra-estrutura. Para grande
parte das cidades, no entanto, o Plano Diretor, quando existe,
"fica na gaveta". É um documento distante do dia a dia ou por
ser elaborado apenas para cumprir uma formalidade ou por
desrespeito às suas normas por interesses políticos.
Tradicionalmente, a legislação de uso e ocupação do solo
concentra-se em normas técnicas de edificações e no zoneamento
da cidade. A normas de edificações procuram estabelecer
parâmetros detalhados sobre todos os aspectos das construções,
incluindo tanto a relação da edificação com seu entorno
(recuos, número de pavimentos, altura máxima) quanto a sua
configuração interior (insolação, ventilação, dimensão de
cômodos). A virtual impossibilidade de dar conta do excessivo
nível de detalhe, em muitos casos,
joga na ilegalidade a maior parte das edificações.
O
zoneamento é uma concepção da gestão do espaço urbano baseada
na idéia de eleger os usos possíveis para determinadas áreas
da cidade. Com isso, o que se pretende é evitar convivências
desagradáveis entre os usos. A cidade é dividida em zonas
industriais, comerciais, residenciais, institucionais e em
zonas mistas, que combinam tipologias diferentes de uso. Em
alguns casos, esse zoneamento da cidade inclui várias
categorias para cada um dos tipos de zonas. Essas categorias
diferenciam-se, normalmente, em termos de adensamento dos
lotes (pela regulamentação do percentual máximo da área dos
terrenos que pode ser edificada, do número de andares das
edificações ou da área máxima construída).
A
determinação dos tipos de usos, muitas vezes, acontece em
função de usos já consolidados, ou seja, a legislação apenas
reconhece esses usos. Nesse caso, seu papel de direcionar a
ocupação da cidade fica resumido à legitimação do espaço
construído, independentemente da dinâmica, ainda que perversa
e excludente, que tenha definido esta construção.
O
zoneamento tem impacto direto sobre o mercado imobiliário. A
adoção de um zoneamento rígido leva à criação de monopólios
fundiários para os usos: por exemplo, se só há um lugar para a
instalação de estabelecimentos comerciais, essas áreas
disponíveis serão automaticamente valorizadas. As restrições
do zoneamento podem inviabilizar empreendimentos e impedir a
expansão de algumas atividades econômicas.
Com todo
esse impacto sobre o mercado imobiliário, e o fato de a
legislação ser detalhista e tecnicista, praticamente
incompreensível para os não-iniciados, é muito fácil que a lei
de zoneamento se transforme em moeda de troca. Empreendedores
imobiliários, interessados na mudança de classificação de uma
determinada área, chegam a pagar muitos milhares de dólares
para que ela seja efetivada.
Além
disso, essa concepção aumenta a segregação social: os ricos
tendem a se concentrar em áreas legisladas de forma mais
restritiva (normalmente são áreas residenciais, com pouco
tráfego, com tamanhos mínimos de lote e padrões de adensamento
que inviabilizam moradias de baixo custo). Aos pobres são
reservadas áreas cujas características de zoneamento, ao mesmo
tempo em que viabilizam a ocupação de baixo custo, não lhe
conferem qualidade de vida. Agravando o quadro, os governos
municipais tendem a fiscalizar mais fortemente a ocupação das
áreas mais nobres da cidade, preservando assim suas
características de áreas privilegiadas. As áreas mais pobres
não quase não recebem atenção, e seu padrão de ocupação e de
edificações afasta-se das exigências mínimas da legislação, em
função das necessidades e capacidades econômicas de seus
moradores.
A
existência desses problemas não significa que seja melhor não
dispor de legislação urbanística. Sem nenhuma regulamentação,
a competição livre das formas de ocupação simplesmente
estimula a proliferação das mais lucrativas, com graves
prejuízos para a qualidade de vida e reduz as oportunidades de
acesso à terra e à cidade..
