"as massas
não têm necessidade dos intelectuais para saber, elas sabem
perfeitamente, muito melhor do que eles, e elas o dizem muito
bem. Mas existe um sistema de poder que barra, proíbe,
invalida esse discurso e este saber"..."os intelectuais fazem
parte deste sistema de poder, a idéia de que eles são os
agentes da consciência e do poder, ela própria, faz parte
desse sistema".
Michel Foucault |
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ARTIGOS
(1ª parte) |
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TÓPICO 1
O enterro
de nossa última quimera |
Jornal O Globo,
sexta-feira, 29 de março de 1996
CÉSAR MAlA
O Brasil inteiro assistiu ao formidável "enterro de nossa
última quimera". Em cores e via satélite. A reportagem que a
TV globo mostrou segunda-feira, no "Jornal Nacional", sepulta
de uma vez por todas mal contada história da ocupação
irregular do solo urbano no Rio de Janeiro. Em pouco mais de
20 anos, a proporção e imóveis em situação irregular, no Rio,
superou o dobro, passando de cerca de 10% para mais de 25% do
total. O número e imóveis construídos regularmente, que no
inicio dos anos 80 alcançava uma cifra em torno de 35 mil, dez
anos depois mal passava de 3.500 ou 10% daquele total.
As invasões do solo urbano cresciam sob a batuta do poder
público e da demagogia política. Constituiu-se uma verdadeira
indústria da invasão de terra. O solo mais valorizado era,
naturalmente, que mais atraía. Primeiro, favelizaram a cidade
em todo o cinturão centro-norte e norte-sul. Esse cinturão foi
crescendo concentricamente, junto com a cidade. Como era
previsível, as áreas mais valorizadas tornaram-se o alvo
predileto dos grupos. A tática é sempre a mesma: políticos e
espertalhões colocam na linha de frente, como massa de
manobra, algumas pessoas lumpesinadas, que ficarão com os
piores lotes. Os melhores são reservados para comerciarem.
A Baixada de Jacarepaguá tornou-se o alvo preferido deles. As
invasões cresceram entre o início dos anos 80 e 90 à taxa
cumulativa de 14% ao ano. O processo, perverso, ia eliminando
por definição os mais pobres. Na medida que a posse se
consolidava, o terreno passava a ser cotado. E, quando o seu
valor se tornava incompatível com a renda de quem o ocupava,
era repassado. Em alguns casos, só o "dono do pedaço" podia
fazê-lo. Em outros, os verdadeiros invasores pagavam famílias
para tomar conta da área, até que a posse se consolidasse.
Quando a prefeitura fez o reassentamento das pessoas que
viviam na Favela Via Parque, enquanto de um lado ocorriam
confrontos, do outro, 25 famílias pediam para serem removidas
rapidamente para as casas que receberiam, porque estavam ali
apenas guardando os lotes para seus verdadeiros donos.
Na chamada Vila Marapendi, ao mesmo tempo que ocorriam
confrontos, 23 famílias pediam para ir para as casas que a
Prefeitura oferecia, já que ali estavam pagando aluguel para o
"dono do pedaço". E foi exatamente ele que a TV Globo mostrou
negociando, pedindo dinheiro, vendendo em nome dos demais, em
nome daqueles que explorava. Na mesma reportagem, as imagens
relativas à chamada Vila Autódromo mostram o processo que
descrevemos: quando o solo invadido passa a ter um valor muito
maior do que a renda anual do seu ocupante, ele o vende para
alguém que tenha renda mais alta. É um processo perverso, no
qual perde o pobre iludido que, depois se vê nas mãos do
"dono" do negócio; perdem todos, pois a área invadida deixa de
render impostos que poderiam ser aplicados em favor deles; e
as áreas reservadas pela legislação para escolas e praças
também são invadidas.
Esse processo tornou-se tão amplo, no Rio, que os Principais
partidos autodenominados de esquerda passaram a liderá-lo e
promovê-lo. Os demais se sentiam patrulhados pelo processo, já
que tudo ocorria em nome dos pobres e oprimidos. O episódio do
confronto na dita Vila Marapendi é, sob esses aspectos,
exemplar. O Governo do estado nega a Policia Militar. A
Defensoria Pública apresenta-se para defender os "pobres". A
ex-deputada - profissional no apoio às invasões e atual
assessora especial do Governo do estado - repete suas atuações
anteriores. O ex-secretário de estado - outro profissional de
invasões - mais uma vez radicaliza, visando a promover a
bagunça.
Coincidentemente, são os mesmos políticos que impediram o
reassentamento dos moradores das favelas Novo Horizonte e
Sitio do Pai João. Isto aconteceu no segundo semestre de 1993.
A Prefeitura foi expulsa a pedradas sob os olhos cúmplices da
policia, que havia recebido ordens para se omitir. As chuvas
de fevereiro último tiraram a vida de 40 pessoas naquelas
comunidades. Os responsáveis se ocultaram e só reapareceram
para incentivar os conflitos recentes. Paradoxalmente, as
medidas adotadas pelo Governo do estado foram, através da sua
Secretaria de Habitação, defender os invasores e punir os PMs
reformados, que estavam armados durante a operação. As
liminares propostas pelo estado - via Secretaria de Habitação
e Defensoria Pública - sensibilizaram o juiz de plantão, que
acatou prudentemente, tendo em vista as demonstrações de
algumas pessoas que se diziam agredidas pela prefeitura. Dias
mais tarde, já com os fatos decantados, o presidente do
Tribunal de Justiça os recolocou nos trilhos.
A reportagem da TV Globo mostrou o líder da chamada Vila
Marapendi nada mais é do que um espertalhão, que explora os
humildes e ganha dinheiro com as terras que invade. Ela
desmoralizou também as invasões de luxo. Deixou mal as
autoridades que se deixam iludir pelas invasões. E sepultou os
políticos que fazem das invasões o seu objeto de voto.
Após algumas décadas de demagogia e de degradação da cidade,
onde significativos setores das elites e da intelectualidade
foram cooptados pelas idéias que lumpesinaram o Rio, vem à
tona a verdadeira natureza desse processo. Dado o impacto de
tudo que foi mostrado - as imagens gravadas com os
profissionais da desordem e da invasão - o Rio, após essa
reportagem, não será mais o mesmo. Ela é uma fronteira entre
os dois Rios: os dos demagogos e espertos - que se vai - e o
do trabalho e da verdadeira cidadania - que chega. Espera-se
que, com essa imagens, o estado, o Ministério Público e a
Defensoria Pública promovam o restabelecimento da verdade,
processe os gerentes da bagunça e, finalmente, apoiem a
Prefeitura em sua ações de disciplinamento urbano e de retorno
do império da lei, bases da verdadeira e permanente justiça
social.
CÉSAR MAlA é prefeito do Rio. |
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Topo TÓPICO 2
Jornal O dia, Quarta feira, 29 de maio de 1996
Ricardo Brito
O início das "ocupações irregulares" em nossa cidade deu-se
quando da chegada dos soldados procedentes da guerra de
Canudos. Paupérrimos e sem opção de moradia digna, foram
alojar-se no Morro da Favela, nome de uma pequena planta
semelhante a um pé-de-feijão que frutifica em forma de favas.
Surgia assim, em pleno centro do então Distrito Federal região
da Central do Brasil, a primeira favela.
Ao longo da história as senzalas, cortiços, cabeças-de-porco,
favelas e loteamentos clandestinos foram as únicas opções
possíveis de moradia para trabalhadores de baixa renda. Com o
início da industrialização, foram experimentadas as vilas
operárias ou parques proletários, combinação alternativa entre
trabalho e moradia.
No pós-guerra houve a experiência da construção de casas
populares e conjuntos habitacionais, por conta dos diversos
institutos de previdência Em seguida vieram as cooperativas,
base da política habitacional pós-64, que posteriormente, dada
a especulação imobiliária, ficou totalmente voltada para a
classe média.
A falta dos investimentos em habitações populares e de
projetos que visem integrar esse segmento da população ao
conjunto da sociedade, vem aumentando gradativamente o
problema. Estudos mostram que a população das favelas, na
década de 50, representava 7% da população total da cidade.
Hoje, verificamos que esse percentual está em torno de 30%:
são 632 favelas e 580 loteamentos clandestinos. Ou seja, mais
de um milhão de pessoas vivem em regime de sub-habitação.
Num passado bastante recente, tivemos vários exemplos de
descaso e promiscuidade entre os governantes e as populações
carentes de nossa cidade. O engodo lançado cruelmente ao povo
ávido por soluções imediatas não vinga. O projeto "Cada
Família um Lote", por exemplo, não decolou; sem uma política
séria de urbanização integrada e de investimentos sociais, as
favelas continuam brotando, adubadas pelo discurso demagógico
e inconseqüente.
O quadro atual revela uma outra realidade ainda mais perversa.
Os governos estadual e municipal, com sua política privatista
e excludente, não demonstram um mínimo de sensibilidade.
César Maia obedece a uma trilogia: remoção, desapropriação,
repressão. As constantes remoções, vez por outra decididas na
calada da noite, vêm criando verdadeiros guetos no interior. O
projeto Favela-Bairro, que no momento abrange menos de metade
(6) das 16 comunidades inicialmente propostas, custa aos
cofres públicos 10% do que se gasta com as maquiagens do Rio
Cidade. São aplicados R$ 25 milhões nas favelas, enquanto nas
obras de fachada se torram R$ 250 milhões.
O conjunto da sociedade deve ser chamado a questionar e propor
soluções, para que se possa habitar com dignidade nos grandes
centros urbanos.
RICARDO BRITO é diretor da Associação de Moradores do
Trapicheiro
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Topo TÓPICO 3
Jornal do Brasil, 23 de agosto
de 1997
Cidade sem Lei
Qualquer indivíduo, hoje, no Rio, usa o espaço público como
bem entende,sem que apareça autoridade para informá-lo que
transgride a lei. A cada dia as ruas enchem-se de novos
serviços informais ocupando ca1çadas, praças públicas e
terrenos em toda parte, numa degradação urbana crescente. O
descaso é tamanho, que a população menos esclarecida sequer
sabe que há limites legais, ou que haja códigos que
regulamentam atividades e práticas nos logradouros públicos. E
quando sabe os transgride, já que a transgressão é a regra.
O cidadão criado com o mínimo de civismo experimenta hoje a
sensação de que o Rio Janeiro é uma cidade sem leis. Décadas
de indiferença, demagogia política e pusilanimidade
administrativa criaram uma cultura anêmica, onde as pessoas
perderam a noção dos limites. A improvisação marginal
desconhece o Código de Posturas Municipais, a Lei do Silêncio,
as regras de trânsito, o Código Tributário.
A demagogia instituiu a tolerância universal para com os
desprovidos como o politicamente correto. Reprimir camelôs,
remover ou impedir expansão de favelas, proibir oficinas e
ambulantes nas calçadas, forrós e bailes funks em áreas
residenciais, barracas de comida nas praias, qualquer
repressão a pobre virou agressão social.
Com isso, logradouros como o calçadão de Copacabana, o cartão
postal do Brasil divulgado aos turistas no exterior,
transformou-se num mafuá nos fins de semana, com
churrasqueiras assando a cada 50 metros. De maça do amor a
milho verde; de churros, pipocas e algodão doce a pirulitos,
caldo de cana e cocada. Come-se de tudo. Entre o asfalto e o
mar um paredão de ambulantes e farofeiros que torna a praia
mais bonita do país uma lixeira.
Nos bairros cercados por morros, a bela silhueta da cidade
marcada pelo verde é substituída pela favelização progressiva
que não respeita reservas florestais e invade o Parque
Nacional da Tijuca, pelos lados da Rocinha. Ou avança pelos
fundos dos prédios da Lagoa Rodrigo de Freitas encobrindo o
Cantagalo. A cota 100, limite urbano que interdita a
construção legal transformou-se em espaço livre para o barraco
ilegal.
O medo da impopularidade eleitoral faz vista grossa a códigos,
leis e normas. Todos apoderam-se do espaço urbano como querem.
Só a conta é paga pelo contribuinte em forma de IPTU, taxa de
iluminação, limpeza urbana, ISS, ICMS e outros impostos que
lhe são cobrados com o pressuposto legal de lhe darem em troca
não uma favela, mas uma cidade aprazível e ordenada.
O Rio tornou-se uma cidade em que quem segue a lei e paga
impostos tem em troca o caos, a sujeira e a desordem. O
resultado é que as pessoas cada vez sentem-se menos
responsáveis pela cidade. Se uma autoridade não se importa,
ninguém se importa. |
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Topo TÓPICO 4
Jornal O globo – 6 de junho de
1997
Tema em discussão:
Nossa opinião
Uma porta aberta
Pode até ser verdade que o Rio de Janeiro ainda não descobriu
sua vocação depois que perdeu o status de capital federal. Mas
essa vocação, seja ela qual for, certamente não é o suicídio.
A maior prova de que esta tomando providências para não se
inviabilizar como metrópole é a decisão de integrar ao espaço
urbano sua imensa constelação de favelas.
Mais amadurecida e consciente, a cidade acordou para a
necessidade de controlar o que parecia incontrolável, e só o
foi até agora por descaso ou demagogia, de sucessivos
governantes, e por. comodismo e indiferença da sociedade.
Nesse sentido, o projeto Favela-Bairro, assim como outros
programas dele nascidos, é um achado urbanístico.
A primeira grande virtude desse bem-sucedido modelo de
integração é abrir uma porta para que o poder público possa
entrar nas centenas de favelas espalhadas pela cidade. Até bem
pouco tempo, essas comunidades, que os técnicos do IBGE chamam
de aglomerados subornais, vingavam-se da marginalidade a que
eram relegadas fechando-se ao poder público. De ambas as
partes, era uma atitude errada, que deixava os moradores à
mercê de quadrilhas de traficantes e seqüestradores.
O Favela-Bairro está sendo executado em 76 favelas. Ainda
falta muito para levar, seus benefícios a todos os aglomerados
informais do Rio que cumprem os requisitos do programa, mas o
cenário já mudou consideravelmente.
Por essa porta recém-aberta, começam a passar a ambulância, o
caminhão dos bombeiros, a polícia, o professor, o funcionário
de banco, o agente da saúde pública, o carteiro. Na cidade,
isso é rotina antiga; nas favelas, é uma revolução no melhor
sentido.
Para os moradores, além da vantagem dos serviços de
infra-estrutura, significa policiamento, educação, saúde,
incentivo à atividade econômica. Aos poucos, sem ter que mudar
de enderêço, favelados passam à condição de cidadãos de
bairros formalmente organizados. Tem direito a água encanada,
esgoto, agencia de correios, casa numerada, rua asfaltada,
conta no banco, área de lazer. E gradualmente, deixando de
viver sob o regime do medo imposto por bandidos, passam a
tomar conta do seu canto do Rio.
Com a chegada das obras de infra-estrutura, em algumas
comunidades beneficiadas já se percebem sinais do
estabelecimento de um comércio formal. É manifestação ainda
incipiente, mas representa uma resposta positiva, uma
demonstração de que os moradores se conscientizaram da
importância da integração - e de suas vantagens. A arrumação
das ruas e das casas é o primeiro passo para a organização da
vida coletiva.
Por ser pioneiro, o plano terá de ser aperfeiçoado na prática,
à medida que for sendo implantado. De 1991 a 1996, a população
carioca só cresceu nesses aglomerados subnornais. O
Favela-Bairro e seus assemelhados mostram que a cidade está
vigilante.
Outra Opinião
Qualidade para todos
José CHACON DE ASSIS
Criou-se o mito de que o
Favela-Bairro é uma iniciativa irrevogável,. acima de qualquer
crítica. Uma verdadeira benesse da Prefeitura do Rio em favor
das famílias de baixa renda. Logo, criticá-la seria um crime
de lesa-pátria. Provavelmente por isso a Prefeitura tenha o
mau hábito de pressionar os dirigentes de entidades
comunitárias que fazem criticas à qualidade das obras
executadas. O Crea-RJ, embora reconhecendo os méritos do
Favela-Bairro, não compactua com esse despotismo (nem sempre
esclarecido). Está na hora, portanto, de tentar colocar os
pingos nos is. Para. começar, o Favela-Bairro é uma exigência
do Plano Diretor de 1992 e não uma iniciativa bem-intencionada
da gestão passada ou da atual administração municipal. Tal
exigência, diga-se de passagem, nem sempre vem sendo bem
cumprida. Basta dizer que a terceirização das obras premiou,
freqüentemente, empreiteiras sem a devida capacidade técnica
para realizar obras em encostas. Tal prática implicou a
marginalização de técnicos da própria Prefeitura que tinham
grande expertise na execução dessas obras.
Além disso, empreiteiras que ganharam concorrências
contrataram outras empreiteiras, que por sua vez levaram a
terceirização adiante e por ai vai. O resultado foi uma enorme
rarefação na atribuição de responsabilidade, que facilitou a
execução de obras de qualidade duvidosa e diluiu a ação fiscal
do poder público. O Crea-RJ constatou essa realidade ao
executar a fiscalização de uma quadra de esporte na comunidade
do Escondidinho. A quadra apresentava uma situação de risco
iminente causado por recalque nas fundações da quadra.- erro
que poderia ter sido evitado com a adoção de técnicas muito
simples.
Aliás, erros em obras realizadas pelo setor público no Rio de
janeiro não chegam a. ser uma novidade. Basta lembrar as
inúmeras criticas que apareceram na mídia após a execução a
toque de caixa do Rio Cidade - em que a desejável qualidade
técnica das obras foi com freqüência deixada de lado devido ao
imediatismo político.
E o que dizer da tão badalada Linha Amarela, que custou três
vezes mais do que o inicialmente previsto e foi inaugurada em
certos trechos exibindo uma precariedade que saltava aos olhos
de qualquer um?
O CreaRJ, ao criticar e fiscalizar o Favela-Bairro, está
apenas cumprindo sua missão de proteger a sociedade, apurando
denúncias apresentadas pela comunidade e tentando transformar
em realidade sua meta de qualidade para todos. Ou seja,
lutando para que todos os moradores do Rio de Janeiro, seja
qual for sua situação socioeconômica, tenham o direito a uma
habitação segura, confortável e durável. Não abrimos mão dessa
postura, doa a quem doer.
José CHACON DE ASSIS é presidente do Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Estado do Rio de
Janeiro
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Topo TÓPICO 5
Jornal do Brasil, 2 de julho de
1997
No Rio, hoje, qualquer indivíduo
se julga no direito de invadir os ouvidos dos vizinhos como
barulho que bem entende, porque ninguém mais acredita que a
lei que proíbe isso esteja em vigor. Primeiro porque reclamar
diretamente com o transgressor é correr risco de vida, ou no
mínimo de aborrecimento maior que incômodo. Depois, porque
reclamar na delegacia é ainda pior.
São tantos os pagodes, rodas de samba, carros de som vendendo
pamonha, camarão, anunciando Festa, fazendo propaganda, trios
elétricos, Festas funk, punk, trash que seria impossível
reclamar de tudo. Nos horários em que o abuso mais incomoda -
à noite pela madrugada e nos fins de semana – a Secretaria de
Meio Ambiente, a quem cabe fazer cumprir a Lei do Silêncio não
funciona.
Quem já teve o dissabor de denunciar o pagode do vizinho na
delegacia sabe do aborrecimento que dá. Além de ser obrigado a
registrar queixa, vira testemunha de processo. Normalmente a
autoridade entende o denunciante como o enfadonho que vem lhe
tirar o sossêgo e não como cidadão que reclama justiça.
Inventa todo tipo de dificuldade. Arranja boa quantidade de
inimigos. Se o pagode é na favela ao lado, como acontece em
quase todo o bairro de Santa Teresa, pior ainda. Corre risco
de vida porque pode estar interrompendo a diversão do
traficante. Mais grave do que uma sociedade sem lei é uma
sociedade em que os cidadãos desistiram de fazê-la cumprir.
Mesmo durante o dia, ninguém tem o direito de perturbar o
sossego e a saúde alheios. Mais que a Lei do Silêncio, está na
Lei das Contravenções penais, em seu artigo 42: "é
contravenção, punida com prisão simples de 15 dias a 3 meses
ou multa, "perturbar alguém, o trabalho ou o sossêgo alheios:
1. Com gritaria ou algazarra; 2. exercendo profissão incomoda
ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; 3.
abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; 4.
Provocando ou não procurando impedir barulho produzido por
animal de que tem a guarda".
Exigir que se cumpra a lei é exercício de cidadania. |
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Topo TÓPICO 6
Jornal do Brasil, 5 de outubro
de 1997
O prefeito Luiz Paulo Conde
mostrou lucidez ao retirar da Câmara o projeto que propunha a
unificação das alíquotas do IPTU. Sob o disfarce da questão
técnica a proposta embutia um aumento médio de 25% no imposto
e até os vereadores do seu partido, o PFL, reagiram. A
Prefeitura precisa parar de convocar o contribuinte toda vez
que registra buraco no orçamento. Cada nova administração, ao
assumir, não faz outra coisa senão pedir socorro ao cidadão
para cobrir rombo deixado pela anterior.