NOVAS
TENDÊNCIAS
Por conta
das limitações dos instrumentos tradicionais de regulação do
uso e ocupação do solo, têm surgido nos últimos anos novas
abordagens de regulação da ocupação. Estas novas visões
apresentam três pontos centrais:
a)
Rompimento da visão tradicional da cidade fragmentada em zonas
especializadas: trata-se de abandonar a concepção da cidade
enquanto "máquina de morar e produzir", onde cada área tendo
usos claramente diferenciados, exigindo uma ênfase na
infra-estrutura de transporte que suporte o deslocamento dos
cidadãos das áreas residenciais para as áreas de trabalho.
Esse conceito é substituído pela valorização dos aspectos
humano, dando lugar especial às relações de vizinhança,
entendendo a cidade enquanto espaço de prática da cidadania e
convívio social. Em termos concretos, significa adotar uma
regulamentação do espaço urbano menos rígida, mas que garanta
a qualidade de vida e permita que a legislação acompanhe o
processo de transformação contínua vivido pela cidade, que
normalmente valoriza a multicentralidade e mistura de usos.
b)
Desregulamentação e simplificação da legislação: têm se
buscado construir instrumentos mais simples de controle do uso
e ocupação do solo. A tônica desses novos instrumentos é que a
legislação explicite seus objetivos e que o acesso à terra
urbana seja democratizado. Assim, procura-se evitar o excesso
de regulamentação em itens menos relevantes, especialmente
quanto às
normas de construção.
c)
Mecanismos de apropriação social dos benefícios da
urbanização: ao mesmo tempo em que se abandona o detalhamento
excessivo da legislação (por exemplo, o zoneamento de uma
quadra ou a altura do batente de uma porta ou da caixa de
correio), procura-se incorporar ferramentas que assegurem a
preservação dos direitos coletivos e o interesse da cidade. Em
termos práticos, isto significa adotar mecanismos nos quais o
empreendedor assuma os ônus dos impactos gerados pelo
empreendimento. Exemplos desses mecanismos são a cobrança pelo
direito de construir área adicional à do terreno (compensando
a sobrecarga gerada pelo empreendimento sobre a
infra-estrutura urbana), responsabilização do empreendedor
pela resolução dos transtornos gerados pelo empreendimento
(por exemplo, construção de vias de acesso ou passarelas,
isolamento acústico) e definição de áreas passíveis ou não de
adensamento (para otimização do uso da infra-estrutura
urbana). É evidente que as construções populares e certas
atividades geradoras de emprego e renda podem ser isentadas
deste ônus.
O QUE
FAZER?
A revisão
da legislação urbanística deve ser entendida como um processo
complexo, exigindo planejamento e gerenciamento específicos. A
experiência tem mostrado que é importante envolver todos os
setores sociais interessados: um plano diretor ou outras peças
da legislação urbanística que não são debatidas com a
sociedade dificilmente encontram apoio político para sua
aprovação e implementação. Assim, é aconselhável envolver a
sociedade desde a etapa de
diagnóstico e avaliação da legislação existente. Nesta
etapa, é interessante fazer um levantamento do que "incomoda"
na cidade: prédios, enchentes, desmoronamentos, contaminação,
poluição sonora, etc.
Uma vez
realizada essa etapa, define-se a abrangência da revisão da
legislação. Quase sempre ela começa com a elaboração do Plano
Diretor (ou sua revisão), definindo as diretrizes urbanísticas
para o desenvolvimento do município. Trata-se, portanto, de um
instrumento de política urbana geral. A revisão do Plano
Diretor deve, no campo da política imobiliária, incentivar a
oferta de residências de padrão médio e padrão popular. Deve
incorporar uma política fundiária, que combata a retenção de
terrenos em área de adensamentos desejados e desestimulem a
ocupação em outras áreas (seja por restrições ambientais, seja
para evitar demanda por expansão da infra-estrutura). Para
muitas cidades, é necessário promover a regularização legal de
áreas de baixa renda.
Baseado
nos objetivos e macro-diretrizes urbanísticas proposta no
Plano Diretor, deve-se fazer o detalhamento da legislação de
uso e ocupação do solo.
Do ponto
de vista formal, o Plano Diretor pode conter a própria
legislação de uso e ocupação do solo. Dessa forma, o Plano já
fica auto-aplicável.