O projeto retirado era o segundo que modificava as regras de
cobrança do imposto, este ano, sempre para arrancar mais do
contribuinte. O primeiro, encaminhado no mês passado, e já
aprovado em primeira votação, altera o valor do metro quadrado
dos logradouros, resultando em aumentos de até 242,5%. A
fórmula de cálculo, os valores das alíquotas, o zoneamento
para Cobrança já foram mudados mais de uma centena de vezes,
nunca para aliviar o contribuinte. Desta última vez a desculpa
técnica foi evitar futuras contestações judiciais em razão da
alíquota diferenciada.
A voracidade fiscal, no Rio de Janeiro, é revoltante. Pouco
importa que os salários estejam congelados, que a margem de
lucro das empresas tenha estreitado, que se tenha registrado
até deflação. A indexação política não tem limites. Acompanha
o custo da irresponsabilidade fiscal, do clientelismo, da
demagogia, do empreguismo, do calendário eleitoral. Enquanto
isso os hospitais continuam desequipados, as ruas cheias de
lixo, sem iluminação suficiente, as praias sujas.
Quando se elaborou a Constituição de 1988 o lobby dos estados
e municípios dizia que o contribuinte não mora na União, mas
nos estados e municípios. Ganhou no argumento e o governo
federal ficou obrigado a transferir montanha de impostos para
as prefeituras e administrações estaduais. E, de quebra, os
prefeitos ganharam liberdade para legislar como quisessem
sobre o IPTU. De lá para cá, o que se viu foi uma farra de
aumentos que não guardou relação com a inflação registrada
pelo bolso do contribuinte.
O mínimo que o cidadão podia imaginar é que com esse oceano de
recursos, nem sempre acompanhado de atribuições e
responsabilidades, os estados e municípios equilibrassem
definitivamente as contas e deixassem de pesar sobre o déficit
público. Mais ainda, que passassem a oferecer melhores
serviços ao contribuinte que neles mora, para ficar no
argumento. Mas o que se viu foi o estouro generalizado de
orçamentos, ano após ano, e a União, já esvaziada, tendo que
rolar dívidas e autorizar precatórios fraudulentos.
O que o prefeito do Rio precisa fazer não é aumentar o IPTU,
mas ampliar a base de cobrança do imposto. Há algumas semanas
o JORNAL DO BRASIL publicou reportagem com dados da própria
prefeitura mostrando que 50% dos imóveis no Rio de Janeiro são
ilegais. Ou seja: se metade dos proprietários não paga
imposto, por que a outra metade tem que arcar com o prejuízo?
Se as favelas e guetos da cidade reclamam iluminação, limpeza
urbana, segurança, hospitais, por que não pagam impostos? Se é
dever do Estado prover o cidadão de serviços públicos, é dever
do cidadão pagar imposto. Mesmo porque quem não contribui não
pode reclamar cidadania, porque está na ilegalidade. Nem
exigir que os cidadãos que mantém o Estado cubram as suas
despesas.
Se todo cidadão é igual perante a lei, todos são obrigados a
pagar impostos. Inclusive para que possam cobrar pelos
serviços que pagam, também. Tudo fora disso é demagogia
social. Inclusive a proposta dos vereadores de anistiar os
inadimplentes de multas e correção monetária para aumentar a
arrecadação. Só a cobrança aos inadimplentes reforçaria o
caixa da Prefeitura em R$ 80 milhões. O que precisa é cobrar
de quem deve e não aumentar imposto de quem paga.
A receita para equilibrar orçamento é cobrar de todos,
combater a inadimplência, dispensar funcionários inúteis,
racionalizar gastos, combater a corrupção. Em vez de atirar no
contribuinte o prefeito deve voltar a caça para dentro da
própria prefeitura. |
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Topo TÓPICO 7
Jornal O dia , Domingo, 16 de
novembro de 1997.
Luiz Paulo Conde
O Rio, uma cidade que se
transformou desordenadamente em metrópole, varreu classes
carentes para as encostas, onde passaram a morar os que não se
situavam na sociedade e que nem cidadãos eram, pois não lhes
era dado o direito de trabalhar. Até chegar aos dias de hoje,
a favela carioca percorreu um longo calvário. Seus moradores
foram usados pela demagogia populista, viraram folclore, foram
levados para mais longe, para que ninguém continuasse vendo a
constrangedora miséria.
Cem anos depois, uma ação integradora vem trazendo de volta as
favelas da cidade para a convivência urbana. Transformando,
pela primeira vez, pessoas marginalizadas, sem teto e sem
identidade, em cidadãos, com casa e endereço postal, em
contribuintes beneficiados pelos serviços públicos.
É o programa Favela-Bairro, que já atinge as favelas grandes e
pequenas , e antes do século XXI cobrirá todas as que existem
no Município. Até lá, teremos aplicado quase R$ 1 bilhão,
beneficiando mais de meio milhão de pessoas. Terá siso a mais
importante experiência em curso no mundo, pela qual uma grande
cidade, o Rio, enfrenta a questão da marginalidade, da
habitação e da pobreza com ousadia, coragem e determinação.
Poderíamos dizer, sem susto, que esses são os bens tangíveis
do Favela-Bairro. Mas há um outro patrimônio que poucos
conhecem: as pesquisas mostram que a posição de integrar os
favelados à cidade é majoritária.
Os cariocas não querem mais cariocas de segunda classe.
Desejam que as favelas se valorizem com a urbanização,
transformem-se em bairros incorporados ao cotidiano da cidade.
Esses novos bairros e os novos cidadãos de primeira classe que
se integram à arquitetura humana do Rio, incorporam-se também
ao regime democrático - pois será sempre frágil a democracia
brasileira se o regime valer para poucos, porque os outros, os
desclassificados, sequer têm o direito à identidade e à vida.
A velha favela dos veteranos de Canudos finalmente será agora,
e cada vez mais, uma lição de cidadania duramente aprendida
por todos nós.
Luiz Paulo Conde, prefeito da cidade do Rio de Janeiro. |
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Topo TÓPICO 8
Jornal O DIA,
terça-feira, 7 de abril de 1998
José Chacon de Assis
Presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e
Agronomia do Estado do Rio de Janeiro. - CREA/RJ
A tragédia do Palace II, as ameaças do Palace I e os sérios
problemas já detectados em várias obras do Favela Bairro,
mostram (sem deixar margem a dúvidas) que a qualidade das
obras é um problema dramático, que precisa entrar na pauta de
prioridade do poder público. Um problema que afeta a todos os
cidadãos, pois mesmo a casa mais modesta, mesmo a escola mais
humilde devem ter fundações sólidas e usar material
resistente, durável, de qualidade. É evidente que as
exigências de qualidade variam em função da inserção social do
usuário, mas ninguém aceita com naturalidade a obra precária,
mal-feita, frágil, que ameaça desabar a qualquer momento ou
vai, aos poucos, caindo aos pedaços.
No caso do Palace II a revolta contra a construtora Sersan, do
(ainda) deputado Sergio Naya, foi generalizada. Tal revolta
poderá atingir futuramente outras empreiteiras que, no caso do
Favela Bairro, andam, ao que tudo indica, fazendo obras de
qualidade duvidosa. Aliás, a prefeitura do Rio de Janeiro
deveria fiscalizar mais atentamente a realização de tais
obras. O Crea-RJ recebeu denúncias, que está procurando apurar
com rigor, de que as empreiteiras do Favela-Bairro costumam
terceirizar a execução das obras para as quais foram
contratadas. E as empresas terceirizadas, por sua vez, fazem
novas terceirizações, num processo condenável de redução
selvagem de custos, que dilui responsabilidades e transforma
as exigências de qualidade numa ficção, num jogo de faz de
conta.
É preciso acabar com isso, implantando a Engenharia Pública,
que permitiria a fiscalização rigorosa, por profissionais
qualificados, das obras encontradas pelo setor público. E o
mínimo a se exigir da prefeitura do Rio que, afinal, tem
responsabilidades óbvias pelas próprias obras e legisla sobre
o solo urbano. Quanto as demais obras, como as do Palace I e
Palace II, a prefeitura precisa criar um departamento para
vistoriá-las. E não adianta vir com desculpa, com a eterna e
cômoda desculpa, de que faltam recursos para contratar os
profissionais necessários.
Para superar o problema da falta de recursos basta cobrar uma
taxa de licenciamento das construtoras, que encareceria o
custo total das obras privadas em menos de 1%. Em troca desse
pequeno aumento de custos, o comprador de um imóvel teria a
garantia de que estaria adquirindo uma casa ou apartamento que
não se desmancham repentinamente no ar.
Só assim, fiscalizando com rigor obras públicas e privadas,
será possível transformar a qualidade da habitação para todos
numa prática normal, obrigatória, cotidiana,dando ao cidadão a
garantia de que dorme, estude e se diverte sob um teto que não
transformará sua vida em tragédia de um momento para outro. |
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TÓPICO 9
Jornal O Dia, Segunda, 20 de
abril de 1998.
É guerra mesmo
Lima Netto
Existe uma guerra civil rolando solta no Rio. Os recentes
episódios na Tijuca, quando moradores do Morro da Formiga,
protestando contra uma incursão da polícia que resultou na
morte de um jovem trabalhador, confirmam isso. Como ganhar
essa guerra? Para melhorar a segurança do Rio, teríamos que
equipar, treinar, moralizar e motivar as polícias. Só que isso
leva tempo e exige recursos que nosso estado falido não está
investindo na segurança. O investimento em segurança tem
retorno fantástico para nosso estado. O Brasil atrai menos
turistas estrangeiros do que o Uruguai, e bem menos do que a
Argentina. No exterior prevalece a visão de que no Rio existe
um bandido em cada esquina. Com mais segurança o Rio atrairia
mais turistas, que gerariam empregos em hotéis, lojas,
restaurantes e artesanatos. E mais impostos para pagar maior
segurança. Com mais segurança, e com o próximo término das
obras do Porto de Sepetiba, o Rio seria o melhor estado do
Brasil para instalar indústrias. Especialmente a Zona Oeste e
o Sul Fluminense, com sua mão-de-obra farta e treinada, seria
local privilegiado para essas empresas. E isso também geraria
empregos e impostos.
Mas tudo isso ainda é sonho. E será sonho até que possamos
eleger um governador competente.
O problema das favelas é crucial no nosso estado. Os
habitantes das favelas, em sua grande maioria trabalhadores
honestos, vivem nas favelas por falta de opções. Vivendo nas
favelas, têm que obedecer aos bandidos. Seus filhos e filhas
estão sujeitos à vontade dos donos do morro. E a favela, por
sua dificuldade de acesso, é o esconderijo ideal para os
bandidos. O programa Favela Bairro é um sucesso. Mas não
funciona em qualquer favela. O Morro D. Marta, em Botafogo,
por exemplo, não tem as mínimas condições topográficas de ser
transformado em bairro. Lá, a favela tem que acabar, como
também o Pavão Pavãozinho, e muitas outras favelas em encostas
íngremes.
Minha proposta é construir bairros populares, bem servidos de
transporte, com escolas, postos médicos, posto de polícia,
áreas de lazer e comércio. Essas casas seriam alugadas por
valor simbólico aos moradores das favelas e, depois de cinco
anos, vendidas também por valor simbólico, para as famílias
que tenham efetivamente fixado residência no local. O programa
pode receber financiamentos da CEF e dos organismos
internacionais de crédito. Mais ainda. Quanto valeria para os
moradores da Tijuca o fim das favelas do bairro? E para os
moradores do Grajaú, Copacabana, Ipanema e outros? Será que
eles estariam dispostos a investir em debêntures do governo
estadual para ficar livres das favelas e ganhar muito dinheiro
na valorização de seus imóveis?
Acabar com todas as favelas do Rio levaria tempo. Seria
programa para mais de um governo. Mas o difícil é começar. É
preciso coragem política e determinação.
LIMA NETTO é deputado federal (PFL-RJ). |
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Topo TÓPICO 10
Jornal O Dia, Segunda, 17 de
agosto de 1998.
Duas vezes favela
Gilberto Palmares
Sucesso absoluto! Eis a avaliação propagada pela prefeitura
sobre o Programa Favela-Bairro. Principal peça da campanha
para a continuidade da administração do PFL, a idéia da
reurbanização de favelas é, sem dúvida, positiva,
principalmente por contrapor-se à velha prática da remoção.
Olhando de perto, no entanto, o Favela-Bairro se revela bem
diferente da propaganda oficial. Os problemas não são poucos
mas, ao que parece, não há interesse em discuti-los.
É, pelo menos, a certeza que deixou o Secretário Municipal de
Habitação, Sérgio Magalhães, ao faltar, no início do mês, à
audiência pública da Comissão Especial sobre o Favela-Bairro,
na Câmara de Vereadores, agendada com três semanas de
antecedência. Comunicando a decisão de não comparecer somente
na noite do dia útil anterior ao evento, o que impediu que os
convidados fossem avisados, o secretário decepcionou os
moradores das comunidades, que saíram cedo de suas casas na
esperança de poderem fazer suas reclamações diretamente.
Partindo-se do princípio de que o Secretário de Habitação seja
um homem aberto ao diálogo, é possível suspeitar de que tenha
sido mal informado quanto às intenções não só da audiência,
mas também da comissão. Se for o caso, sugere-se que busque
assessoria mais qualificada na Câmara.
A preocupação maior, no entanto, é que a ausência do
secretário traduza certo simbolismo sobre as relações do
Favela-Bairro com a sociedade carioca. Afinal, não é pequeno o
grau de alienação em que são mantidos os moradores e suas
associações que, muitas vezes, não têm como dar resposta às
inúmeras questões surgidas no dia-a-dia: empreiteiras que
abandonaram as obras após receber pagamento em proporção muito
superior ao serviço executado; demora exagerada no pagamento
das negociações das casas; áreas de risco que não receberam a
devida prioridade ou não estão incluídas nos projetos, entre
outras mazelas.
Só a transparência nas informações e o poder de interferência
e fiscalização dos projetos concederá cidadania aos moradores
dessas comunidades, transformando favelas em bairros segundo o
conceito que dá nome ao programa. Ou a Secretaria de Habitação
se dispõe ao diálogo, despindo-se de preconceitos, ou essas
comunidades, após as obras, manterão sua condição atual.
Serão, assim, duas vezes favela.
--------------------------------------------------------------------------------
Gilberto Palmares, vereador (PT), é presidente da Comissão
Especial sobre o Programa Favela-Bairro. |
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TÓPICO 11
Jornal O dia, Terça, 27 de
outubro de 1998.
O Favela Bairro
Maria Lucia Leone Massot
Nos anos 70 e 80, após o fim do milagre econômico, a classe
média sem condições de adquirir imóveis ou pagar aluguéis em
seus bairros de origem começou a emigrar para bairros mais
afastados (Campo Grande, Barra da Tijuca, Jacarepaguá, Recreio
dos Bandeirantes), então mais baratos, abandonados pelo Poder
Público, quer municipal, estadual ou federal.
A Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, aprovada em
1990, elaborou a política habitacional do município criando o
programa de urbanização de favelas, chamado pelo Governo Cesar
Maia de Favela-Bairro. Apesar do Plano Lúcio Costa prever
extensas áreas no Itanhangá, Barra da Tijuca, Jacarepaguá e
Recreio dos Bandeirantes para população de baixa renda,
interesses eleitoreiros falaram mais alto e as administrações
Cesar Maia e Conde, ignorando a Lei Orgânica, leis federais de
meio ambiente que obrigam a remoção de favelas em ruas,
avenidas, praças, canais, áreas de preservação, áreas "non
aedificandi" etc, resolveram urbanizar favelas,
independentemente de sua situação geográfica.
As favelas atualmente estão longe das favelas das décadas
passadas. Hoje se encontram em áreas nobres tantos carentes,
que brevemente serão expulsos com a valorização dos imóveis
com o Favela Bairro, como classe média e alta. Aproveitadores
que vivem fora das favelas visando o lucro fácil, iniciaram um
processos de favelização dos lotes lindeiros aonde tudo é
permitido em nome do social. Todos os invasores,
independentemente de seu poder econômico ou de seu local de
domicílio, são beneficiados.O Favela Bairro, que serviria para
frear o processo de favelização da cidade, age de forma
justamente contrária: incentiva a favelização e as invasões,
quando inclui no programa indiscriminadamente todas as áreas
favelizadas da cidade, e as favelas continuam a crescer até
atingirem os muros das construções legalizadas da classe média
que passam a ser os seus limites.
Invade-se tudo: morros, canais, lagoas, praças, propriedades
particulares, sítios tombados, surgem loteamentos clandestinos
e favelas da noite para o dia, às escâncaras, sem qualquer
fiscalização. Aguardam o Favela Bairro e a urbanização
prometida pelos governantes.
A classe média se vê novamente expulsa. Imóveis são vendidos a
preço vil. Alguns privilegiados conseguem morar em condomínios
fechados. A maioria não tem opção. Ou aceita a favelização ou
procura outro lugar para morar. Não é sequer consultada em
qualquer modificação urbana, sobretudo no Favela Bairro. A ela
cabe pagar as contas. E abandonar mais uma vez seu domicílio,
ir em busca de outro local para viver e de sua cidadania
perdida na demagogia dos governantes.
Maria Lúcia Leone Massot é arquiteta e moradora do Recreio dos
Bandeirantes |
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TÓPICO 12
TEMA EM
DISCUSSÃO: Projeto Favela-Bairro |
Jornal O Globo, segunda feira,
16 de novembro de 1998
Nossa Opinião
Pedras no caminho
O projeto Favela-Bairro só terá êxito se o crescimento
demográfico e a expansão geográfica das favelas do Rio forem
mantidos sob rigoroso controle pelas autoridades municipais.
Por uma razão simples: é impossível executar qualquer plano de
construção de obras de infra-estrutura e fornecimento de
serviços essenciais se a cada dia surgem novos aglomerados de
barracos e se as comunidades beneficiadas continuam inchando.
Por isso, causa apreensão o crescimento descontrolado da
Favela de Rio das Pedras, que põe em risco todo o projeto.
Extra-oficialmente, estima-se que desde março, quando se fez
um levantamento dos moradores para iniciar as obras, a favela
cresceu 25% rumo à Lagoa de Camorim e à encosta.
Uma das maiores virtudes desse modelo pioneiro de integração é
criar condições para que o poder público chegue às favelas,
primeiro passo para elevá-las à dignidade de bairros
formalmente organizados - com água, luz, corpo de bombeiros,
ambulância, polícia, áreas de lazer. É dever das autoridades
responsáveis pelo programa convencer os líderes comunitários
das vantagens de respeitar critérios.
0 Favela-Bairro e outros programas similares destinam-se a
quem já mora nas favelas a serem beneficiadas. Seria
desastroso permitir que se transformassem em chamariz. E fazer
vista grossa a novas invasões, seja em Jacarepaguá, Santa
Teresa ou qualquer parte do município, é um erro que poderá no
futuro inviabilizar o Rio como metrópole. A cidade não tem
condições de acomodar novos migrantes de baixa renda - pela
falta de espaço para construir bairros populares, pelo alto
preço da terra, e pela saturação do mercado de trabalho.
Migrantes sem qualificação profissional que chegam de outras
regiões estão condenados a morar cada vez mais longe, a ganhar
menos do que precisam para sobreviver e a gastar com
transporte mais do que podem pagar. O poder público, que não
dispõe de recursos ilimitados, só tem capacidade de amparar as
favelas que respeitem os limites estabelecidos e não estejam
em áreas de risco ou de preservação ambiental. Pulso firme é
indispensável.
Outra
Opinião
De favela a bairro
SÉRGIO MAGALHÃES
A Prefeitura não está indiferente ao crescimento de Rio das
Pedras, em Jacarepaguá. Ao contrário, está tão preocupada que
antecipou o cronograma de implantação do Programa
Favela-Bairro, coordenado pela Secretaria municipal de
Habitação, naquela comunidade, hoje a segunda maior favela do
Rio de Janeiro. Reconhecendo o extraordinário dinamismo
urbanístico da Barra e de Jacarepaguá, fez contrato com a
Caixa Econômica Federal no valor de 28 milhões; selecionou
através de concurso público o escritório Casé & Acioli
Arquitetos, cujos projetos já está em fase de conclusão - e
dimensionou tecnicamente os limites possíveis de urbanização
da região.
O município monitora a expansão de Rio das Pedras para coibir
a ação dos que inadvertidamente construam fora dos limites
tecnicamente aceitáveis. Também tem agido no sentido de
prevenir prejuízos ambientais.
O Favela-Bairro só tem condições de ser implantado quando as
formulações do projeto correspondem ao desejo dos moradores,
uma vez que é extremamente complexa a operação de construção
de ruas no interior das favelas e a implantação das redes de
água, esgoto e de drenagem. É indispensável, portanto, a
participação comunitária, que se dá também através reuniões
técnicas com representantes do escritório de urbanismo e
Prefeitura. Em Rio das Pedras, isto feito antes e durante a
elaboração do projeto, com a proposição de transformar a
comunidade num lugar ordenado e seguro de se morar, de dotá-la
de escolas, postos de saúde, creches etc.