FLUXOGRAMA
DE REVISÃO DA
LEGISLAÇÃO DE USO E OCUPAÇÃO DO SOLO
Autor:
José Carlos Vaz
Consultora: Raquel Rolnik
Assistente de pesquisa: Renato Cymbalista
Desenvolvimento Urbano
MAIS CASAS
COM NOVAS LEIS
(Publicado originalmente como DICAS nº 6 em 1994)
O acesso
da população à moradia pode ser facilitado mudando
dispositivos arcaicos e ineficientes da legislação.
Com poucos
recursos à disposição, os governos locais chegam a desistir do
investimento em habitação. E ainda que haja recursos, jamais
são suficientes para eliminar o déficit. Ao mesmo tempo, a
legislação impede que sejam implantados diversos projetos,
muitos deles considerados exemplares na Europa.
Mudar a
legislação urbanística não resolve o problema crônico de falta
de moradia, mas, com certeza, cria condições para iniciativas
que venham a reduzi-lo.
PORQUE A
LEGISLAÇÃO ATRAPALHA?
Grande
parte dos códigos de obras brasileiros bebe na fonte do Código
Sanitário do Estado de S. Paulo, de 1894. Naquela época, há
cem anos, a preocupação com a saúde pública (determinante das
exigências para a edificação) elegia os cortiços, onde se
aglomerava a população pobre, como o grande inimigo a ser
combatido. Esta forma de residência era considerada insalubre
e perigosa, pois poderia se transformar em foco de epidemias.
O cortiço também era visto como centro estimulador do crime e
da desordem social. O Código Sanitário proibiu sua construção
e determinou que as vilas operárias não seriam mais erguidas
na área central da cidade, onde residiam e trabalhavam as
elites. Mais tarde, em 1934, o Código de Obras do Município de
S. Paulo inspirou-se no código de 1894, mantendo a proibição
aos cortiços, enquadrando nesta categoria qualquer forma de
habitação em que duas ou mais residências compartilhassem o
mesmo acesso à via pública, excetuando-se os prédios de
apartamentos.
Este
código influenciou a elaboração da legislação de várias outras
cidades. Consolidou-se um modelo urbanístico caracterizado por
prédios de apartamentos e residências unifamiliares totalmente
isoladas em lotes mínimos relativamente grandes. Os prédios de
apartamentos não permitem a ampliação posterior das unidades
habitacionais; a exigência de lotes maiores dificulta sua
aquisição pela população de baixa renda. As especificações
técnicas de construção expressas na legislação tornaram-se
obstáculos que não são completamente absorvidas pela
população, que busca alternativas nas favelas e na
auto-construção sem orientação técnica. São predominantes,
portanto, as construções fora das exigências da legislação.
Estas "cidades ilegais" são periodicamente regularizadas pelas
anistias do poder público.
A opção
pelo automóvel como meio de transporte privilegiado na cidade
implicou, por sua vez, o superdimensionamento das vias e a
valorização de alternativas em que o automóvel tem acesso
direto à edificação. Mesmo cidades com pouco tráfego adotam
sistemas viários abertos, em malha, com vias largas e
asfaltadas, ainda que destinadas apenas ao uso local. O espaço
que poderia ser apropriado pela população para moradia ou
lazer é destinado a facilitar a locomoção da minoria
proprietária de automóveis.
Assim, a
produção da cidade fica limitada pelos padrões de construção
ultrapassados ou inaplicáveis (que não conseguem ser seguidos
pela maioria da população) e pela visão de cidade em que o
automóvel, e não o pedestre, é o principal ator. Dentro do
processo de urbanização acelerada e de supervalorização da
terra urbana, a conseqüência inevitável é o agravamento do
déficit habitacional.
Piorando o
quadro, a complexidade da legislação alimenta a criminosa
prática de criar dificuldades para vender facilidades.
O QUE
ALTERAR NA LEGISLAÇÃO?