Com os bairros do entorno das favelas a relação é diferente. É
desejável a participação, mas, muitas vezes, os moradores não
estão acompanhando o desenvolvimento do programa, apesar de
convites da Prefeitura. No caso de Rio das Pedras, foram
feitas algumas reuniões, ainda que modestas, com lideranças
expressivas dos bairros adjacentes, que também serão
beneficiados com o programa. O diálogo, no entanto, sempre
estará aberto às associações de moradores, seja da área formal
ou informal.
Além do Favela-Bairro, vale destacar que a Prefeitura vem
intervindo na região de Rio das Pedras nos últimos dois anos,
com o reassentamento de mais de 650 famílias que moravam em
áreas de risco. Promoveu ainda o reassentamento da favela
Mangueirinha, vizinha ao condomínio Floresta.
Este trabalho foi completado com a ação do Programa Bairrinho
- uma espécie de minifavela-bairro em comunidades de até 500
domicílios - em todas a favelas que vão da Estrada do
Itanhangá até Rio das Pedras. Os projetos se encontram em fase
de conclusão.
Para transformar Rio das Pedras em bairro é fundamental a
compreensão por parte dos moradores de que a continuidade
desses benefícios se dará com a presença permanente do
Governo. Não é possível admitir uma expansão sem ordem.
SÉRGIO MAGALHÃES é secretário municipal de Habitação. |
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TÓPICO 13
Jornal O Dia, Terça, 24 de
novembro de 1998.
Polêmica e bate-boca no
Favela-Bairro
Gilberto Palmares
Vereador pelo PT-RJ
Uma avaliação justa de qualquer iniciativa deve conferir se
ela atingiu os objetivos propostos. Na última Copa do Mundo, a
imprensa noticiou que alguns brasileiros não entraram nos
estádios por falta de ingresso. Não importa muito se lhes
ofereceram viagem de primeira classe e hotel cinco estrelas; o
objetivo desses torcedores era assistir aos jogos, logo, o
projeto foi um fracasso. O mesmo se dá com relação ao
Favela-Bairro. É evidente que, dado o abandono em que se
encontram nossas favelas, é quase impossível realizar qualquer
intervenção nessas comunidades sem produzir algum tipo de
benefício. Muito mais do que isso, o objetivo anunciado era
que esses locais se transformariam em bairros o que, em
resumo, significa que seus moradores passariam a ser tratados
com o respeito que qualquer cidadão merece. Neste caso, a
execução de obras representa o mesmo que as passagens e o
hotel para aqueles torcedores brasileiros: pode ser útil, mas
não garante o principal.
Assim - levando-se em conta o que prometeu - o Favela-Bairro
está cumprindo um papelão. Em vários casos, os projetos são
autoritários, concebidos em escritórios refrigerados, sem
conhecimento adequado da realidade local (como é, por exemplo,
o caso da Mangueira, com a exclusão da área de risco da
Barreira da Poló); a alocação de recursos não obedece a
critérios técnicos, favorecendo projetos-vitrine (já repararam
que apenas um ou dois lugares recebem todos os visitantes
ilustres da cidade?); não existe um mecanismo formal para
receber sugestões ou reclamações dos moradores. A ausência de
controle social não é apenas um tiro mortal na cidadania, ela
favorece a corrupção, dificulta a fiscalização e encarece as
obras. Aliás, o trabalho da Comissão Especial da Câmara
Municipal que estudou o programa encontrou suspeitas de que
algo de grave está ocorrendo. A Prefeitura proibiu seu
secretário de comparecer à audiência pública e, por duas vezes
sonegou documentos às diligências oficiais em que, na forma da
lei, os vereadores pretendiam esclarecer as denúncias.
Novos bairros para o povo
Sérgio Magalhães
Secretário municipal de Habitação
Por quase um século, imaginou-se que as favelas eram um
fenômeno transitório. O programa Favela-Bairro rompeu essa
idéia. Formulou um outro conceito que hoje constitui uma tese
vitoriosa e que, a médio prazo, se concretizará pela
transformação em bairro de todas as favelas consolidadas e
pela sua integração à cidade. O Favela-Bairro não é um
objetivo em si, mas uma ponte para uma nova sociedade no Rio
de Janeiro.
Constitui-se, portanto, um desejo de toda a socidade carioca
expresso através da política habitacional que o então prefeito
César Maia concebeu, em 1994, e que o Prefeito Luiz Paulo
Conde ampliou. Também a Câmara de Vereadores sempre apoiou
todas as medidas que o Executivo solicitou para o
desenvolvimento do Programa, o qual dota as favelas de
infra-estrutura – como redes de água, luz, esgoto e drenagem
–, de serviços e equipamentos públicos de educação, saúde,
lazer e esporte, capazes de transformar um assentamento num
verdadeiro bairro, inclusive com a regularização fundiária. É
uma tarefa absolutamente complexa, nova, que o Rio de Janeiro
tem enfrentado com eficiência, sem medir obstáculos.
A prefeitura já comprometeu mais de R$ 450 milhões, alcançando
105 favelas e 450 mil pessoas. Iniciado com interesse
essencialmente urbanístico, o Programa teve paulatinamente
ampliadas as suas metas, abrangendo cada vez mais ações de
desenvolvimento social, como a geração de trabalho e renda.
Coordenado pela Secretaria Municipal de Habitação, o
Favela-Bairro teve uma meta original ambiciosa: beneficiar 300
mil pessoas em áreas de favelas até o final de 1999, através
do contrato entre a prefeitura e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID). Antes do prazo, já estamos alcançando
150 mil pessoas a mais, graças ao amplo apoio recebido.
Um segundo contrato com o BID está aprovado, dependendo de
autorização do Governo federal para sua assinatura. Assim,
outras 300 mil pessoas serão beneficiadas. |
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TÓPICO 14
Reformadores
de prancheta |
Revista Veja, Ponto de Vista, 25
de novembro de 1998, ed.1574, ano 31, n. 47
Claudio de Moura Castro
(economista)
"Os urbanistas erraram duas vezes em Brasília: não se muda a
sociedade com projetos urbanísticos nem se julga a qualidade
de vida em uma cidade
sem pedir a opinião das pessoas que nela vivem"
Arquitetos podem virar bons
urbanistas, mas tendem a ser maus sociólogos, por ignorar os
hábitos e gostos das vítimas de seus planos. Brasília nos dá
um bom exemplo desse cacoete. Seu desenho original embutia uma
utopia habitacional em que cada um moraria de acordo com o
tamanho da família, qualquer que fosse sua posição na
sociedade. Desembargador e porteiro, se tivessem famílias
grandes, morariam no mesmo prédio, com apartamentos de muitos
quartos. Na Rússia era assim, em seus monótonos conjuntos
habitacionais. Mas lá havia a ditadura de Stalin para garantir
o sistema. Em Brasília, sem um Stalin de plantão, a sociologia
e a economia cuidaram de liquidar o sonho. O urbanismo foi
traduzido pela sociedade brasiliense na linguagem de uma
estratificação geográfica em que cada um sabe seu lugar: os
ricos ficam no plano piloto, até construir suas casas com
piscina nos lagos. Os pobres emigraram para as
cidades-satélites. Para os miseráveis, sobraram as invasões.
Brasília tornou-se uma das cidades de maior segregação
espacial. Em uma sociedade democrática, hierárquica e
capitalista, prancheta de arquiteto não faz comunismo
habitacional. A Brasília real é brasileira.
Passado o encanto com o projeto elegante, os arquitetos do
mundo inteiro proclamam em uníssono os absurdos da capital
brasileira: cidade para automobilistas, insensível à crise do
petróleo. Um erro que não deve ser repetido. Cariocas e
paulistas clamam pelas esquinas inexistentes. Os forasteiros,
ilhados em hotéis estéreis e abandonados nos fins de semana,
juntam-se ao coro da nova ortodoxia dos arquitetos ausentes. A
condenação é unânime, endossando a sentença fatal da guruzada
internacional. Mas alguém se lembrou de perguntar aos
habitantes de Brasília se é bom morar lá? Afinal de contas,
cidade é para morar, e quem sabe do assunto é quem nela mora.
Quando trabalhei na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior, Capes, sai perguntando a uma centena de
funcionários se eles gostariam de voltar para suas cidades de
origem (sem perda de salário). Não consegui uma só resposta
afirmativa, do porteiro aos diretores. Só não gostavam de
Brasília os funcionários que viviam na ponte aérea, não sendo,
portanto, moradores. Os ricos vivem magnificamente bem. Os
pobres vivem melhor nas cidades-satélites do que em suas
cidades de origem.
Sofisticando mais o teste, descobri uma equação simples: quem
tem mais a fazer do que tempo disponível gosta de Brasília (em
geral, quem tem vida profissional interessante e donas de casa
com filharada). Quem tem mais tempo do que serviço para
executar detesta Brasília (em geral dondocas). Brasília é uma
cidade eficiente, sem engarrafamentos e filas, sobrando tempo
para cultivar os amigos. O clima é esplêndido, o céu
desavergonhadamente azul - e lá os menos ricos têm uma
educação pública de boa qualidade (os subsídios federais
ajudam). Dado o acesso rápido a seus sítios, milhares de
funcionários públicos são fazendeiros amadores. (Serão
melhores na lavoura do que operando o pais?) A vida noturna
prospera, mesmo sem esquinas, sendo Brasília uma grande
sementeira de conjuntos de rock. Em suma, é de enorme
arrogância decretar que uma cidade é urbanisticamente
desastrada sem perguntar a seus moradores se eles concordam.
Se isso tudo é verdade, parece possível concluir que os
urbanistas construíram uma cidade bela e agradável. Mas
erraram duas vezes: não se muda a sociedade com projetos
urbanísticos nem se julga a qualidade de vida em uma cidade
sem pedir a opinião das pessoas que nela vivem. |
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Topo TÓPICO 15
O súbito
desaparecimento da cidade na ficção brasileira dos anos 90 |
Beatriz Resende
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Ministério da Cultura
Conselho Nacional para o Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq)
Resumo:
O texto debate as manifestações da cidade real e da cidade
imaginária na ficção brasileira produzida nos anos 90.
Conclui-se ao menos provisoriamente - que, na ficção
contemporânea, a cidade de referências diretas deixa de ser
tema, para dar lugar a uma representação onde local e global
dialogam de forma nova.
Summary:
The text debates the citiy - real or imaginary - as manifested
in Brazilian fiction produced in the nineties. The conclusion
- at least for the time being - is that in the contemporary
fiction the city as a directed reference ceases to be the
theme, giving way to a representation in which local and
global dialogue in new ways.
A reflexão que vou apresentar foi provocada, fundamentalmente,
por duas experiências que vivi no correr de 1996, na cidade do
Rio de Janeiro.
A primeira delas foi a coordenação editorial, em conjunto com
Wilson Coutinho, de três coleções de livros produzidos com o
apoio da Prefeitura, escritos por jornalistas, professores ou
escritores de destaque em nossa produção intelectual,
ocupando-se todos de temas referentes ao Rio de Janeiro. As
obras agrupavam-se em: Perfis do Rio, uma coleção de
biografias de artistas (músicos, artistas plásticos),
escritores, personagens de destaque em nosso panorama
cultural, como Oscar Niemeyer, Hélio Oiticica, Clarice
Lispector e outros; Arenas da cidade, ensaios sobre questões
polêmicas ou que apaixonam a cidade, como favelas, travestis,
carnaval ou futebol e, finalmente, um pequeno grupo de textos
curtos, artísticos, chamado Cantos do Rio, escritos por
vigorosos autores como Antônio Torres e outros.
A segunda experiência foi a participação em um Júri destinado
a premiar o melhor romance escrito durante o ano, o que, me
trouxe não só uma visão mais alargada de nossa produção
recentíssima no gênero. Disto falarei ao final.
Este conjunto de obras sobre a cidade, a que vou chamar aqui
de "não-fição", foi um grande sucesso de público, algumas
delas ocupando, de forma destacada, o espaço de suplementos
literários e culturais da imprensa. Confirmou-se uma tendência
existente hoje em nível mundial, de gosto por escritos
biográficos, revelações sobre vida de personalidades da vida
intelectual e artística. Note-se, porém, que, de uma forma ou
de outra, era sempre da cidade do Rio de Janeiro que se estava
falando.
Deduz-se daí que o tema da grande cidade, da cidade de hábitos
e gostos cosmopolitas, como é o Rio de Janeiro, cidade que, se
não tem hoje a importância de São Paulo como cidade global do
capital internacional ( vejam-se, sobre o assunto, os
trabalhos de Saskia Sassen que incluem São Paulo na geografia
econômica das cidades globais), permanece determinante em
matéria de política, gosto e produção artística.
Não é o caso, porém, de nos determos nesta primeira óbvia
constatação. A pergunta é: que cidade é essa de que os autores
falaram e pela qual o público leitor tanto se interessou?
Dentre os Perfis, as obras que resultaram mais interessantes
foram aquelas que falavam de personagens dos anos 50 a 60,
espécie de anos dourados do Rio de Janeiro, ainda capital, num
país democrático, anterior ao regime militar. É o caso da
biografia de Antônio Maria, jornalista, cronista baudelairiano
da cidade durante este período, compositor de música popular,
autor de pérolas sobre a "dor de cotovelo". No relato de sua
vida surgia a construção de uma cidade da memória. É real ou
imaginária a cidade da memória?
Nas obras que traziam a público temas da cidade, algumas
tratavam de temas de certo modo desconfortáveis, como as
favelas, que ocupam grande parte da área urbana do Rio,
constituindo-se em verdadeiras cidades dentro da cidade, caso
da Favela da Rocinha. Ou o belo livro: Certas cariocas, livro
do antropólogo Hélio R.S. Silva, sobre nossos travestis.
Trabalhos corajosos, de vasta pesquisa, como são também os que
tratam de assuntos mais amenos, como o carnaval ou o futebol.
Que cidade surgia nestes textos? A denúncia sim, mas o retrato
cheio de empatia, revelando visões de uma cidade partida (
como diz Zuenir Ventura em seu livro com este título), que só
não se dividiu definitivamente entre ricos e pobres porque
artistas e intelectuais fazem a ponte entre as duas cidades há
bem um século. E ainda a cidade oculta, como no caso dos
travesti, escondidos pela noite nos espaços de circulação da
cidade e abrigados pelos bairros distantes dos subúrbios ou na
anomia de prédios de pequeníssimos apartamentos em Copacabana,
durante o dia. Deles diz o autor:
Revoluções tecnológicas e vida urbana vêm tornando as
rudimentares capacidades masculinas cada vez mais obsoletas,
sem emprego, sem destino certo. Essa energia compartilhada,
simbólica e coletivamente, está a contraproduzir mulheres nas
próprias fontes de onde derivam: os corpos dos rapazes.[1]
O gosto pelo carnaval e pelo futebol são, certamente,
ingredientes fundamentais na constituição do "espírito do
carioca". O estádio do Maracanã é um dos símbolos da cidade,
quase tão importante quanto o Cristo Redentor ou o Pão de
Açúcar. O desfile das grandes escolas carnavalescas traz ao
Rio turistas de todo o mundo mas, nem por isso, deixa de ser
parte decisiva da vida da população pobre que, embora limitada
pela ordem imposta pela modernização dos desfiles, valioso
produto para a mídia, se incorpora a esta festa de corpo e
alma, durante alguns dias do ano. Aí estaria o verdadeiro Rio
de Janeiro? Ou trata-se aqui justamente da cidade imaginária,
a cidade da fantasia. Os anarquistas do início do século, que
Rio e São Paulo herdaram da Itália e da Espanha, não estavam
completamente errados quando condenavam, com veemência, tanto
o carnaval quanto o futebol, considerados como algo que seria
chamado depois, por seus seguidores, de "ópio do povo" . Não
podiam perceber, porém, que este ópio era necessário para
resistir à vida dos outros dias, quando o Flamengo não joga ou
quando o carnaval acabou.
Cidade imaginária, cidade da fantasia, que cidade então seria
a cidade real? A cidade virtual do mundo dos negócios, a
cidade cinzenta do mundo do trabalho, a geografia urbana que
se atravessa cotidianamente?
Da experiência de textos que não fossem "literatura de
imaginação", como chamam ao especificamente literário os
defensores do cânone, produzidos por poetas ou romancistas na
coleção Cantos do Rio, resultaram relatos subjetivos sobre
partes da cidades, um canto de bairro, uma praia, um bar, e
depoimentos sobre um passado recente. Antônio Torres construiu
uma bela visão da história do centro da cidade, desvendando
nossas origens coloniais, o que não agrada aos cariocas
lembrar. A cidade da memória, a cidade que ainda não era
brasileira, segundo uns; os espaços da superada
contra-cultura, no depoimento de outros, estaria aí a cidade
real? Ou, mais do que nunca, à revelia do propósito da
"não-ficção", a cidade imaginária? Uma coisa ficou clara, a
divisão canônica dos gêneros, o desprezo pelos chamados
"gêneros menores', não tem mais sentido e isto vai além da
idéia, já evidente, de mistura possível de gêneros literários.
É o conceito mesmo de literatura como arte da imaginação que
passa a ser revisto, talvez junto com a revisão também da
idéia de uma possível separação entre cidade real e cidade
imaginada. Se não surge a cidade real no espaço do imaginário,
onde podemos ir procurá-la? Nas ruas, na geografia urbana, do
lado de fora da janela?
Numa bela conferência feita em 1983 [2], Italo Calvino
propõe-se a falar sobre o que lhe acontece quando tira o nariz
da página escrita e olha em redor, preocupado em voltar
àquelas páginas o mais rápido possível. E, diante da pergunta
que se torna evidente: se a página escrita é o único mundo em
que se sente à vontade, por que deixá-lo, aventurando-se neste
outro imenso mundo que não pode controlar?, a resposta lhe
parece simples. Diz Calvino:
Porque sou escritor. Esperam que eu lance olhares curiosos ao
meu redor, capte imagens do que se passa, e então me curve
sobre minha escrivaninha e continue minha tarefa
temporariamente interrompida. É para fazer funcionar de novo
minha fábrica de palavras que devo extrair novo combustível
dos poços do não escrito.
E conclui sua palestra afirmando com a beleza que consegue dar
às suas constatações:
Os poetas e escritores que admiramos criaram em suas obras um
mundo que para nós parece o mais significativo, contrapondo-o
a um mundo que também para eles carece de significado e
perspectiva. Acreditando que seu gesto não era muito diferente
do nosso, levantamos nossos olhos da página para sondar a
escuridão.
Para chegar à literatura brasileira, gostaria de seguir pelos
caminhos de outra expressão artística, de íntima relação com a
cidade: o cinema. A cidade criou a modernidade e, depois, a
pós-modernidade. A cidade e a modernidade criaram juntas o
cinema. E o cinema tem sido, ele mesmo, o grande veículo de
representação e questionamento das cidades.
Três filmes podem ser considerados marcos da discussão sobre o
destino das cidades: Metropolis, Blade runner e agora o
polêmico e, em algumas cidades, censurado Crash.
Metropolis, de Fritz Lang, foi realizado em 1926. Estávamos
ainda em pleno vigor das vanguardas. Os temas futuristas,
apesar do trauma da ligação do movimento de Marinetti com a
Primeira Guerra, ainda vigiam. O filme, amplamente conhecido
por todos, traz a cidade dividida em duas partes: a
subterrânea, onde sofrem os trabalhadores, "os que fazem a
riqueza dos homens", e a superfície, espaço do super-
capitalista, senhor de Metropolis. O conflito entre o mundo do
trabalho e do capital terá dois mediadores: o filho do
capitalista, aquele que, como os intelectuais, se deixa levar
pelos sentimentos e a bela e pobre jovem por quem se apaixona.
Esta porém, tem um clone, um simulacro, o robô Maria. À pureza
da jovem trabalhadora, opõe-se a sensualidade feminina da
máquina sexualizada, invenção de um cientista perverso e
enlouquecido, o judeu Rotwang. (À entrada da casa do cientista
existe uma estrela de Davi). O filme é genial, marco do
expressionismo alemão, e, tecnicamente, absolutamente de
vanguarda. O delírio da cidade futurista e seu espaço
preenchido por premonitórios arranha-céus, com o horizonte
cortado por zepelins e aeronaves, é inesquecível. Hoje vemos,
porém, que traz também todos os problemas do Modernismo: é
misógino e racista. É preconceituoso, teme a força da libido
feminina e deposita no futuro da cidade todas as suas
esperanças.
Na literatura brasileira, também os anos 20 são o momento de
exaltação da cidade. O Rio de Janeiro cosmopolita e
vertiginoso, verá, no final da década, surgir, no centro da
cidade a "Cinelândia" espaço ocupado pelos novos prédios de
vários andares e pelos cinemas que se multiplicam rapidamente.