As leis
que regulamentam a construção de habitações e a implantação de
loteamentos, na maior parte das cidades, são ricas em
detalhes. A criatividade dos projetistas fica, portanto,
restrita. Ao mesmo tempo, raramente a legislação deixa claro
quais são os seus objetivos. Os motivos técnicos que levaram à
formulação de algumas normas chegam a ser indecifráveis.
Algumas exigências passam a ser contraproducentes, como a
generalização indiscriminada de recuos, impedindo, em algumas
circunstâncias, soluções mais adequadas para insolar e
ventilar a habitação, ou requerendo maior movimento de terra.
As exigências legais são responsáveis por parcela
significativa dos custos de empreendimentos habitacionais,
especialmente com relação aos custos de urbanização. Os
padrões técnicos adotados usualmente fazem com que no Brasil a
área pavimentada por habitante seja maior que a existente em
países com taxa maior de propriedade de veículos. Levam a um
trabalho de terraplenagem da totalidade do terreno, que traz
também custos ambientais e riscos geotécnicos. Os custos de
pavimentação e terraplenagem são, exatamente, os mais
importantes do item infra-estrutura, chegando a corresponder a
53,2%.
A
legislação dificulta a implantação de empreendimentos que
prevejam ruas de pedestres e vias de caráter essencialmente
local (de pequenas dimensões, destinadas a pequeno volume de
tráfego, onde o automóvel pode compartilhar o espaço com o
pedestre). Da mesma forma, soluções como condomínios
horizontais, casas de fundo e edificações sem acesso para o
automóvel ficam prejudicadas na maioria das cidades. A
exigência de larguras mínimas das vias e vagas de
estacionamento internas aos lotes, recuos entre as edificações
e as vias de doação de áreas públicas são os maiores
empecilhos. Por isso, os condomínios horizontais, que poderiam
ser uma alternativa de baixo custo e alta qualidade de vida,
só são possíveis, na maioria das cidades, quando dirigidos a
populações de renda elevada.
Não fossem
as barreiras legais, os custos de implantação (pavimentação,
terraplenagem, redes de infra-estrutura) poderiam ser menores,
conseguindo um melhor aproveitamento do terreno (inclusive com
áreas de lazer mais amplas), em decorrência de maiores
densidades habitacionais.
A
legislação contribui negativamente, também, pelas dificuldades
que coloca em termos de procedimentos administrativos para a
construção, reforma e regularização de imóveis.
REVENDO A
LEGISLAÇÃO URBANÍSTICA
A revisão
da legislação urbanística deve se voltar para o objetivo
central de assegurar direitos coletivos e o interesse da
cidade, levando em conta porém, a necessidade de facilitar e
reduzir os custos da produção de moradias. É uma ação com
expressivo sentido político, voltada para a resolução de um
problema social. Não pode ser, portanto, encarada como uma
questão apenas técnica. Seu encaminhamento deve ser
marcadamente político, valendo-se dos subsídios técnicos que
forem necessários.A participação da sociedade não pode ser
descartada. Esta participação é indispensável para que as
normas estabelecidas sejam representativas das vontades e das
necessidades da população. Os movimentos de moradia,
associações de moradores, sindicatos de trabalhadores,
empresas da construção civil, entidades ambientalistas,
instituições de ensino superior e outros organismos da
sociedade civil devem estar presentes e trazer suas opiniões
desde a elaboração do primeiro esboço da nova legislação. Isto
não quer dizer que a prefeitura não deva ter posições claras.
Avaliando os interesses em jogo (nem sempre declarados), a
prefeitura deve agir no sentido de assegurar o caráter social
da iniciativa, neutralizando os lobbies das empreiteiras, dos
fabricantes de asfalto, dos especuladores imobiliários e de
outros beneficiários dos altos custos dos projetos
habitacionais.
A
nova legislação deve garantir liberdade de concepção para
os projetistas, ao invés de impedir que soluções inovadoras e
criativas sejam postas em prática. A liberdade de concepção,
no entanto, deve ser delimitada por padrões técnicos, evitando
que a mudança traga efeitos negativos. É fundamental que os
condicionantes técnicos das normas adotadas sejam expressos
com clareza, de modo que facilitem o seu questionamento e
revisão. Mais importante ainda é explicitar os objetivos,
permitindo que a interpretação e a aplicação da lei busquem o
bem-estar de todos os cidadãos, e não apenas a obediência a um
conjunto de normas que nada têm a ver com as demandas da
cidade.
RESULTADOS
a)
Econômicos
A
flexibilidade da legislação urbanística permite reduções de
custos nos projetos habitacionais pela possibilidade de
adensar a ocupação dos lotes, reduzindo também os custos por
residência no tocante a pavimentação, terraplenagem, e redes
de infra-estrutura.
b) Sociais
Reduzindo-se os custos dos projetos habitacionais, as
prefeituras podem aumentar a eficiência de suas ações em
habitação, produzindo um volume maior de unidades. A
implantação de empreendimentos pela iniciativa privada ou
mesmo a auto-construção são beneficiadas pela redução de
custos, facilitando a produção de moradias.
c)
Urbanísticos
Contribui
para a implantação de uma nova visão do espaço urbano,
diferente daquela que vem triunfando nas cidades brasileiras.
Ela deixa de estar a serviço do automóvel e fica menos hostil
ao cidadão. A construção da paisagem urbana passa a considerar
melhor as necessidades da sociedade: a flexibilidade e a
criatividade podem substituir as obscuras definições técnicas.
d)
Ambientais
É
possível, com esta mudança de visão, oferecer ganhos em
qualidade de vida aos habitantes. Mesmo os conjuntos
destinados à população mais pobre podem oferecer um ambiente
digno aos seus moradores, com oferta de espaços adequados para
lazer e convivência. É possível, ainda, reduzir a
impermeabilização do solo e as alterações radicais nas
características geomorfológicas das áreas.
e)
Políticos
A
alteração nas exigências legais contribui para a ampliação da
cidadania e do direito à cidade, tanto por facilitar o acesso
à moradia como por permitir a humanização do espaço urbano.
Investindo-se na participação da sociedade no processo de
revisão da legislação, consegue-se, ainda, incorporar mais
atores às ações de governo municipal.
Autor:
José Carlos Vaz
Consultor: Ricardo Moretti
Desenvolvimento Urbano
CONDOMÍNIOS HORIZONTAIS
(Publicado originalmente como DICAS nº 33 em 1995)
Incluir na
legislação urbanística a opção de conjuntos residenciais
horizontais permite a elaboração de projetos mais baratos que
lotes unifamiliares e edifícios de apartamentos.
Em muitas
cidades brasileiras, a
legislação urbanística dificulta ou impossibilita a
construção de moradias do tipo condomínio horizontal. O
excesso de restrições estabelecidas pelo poder público limita
a adoção de soluções criativas por parte dos projetistas. Com
isto, as opções de empreendimentos habitacionais ficam
restritas à construção de edifícios de apartamentos ou
unidades unifamiliares totalmente isoladas em lotes mínimos
relativamente grandes.
A seguir é
apresentado um exemplo de projeto de lei de condomínios
horizontais, que pode ser adaptado para as particularidades de
cada município. Sua elaboração baseia-se no princípio de que a
legislação urbanística deve buscar regulamentar os aspectos do
empreendimento que digam respeito à coletividade (impactos no
trânsito, na infra-estrutura urbana e nas condições de vida da
vizinhança) e à salubridade das habitações, deixando a cargo
dos projetistas e moradores as decisões relativas a padrões de
conforto, uso de espaços comuns, áreas de circulação e outras,
de caráter privado.
O modelo
de projeto apresentado permite a construção de conjuntos
residenciais horizontais, sob regime de condomínio. O porte
dos condomínios varia bastante: podem ser construídos desde
pequenos conjuntos do tipo "vila", com menos de seis unidades,
até empreendimentos de 160 unidades, constituídos de edifícios
de até três pavimentos.