Copacabana está surgindo. Romancistas e contistas tomam a
cidade como seu principal tema. Também os poetas cantam o
espaço urbano, e mesmo o melancólico Manuel Bandeira não
resiste às atrações da cidade grande para a qual se mudara há
pouco, o Rio. Em São Paulo, é o momento da "Paulicéa
desvairada "de Mário de Andrade, de Oswald de Andrade, de
Alcântara Machado. Misóginos todos, racistas nem tanto, nesse
país de mulatos 'da maior multaria' como dizia Mário, mulato
ele mesmo como muitos de nossos grandes autores desde Machado
de Assis.
Blade Runner, de Ridley Scott, produzido em 1982, inspira-se
numa obra de ficção científica: Do androids dream of electric
sheep? de Philip K. Dick. Nem toda a importância deste
cult-movie foi percebida no momento de sua exibição. Já
estavam postas aí as principais questões que povoarão o debate
sobre a crítica ao Modernismo, o Pós-Modernismo. Espaço, raça,
gênero e classe estão em debate, e a ótica sob a qual os temas
são tratados é radicalmente inovadora. A metrópole babelizada
do futuro onde se passa ação é um espaço ocupado por uma
população multicultural. Já é uma "cidade global" como
caracteriza o cientista brasileiro Octavio Ianni, em 1996:
De tanto crescer pelo mundo afora, a cidade global adquire
características de muitos lugares. As marcas de outros povos,
diferentes culturas, distintos modos de ser podem podem
concentrar-se e conviver no mesmo lugar, como síntese de todo
o mundo. A cidade pode ser um caleidoscópio de padrões e
valores culturais, línguas e dialetos, religiões e seitas,
modos de vestir e alimentar, etnias e raças, problemas e
dilemas, ideologias e utopias. [3]
Os "donos-da-cidade" já a tinham abandonado, indo viver em
outros espaços do universo. Além dos negros, hispânicos e
orientais, restaram na cidade apenas alguns seres deslocados,
como o ex-caçador de andróides ou o fabricantes de bonecos de
corda, que ocupam desérticos arranha-ceús de arquitetura
art-déco. Para servi-los, os homens - usando sempre um
cientista enlouquecido, desta vez nazistóide - haviam criado
seus clones, os replicantes, à sua imagem e semelhança. Algo
mais ou menos como a nossa vaidade católica nos leva a crer
que Deus tenha feito conosco. Ou pelo menos com vocês, homens,
e como fazemos nós, agora, com ovelhas e macaquinhos. Mas os
replicantes não têm memória afetiva e sua vida é breve . Em
82, o muro ainda não havia caído, as utopias começavam apenas
a ser questionadas. O filme divide-se, ou melhor, duplica-se,
em bons e maus. Se há o frio criador de andróides, há o
sentimental criador de bonecos. Zhora, a replicante que faz
strip-tease em Chinatown, é cheia de sensualidade agressiva.
Raquel, o par romântico do detetive, a andróide humanizada,
bela, suave e discreta. O melhor do filme é o movimento pelos
espaços da cidade onde tudo e todos se aglomeram
desordenadamente. Marcas do passado convivem com a cidade
futurista. A música, utilizando-se dos recursos de
sintetizadores, reflete artificialidade. A estética do filme,
como um todo - e não à toa sua origem é um livro do gênero tão
desprezado pela academia, a ficção científica - elimina os
limites entre bom-gosto e mau-gosto, sublime e grotesco. Os
recursos de arte pura misturam-se com os de puro
entretenimento e classificar o filme, obedecendo a critérios
que separam cultura de massa de obra de arte, foi uma
dificuldade!
Do ponto de vista de estudos da cidade, parece-me
especialmente interessante o fato de o filme já apresentar
personagens que se enquadram numa categoria que só será
identificada com propriedade mais adiante, com os estudos
sobre globalização e pós-colonialismo. Não é a classe
trabalhadora que ocupa os espaços desprezados da cidade do
futuro, mas o que vai ser chamado de subclasse. É ainda
Octavio Ianni quem define esta categoria, dizendo que, na
contemporaneidade, a questão social adquire todas as
características de uma questão simultaneamente urbana, e é nas
cidades globais que se localiza a subclasse, que se
caracteriza por minorias raciais, desemprego por longo tempo,
falta de especialização e treinamento profissional, longa
dependência do assistencialismo, falta de uma ética do
trabalho, droga, alcoolismo. A existência da subclasse indica
uma crescente desigualdade e a emergência de uma nova
fronteira separando um segmento da população do resto da
estrutura de classe.
Como disse antes, as utopias ainda vigiam e o filme termina
romanticamente, cheio de esperanças. O robô poderá se
humanizar, ainda há espaço fora da cidade para onde fugir de
carro e o amor é heterossexual e possível!
Os anos 80, no Brasil, terão uma feição bem definida. O regime
militar se esgota, inicia-se a abertura negociada que tem 1984
como marco. Os princípios do Modernismo, que foram
revitalizados nos anos 60, estavam longe de serem discutidos.
O que caracteriza o período é uma exacerbada preocupação com a
afirmação da identidade nacional. Antônio Callado, Darcy
Ribeiro ( com seu segundo romance O Mulo) - os dois
maravilhosos utopistas que acabamos de perder - e mesmo Jorge
Amado (com Tocaia Grande) mas sobretudo João Ubaldo Ribeiro,
com Viva o povo brasileiro, ocupam-se da questão da
brasilidade, confiantes de que a afirmação da identidade é uma
atitude libertária, necessária à afirmação e independência de
um povo.
O ensaísta Alberto Moreiras, falando de experiência similar à
brasileira acontecida com a opressão sofrida pela Argentina
durante a ditadura militar, desenvolve uma reflexão que em
muito ajuda a compreender o que se passa com a literatura
brasileria dos 80. No ensaio "Postditadura y reforma del
pensamiento"[4] , Moreiras reflete sobre o luto que se
instaura no momento pós-ditatorial, compreendendo que, nesta
situação, o pensamento se exerce numa condição de luto, pensa
a partir da depressão ou pensa a própria depressão. O
pensamento, então, ao mesmo tempo assimila o passado, buscando
reconstruir-se, reformar-se, seguindo linhas de identidade com
o próprio passado. Trava-se uma luta pelo estabelecimento ou
restabelecimento da própria possibilidade de sentido nessas
sociedades que passaram da dura repressão à democracia
liberal. Aparece uma preocupação inevitável em reconstituir a
história dos vencidos, às vezes com um inevitável tom
ufanista, patriótico. Ou seja, o Brasil dos anos 80 precisa
restaurar a positividade do conceito de nação e até mesmo de
pátria. É um período de retomada dos chamados símbolos
nacionais: a bandeira verde-amarela domina a cena da luta pela
completa retomada do processo democrático. Para recuperar a
idéia de nação, seria preciso ir para além das grandes
cidades, mas o país já se urbanizara, a população se
organizara na e em torno da cidade. Num momento em que é
preciso recuperar-se das perdas, reconstituir o sentido, não
cabe questioná-lo. O ideal da recuperação da identidade
nacional, que fora tomada à força, impede, por algum tempo,
que se questione o sentido que tomam, no final do milênio, os
valores, as características locais, regionais.
Serão precisos bem 10 anos para que a literatura brasileira,
cumprido luto exaltatório, possa perguntar-se que sentido
adquiriu a Modernidade, possa criticar as propostas
modernistas, inclusive a noção de progresso, e questionar-se
sobre o sentido da moderna vida nos grandes centros. Fique
claro que falo aqui da tendência geral da nossa produção
literária. Há vozes que marcam já sua diferença, como é o caso
dos romances de Silviano Santiago. Se no famoso Em liberdade
já surgiam carcterísticas do narrador pós-moderno, pelos
recursos da pseudo-autoria ( o romance é um falso diário que
teria sido escrito pelo escritor modernista/regionalista
Graciliano ao sair da prisão política que sofreu durante a
ditadura de Vargas), a narrativa ainda preocupava-se com uma
imagem brasileira. Em 85, porém, Stella Manhattan não hesita
em deslocar sua ficção para outros espaços e em ensaiar os
primeiros passos do que posteriormente se definirá como uma
literatura que não teme ser gay.
Somente nos anos 90, porém, uma crítica da questão nacional e
da cidade irá se dar, numa literatura recuperada das
humilhações sofridas por seus criadores. É o caso de parte da
obra de Rubem Fonseca, de que destaco um conto de 92: "A arte
de andar pelas ruas do Rio"[5] onde o roteiro do Rio de
Janeiro, grande cidade que abriga diferenças de todo tipo,
onde miseráveis dormem sob a marquise de companhias
multinacionais no centro da cidade, se embrica com citações e
referências a narrativas do início do século e onde, no nomear
das ruas, misturam-se referências ao passado já demolido.
Lembra Blade runner, sem ficção científica.
A grande modificação que vai se dando é uma liberdade que se
estabelece em relação ao localismo, ao espaço de origem, a
origem geográfica da criação literária. Produto da grande
cidade mundializada, a ficção brasileira traz para o texto uma
relação de mão dupla com outras cidades do mundo. A cidade do
romance e do conto brasileiro passa a ser qualquer cidade.
Todas as cidades, a cidade, como diz o ensaísta Renato
Cordeiro Gomes [6]. João Gilberto Noll, a cada romance de
forte e crua subjetividade, vai radicalizando a ruptura
espaço/temporal de suas narrativas, onde a rua é qualquer rua,
qualquer esquina [7]. Ainda que passe pelo Rio ou por Porto
Alegre - sua cidade de origem - a cidade é qualquer cidade ou
nenhuma cidade.
Dois excelentes autores merecem comentário: Isaías Pessotti
[8] lança em 93 o romance Aqueles cães malditos de Arquelau,
inteiramente passado na Itália, num ambiente de estudos
medievalistas, onde pesquisadores contemporâneos se movem por
entre bibliotecas, claustros e abadias, num tom de Umberto
Eco. A obra tem continuidade em O manuscrito de Mediavilla,
cujo título já diz tudo. E Milton Ratoum, em Relato de um
certo oriente [9], que traz sua personagem de Paris para
Manaus, no Amazonas, para contar a história da pluralidade
cultural da cidade através de uma família de libaneses, onde a
necessidade de convívio com a diferença se estabelece na
própria família de avó católica e avô muçulmano.
Este tráfego entre cidades encontra forte expressão nos contos
de Sérgio Sant'Anna que compõem O monstro[10], três narrativas
que se contróem em espaços que vão da violência do Rio de
Janeiro à impessoalidade do último andar de um grande hotel de
Chicago.
Pulemos de volta ao cinema, com o terceiro dos filmes sobre
cidade. Sobre cidade? Veremos em seguida. Crash, do diretor
canadense David Cronenberg, inspirou-se na narrativa dos anos
70 de J.G. Ballard, parte da Trilogia do desastre urbano.
Sobre a trilogia, diz Ballard - a quem Massimo Canevacci
chamou de "antropólogo intuitivo"- "procurava escrever sobre
os cenários modernos, as cidades modernas e de que modo suas
novas tecnologias poderiam, de maneira terrível, despertar
certas forças do inconsciente que estiveram adormecidas "
[11].
O filme de Cronenberg é dos mais incômodos, desagradáveis,
arrebatadores, contundentes e belos que já vi. Em outros
casos, estas propriedades aparecem separadas, juntas talvez
apenas em Crash, que, para ficar mais claro, foi apresentado
no Brasil como Crash, estranhos prazeres. Definido pela
imprensa como "um pesadelo erótico sobre a obsessão sexual
desenvolvida por vítimas de acidentes de carros ", o filme
causou polêmica por onde passou. Censurado, cortado,
repudiado, o filme foi considerado pelo Cahiers du Cinema o
melhor filme de 1996.
Em Crash, a partir de um acidente ocorrido com o personagem
Ballard - homônimo do autor, como acontece em outra narrativa
que podemos chamar de pós-moderna, Cidade de vidro, de Paul
Auster, onde o narrador-personagem é o detetive Paul Auster -
desencadeia-se uma série de cenas onde carros, sangue e sexo
sucedem-se obsessivamente. Tomados por uma compulsão à
repetição, os personagens recriam, primeiro através da
simulação de acidentes e depois em acidentes reais, as
situações limites de violência e morte que provocam um
delirante erotismo que os une em todas as possíveis
combinações sexuais. Ao invés da robô de formas humanas,
criação da tecnologia em Metropolis e em Blade runner, aqui é
a mulher acidentada que se assemelha a um robô com sua
anatomia alterada pelas inúmeras próteses que carrega. O
cientista enlouquecido toma a forma do especialista em
acidentes e acidentados que desenvolve "projetos" e junta
sadismo e sedução num corpo cortado por cicatrizes. O culto da
dor e da morte, uma constante nas obras de Cronenberg,
desdobra-se em dor/amor/prazer. Paixão e morte se aproximam e
o filme termina quando, após quase matar a mulher amada em
violenta cena onde o assédio se dá pela perseguição de um
carro a outro, Ballard consola a sobrevivente dizendo "Maybe
the next time ", como um amante que se desculpasse por não ter
levado a mulher ao orgasmo.
Por que assistir a um filme como esse? Em primeiro lugar
porque, por mais contraditório que possa parecer, é belo. Mas
sobretudo porque é instigante e traz muitas das questões deste
final de milênio que relutamos em encarar mas que, queiramos
ou não, estão aí.
Do alto da sacada de um edifício, o casal contempla a cidade
que se resume a vias expressas de alta velocidade. O resto do
espaço são os "não-lugares" da cidade contemporânea: garagens
de aeroportos, estacionamentos, auto-estradas.
Marc Augé toma a noção de non-lieux como chave para sua
compreensão do que chama de surmodernité. Non-lieu opõe-se à
noção sociológica de lugar, desenvolvida pela tradição
etnológica, que se refere à cultura localizada no tempo e no
espaço. Define Augé:
Les non-lieux ce sont aussi bien les installations nécessaires
à la circulation accélérée des personnes et des biens (voies
rapides, échangeurs, aéroports) que les moyens des transports
eux-mêmes ou les grands centres commerciaux, ou encore les
camps de transit prolongué où sont parqués les réfugiés de la
planète [12].
A grande cidade contemporânea, que não aparece no filme, deixa
nele porém, todas as suas marcas: o risco de atravessá-la; o
medo assalta os passantes com frequência; a dor diante de
sofrimentos a que se assiste a cada dia; a iminência da
tragédia cada vez se entra em um carro. Ao mesmo tempo, a
necessidade da aproximação excessiva, a sexualidade
reinventada, não são mais do que sinais da solidão, da anomia,
da distância entre os ocupantes encastelados da cidade.
O mais radical no filme é o que mais nos faz pensar,
persegue-nos fora do cinema e nos deixa na difícil e
pós-moderna situação de irrecorrível convívio com a dúvida: a
total ausência de valores morais e, mais ainda, a ausência
completa de qualquer traço de sentimento humanista nesta
coreografia do choque. Não há defesa, não há justificativas,
não há apologia e não há esperança. É aí que se ergue um
abismo imenso entre Crash e a crítica à cidade mundializada de
Blade runner.
Em muito Crash se aproxima do último livro de João Gilberto
Noll, A céu aberto.
Na segunda experiência vivida no ano passado, a de um júri de
premiação de romance, este romance, minha derrotada sugestão,
foi considerado por quase toda a crítica uma narrativa
excessiva, violenta, demasiadamente homossexual. A ausência de
julgamentos éticos e morais incomodou. Na realidade, tais
afirmativas não são infundadas. O livro é tudo isso. Mas não é
só isso, como gostaria de mostrar.
Creio que mais duas obras destacaram-se dentre as publicadas
no ano que passou, possuindo, como veremos, muito em comum.
Tanto assim que acredito se possa falar numa característica do
momento, um estilo talvez, certamente uma idêntica inscrição
no polêmico campo do Pós-Moderno. Silviano Santiago publicou o
premiado Keith Jarrett no Blue Note [13], uma seqüência de
contos gays - improvisos, como chamou o autor - que se passam
quase inteiramente na solidão de Nova Iorque. Em outra cidade,
que não a sua, o narrador/personagem experimenta a vivência de
viajante tão comum a nós todos que exercemos o ofício de
intelectuais, divulgadores de cultura. Somente a última
narrativa o traz de volta ao Rio de Janeiro para a última das
separações narradas, a do amigo morto.
Os bêbados e os sonânbulos [14], do jovem Bernardo Carvalho,
escritor surgido já quando a literatura brasileira retomava
novo fôlego, segue na esteira da narrativa em ritmo de
pesadelo de João Gilberto Noll. O romance inicia-se no Rio de
Janeiro com a situação limite de um jovem que descobre ter um
tumor no cérebro que terminará por alterar sua personalidade,
transformando-o em outra pessoa. A partir daí segue-se um
movimento permanente por diferentes partes do mundo, passando
pela cama de diversos homens:
Na minha obsessão comecei a pensar que talvez amar um homem
por noite tivesse a sua beleza, fosse uma necessidade
inconsciente de amar a humanidade toda de uma vez, e ser amado
por ela, uma tarefa impossível e desesperada . [15]
Continuam os deslocamentos até o personagem transformar-se no
narrador/escritor, criador talvez de toda uma farsa sem
limites de tempo ou espaço, de volta a Nova Iorque onde toda a
seqüência da narrativa até então é posta sob suspeita. O
verdadeiro jogo do romance é essa exacerbação do ficcional
através da dúvida permanente sobre a coerência da narrativa e
da identidade do narrador: "Daqui para frente, tudo é verdade.
Isto não é uma ficção. Nada foi inventado ", interferência que
vem se firmando como uma característica do narrador
pós-moderno. Mais adiante:
Na época, decidi não publicar este manuscrito. (...) Desde o
início ele tinha servido para me fazer perder o sentido da
literatura.(...) Passei por Nova Iorque no mês passado, depois
do discurso de Estocolmo, e, dessa vez, ao contrário das
anteriores, tinha perdido o interesse pela cidade [16].
Dentre as características partilhadas pelas obras de Santiago,
Carvalho e Noll, destaco o descompromisso com o espaço
cultural e geográfico de origem, o local, até chegar ao
desaparecimento mesmo da cidade.
É voltando ao A céu aberto que finalizarei esta reflexão. A
narrativa se inicia com um rapazinho que precisa procurar o
pai para poder ajudar a curar o irmão que está doente. O pai
está na guerra e é necessário encontrar esta guerra, que
permanece por todo o romance, acontecendo em algum lugar.
Neste pesadelo de que não se acorda, o irmão se transforma em
mulher, que se transforma em amigo, que se transforma no filho
do amigo e são todos possuídos pelo narrador: "Cheguei a
pensar na ocasião o que seria de mim sem o gosto pelo sexo",
diz. Um personagem do romance de Bernardo Carvalho afirma: "O
mundo é cem por cento sexo". Num tempo indeterminado, o
personagem move-se por espaços indefinidos, obsessivamente em
busca de aproximações excessivas. A sanguinolenta cena em que
o personagem violenta um rapazinho nos provoca um desejo de
abandonar a leitura, próximo da vontade que sair do cinema que
Crash produz.
Celeste Olalquiaga [17], estudando a sensibilidade cultural
nas metrópoles contemporâneas, afirma que a alta tecnologia
reformulou a percepção contemporânea, especialmente a
distinção entre os paradigmas temporal e espacial. A
substituição do continuum temporal por uma obsessiva,
paralisante repetição é associada pela autora à compulsão à
repetição, considerada por muitos "a doença do século XX".
Junto a essas mudanças perceptuais, a tecnologia estaria, para
ela, gradualmente deslocando o orgânico em favor do
cibernético e o simbólico do imaginário, produzindo a
fragmentação do eu que é compensada pela intensificação de
prazeres pornográficos e dolorosos. Esses processos tanto
ajudam a articular uma política totalitária de fiscalizaçao e
controle quanto o seu oposto, uma dinâmica que atravessa
fronteiras e hierarquias, permanecendo o mais importante
problema do debate pós-moderno.
Por que continuar com uma leitura como essa? Justamente porque
ela nos provoca, nos incomoda, mexe conosco e porque a escrita
de João Gilberto Noll atinge aqui uma beleza despojada que
beira a perfeição, e , em extremos de sensibilidade, evoca uma
simplicidade esquecida que parece impossível no universo
globalizado da pós-modernidade. Cito:
Tardes que se enluaravam cedo...O quê?, perguntei distraído ao
vento, como se tivesse escutado uma voz vinda de alguma
misteriosa descarga dos ares. O quê?, repeti. O colega
sentinela me puxou a manga feito me chamasse ao prumo do
momento e me contou que sim, as tardes daquele período triste
de sua infância se enluaravam cedo, ele não sabia bem porquê
(...) assim eram as coisas no período mais triste da minha
infância, pois veja aquele sinal de chuva logo ali, eram assim
os dias no período mais triste da minha infância, de repente a
gente precisava voltar para casa, baixar a vidraça, e no lado
de fora não se conseguia ver mais nada além de pingos
escorrendo-escorrendo-escorrendo [18].
Volto aqui, para concluir, à bela imagem que Ítalo Calvino
constrói em sua conferência, tirando os óculos de míope para
se refugiar do mundo exterior na literatura. Nenhum destes
escritos nos oferece abrigo da cidade real. Neles não está a
cidade da memória, os sonhos da cidade da fantasia, a
esperança da cidade oculta que surge travestida. Neles também
não está o mundo virtual que tanto assusta a Jean Baudrillard.
O crime não é perfeito, deixa traços.
Se a cidade global por onde nos movemos, neste final de
milênio, é aquela onde as vivências reais se tornam ilusórias
e remotas, onde a humanidade, capaz de produzir os clones de
Blade runner, torna-se menos real do que as histórias que se
apresentam na TV, no vídeo, nos filmes, nos jornais, onde o
indivíduo afetivamente embotado não consegue distinguir o
essencial do supérfluo, então, talvez essa literatura possa
nos servir como as lentes de que precisamos para encontrar a
cidade desejada.
Referências Bibliográficas
[1] SILVA, Hélio R.S., Certas cariocas. Relume Dumará/RioArte,
Rio e Janeiro, 1996. P. 57. Retorna ao texto
[2] CALVINO, Italo. "A palavra escrita e a não escrita".
Jornal do Brasil, Caderno Idéias, 03/08/96, p. 4.
Originariamente publicado em New York Review of Books de 12 de
maio de 1983. Retorna ao texto
[3] IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro,
Civilização Brasileira, 1996. P. 70. Retorna ao texto
[4] MOREIRAS, Alberto. "Postditadura y reforma del pensamiento"
In: Revista de critica cultural, Santiago do Chile, nº 7,
novembro de 1993. P. 26 - 35. Retorna ao texto
[5] FONSECA, Rubem. "A arte de andar pelas ruas do Rio de
Janeiro", in Romance Negro. São Paulo, Companhia das Letras,
1992. P. 9 - 50. Retorna ao texto
[6] GOMES, Renato Cordeiro. Todas as cidades, a cidade. Rio de
Janeiro, Rocco, 1994. Retorna ao texto
[7] Conferir os três romances de João Gilberto Noll que se
seguem numa quase trilogia: Hotel Atlântico. Rio de Janeiro,
Rocco, 1989. O quieto animal da esquina.Rio de Janeiro, Rocco,
1991 e Harmada. São Paulo, Companhia das Letras, 1993. Retorna
ao texto
[8] PESSOTTI, Isaias. Aqueles cães malditos de Arquelau. Rio
de Janeiro, Editora 34, 1993 e O manuscrito de Mediavilla. Rio
de Janeiro, Editora 34, 1995. Retorna ao texto
[9] HATOUM, Mílton. Relato de um certo oriente. São Paulo,
Companhia das Letras, 1994. Retorna ao texto
[10] SANT'ANNA, Sérgio. O monstro. São Paulo, Companhia das
Letras, 1994. Retorna ao texto
[11] Entrevista dada ao jornal Folha de São Paulo em 31 de
janeiro de 1997. Retorna ao texto
[12] AUGÉ, Marc. Non-lieux. Introduction à une anthopologie de
la surmodernité. Paris, Seuil, 1992. P. 48. Retorna ao texto
[13] SANTIAGO, Silviano.Keith Jarrett no Blue Note .São Paulo,
Companhia das Letras, 1996. Retorna ao texto
[14] CARVALHO, Bernardo. Os bêbados e os sonânbulos. São
Paulo, Companhia das Letras, 1996. Retorna ao texto
[15] IDEM, p.122. Retorna ao texto
[16] IDEM, p.138. Retorna ao texto
[17] OLALQUIAGA, Celeste. Megalopolis. Contemporary cultural
sensibilities. Minnesota Presss, Minneapolis, 1992. P.1.
Retorna ao texto
[18] NOLL, João Gilberto, Op.cit. P.47-48. Retorna ao texto
BEATRIZ RESENDE é Doutora em Literatura Comparada e Mestre em
Teoria Literária, é professora de Literatura Comparada e
Teoria Literária da Faculdade de Letras da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Coordena a linha de pesquisa
"Estudos da cidade" na Coordenação Interdisciplinar de Estudos
Culturais. No Programa Avançado de Estudos Contemporâneos da
UFRJ é coordenadora do PACC On line. Como pesquisadora do CNPq
desenvolve o projeto "Exclusões nas Histórias Literárias do
Modernismo Carioca". Foi curadora da exposição Cronistas do
Rio, apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil de agosto
a outubro de 1994. Coordenou coleções Perfis do Rio, Arenas da
cidade e Cantos do Rio, que estão sendo editadas pela
Relume-Dumará/RioArte. Publicou Cronistas do Rio (R.J., José
Olympio, 1995), Lima Barreto e o Rio de Janeiro em fragmentos
(R.J.,Editora UFRJ/UNICAMP, 1993) e Quase catálogo 4: A
telenovela no Rio de Janeiro 1950-1963"(R.J., CIEC/ECO/UFRJ,
1991). Entre outros ensaios, escreveu recentemente:"Ficção nos
anos 90", jornal da RioArte, nª 21, 1996, "O teatro no
teatro", revista O percevejo,nº 2, 1995, "Rio de Janeiro,
cidade de modernismos" in: Pechman e outros, Olhares sobre a
cidade. (R.J., Editora UFRJ, 1994). Atualmente é Delegada
Regional do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro. |
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TÓPICO 16
Absurdos do IPTU... |
Jornal O globo, Segunda-feira, 11 de janeiro de 1999
"O ideal, penso eu, seria habitar, por ex., o Brasil (logo que
haja aí um pouco de ordem e de juízo público)..."
(Eça de Queiroz)
DORA MARTINS DE CARVALHO
Há algum tempo, em artigo publicado no GLOBO, suscitamos a
inconstitucionalidade do IPTU, no município do Rio de Janeiro,
na forma pela qual, e então, se majorou aquele imposto.
Felizmente, o Supremo Tribunal Federal, em julgados diversos,
confirmou e ratificou nossas assertivas. A questão se repete
com a instituição de alíquotas progressivas para o IPTU,
majorando o imposto, no mais das vezes, de modo absurdo.
Inicialmente, convém relembrar que embora estados e municípios
da Federação gozem de autonomia fiscal, não podem - e nem
devem - agir descomedidamente, eis que estão limitados por
princípios e normas constitucionais que, compulsoriamente,
devem ser obedecidos, sob pena de argüição de
inconstitucionalidade.
Tal qual sói acontecer com as normas do IPTU para 1999, que
impõem alíquotas progressivas em função da área e da
localização do imóvel. A matéria tem sido, exaustivamente
discutida nos tribunais e a nossa mais elevada corte, o
Supremo Tribunal Federal, em diversos julgados, esclareceu, a
mais não poder, que na Constituição federal de 1988 a única
progressividade admitida em matéria de IPTU tem natureza
extrafiscal.
E a progressividade somente pode ser aplicada pelo município
para fazer cumprir o dispositivo constitucional sobre função
social, ou seja: o contribuinte, para não sofrer a imposição
de alíquota progressiva no IPTU, não deve ter áreas urbanas
vazias, sem edificações, e nem ter terrenos mal aproveitados,
subtilizados, precisando, assim, aproveitar melhor quaisquer
áreas urbanas. Vale dizer, as áreas e terrenos nas cidades
devem ser adequadamente utilizados, para cumprir a função
social, determinada na Constituição federal. Pois, quando não
houver adequado aproveitamento da área, do terreno, a
municipalidade pode, eventualmente, aplicar alíquotas
progressivas, aumentando, assim, o tributo. (Const. fed. art.
156 parágrafo 1o art. 182, parágrafos 2o e 4o ,II)
Portanto, as autoridades administrativas não podem impor, a
seu bel-prazer, tributação asfixiante, para cobrir déficit
fiscais, oriundos, quase sempre, da incapacidade
administrativa. E em momento econômico mundial de
dificuldades, em que tanto se menciona o equilíbrio das contas
públicas, o administrador eficiente necessita provar e
comprovar a sua eficiência, reduzindo custos e gastos, ao
mesmo tempo, manter a máquina administrativa, mas não aumentar
impostos. E é esse o desafio...
Para alcançar o objetivo de dar à coletividade o bem-estar, a
segurança, a alegria de viver é necessário ainda que os
poderes Legislativo, Executivo e Judiciário cooperem entre si,
e em perfeito e harmônico entrosamento. No caso do IPTU como,
aliás, em outros setores - esse entrosamento parece não
existir. Com efeito, a despeito dos inúmeros julgados nos
tribunais, o Executivo do Rio de Janeiro insiste e teima em
adotar "tese", já repudiada pelo Supremo Tribunal Federal!
De fato, o aumento injusto, ilegal e inconstitucional,
mediante aplicação de alíquotas progressivas, em terrenos já
edificados há anos, na verdade, acarreta total desordem
administrativa é política: petições e papéis se avolumam na
administração, mas a pouca coordenação administrativa faculta
a reiterada e vazia emissão de certidões de dividas
inexistentes, envolvendo desperdício e gastos de papéis e de
tempo, e não só na administração, mas também por parte do
sofrido contribuinte. Mas o problema agrava-se mais junto ao
Poder Judiciário, o verdadeiro guardião do povo e da
coletividade, eis que é o refúgio de todos que buscam á
Justiça. Pois, já com reduzido número de juizes, os erros do
Legislativo e das administrações é que vão emperrar ainda mais
o Poder Judiciário...
Mas, além do desrespeito ostensivo à Constituição federal, nos
artigos já referidos, e aos julgados do Supremo Tribunal
Federal, o município do Rio de Janeiro fere ainda dois outros
princípios constitucionais fundamentais, quais sejam: a)
isonomia; e b) vedação para utilizar o tributo com efeito de
confisco. (Const. fed., art. 150, II e IV)
O primeiro impõe tratamento igual aos desiguais, na medida da
sua desigualdade. Já a capacidade contributiva encontra
suporte em duas outras normas da Carta Maior: o direito a
subsistência e o direito á propriedade. (Const; fed. artigo.
7o , II, IV, V, VII, XII etc., e artigo 5o , caput.)
Essas normas dão substância ao texto jurídico de imposição
tributária. A capacidade contributiva tem por base; por
fundamento, o fato de que o ser humano deve ter o mínimo para
subsistência; por isso, essa capacidade contributiva encontra
limite nesse mínimo; e quando o tributo ultrapassa, ou retira,
ao contribuinte, o direito ao mínimo, fere a Carta Magna e
torna-se inconstitucional. A tributação excessiva tem
conseqüências tão óbvias; que é sintetizada na conhecida e
justa expressão do Chief Justice Marshall: "O poder de
tributar é o poder de destruir".
Advirta-se, mais uma vez, que estudiosos na matéria, em
diversos países, salientam que a carga tributária sobre
imóveis deve ser tolerável para a manutenção e o exercício do
direito de usar e gozar sua moradia, sua casa, seu lar,
devendo-se ter em mira, sempre, a capacidade contributiva.
Reitera-se aqui o que expressamos antes, em outro artigo: as
alíquotas no município do Rio de Janeiro são tão extorsivas
que os contribuintes já estão pagando, com poucos anos
enúmeras vezes, e com juros de 6% a. a., e mais correção
monetária, o preço de aquisição do imóvel à municipalidade. Se
isso não é confisco, o que é, então?
Repete-se no final deste século o que Eça expressou no
anterior: o ideal para morar é ainda o Brasil, mas, por Deus
dos Céus, com um pouco mais de ordem e de juízo público...
DORA MARTINS DE CARVALHO
é advogada e Vice-presidente da Associação Comercial do Rio de
janeiro |
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ARTIGO
PUBLICADO NO JORNAL RECREIO DA BARRA
mes de fevereiro/99
CONSELHO COMUNITÁRIO DO RECREIO
(COR)
Qualquer
morador do Recreio dos Bandeirantes ao percorrer as suas ruas,
imediatamente vai notar a descaracterização que o bairro vem
sofrendo nos últimos anos.
Desde abril de 1995 a Equipe de Proteção ao Meio Ambiente e ao
Patrimônio Cultural do Ministério Público vem recebendo
denúncias das diversas associações do bairro, sobretudo do
Conselho Comunitário do Recreio ( COR), sobre as constantes
intervenções que a Prefeitura vem realizando no bairro, e que
são contrárias ao Plano Lúcio Costa.
Foi com enorme surpresa que lemos a reportagem publicada na
primeira página do jornal O Globo, em 28 de Janeiro de 1999,
sobre um aterro que o sr. Pascoale Mauro estaria fazendo em
área verde, na Av. Benvindo de Novaes. É comovente a
preocupação da Prefeitura e do Ministério Público com a área
em questão. O local já não possuía há muito tempo, qualquer
resquício de vegetação nativa, e já havia sido invadido por
uma favela, como é comum no Recreio, e que foi retirada há
aproximadamente 2 anos.Parece que nós, cidadãos cariocas
vivemos em duas cidades diferentes, com duas prefeituras, uma
que manda e a outra que desmanda. A justiça atua em alguns
casos rapidamente, e em outros ela é morosa. A Prefeitura está
atuando como nunca nesta região, mas infelizmente de modo
errado e prejudicando a qualidade de vida dos moradores. No
Canal das Tachas, área tombada, assim como a Lagoinha, reduto
do Jacaré de papo amarelo, permitiu a modificação do curso do
canal, para favorecer invasores que se instalaram em suas
margens, ocupando área "non-aedificandi", as avenidas que
correm nas faixas marginais do Canal das Tachas, ruas
paralelas ao canal, e que há anos vem destruindo a flora e a
fauna do local. O Prefeito enviou projeto de lei à Câmara dos
Vereadores, para que sejam reconhecidas as ruas da Favela do
Terreirão, mas na verdade estas ruas pertencem ao bairro e
foram invadidas; são ruas e avenidas de grande importância
para os moradores, já que ligam as ruas internas do bairro à
praia. Para que os moradores da margem norte do canal possam
ir à praia, são obrigados a passar por dentro da favela. Essa
é a integração do bairro com a favela, segundo as autoridades.
A ligação entre o Canal do Portela e o Canal do Cortado com a
Lagoa de Jacarepaguá foi interrompida: nos dois casos, as
áreas próximas passaram a ser inundadas periodicamente,
inclusive as terras do sr. Pascoale Mauro. A Prefeitura
permite que o Canal do Rio Morto continue assoreado, o que
causa inundação na Av. Alceu de Carvalho, e das casas ali
localizadas e a única solução que oferece é o aumento do grade
das ruas naquele local.
Durante anos seguidos, o lixo "in natura" foi despejado no
terreno ocupado pela Comlurb, na Av. Benvindo de Novaes.
Denunciamos ao Ministério Público, em 3 de Abril de 1995, que
o chorume do lixo estava contaminando o lençol freático e
todos os poços artezianos do bairro. Naquela ocasião,
dependíamos dos poços, já que a água da Cedae não era
suficiente para abastecer todo o bairro e até hoje muitas ruas
não possuem canalização da Cedae. Falar em poluição do lençol
freático depois de todos estes anos, é no mínimo uma
desconsideração à capacidade de discernimento e raciocínio dos
moradores.
Denunciamos as invasões próximas ao Morro do Urubú, junto à
área do Sr. Pascoale Mauro a que se refere a reportagem, e do
Morro do Rangel, por casas de classe média e por barracos, que
colocam em risco estes importantes "sítios arqueológicos" ,
tombados por decretos, da nossa região, e que fazem parte do
patrimônio da Cidade . Nem o Ministério Público, nem a
Prefeitura e nem mesmo a imprensa se interessam, ao que
parece, por estes locais. Tanto a reportagem do jornal OGlobo,
quanto o Ministério Público deveriam denunciar as invasões que
estão na beira do canal do Rio Morto, a enorme Favela da Beira
do Rio, que tem crescido assustadoramente, em área "non-aedificandi"
, seguindo o exemplo do Terreirão, sem nenhuma providência por
parte das autoridades, para limitar a sua expansão em áreas de
preservação ambiental. Certamente serão brevemente
beneficiadas com outro Favela Bairro irregular.
A diretoria do COR não conhece pessoalmente o Sr. Pascoale
Mauro e não tem qualquer procuração para defender os seus
interesses, nosso compromisso é basicamente com a defesa do
meio ambiente e a qualidade de vida dos moradores do bairro,
que tem piorado gradativamente nos últimos anos. Não
concordamos com matérias deste tipo, que não trazem benefícios
ao bairro, quando tal espaço deveria ser utilizado para
denúncias bem mais importantes, tais como as que citamos no
início. Enquanto a Prefeitura concede licenças irregulares em
todo o bairro, legaliza a Contrapartida, realiza operações
interligadas, permite a invasão de áreas de Proteção
ambiental, invade terrenos particulares, não respeita a taxa
de ocupação e parâmetros edilícios do bairro, cidadãos que não
se interessam pelo bem estar da comunidade, a exemplo das
autoridades, desrespeitam as leis e continuam ampliando suas
coberturas e construindo sobre-coberturas. Existem prédios com
6 andares, no Recreio, quando o permitido são 2 andares e 1
cobertura. Como já do conhecimento de todos, a Prefeitura
realizou uma permuta com a Cia. Recreio Imobiliária, na qual
cedeu o terreno destinado à construção de um Hospital Público,
assim como de três (3) escolas, no loteamento Barra Bonita e
não destinou outra área para esta finalidade. Para o cidadão
comum, que respeita as leis e paga em dia os seus tributos, é
impossível entender tantos desmandos. Apesar de todos os erros
e acertos, os moradores do Recreio dos Bandeirantes devem
agradecer ao sr. Pascoale Mauro pela manutenção desta enorme
área verde, que é a sua fazenda assim como de outras no
bairro. Se não fosse por isto, teríamos no local outras
invasões, que transformariam o Recreio dos Bandeirantes em um
enorme favelão o que, certamente não seria levado em
consideração pela Prefeitura, já que o nosso Prefeito,
aparentemente, não gosta de espaços abertos ou áreas verdes,
com exceção do seu condomínio no Itanhangá.
Liliane Maria Guise da Fonseca Costa
presidente
Maria Elvira Motta Dias Lopes
vice-presidente
|
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O DIREITO
DE IR E VIR COM INDEPENDÊNCIA |
retirado do site:
http://www.entreamigos.com.br/entrada.htm
José Almeida Lopes Filho
arquiteto especialista em acessibilidade
Uma simples análise do crescimento das cidades nos mostra que
geralmente o seu crescimento, no que diz respeito à
arquitetura e ao urbanismo, não levou em consideração as
necessidades de todos que dela fazem parte.
Prover a acessibilidade para todos é ainda um grande desafio
que enfrentamos e este objetivo somente será atingido com a
eliminação das barreiras arquitetônicas urbanísticas, da
edificação, do transporte e da comunicação.
Assim, entende-se por cidade com acessibilidade para todos
aquela que nas suas edificações, seu urbanismo, seu transporte
e nos seus meios de comunicação, traz condições que permitam a
qualquer pessoa a sua utilização com autonomia e segurança.
A cada dia surgem novas idéias e projetos de edificações que
vão tecendo, dando forma e delimitando a cidade. Essas
edificações são elementos e texturas formando um grande
aglomerado de necessidades e facilidades criado pelo homem e
para o homem.
Hoje as novas idéias e projetos que surgem devem seguir o
conceito de acessibilidade para todos, pois uma cidade é de
todos, feita por todos e deve servir a todos. Suas ruas, suas
praças, seus parques e seus edifícios devem ser projetados
para atender a todos e não somente uma parcela da população.
A sociedade da qual todos fazemos parte, da qual somos célula
integrante, não deve resumir-se a elementos de inclusão ou
exclusão. Nós todos somos a sociedade e as várias comunidades
que a compõem são partes diferentes entre si, mas igualmente
importantes e de expressão única.
Portanto a arquitetura desenvolve um papel importante na
história, no processo de compreensão da sociedade como um todo
único. Toda e qualquer idéia ou projeto deve ter um nascer
respeitando o conceito de "acessibilidade para todos". Todo e
qualquer cidadão - a pessoa idosa, a pessoa com deficiência, a
gestante, o obeso, a criança - tem o livre direito de
locomover-se pela cidade, usufruir dela, participar e cooperar
no seu desenvolvimento.
A eliminação dessas barreiras e o entendimento de que novas
barreiras não devem ser construídas passará a ser uma
realidade para profissionais como arquitetos, engenheiros,
urbanistas, pois devemos planejar, projetar e construir
levando em consideração as limitações, capacidades e
necessidades que as pessoas apresentam.