As
edificações não podem possuir mais do que nove metros de
altura. Combinada a esta exigência, estão a restrição da taxa
de ocupação em 50% da área do lote (ou seja, no máximo metade
do terreno será edificado) e a limitação da área construída
total à mesma metragem do terreno (ou seja, a soma das áreas
dos pavimentos construídos, incluindo as unidades, garagens
subterrâneas e espaços construídos de uso comum não poderá
superar a área total do lote). Por fim, é limitada em 62,5
metros quadrados a quota mínima do terreno por unidade
habitacional (divisão da área total do lote pelo número de
moradias).
Como
exemplo, tem-se que um terreno de 1.250 metros quadrados
comportará, no máximo, 20 unidades geminadas ou superpostas em
um ou mais edifício de dois pavimentos, que ocuparão, no
máximo, 625 metros quadrados de área do terreno com
área construída total de 1.250 metros quadrados. Se forem
construídos edifícios de três pavimentos, a área do terreno
ocupada pelas edificações se reduzirá, pois a área construída
não pode exceder a do terreno.
PROJETO DE
LEI
Dispõe
sobre a criação de categoria de uso residencial: Conjunto
Residencial Horizontal.
Artigo 1º
- O Conjunto Residencial Horizontal é constituído por unidades
habitacionais isoladas, agrupadas, geminadas ou superpostas,
em condomínio, sendo permitido nas zonas de uso que admitem
uso residencial.
Artigo 2º
- Todas as unidades habitacionais do Conjunto Residencial
Horizontal deverão ter altura inferior a 9 metros,
definindo-se altura, para efeito desta Lei, como a maior
diferença de cota entre qualquer ponto da edificação e o
perfil original do terreno no ponto considerado.
Artigo 3º
- O Conjunto Residencial Horizontal somente poderá ser
implantado em lotes com área igual ou inferior a dez mil
metros quadrados, devendo ainda atender às seguintes
disposições:
I - A
quota de terreno por unidade habitacional, obtida pela divisão
entre a área total do lote e o número de unidades
habitacionais a construir, deverá ser igual ou superior a 62,5
metros quadrados.
II - A
taxa de ocupação máxima será de 50% e a área construída total
do empreendimento não deverá ser superior à área do lote.
III - Para
cada unidade habitacional deverá ser prevista pelo menos uma
vaga de estacionamento dentro da área do lote, podendo ser
aceita vaga de estacionamento em superfície ou subterrânea.
IV - O
acesso às unidades habitacionais deverá ser feito através de
via particular, de pedestres ou de veículos, interna ao
conjunto, devendo a via de pedestres ter largura mínima de 3
metros;
V - Nos
casos de unidades superpostas, a escadaria de acesso poderá
atender mais de uma unidade, desde que obedecidas as dimensões
mínimas previstas no Código de Edificações.
VI - Serão
aplicadas as exigências de recuo de frente, lateral e de
fundos correspondentes à zona em que será construído o
Conjunto Residencial Horizontal para o lote como um todo,
dispensando-se os recuos entre edificações do conjunto e entre
as edificações e as vias internas, desde que obedecidas as
prescrições do Código de Edificações relativas às condições
mínimas de iluminação, insolação e ventilação de cada unidade
habitacional.
VII - A
edificação com altura superior a 7 metros deverá atender a um
recuo mínimo de 3 metros com relação às divisas do lote.
VIII - No
mínimo 15% da área do Conjunto Residencial Horizontal deverá
ser mantida permeável.
Artigo 4º
- O Conjunto Residencial Horizontal destina-se exclusivamente
à implantação de unidades habitacionais, não sendo admitida a
instalação de outros usos.
Artigo 5º
- O Conjunto Residencial Horizontal só poderá ser implantado
em lotes que tenham frente e acesso para vias oficiais de
circulação com largura igual ou superior a 10 metros, com a
exceção do caso previsto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo
único - Admitir-se-á a implantação do Conjunto Residencial
Horizontal em vias oficiais de largura inferior a 10 metros
quando estiver previsto estacionamento de visitantes no
interior do lote, na proporção mínima de uma vaga de
estacionamento para cada duas unidades habitacionais.