Assim, devemos entender de uma vez por todas que não são as
pessoas que são portadoras de deficiência e sim as
edificações, transportes, praças, as cidades em geral, que são
planejados e projetados com conceitos ultrapassados,
ineficientes para o uso do homem (eu, você, todos).
|
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Construa
como quiser...o Prefeito agradece. |
Jornal Recreio da
Barra - mês de dezembro
Jornal O Globo, Globo Barra, quinta-feira, 3 de março de 1999
Conselho Comunitário do Recreio
Inscrição Nº 01.183.842/0001-99
Muito se tem escrito sobre a formação das favelas no Rio de
Janeiro, desde a Revolução de Canudos até há alguns anos
atrás.
Nestes últimos anos, a favelização tem se intensificado em
tôda a cidade e temos acompanhado, com interesse, as diversas
reportagens da imprensa escrita e falada.
Atualmente, para a formação de uma favela, não é necessário
que existam carentes à procura de moradia, esse é o fator de
menor importância. É necessário sim, que exista um chefe de
invasão, ligado a grupos políticos que o orientem, alguns
empresários que vivem da exploração das favelas e comerciantes
que não gostam de pagar taxas, alvarás, etc. e finalmente uma
fiscalização complacente, dos diversos órgãos fiscalizadores
da Prefeitura. Qualquer cidadão pode formalizar uma favela.
Enquanto a favela não atingir um determinado tamanho e não for
considerada de grande porte, como é o caso da Rocinha e do Rio
das Pedras, não haverá qualquer tipo de fiscalização.
Para a Prefeitura é a oportunidade de declarar a área como de
Interesse Social, pedir empréstimos ao BID, demolir casas,
fechar ou abrir ruas,modificar o curso de rios e canais, etc.
e depois pedir mais empréstimos para recuperar as áreas
deterioradas.
O Secretário de Habitação, Dr. Sérgio Magalhães declarou
recentemente que o Prefeito fez um decreto para limitar o
crescimento das favelas. Esse é mais um exemplo de demagogia;
pois se a Prefeitura não tem fiscais para atuar nas áreas
invadidas ilegalmente, certamente não vai atuar nas
construções e ampliações dentro das favelas, sobretudo porque
os fiscais são os mesmos.
O descompasso entre os órgãos públicos é tão flagrante, que ao
dizer que quem tem que fiscalizar é a Sub-Prefeitura, o Dr.
Sérgio Magalhães confirma a falta de atuação das mesmas.
A Secretaria do Meio Ambiente foi criada para, entre outras
atribuições fiscalizar as áreas de preservação, porém
constantemente o problema é empurrado para mais tarde,
transmitindo uma impressão de incompetência, ou pior, de
conivência.
Os bairros mais atingidos por estas medidas são a Barra da
Tijuca, Itanhangá e Recreio dos Bandeirantes. O Plano Lúcio
Costa, que determina a ocupação destes bairros é tão moderno,
que desde os anos 60 já previa espaços para habitações de
classe alta, média e de baixa renda, deixando bem claro que
dentro de um projeto bem estruturado, todos poderiam habitar
em harmonia dentro do mesmo bairro. Da forma como vem sendo
feito, todos saem prejudicados, principalmente os verdadeiros
carentes.
Numa época em que a ordem geral é apertar os cintos, o
Prefeito Dr. Luis Paulo Conde, além do aumento inexplicável do
IPTU, encontrou um outro meio de arrecadar dinheiro,
desrespeitando ainda mais os direitos do contribuinte, que é a
CONTRAPARTIDA, nome atualizado da MAIS VALIA.
Fora das favelas, na cidade legal, o Prefeito criou a
contrapartida. Constróii-se como se quer, sem licença, sem
projeto, desrespeita-se o gabarito, a altura, a taxa de
ocupação, nada tem importância. Os fiscais, os mesmos que vão
fiscalizar as favelas, não aparecem para coibir os abusos.
Quando o Prefeito resolve executar os seus projetos
mirabolantes, basta prorrogar a Contrapartida, ou seja, a
Prefeitura VENDE AS ILEGALIDADES.
O pior de tudo é que a Câmara dos Vereadores, eleita pelos
contribuintes, aprova tais barbaridades, já que o partido que
apoia o Prefeito tem a maioria dos Vereadores na Câmara.
Nesta última semana, a Vereadora Rosa Fernandes se desdobrou
para que os vereadores aprovassem a contrapartida por mais 90
dias. A Vereadora foi convidada a visitar o Recreio dos
Bandeirantes e no último mês, não compareceu a nenhum dos
encontros marcados. Certamente, por tratar- se de pessoa
idônea , sentiu-se envergonhada em defender as propostas do
Prefeito que irão prejudicar seriamente o Recreio dos
Bandeirantes. A Barra da Tijuca e o Recreio serão atingidos
com 1.400 pedidos, que já estão em processo de espera e outros
tantos que surgirão nos próximos mêses.
Os moradores que investiram numa qualidade de vida que o Plano
Lúcio Costa lhes oferecia, estão tendo uma reversão de
expectativa desta qualidade de vida, sem comparação com
qualquer outro bairro da cidade. É incompreensível para nós,
simples cidadãos, cumpridores das leis, que se deixe poluir,
degradar o meio ambiente, invadir áreas de preservação
ambiental, destruir florestas, poluir rios, canais e lagoas
para depois as autoridades implorarem empréstimos
internacionais para despoluir, recuperar o meio ambiente,
enfim, desfazer o que foi mal feito. A preocupação da
Prefeitura é simplesmente gastar, mesmo que seja para destruir
o elevado da Praça XV, que embora seja uma aberração
arquitetônica, tem cumprido o seu papel de desafogar o
trânsito naquela área.
Estes empréstimos a longo prazo, com juros estratosféricos,
que são pedidos de forma irresponsável, já que serão pagos nas
gestões subsequentes é que levam ao descrédito e colocam em
risco a soberania nacional.
Depois das privatizações o que mais será vendido para o
pagamento das dívidas ?
Em outros países qualquer modificação em uma rua , bairro ou
cidade tem que haver o consenso dos moradores. Em Nantes,
França um projeto para modificações na cidade demorou 5 anos
para ser aprovado. Com a palavra o Dr. Luis Paulo Conde, que
além de Prefeito é arquiteto urbanista, e professor de
faculdade... Só ele poderá nos esclarecer a quem interessa a
degradação ambiental da cidade do Rio de Janeiro.
Liliane Maria Guise da Fonseca Costa
Presidente
Maria Elvira Motta Dias Lopes
Vice Presidente |
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Reformas
agravam pobreza na AL |
A realidade
hegell@zipmail.com.br
Date: 1999/03/22
Newsgroups: soc.culture.brazil
Nora Lustig
diretora da Unidade de Consultoria para Pobreza e Desigualdade
do BID
Da menina mexicana maltrapilha aos famintos do Nordeste
brasileiro, todos são vítimas do neo-liberalismo .
CIDADE DO MÉXICO.
Verônica, com 15 anos e desabrigada, é muito jovem para se
lembrar de como eram as coisas nos anos 80 - a Década Perdida
da América Latina, quando as crises das dívidas e a
hiperinflação empurraram a região para uma mutilação
econômica. Mas, para ela, dormir sobre uma pilha de cobertas
sujas, blusas velhas e sofás rasgados entre o barulho de uma
grande via pública da Cidade do México e a entrada do metrô,
os anos 90 provavelmente não são melhores.
"Aqui é OK. Logo iremos arrumar o abrigo para que a chuva não
entre", disse a garota, que divide seu lar sobre pedaços de
plástico com outros sete jovens desde que ela deixou o pobre
estado central de Queretaro dois meses atrás.
Verônica é apenas uma dos milhões de latino-americanos, que
vão desde crianças de rua vestidas como palhaços que pedem
esmolas nos faróis da Cidade do México até 11 milhões de
brasileiros morrendo de fome no Nordeste atingido pela seca,
que ainda não puderam sentir o gosto dos frutos de uma década
de mercados livres, comércio aberto e privatizações.
Realmente, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) diz
que as reformas econômicas que varreram a região como um
incêndio fora de controle nos anos 90 falharam em frear a
crescente pobreza e uma das mais desiguais distribuições de
renda do mundo, deixando seus líderes a enfrentar uma nova
rodada de preocupações na América Latina.
"A América Latina fez progressos mínimos na redução da pobreza
e na melhora da distribuição de renda", disse Nora Lustig,
diretora da Unidade de Consultoria para Pobreza e Desigualdade
do BID.
Ela estima que um em três latino-americanos ganha menos do que
US$ 60 por mês, o que representa a definição do banco para
pobreza extrema. A América Latina se lançou firmemente na
busca pelo desenvolvimento econômico sustentado quando a
década começou. Da Terra do Fogo às poeirentas cidades
fronteiriças do México, empresas estatais moribundas foram
vendidas, economias foram abertas para o capital estrangeiro e
o nacionalismo foi sacrificado em prol das duras regras dos
mercados globais enquanto a região tentava recuperar a
confiança após problemas com dívidas e uma grande inflação.
Mas as esperanças caíram por terra quando a economia do México
entrou em colapso depois de uma desastrada desvalorização do
peso em dezembro de 1994, que espalhou a recessão por outros
países através do chamado "efeito tequila", que varreu a
América Latina como um furacão. Desde então, baixos preços do
petróleo, os receios dos investidores sobre os mercados
emergentes em geral e uma queda nos lucros com commodities
atrapalharam repetidamente a busca pela prosperidade.
No Brasil, sonho da estabilidade se evapora com o real. A
evaporação do sonho da estabilidade econômica do Brasil em
janeiro, quando o maior país da região, com a mais poderosa
economia, foi forçado a flutuar sua moeda, o real, aumentou o
espectro no final dos anos 90 de uma nova onda de recessão que
pode atrasar os esforços para erradicar a pobreza em anos.
Como sinal disso, Brasília anunciou no final de fevereiro que
teria que cortar metade do dinheiro que usaria para comprar
comida para 8 milhões de pobres devido à desvalorização do
real.
"Há quatro obstáculos básicos para acabar seriamente com a
pobreza e a má distribuição de renda", disse Peter Hakim,
presidente da Inter-American Dialogue, de Washington.
São eles a inflação - uma "taxa mortal sobre os pobres" -,
ciclos de expansão e retração, baixo crescimento econômico e
serviços sociais mal administrados, como saúde e educação.
"Destas quatro barreiras, eles lutaram realmente apenas contra
uma - a inflação", disse Hakim.
Em um continente onde limosines Mercedes Benz blindadas
dividem as ruas sujas com carretas puxadas por mulas, os
sinais visíveis deixados pela crise mexicana ainda são muitos.
Nas ruas da capital da Argentina, Buenos Aires, profissionais
de classe média engraxam sapatos para ganhar dinheiro para
comer; na Venezuela, os ex-ricos vendem casas para ganhar
dinheiro para pagar pela festa de 15 anos de suas filhas; no
México, os pobres vivem em favelas construídas com lixo na
periferia da Cidade do México ou tentam tirar sustento do solo
árido das montanhas, como faziam seus ancestrais 300 anos
atrás.
"A pobreza não é algo abstrato. É o dia a dia de muitas
famílias e é mortal", disse Bernardo Kliksberg, do Instituto
de Desenvolvimento Social Inter-Americano do BID em um recente
seminário na cidade mexicana de Guadalajara.
As estatísticas falam quase tão alto quanto a terrível
realidade. O instituto de estatísticas mexicano Inegi diz que
o número de pobres aumentou em 9,6 milhões desde 1989,
enquanto que 20% dos mais ricos têm 55% da riqueza do país. Em
distribuição de renda desigual pelo mundo ganha o Brasil, onde
10% dos mais ricos detêm 50% da renda nacional enquanto 50%
dos mais pobres dividem apenas 10%. O governo estima que um
quarto de suas 160 milhões de pessoas vive abaixo da linha da
pobreza.
No ano passado, na Argentina, os 10% mais ricos ganharam 25
vezes mais, em média, do que os 10% mais pobres. Em 1975, era
apenas 7,9 vezes mais.
O governo do Peru disse que estava lutando para cortar a
proporção de extrema pobreza para 14% da população, mas o BID
disse que em 1995, o último ano em que estes números estavam
disponíveis, a pobreza extrema afligia 35% dos peruanos.
Outros países têm histórias semelhantes para contar, apesar,
talvez, de serem menos extensas no Chile e na Costa Rica. Para
colocar o problema da pobreza em perspectiva, Lustig disse que
o Chile levaria 37 anos para erradicar a pobreza extrema se
sua economia crescesse estavelmente 3% ao ano.
O México precisaria de 40 anos, o Peru de 72, o Brasil de 81
anos e El Salvador de 98.
Mas o crescimento pode ser incerto. A economia brasileira, por
exemplo, pode encolher 6% este ano. E só o crescimento não é
suficiente. Má distribuição de renda, a raiz do problema.
Especialistas dizem que a distribuição desigual de renda -
vários empresários latino-americanos figuram regularmente na
lista da Forbes de bilionários do mundo enquanto seus
compatriotas morrem de fome - também deve ser combatida. Para
dar aos pobres um pedaço mais justo da torta, a saúde e a
educação devem ser dramaticamente melhoradas e a transferência
de riquezas para os mais pobres também pode ser essencial. Mas
nem tudo isso atualmente deverá ser necessário. O BID calcula
que os países da América Latina teriam que transferir em média
apenas 0.5% de seu Produto Interno Bruto para os pobres para
elevar todos acima da linha da pobreza.
"Nós não vemos nenhuma tentativa possível de mudar enquanto
não for melhorada a distribuição de renda", disse Lustig.
A alternativa, como vista no aumento do crime de São Paulo à
Cidade do México e no crescimento de grupos guerrilheiros
marxistas em alguns dos estados do sul do México como Guerrero,
pode ser uma maior instabilidade política e social como uma
onda de descontentamento contra os ricos. Especialistas
notaram uma mudança na filosofia predominante. A maré parece
estar se virando contra o neo-liberalismo, a adoração das
forças do livre mercado como a única cura possível para os
males econômicos e sociais da América Latina. Até mesmo o
ex-presidente mexicano Carlos Salinas, apóstolo do
neo-liberalismo que vendeu companhias estatais e transformou o
México por um curto espaço de tempo no alvo dos investidores
internacionais durante seu mandato entre 1988-1994,
recentemente pregou contra o capitalismo desenfreado e pediu
uma maior focalização dos governos sobre as políticas sociais.
Em fóruns internacionais, as discussões agora tocam no
controle do fluxo multimilionário de dólares de capital
especulativo que podem quebrar uma economia num piscar de
olhos. Mas o debate de soluções para a pobreza em conferências
e colunas de jornais encontram pouco eco em um poço de
concreto que abriga uma bomba de água num bairro da Cidade do
México, onde dois jovens mexicanos montaram um abrigo
subterrâneo. Dormindo sobre o duro concreto, cercados por
insetos e pelo incessante pingar de água, o garoto de 17 anos
e sua namorada de 16 vivem na miséria.
"As coisas não mudaram muito durante os 10 anos em que ele
viveu na rua, disse o rapaz, pedindo para não ser
identificado. Elas provavelmente não vão mudar muito agora".
Posted via Deja News, The Discussion Network: http://www.dejanews.com/
Esperamos ver você brevemente no Deja News, na discussão:
http://www.dejanews.com/=zzz_maf/ |
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Irregularidades no Recreio |
ARTIGO PUBLICADO NO
JORNAL RECREIO DA BARRA
mes de maio/99
Conselho Comunitário do Recreio
Inscrição Nº 01.183.842/0001-99
No dia 27 de abril de 1999, a diretoria do Conselho
Comunitário de Recreio retornou à Procuradoria Geral de
Justiça do Rio de Janeiro, para denunciar novas
irregularidades que estão sendo praticadas no Recreio dos
Bandeirantes, que foram protocoladas com o No. 004960.
Estas modificações estão prejudicando os proprietários do
Centro de Sernambetiba, que poderão pedir indenização conforme
alerta o Parecer Conjunto de Procuradoria do Município PG /
PPG / ALF- PG / PUB / CAO n.001 de 24/11/95.
Pertencente à Recreio Imobiliária S/A, o LOTE V- 4 é destinado
pelo PAL 34.291, modificado em parte pelo PAL 41.952, como
consta dos gravames e averbado na escritura do RGI, a um
condomínio de 14 casas, e tem uma área em seu interior
destinada à uma escola, pertencente ao Município. O referido
lote está situado à Av. Teotônio Vilella, antiga Av. do Canal
2, e está sendo totalmente ocupado por uma construção de uma
creche do Município, inclusive a área da Recreio Imobiliária
S/A, sem licença de construção, ferindo os gravames e onde não
foi decretada ÁREA DE INTERESSE SOCIAL.
Os LOTES, V-1 e V-2, do PAL 34.291, situados na Estrada
Vereador Alceu de Carvalho (decreto "N" n. 15.548 de
27/02/1997) e o LOTE V–3, do PAL 34.291 situado na rua
Orígenes Lessa (decreto "N" n.15.549 de 27/02/1997) estão
sendo modificados de UNIFAMILIAR para BIFAMILIAR , aumentando
o número de unidades permitidas pelos gravames e averbados em
Cartório. Nos LOTES V-1 e V-2 o aumento é de 28 unidades para
56 e no LOTE V-3 de 21 unidades para 42. O número de unidades
unifamiliares permitidas nos gravames, simplesmente dobra.
O LOTE V–6, do PAL 34.291, situado à rua Clementina de Jesus,
também com gravames, está sendo construído fora dos critérios
de edificação contidos nos gravames, invadindo área pública.
Uma obra sem Licença e Planta aprovada, cujo embargo já foi
solicitado pelos moradores, em processo aberto no mês de março
de 1999, no 14ª DLF, da Barra.
Por motivos semelhantes, já denunciamos anteriormente o LOTE
V-7, pertencente à Recreio Imobiliária S/A. do PAL 34.291,
situado à rua Leon Eliachar, onde foram construídas 81 casas
populares, com dinheiro público, sem licença e em dívida com o
IPTU, tratando-se neste caso de um esbulho praticado pela
Prefeitura, durante a gestão do Prefeito César Maia.
O LOTE M-40, destinado pelos gravames à construção de um
prédio de 10 andares, em centro de terreno, está sendo
inteiramente edificado por seu atual proprietário, (a Recreio
Imobiliária S/A, após ganhar a reintegração de posse do mesmo,
decidiu vendê-lo ao réu) inclusive invadindo área pública, com
quartos para aluguel e comércio clandestino, fora das
especificações de edificação para o local. Já enviamos à
Procuradoria Geral do Município a denúncia e cópia da Sentença
Judicial, em 2 de Abril de 1999. Após diversas denúncias o ex
subprefeito Luiz Antônio Guaraná decidiu derrubar um muro e
não tomou as outras providências devidas.
Conforme foi alertado pelo Parecer da Procuradoria, somente
através de LEI os PALs destes lotes com gravames e averbados
no RGI, poderiam ser modificados e mesmo assim os moradores
ainda poderão recorrer judicialmente de seus direitos.
Inicialmente houve a cogitação de uma permuta entre a
Prefeitura e a Recreio Imobiliária S/A . Após denúncias, o
Tribunal de Contas TCMRJ 1057/97 decidiu embargar alguns ítens
reclamados, como a Praça Celestino Lema assim como 2 ações que
tramitam atualmente na Justiça, movidas por moradores dos
bairros do Leblon e Recreio, suspenderam temporariamente a
permuta. A áreas destinadas ao Hospital Público e 3 Escolas
continuam desafetadas por decreto "N" 14572 de 07/02/96
assinado pelo então Prefeito Dr. César Maia, por conta desta
permuta.
Ao que tudo indica , a Prefeitura vem, desde a gestão do
ex-Prefeito Cesar Maia prejudicando os legítimos proprietários
do Centro de Sernambetiba e de todo o Recreio dos
Bandeirantes, que estão sendo vítimas de um favorecimento à
Recreio Imobiliária S/A, já que muitos destes lotes se
encontram no mesmo loteamento próximo à favela Canal das
Tachas, e desvalorizados pelo crescimento da mesma.
A Prefeitura, contando com a morosidade da justiça, não cumpre
as leis que ela própria exige que o cidadão cumpra. O Direito
de Vizinhança, que consta do Código Civil e da Lei Orgânica do
Município vem sendo constantemente ignorado, quer por decreto,
quer por Contra Partidas e Operações Interligadas e por
prorrogações vergonhosas da Mais Valia, nome dado a um
artifício para que as ilegalidades sejam compradas pelos mais
espertos.
A moradora Vera L. P. Gomez , foi obrigada a contratar um
advogado para defender sua propriedade da desapropriação, já
que ao modificar o curso do Canal das Tachas, a fim de
viabilizar a moradia de alguns invasores, a Prefeitura teria
que demolir parte de sua casa. Além dos gastos com este
processo, que não foram poucos ainda sofreu um enorme desgaste
emocional, já que tem sido constantemente ofendida e agredida
pelos invasores, na luta por seu patrimônio. Felizmente, a
Justiça, resolveu dar ganho de causa à legítima proprietária,
reconhecendo que não seria justo prejudicá-la, para favorecer
aos invasores.
Com enorme constrangimento comunicamos que a moradora Maria
Lúcia Leone Massot, que tão bravamente tem lutado por sua
propriedade, nem sempre compreendida por alguns, temendo pela
sua integridade física, e aconselhada por amigos, decidiu sair
de sua casa, onde reside há 15 anos, até a decisão da Justiça,
sendo obrigada a alugar um pequeno apartamento em outro
bairro.
É incompreensível, para nós que uma cidadã demore 10 longos
anos construindo sua casa, cumprindo todas a exigências da Lei
e que esta mesma cidadã seja expulsa de sua casa, por
irregularidades cometidas pelas autoridades, sem ter a quem se
queixar. É uma vergonha para todos os moradores do Recreio,
que uma vizinha seja obrigada a abandonar o seu próprio lar,
sendo achincalhada por invasores, reassentados em local
impróprio, que ganharam casas com o dinheiro do contribuinte,
chegando até a ser impedida de entrar em casa em algumas
ocasiões e em outras foi apedrejada, ofendida, ameaçada de
morte diversas vezes, unicamente por tentar proteger o seu
patrimônio. Diversas vezes foi obrigada a procurar a 16ª
Delegacia de Policia para registrar as mais variadas
ocorrências.
Onde está o Direito à Propriedade defendido por leis ?...
Estes fatos são assustadores, já que o ILEGAL está
prevalecendo sobre o LEGAL. O fato citado, demonstra a
falência da CLASSE MÉDIA, que, amedrontada e descrente , não
se une, nem mesmo para reivindicar os seus legítimos DIREITOS
DE CIDADANIA.
Todos os moradores devem ficar atentos e denunciar qualquer
início de invasão em qualquer local do Recreio dos
Bandeirantes e terem a total consciência de que somente unidos
poderemos enfrentar tamanhas irregularidades.
Pobres de nós, cidadãos contribuintes, cumpridores das leis e
das nossas obrigações, que somos constantemente obrigados a
conviver com este estímulo dado pelas autoridades à
DESOBEDIÊNCIA CIVIL.
Liliane Maria Guise da Fonseca Costa
Presidente
Maria Elvira Motta Dias Lopes
Vice-Presidente |
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Paliativos |
Jornal O Globo,
segunda-feira, 31 de maio de 1999
YONNE BEZERRA DE MELLO
Até hoje, a assistência à população de rua, crianças e
adultos, tem sido falha e mesmo desastrosa. Este problema tem
se agravado na cidade do Rio de Janeiro devido à favelização,
à falta de oportunidades de emprego e de uma vida digna para
os menos desfavorecidos.
Mais da metade da população do estado ganha até um salário
mínimo*, e os empregos nesta faixa estão desaparecendo,
principalmente para as mulheres.
A Fundação Leão XIII e a Fazenda Modelo têm cumprido mal a sua
parte na ressocialização dessa população. Seria muito ingênuo
pensar que a abertura de um abrigo no Centro da cidade seja um
grande passo para acabar com a população de rua.
A abertura de qualquer abrigo é sempre benéfica, não é disto
que tratamos nestas linhas. É típico do brasileiro, e
principalmente da classe política, abrir projetos, fazer crer
às pessoas que tal política é duradoura e não mantê-los.
É assim que muitos programas para pobres se abrem e fecham
pouco depois sem que ninguém se dê conta, ou se mantêm em
condições precárias.
O que a sociedade civil tem que controlar é de onde vem o
dinheiro, e se ele consta nos orçamentos aprovados pela Câmara
dos Deputados.
Enquanto se fizerem políticas paternalistas, enquanto não
houver políticas públicas que realmente funcionem, de uma
maneira duradoura independente de quem governa, teremos
pessoas cuja única opção é a rua, como tem acontecido ao longo
dos séculos da História deste pais.
Mais de 30% da população favelada não têm emprego. Esta é a
realidade dura de ser engolida pelos governos.
Milhares de crianças passam fome ou comem mal nesta cidade e
por todo o Brasil. A doação de cestas básicas tem sido muitas
vezes utilizada com fins eleitoreiros, quando o que se quer é
seriedade nas políticas para que todos possam sobreviver do
seu trabalho e sustentar suas famílias.
Todos nós que trabalhamos nas ruas e nas comunidades podemos
constatar que a situação das famílias pobres no Rio de Janeiro
tem-se deteriorado. A população de rua desta cidade e tantas
outras continuará num círculo vicioso cruel enquanto tivermos
essa distribuição vergonhosa de renda.
Abrigá-los e ajudá-los é dever dos governos, mas os abrigos
são medidas pontuais e paliativas para problemas maiores como
a falta de ética, o mau uso do dinheiro público e mesmo a
falta de vergonha que reina neste país.
YVONNE BEZERRA DE MELLO é presidente da Casa da Paz.
*Nota: O salário mínimo no Brasil é de cerca de $70,00
(setenta dólares) por mês |
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Economia e
meio ambiente |
Jornal O dia, quinta-feira, 3
de junho de 1999
"Supostos benefícios econômicos de atividades poluidoras são
rapidamente superados"
Luiz Henrique Lima
O início do mês de junho é marcado por um conjunto de
celebrações e atividades ligadas à proteção do meio ambiente:
palestras em escolas, exposições, debates públicos,
compromissos de autoridades etc. No Rio de Janeiro, há sete
anos, fomos anfitriões da maior cúpula de chefes de Estado já
realizada na história do planeta, cujo tema foi Meio Ambiente
e Desenvolvimento.
Sem dúvida, hoje temos no País uma maior consciência sobre a
importância do meio ambiente. Contudo, tem sido muito lento o
processo de mudança efetiva nas políticas públicas e nas ações
da iniciativa privada. É tímida a reação das lideranças
sindicais que, preocupadas acima de tudo com a manutenção dos
postos de trabalho, terminam por fazer concessões.
O mesmo tipo de chantagem ocorre quando se fala no cumprimento
da legislação ambiental. Equipamentos adequados de proteção ou
a obediência aos padrões de emissões de poluentes, tanto na
atmosfera como nos cursos d’água, são apontadas como
restritivas ao desenvolvimento econômico, encarecedoras dos
produtos finais das indústrias e redutoras do nível de
emprego. Na simplória teoria econômica dos defensores dessa
tese, a preocupação com o meio ambiente é, simultaneamente,
causadora de inflação, de recessão e de desemprego!
O patrimônio natural não é infinito. Mesmo os chamados
recursos renováveis, como a energia solar ou a hidráulica,
podem ter suas condições de aproveitamento dramaticamente
alterados. Os supostos benefícios econômicos de atividades
poluidoras, como mais empregos ou receita de impostos, são
rapidamente superados pelos prejuízos à saúde, à qualidade de
vida e a outras atividades como o turismo.
A proteção ambiental não se torna efetiva em nosso país por
dois motivos principais. Politicamente, a capacidade de
articulação e os espaços de poder dos grupos interessados na
manutenção e ampliação das atividades poluidoras são muito
superiores aos dos defensores do meio ambiente. E, do ponto de
vista econômico, os lucros derivados das ações de degradação
ambiental são bem maiores que o risco de eventuais multas ou
punições que, nas poucas vezes em que ocorrem, geram
intermináveis processos judiciais, com raríssimas
possibilidades de recuperação do ambiente degradado. A
estratégia mais efetiva para defender o meio ambiente seria o
estabelecimento de regras fiscais e normativas. Para essa
gente, o medo de falência é sempre maior que o amor à
Natureza.
Luiz Henrique Lima é economista e ex-secretário de estado de
Administração |
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O que falta
é vontade |
Jornal O Globo, Caderno
Economia, domingo, 6 de junho de 1999
JOELMIR BETING
Na política habitacional, não é a escassez de recursos que
limita as decisões.
É a insensatez das decisões que atrofia os recursos.
JULIANO BASTIDE, sociólogo
A construção de casas e apartamentos deveria ser um programa
nacional com status de economia de guerra. Um par de números
surrados justifica a decretação de um estado de emergência
nacional no setor:
1) um déficit habitacional de 5,7 milhões de unidades;
2) um déficit social de outros 6,4 milhões de moradias em
condições precárias. Sem contar os domicílios mal urbanizados
e mal localizados.
De alto valor unitário, a casa própria exige padrões de
financiamento adequados. Com prazos e juros, no mínimo,
civilizados. De preferência, por cima e ao largo de políticas
monetaróides e criogênícas. Com dois pavimentos: a) um
programa de governo necessariamente diferenciado e favorecido
para a população de baixa renda; b) um regime de mercado para
a classe média, com lastro em cédulas hipotecárias e
recebíveis securitizados.
O modelo de mercado já existe. Está totalmente regulamentado.
E, por enquanto, devidamente engavetado. Chama-se Sistema
Financeiro Imobiliário (SFI). Ele teria cacife suficiente para
financiar até 850 mil unidades por ano, com planos de até 30
anos. Até aqui, o mercado que transita no rodapé da Caixa
Econômica Federal, sem poupança vinculada, não ousa ir além de
dez anos para uma demanda máxima (em tais condições) de 80 mil
casas e apartamentos por ano.
Eis o pano de fundo para o 32 Seminário da Indústria
Brasileira da Construção, que começa amanhã, na sede da Fiesp,
em São Paulo. Um encontro de todos os elos da cadeia da
construção civil, o chamado Construbusiness. Um estudo da
consultoria Trevisan Associados, preparado para o seminário de
amanhã, de monstra que a reativação do mercado imobiliário -
com sobras para a construção de edifícios comerciais e de
obras públicas - levantaria a crista de pelo menos um quinto
do PIB. Ou de no mínimo um terço do emprego.
Qual éo grilo? A construção de moradias não inflaciona. O que
inflaciona é a falta delas. Que o diga a locação residencial.
O setor também não desequilibra a balança comercial. Os
materiais de construção de fabricação nacional cobrem mais de
95% do valor de um condomínio de classe média. Até a
tecnologia é nossa - e das melhores do mundo, incluída a
engenharia da construção pesada.
Casando o útIl da redução do déficit de moradia com o
agradável da redução do déficit de emprego, o Construbusiness
ainda mobiliza, funcionando a meia bomba, cerca de 3,5 milhões
de trabalhadores de baixa, média e alta qualificação. A carga
plena, acionaria o dobro disso. Além, claro, de concretar
outros 13 mllhões de empregos indiretos e induzidos, segundo a
Trevisan. Com o lembrete: na economia da construção, não
existe sequer o tal de falso dilema estabilidade versus
crescimento...
SECOS & MOLHADOS
BAIXA RENDA: Dilema verdadeiro é o da moradia popular.
Financiamento lastreado em caderneta de poupança é muito caro.
Sacado do FGTS, mal remunerado, é um estelionato aplicado num
patrimônio coletivo e historicamente mal administrado.
NOVA OPÇÃO: Eis que entra em campo o Programa de Arrendamento
Residencial (PAR), arquitetado pela Caixa Econômica Federal.
Um modelo de leasing habitacional direcionado para a moradia
popular nas áreas metropolitanas de São Paulo e Rio de
Janeiro.
AINDA NÃO: O novo programa (aluguel com opção de compra) vai
ter de aguardar a construção das moradias de até R$ 20 mil. O
que exige maturação mínima de sete meses. São R$ 3 bilhões
para 200 mil famílias na primeira leva. Com renda de até seis
salários-mínimos.
PERVERSIDADE: O aluguel seria de 0,3% do valor do imóvel.
A classe média paga hoje 0,6%. Ah! A classe pobre, no aluguel
da escassez e do desespero, vem pagando 2%.
|
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Comentários
à Lei de Crimes Ambientais |
Retirado de
http://www.geocities.com/Athens/Parthenon/3313
Miguel Sales - Promotor de Justiça em Pernambuco
Após sete anos de tramitação no Congresso Nacional, foi
sancionada a tão esperada Lei de Crimes Ambientais, que entrou
em vigor, nos aspectos penais, a partir de 30.03.98. Como a
lei não só cuida de sanções criminais, mas também
administrativas, estas ainda estão pendentes de
regulamentação. Ela é resultado do possível, num país em que
quase tudo, infelizmente, passa pelo balcão da barganha e do
lobby dos poderosos. Assim, quando já aprovado o seu projeto
na Câmara dos Deputados, ele teve que sofrer, de afogadilho,
umas outras alterações, ditadas pelo próprio Executivo, ante
as pressões dos grandes produtores agrícolas. Banidos, de
véspera, os pontos essenciais que atingiam a dita classe,
como, por exemplo, o que previa reclusão de até quatro anos
para certos danos contra a flora, ao presidente da República
coube apenas vetar, salvo poucas exceções, as imprecisões
legais contidas no texto final da Lei. Entretanto, no
conjunto, a Lei é de bom quilate, caracterizando-se como uma
diploma normativo moderno, dotado de regras avançadas,
estabelecendo coerentemente quase todas as condutas
administrativas e criminais lesivas ao meio ambiente, sem
prejuízo das sanções civis, já existentes em outras leis
específicas.
Antes, as regras para os crimes ambientais estavam embrenhadas
num confuso palheiro de leis, geralmente conflitantes entre
si. Agora, a nova lei sistematizou adequadamente, numa só
ordenação, as normas de direito penal ambiental,
possibilitando o seu conhecimento pela sociedade e a sua
execução pelos entes estatais. Contudo, mesmo no âmbito penal,
nem todos os atos lesivos à natureza, foram abrangidos pela
nova lei, como era a intenção original de seus idealizadores.
Assim, muitas normas do Código Penal, da Lei de Contravenções
Penais e do Código Florestal permanecem em vigor, como é caso,
respectivamente, do delito de difusão de doença ou praga, de
poluição sonora e de proibição da pesca de certos animais
marinhos, entre outros.
Sem dúvida, a referida lei, lapidada por juristas de renome,
assemelha-se, no seu formato, ao Estatuto da Criança e do
Adolescente e ao Código de Defesa do Consumidor, que são leis
de terceira geração, visando promover a qualidade de vida e a
dignidade humana, num País cheio de contrastes e
marginalização social. Ter leis boas é ótimo. É um bom passo.
Mas não basta parar aí. A norma é apenas um ponto de partida.
Para a sua efetividade, é necessário, igualmente, a adoção de
outras medidas destinadas a institucionalizar os órgãos
responsáveis pela preservação ambiental, pois os atuais estão
carentes de toda a sorte de recursos. Veja-se, por exemplo, o
caso de Roraima, em que se demonstra a incapacidade
governamental de apagar o fogo que devora vários trechos do
coração da floresta amazônica - o qual não é só decorrente da
estiagem, mas também reflete a falta de prevenção do poder
público em relação às nossas reservas ecológicas. Para a
promoção do desenvolvimento e a proteção do meio ambiente, é
preciso vontade política eficaz, não resumida apenas na
retórica, aliás sempre repetida, notadamente às vésperas das
eleições.
Curioso, é o veto do presidente da República ao art. 81 da Lei
em comento - que previa a sua vigência imediata -, ancorado no
o argumento de que ela teria de ser amplamente divulgada ao
público, para poder alcançar os seus objetivos. Não obstante,
a lei começou vigorar à mingua da prometida publicidade - ao
contrário do que ocorreu, acertadamente, com o novo Código de
Trânsito. Patente está a contradição entre o discurso e a
prática do governo em relação ao trato das questões
ambientais. Ademais, a esse respeito, as entidades
responsáveis pela preservação da natureza só agem até um certo
limite, mesmo porque muitas das decisões emanadas do próprio
Planalto são arrefecidas pelo grito mais forte do poder
econômico nacional e estrangeiro - agora não só aliados, mas
também globalizados.
De qualquer sorte, a Lei com os seus 82 artigos (incluindo-se
os vetados), distribuídos em oito capítulos, regulamenta o
artigo 225 da Constituição - esta, na esfera do meio ambiente,
uma das mais avançadas do mundo. E surgiu, mais por pressões
dos países ricos, em suas preocupações com a Amazônia, as
condições climáticas da Terra e as substâncias que ameaçam a
sua frágil camada de ozônio.
De principal novidade, a nova lei introduziu no nosso
ordenamento jurídico, de forma clara e objetiva, a
responsabilidade penal da pessoa jurídica, prevendo para elas
tipos e sanções e bem definidos - evidentemente, diversas
daquelas que só se aplicam à pessoa humana. No geral, a nova
lei transformou em crimes, com penas, em média, de um a três
anos, a maioria das condutas outrora tidas simplesmente como
contravenções penais, quer previstas no Código Florestal ou em
outros diplomas legais. Passou a punir com pena de até cinco
anos quem dificultar ou impedir o uso público das praias -
situação que é comum ao longo da zona costeira. Corrigiu
distorções existentes no Código de caça, como a que tipificava
de crime inafiançável, com alta punição, o fato de um simples
camponês abater um animal silvestre para o consumo; enquanto
os imensos latifúndios, pulverizados com agrotóxicos, ficavam
isento de sanção penal, mesmo que houvesse a dizimação de um
ecossistema por inteiro.
A recente lei, em suas prescrições, além de tipificar
penalmente inúmeras outras condutas como lesivas à natureza,
adota princípios ramificados nas principais convenções
mundiais sobre o meio ambiente, no encalço de sua preservação
e na busca de um progresso economicamente sustentável. Porém,
é preciso cautela na sua aplicação, pois desde que não se
agrida realmente a natureza, devemos utilizar a madeira, o
minério, a caça, a pesca e outros recursos naturais. Não se
deve esquecer que a maioria do nosso povo é pobre e vive do
extrativismo. O puro conservacionismo se agenda mais a serviço
de países como os Estados Unidos, o Canadá, a Alemanha, que
incendiaram as suas florestas, mataram os seus solos, secaram
as suas fontes de água e, agora, querem ditar regras
ambientais para os países do terceiro mundo, sem deixar de
explorar os seus recursos naturais e de ter qualquer
preocupação com o seu subdesenvolvimento.
Em trabalho memorável, demonstrou Vasconcelos Sobrinho, que o
uso racional da madeira da Amazônia - há muito um produto de
grande valor econômico no mercado mundial - daria para pagar
folgadamente a corrosiva dívida externa a que estamos
submetidos, e ainda sobraria um bom troco para minimizar a
miséria de nosso povo. |
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TOMBAMENTOS NO RIO |
Jornal O Globo, Opinião, segunda-feira, 25 de outubro de
1999
RICARDO CRAVO ALBIN
Há muito defendo a tese de que os tombamentos que se fazem no
Rio de Janeiro - e isso vale para quase todo o país - serão
sempre poucos, - tardios e urgentes. Nunca hei de esquecer a
frase lapidar de Rodrigo Mello e Franco de Andrade quando, a
meu lado, recebeu o Troféu Estácio de Sá - 1967, do Museu da
Imagem e do Som:
"O Rio, destruindo sua paisagem (urbanística e arquitetônica,
minimiza a essência de sua alma, tão apedrejada por
governantes insensíveis, que se negam a lhe preservar os
pontos de referência e do afeto coletivos."
O recente tombamento para preservar o entorno da Lagoa Rodrigo
de Freitas chega com um atraso de quatro décadas, apesar de
seu início - sabe-se agora pelo conselheiro Angelo Oswaldo,
autor do belo ato - ter começado há 26 anos. A Lagoa Rodrigo
de Freitas, por sinal, foi presa fácil desses desacertos a
partir do século XIX, quando seu espelho era duas vezes maior
do que o atual.
Ao começo do século XX, o cronista. João do Rio, em momento de
êxtase ao visitá-la, pespegou-lhe a alcunha de "esmeralda
verdejante do colar de brilhante do Rio". Nessas décadas
todas, clubes poderosos e autoritários ocuparam as margens. E
as administrações municipais, além de permitir o impensável
que é o aterro brutal suas águas, autorizaram espigões
horrendos.
Se alguém tiver qualquer dúvida que o tombamento da Lagoa
chegou atrasado é só se deter nas fotos dos anos 50-60 ou
mesmo.assistir aos filmes dessa época rodados no Rio e
exibidos em profusão pelo Canal Brasil da Net. Ali revi há
pouco o filme de Carlos Hugo Christensen "Meus amores no Rio",
cujas externas filmadas em cores no final dos 50 são de fazer
chorar quem tem uma réstia de apreço pela cidade.
Toda a orla da Zona Sul foi alterada, por critérios sempre
duvidosos. Ipanema e Leblon, elegantíssimos no teto de quatro
andares, destruídos pela prostituição dos gabaritos, que
culminam com a suspeita liberação para hotéis. Agora mesmo a
coluna de Ricardo Boechat publica nota sobre a imoralíssima
lei que libera a construção de hotéis-residências, através dos
quais se construirão 150 cabeças-de-porco com apartamentos de
30 metros quadrados, cada um com meia vaga de garagem.
As encostas luxuriantes da Mata Atlântica foram encobertas por
favelas ou por espigões, graças, à falta de um plano diretor
urbanístico. E, sobretudo, de compostura da autoridade
municipal.