Artigo 6º
- Será permitida a implantação de Conjunto Residencial
Horizontal de caráter evolutivo, construindo-se na etapa
inicial apenas o embrião da edificação, desde que:
I - seja
apresentado e aprovado o projeto da edificação completa;
II - seja
emitido certificado de conclusão parcial das obras
correspondentes ao embrião.
Artigo 7º
- O projeto do Conjunto Residencial Horizontal deverá indicar:
I -
arborização e tratamento paisagístico das áreas comuns não
ocupadas por edificações;
II -
drenagem das águas pluviais;
III -
sistema de coleta, tratamento e disposição de águas servidas e
esgotos;
IV -
instalação para disposição de lixo, no interior do lote, junto
à via pública.
Artigo 8º
- Os espaços de uso comum, as áreas de estacionamento e as
vias internas de circulação de veículos e pedestres serão
considerados bens de uso exclusivo do Conjunto Residencial
Horizontal, sendo sua manutenção de responsabilidade do
conjunto de moradores.
EXPERIÊNCIA
Em S.
Paulo-SP (9.646 mil hab.), foi criada recentemente a categoria
de uso residencial conjunto residencial horizontal - vila (Lei
n.º 11.605/94 regulamentada pelo Decreto n.º 34.740/94),
Baseando-se nas concepções apresentadas no projeto de lei
acima. Além das normas gerais apresentadas aqui, a lei e o
decreto trazem algumas regulamentações adicionais,
principalmente com respeito à circulação interna ao conjunto.
A mudança
na legislação resultou de um processo de discussão envolvendo
órgãos de habitação e planejamento da prefeitura, vereadores,
urbanistas e representantes dos empreendedores imobiliários, a
partir da iniciativa de um vereador da oposição, com apoio de
técnicos do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas).
Com a nova
lei, passa a ser possível a construção de empreendimentos do
tipo conjunto residencial horizontal, com edificações como
pequenos edifícios de até três pavimentos, sobrados, moradias
isoladas ou casas geminadas. Também é estimulada, pela nova
lei, a implantação de empreendimentos do tipo vila
residencial, que desde os anos 60 foram objeto de restrição da
legislação do município.
RESULTADOS
Os
conjuntos residenciais horizontais permitem combinar uma boa
qualidade de arquitetônica com a otimização da infra-estrutura
disponível. Oferecem uma solução entre os lotes unifamiliares
(que só fornecem boa qualidade de vida à custa da baixa
densidade de ocupação) e os edifícios de apartamentos (com
alta densidade habitacional mas acompanhados de uma série de
conflitos de uso e sobrecarga da infra-estrutura).
É possível
ampliar posteriormente as casas, com a implantação de moradias
do tipo embrião, o que é especialmente importante para
programas habitacionais voltados a população de baixa renda.
Em termos
de custo, é possível realizar empreendimentos com custo
unitário de construção bastante inferior ao de edifícios de
apartamentos. O uso de terreno por unidade, no entanto, é
maior, o que pode tornar pouco atraentes empreendimentos em
regiões onde o custo da terra seja especialmente elevado,
ainda que para a grande maioria das cidades brasileiras de
médio e grande porte este problema afete apenas uma parcela
pequena de sua área urbana.
A
construção de conjuntos habitacionais horizontais permite,
também, a abertura de novas possibilidades de investimento
para o pequeno capital, reduzindo o poder das grandes empresas
construtoras no mercado imobiliário local. Além disso, cria
condições para que grupos organizados promovam soluções
comunitárias de produção de moradia, através de cooperativas e
mutirões.
Esses
grupos podem adquirir terrenos e neles implantar conjuntos
residenciais horizontais com a vantagem de não se exigir um
número alto de participantes.
CUSTO
UNITÁRIO DE
UNIDADE
HABITACIONAL* |
US$ |
Edifício de apartamentos |
31.059 |
Condomínio horizontal |
20.353 |
* Unidade
de 50m2, mais garagem para automóvel, com custo do
terreno de US$ 71/m2
Fonte: Ricardo S.
Moretti
Autores:
Ricardo S. Moretti e José Carlos Vaz |