Como esquecer as centenas de pérolas raríssimas destruídas
pela especulação imobiliária na calada da noite? Prédios como
o Elixir de Nogueira (uma féerie do art-nouveau na Glória)
foram demolidos num abrir e fechar de olhos, para desespero
dos que amam a cidade e de seus cronistas.
Acredito que a origem cultural do bota-abaixismo desenfreado
de que o Rio foi vítima dos anos 40 para cá se deve muito ao
fato de nossas elites caolhas terem abandonado os padrões
europeus de preservação urbana pelo novidadeirismo da febre
americana dos arranha-céus. Isso tudo significou maior
permeabilidade ao ganho fácil e à corrupção.
Insisto em que se torna forçoso rever, ao finalzinho do
século, as perdas que Rio já sofreu nesses tempos. Quando falo
em destruição acodem-me imóveis na cidade toda, desde o
casario colonial ou imperial, até os art-nouveau, os art-deco,
ou mesmo construções modernas de grandes arquitetos como
Niemeyer, Reidy e Lúcio Costa, para citar só três.
Quero ainda referir-me a dois pontos referenciais no Centro da
cidade, em que me envolvi pessoalmente para salvá-os), quando
dirigi o MIS entre 1965 e 1971: o Palácio Monroe na Rio Branco
e o prédio do antigo Ministério da Agricultura, entre o MIS e
o MHN, na Praça Quinze. Enviei dezenas de ofícios aos seus
titulares para que fossem transferidos para o Governo do Rio
(tempos do governador Negrão de Lima, que também corroborou o
meu pedido), onde instalaríamos museus cariocas. De nada
adiantou, foram destruídos.
Se o Rio tem 514 itens tombados, fiquem certos que ainda é
pouco, pela enormidade do que já se perdeu. E não importa que
os titulares dos bens tombados esperneiem contra o tombamento,
que exige uma série de restrições para seu uso. O que importa,
como observou Lima Barreto, é que "a cidade resista aos
infames que a negociam com a mesma volúpia e desavergonhamento
dos vendilhões do templo".
Os interesses dos especuladores quase sempre estão atrás da
frouxidão e do laissez-faire das autoridades públicas que
deveriam ser as primeiras a clamar pelo bom senso dos
tombamentos. Ao menos em respeito à dignidade de seus cargos.
E, sobretudo, em atenção à justíssima desconfiança que todos
nós, cidadãos, alimentamos para com quem quer destruir bens já
sedimentados para neles construir outras coisas, que ninguém
sabe exatamente o que vão ser. Para finalizar, não há como
deixar de referir-me à devastação dos teatros, cinemas (ah! o
Rian na Atlântica...), casas de espetáculo, como os mais de 20
teatros perdidos, oito dos quais na Praça Tiradentes. Aliás,
sobre o recente tombamento do Canecão, vale sempre acrescentar
que foi ele preservado pela Assembléia e Governo do estado não
pelo prédio em si, mas por dois motivos principais, o ponto
referencial de afeto que representa para a MPB e a ameaça de
que, atrás do projeto para destruí-lo, esteja nossa velha
conhecida, a especulação mobiliária
RICARDO CRAVO ALBIN é jornalista e escritor. |
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Grupo de
discussões - In alt.planning.urban |
Outubro de 1999
In alt.planning.urban, henryj@nina.pagesz.net (George Conklin)
wrote:
In article <38113858.851605A7@camtech.net.au>,Graeme Lane <graelane@camtech.net.au>
wrote:
George, stumbled across your comments in this newsgroup.
Please explain to me how increasing densities 'creates' crime.
Graeme, Austrália
Crime is opportunity and density creates opportunity.
But the why is an explanation.The fact is that density and bad
behavior go together. Good urban design may reduce it.
Urban design has a strong influence on urban crime patterns.
Density is equated with higher levels of crime. Period.
Federal studies have summarized the research literature on
crime and architecture.
In general, "unassigned open space" must be reduced or kept to
a minimum to reduce crime. This finding would suggest again
that Calthorpe-inspired designs would work only in very low
crime neighborhoods.
What about mixing commercial and residential uses, the current
goal of so many plans? Once again, this would create a real
crime problem: "intrusion of commercial uses into residential
neighborhoods" is an "environmentla factor associated with
high crime rates."
High-rise? Higher crime rates within the buildings and public
areas compared to low-rise.
Crime rate rises with building height, until a leveling off at
approximately 13 floors.
The number of people who stated that all persons their floor
would accept a package for a neighbor was more than twice as
large in a low-rise unit compared to a high-rise unit.The
additional density, in other words, led to fear.
How do we lower crime rates in cities?
1. Cul de sacs.
2. Elimination of through-streets.
3. Redefine open spaces. For example, two-and-one-half high
wooden fences to define semi-private spaces.
4. A 4 foot high fence adjacent to the rear of each unit to
provide for private space.
5. Limit pathways.
6. Widen streets to allow residents to park directly in front
of their own houses.
The above points all lowered crime rates when introduced into
neighborhoods.
I believe that all of the above are NOT to be found in
Calthorpe illustrations found in our local 2020 plan, where
all of the above features would be considered beneath his
grand plan.
I also note that all of the above are usually found in suburbs.
The physical nature of the suburbs discourages crime.
The concept is based on the idea of 'defensible space.' Kohn's
work was entitled "Defensible Space Modification in Row House
Communities."
Modifications were made to housing communities which resulted
in lower crime rates. Here is the major conclusion:
The available evidence does suggest that changes in the
physical environment (and especially combinations of changes)
can reduce crime and the fear of crime.
It does not happen consistently. But it does occur.
The paper also stresses that theory does not conform to
reality many times.
Experiments seem to work, even if those who stress urban
design predict otherwise.
U.S. Department of Justice, "The Link Between Crime and the
Built Environment, V1."
US Department of Justice December 1980.
Defensible Space: Deterring Crime and Building Community is a
booklet by Henry G. Cisneros published by U.S. Department of
Housing and Urban Development, Washington, DC February 1995.
The book lists current sources for many of the regular
findings. For example, a 1994 study showed that robbery in a
neighborhood was closely correlated with the intrusion of
commercial enterprises. In MD abandoned storefronts is linked
to high crime rates, controlling for social class and block
layout.
Cisneros published the booklet in order to get policy makers
to consider the past research results and to design
accordingly.
Clason Point in NYC is given as an example. When these
buildings were constructed, all of the space around them was
left public, giving tenants no sense of personal
responsibility for any area outside their own units.
After design changes, the overall crime rate dropped 50
percent and the burglary rate declined by 25 percent.The
booklet also defines crime as 'opportunity.'
As do I in my earlier posts.
But it got unfashionable to study Clason Point. Abstract
principles were substituted for reality. And the people
suffered.
In Durham, NC's 2020 plan, there is a picture on page 40 of a
Calthorpe project. As far as I can tell, our local planners
think it an ideal-type.
The picture violates nearly all of the planning principles for
urban design and crime.
Architects may sell plans, but they promote behavior they
don't want because they pay no attention to research.
Density costs money in cities.
Urban Studies published an article which is summarized in
Sociofile.
Here are the conclusions:
Generally, all measures increase with both size and density,
which ,in turn, is a function of size:
1. cost-of-living
2. money income
3. rent cost
4. transport cost
5. environment
6. crime
7. health and social problems
So, you earn more, but it costs a lot more too. In a global
economy, the extra costs of density are non-competitive.
That goes with the following finding:
Depending on cities are planned, they can be expensive or
cheap to build and maintain.
In general, the higher the density of the city, the higher the
initital capital costs and running costs. (M.A. Jones, pp.
32-36 in Austrialian and New Zealand Journal of Sociology,
1973).
In relation to trains, Jones notes, "British studies have
shown that in a new city of 250,000, a rail system (without
rolling stock) would cost about twice as much to construct as
the entire main road system."
It would have been nice if authors had continued the scholarly
literature on urban size or optimal city size, but all the
horrid things suburbs were supposed to do to people were so
conclusively disproved by the mid 1970s that scholars moved on
to other areas, leaving the ideology open to popularizers and
those who never open a scholarly book.
Here is a regression-based approach:
Author: Ladd-Helen-F.
Title: Population growth, density and the costs of providing
public services (Special Issue: Problems of Urban
Agglomeration, 1961-91).
Source: Urban-Studies. April, 1992. v29(n2). p273(23).
Copyright: COPYRIGHT Urban Studies (UK) 1992
Illustration: table. graph.
Abstract: Recent policy interest in managing local population
growth has drawn attention to the fiscal pressures that
population growth imposes on local governments. This paper
uses 1985 data for 247 large county areas to determine the
separate impacts on local government spending of two
dimensions of residential development patterns, the rapidity
of population growth and the intensity land use as measured by
gross residential densities. Based on a regression model that
controls for other determinants of per capita spending, this
study provides careful estimates of the nonlinear impacts of
population growth and population density on three types of
local government spending: current account spending, capital
outlays and spending on public safety. The study balances the
engineering and planning view that greater population density
lowers the costs of providing public services by documenting a
U-shaped relationship between spending and density; except in
sparsely populated areas, higher density typically increases
public sector spending. In addition, the results suggest that
rapid population growth imposes fiscal burdens on established
residents in the form of lower service levels.
"In summary, this regression-based approach to determining the
effects of density on public sector costs counters the
engineering-based view that higher-density development is
associated with lower costs of providing public services.
While the engineering view may be valid at very low densities,
for moderately populated counties an increase in population
density apparently creates a harsher environment for, and
thereby raises the costs of, providing public services." P.
292.
Below is the density zero order correlate:
From: Abhay Thatte arthatte@u.washington.edu
I ran correlations of city density and average worker commute
times. I find that residents of denser cities have longer
average commutes. The "r" was a pretty strong 0.5+ depending
on the sample size.
I used 1990 Census data for this. And we are being told that
on average, increased density would result in decreased
commute times. The data indicates the exact opposite. |
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TÓPICO 28
Projeto
Plano de Avaliação do Programa Favela-Bairro |
Observatório de Políticas
Urbanas e Gestão Municipal
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Sub-projeto Avaliação das diferenças sociais e urbanas
favela-bairro
Coordenação
Luciana Corrêa do Lago
Luiz Cesar de Q. Ribeiro
Relatório Final
Financiamento
FINEP
Secretaria Municipal de Habitação/Prefeitura Municipal do Rio
de Janeiro
Apresentação
Como parte integrante do Plano de Avaliação do Programa
Favela/Bairro, propomos a seguir um conjunto de indicadores
básicos sobre o perfil social e as condições de moradia da
população residente em favelas e fora das favelas no município
do Rio de Janeiro, construídos com base nos dados censitários
de 1991[1]. Os critérios utilizados na construção de tais
indicadores obedeceram a dois objetivos gerais: (i) orientar o
processo de elaboração e de delimitação espacial do programa
Favela-Bairro em particular e de outros programas de
intervenção em assentamentos populares em geral e (ii) avaliar
os impactos sociais gerados por estes programas, a médio e
longo prazo.
O relatório está estruturado da seguinte forma:
I - Universo do trabalho
1.1 - Evolução das favelas
1.2 - Distribuição das favelas em 1991
II - Indicadores referentes à população residente em favela e
fora da favela no município do Rio de Janeiro
2.1 - Indicadores sócio-econômicos
2.2 - Indicadores sobre as condições de moradia
I - Universo do trabalho
1.1 - Evolução das favelas
Os dados censitários de 1950 a 1991 mostram que a taxa de
crescimento anual da população favelada do Rio de Janeiro
começou a decrescer na década de 60, sofrendo uma queda brusca
na década de 70. Tal queda se deve a três fatores (Tabela 1).
Em primeiro lugar, a diminuição do ritmo de crescimento
populacional não foi relativa apenas aos residentes em favelas
mas à população carioca como um todo. No período 1950-1960 a
população cresceu cerca de 3% ao ano e os favelados, 7% ao
ano. Na década de 70 esses percentuais caíram para 1,8% e
2,5%, respectivamente. Nesse período o movimento migratório em
direção a metrópole do Rio de Janeiro começava a perder o
ímpeto verificado nos anos 40 e 50, e a capital, principal
área de atração desses fluxos, sofreu os impactos dessa
mudança. Nota-se, entretanto, que a proporção de favelados em
relação ao total da população continuou crescendo, até mesmo
no período 1970-1980, quando a taxa de crescimento dos
primeiros alcançou seu menor valor (tabela 1). Em outras
palavras, o ritmo de crescimento da população favelada se
manteve bem acima dos demais moradores.
Tabela 1: Crescimento da população total e favelada no
Município do
Rio de Janeiro - 1950/1991
Anos |
Pop. RJ |
Pop. favel. |
Cresc.pop. |
Cresc.pop. |
Pop.fav./ |
RJ a.a. |
fav. a.a. |
Pop. RJ |
|
|
|
1950 |
2.375.280 |
169.305 |
- |
- |
7,13% |
1960 |
3.300.431 |
335.063 |
3,34% |
7,06% |
10,15% |
1970 |
4.251.918 |
565.135 |
2,57% |
5,37% |
13,29% |
1980 |
5.090.723 |
722.424 |
1,82% |
2,49% |
14,19% |
1991 |
5.480.768 |
962.793 |
0,67% |
2,65% |
17,57% |
Fonte: Censos Demográficos,
FIBGE; IPLANRIO, 1991.
O segundo fator relacionado a queda da taxa de crescimento da
população favelada entre as décadas de 60 e 70 foi a
“abertura” da periferia metropolitana aos trabalhadores pobres
através da produção extensiva de lotes urbanos, iniciada na
década de 50 e expandida até os anos 70. Nesse período, o
loteamento periférico, com baixos investimentos em
infra-estrutura e comercialização a longo prazo, se tornou o
principal meio de acesso dos pobres à casa própria. Com
efeito, houve um redirecionamento dos fluxos migratórios inter
e intra-regionais para essas “novas” áreas, especialmente os
oriundos do próprio município do Rio de Janeiro, o que gerou a
diminuição do número de migrantes na capital.
Por último, cabe mencionar os impactos da política de remoção
de favelas nas décadas de 60 e 70. Segundo Santos 175.800
pessoas haviam sido removidas até 1968, mas foi a partir deste
ano, até 1973, que o programa foi mais sistemático e intenso.
Vale mencionar o caráter seletivo de tal política, na medida
em que 70% dos domicílios removidos localizavam-se na Zona
Sul, Tijuca e Meier. O resultado foi a perda de
representatividade das favelas da Zona Sul: se em 1950 25,4%
da população favelada estava na Zona Sul, em 1970 apenas 9,6%
destes ainda residiam na área (Castro, 1979).
Esse conjunto de fatores alimentou a idéia difundida no final
dos anos 70, de que as favelas tenderiam a desaparecer do
cenário urbano carioca. Entretanto, houve uma retomada do
crescimento das favelas na década de 80, tanto pela
densificação das antigas quanto pelo surgimento de novas.
Por que voltam a crescer as favelas na cidade do Rio de
Janeiro, exatamente no momento em que ocorreu uma forte queda
do crescimento demográfico da cidade? Em primeiro lugar, em
razão da mudança da dinâmica do crescimento metropolitano do
Rio de Janeiro. Com efeito, o crescimento
extensivo-periférico, que gerou oportunidades de acesso à
casa-própria para amplos segmentos sociais entra em colapso,
entre outras razões, por encarecimento da terra e pela perda
da capacidade de endividamento por parte da população de
baixa-renda. Some-se ainda as transformações na conjuntura
política fluminense a partir de 1982 que marcaram o início de
um período de legitimação das favelas por parte do poder
público, o que reduziu as barreiras para novas ocupações.
As áreas de expansão da cidade - AP4 e AP5 - apresentaram, na
década de 80, uma taxa de crescimento anual da população
favelada muito superior à verificada nas áreas consolidadas -
AP1, AP2 e AP3. Enquanto em Jacarepaguá e Barra da Tijuca, que
compõem a AP4, os moradores em favelas cresceram 9,8% ao ano,
nas zonas sul e norte, correspondentes à AP2, este percentual
ficou em 1,5% [2](Tabela 2). A AP3 - zona suburbana - embora
tenha apresentado uma taxa de crescimento relativamente baixa
- 2,3% - foi a área com maior participação no incremento
absoluto de favelados na cidade: dos cerca de 246 mil novos
residentes em favelas entre 80 e 91, 47,2% estavam na AP3,
21,7% na AP5 e 19,6% na AP4.
Tabela 2: População favelada por Área de Planejamento no
Município do Rio de Janeiro; 1980 e 1991
APs |
Pop. fav. |
Pop. fav. |
Pop.fav/ |
Pop. fav./ |
Participação |
|
1980 |
1991 |
Cresc.aa |
Taxa |
Pop. tot. 1980 |
Pop. tot. 1991 |
no increm. |
AP1 |
92.119 |
99.488 |
0,7% |
27.2% |
32.9% |
3,0% |
AP2 |
114.638 |
135.419 |
1,5% |
10.1% |
13.1% |
8,5% |
AP3 |
416.307 |
532.340 |
2,3% |
18.5% |
22.9% |
47,2% |
AP4 |
26.985 |
75.097 |
9,8% |
7.6% |
14.3% |
19,6% |
AP5 |
67.017 |
120.449 |
5,5% |
6.6% |
9.3% |
21,7% |
TOTAL |
717.066 |
962.793 |
2,7% |
14.1% |
17.6% |
100,0% |
Fonte: IPLANRIO, 1994.
Apesar do surgimento de novas favelas, o crescimento da
população favelada se deu sobretudo pelo adensamento das
favelas já existentes, tanto nas áreas já consolidadas quanto
nas de expansão. Na zona suburbana - AP3 - o aumento absoluto
dos residentes em favelas, entre 1980 e 1991, correspondeu a
cerca de 115 mil pessoas, mas apenas 19,5% destas foram morar
em uma das 38 novas favelas que surgiram no período. A grande
maioria conseguiu “entrar” numa favela já existente (tabela
3). Nas áreas de expansão - AP5 e AP4 - o percentual referente
àqueles que foram para novas favelas ficou um pouco acima do
encontrado na AP3: 30,7% e 35,9%, o que significa que também
nessas áreas o processo de favelização correspondeu, em
primeiro lugar, ao adensamento das favelas existentes. Tal
adensamento pode ter ocorrido através da verticalização dos
imóveis[3] e pela ocupação dos reduzidos espaços livres ainda
existentes, geralmente nos locais de pior acesso e maior
risco. Os diferenciais de densidade entre as áreas de favelas,
segundo as APs, é um bom indicador: enquanto que nas áreas
centrais a densidade situa-se entre 5,7 e 3,7 habitantes por
metro quadrado, nas áreas de expansão a densidade está abaixo
de 3 habitantes por metro quadrado.
Tabela 3: Densidade populacional e novas favelas no Município
do Rio de Janeiro, por Área de Planejamento - 1991.
APs |
Total |
Novas |
Novas fav./ |
Pop. novas fav./ |
Densidade |
Favelas |
Favelas1 |
Total fav. |
Novos favelados2 |
Morador/100m2 |
|
AP1 |
57 |
6 |
10,5% |
21,8% |
5.7 |
AP2 |
51 |
2 |
3,9% |
3,9% |
3.7 |
AP3 |
270 |
38 |
14,1% |
19,5% |
4.2 |
AP4 |
103 |
36 |
35,0% |
35,9% |
2.9 |
AP5 |
92 |
19 |
20,7% |
30,8% |
2.5 |
TOTAL |
573 |
101 |
17,6% |
23,9% |
3.0 |
Fonte: IPLANRIO, 1994.
Notas: 1 - “Novas favelas” são aquelas que se formaram entre
1980 e 1991.
2 - Trata-se da proporção de “novos favelados” (pop. favelada
de 1991 - pop.favelada de 1980) que residem em uma das “novas
favelas”.
Podemos concluir que enquanto nos anos 60 e 70 as favelas
cresceram em razão dos fluxos migratórios, nos anos 80 elas se
expandiram em função da mobilidade residencial no interior da
própria metrópole. Possivelmente da periferia para as favelas
e dos bairros para as favelas.
1.2 - Distribuição das favelas em 1991
Segundo o Censo Demográfico de 1991, o município do Rio de
Janeiro possui 492 favelas, onde residem 882.089 mil pessoas
que correspondem a 16,10% de sua população. Observando a
distribuição das 492 favelas pelas RAs nota-se que apenas 7
destas regiões[4] concentram cerca de 60% das favelas do
município, com destaque para Jacarepaguá onde estão
localizadas 61 favelas e Bangu, com 47. Entre os bairros da
cidade com maior concentração de favelas, vale destacar:
Bangu: 20 favelas;
Jacarepaguá: 17 favelas;
Ramos: 16 favelas;
Bonsucesso: 13 favelas;
Taquara: 13 favelas;
Realengo: 13 favelas;
Praça Seca: 12 favelas;
Jacaré: 12 favelas.
Observa-se que dos 153 bairros da cidade, 33 não possuem
favelas[5] e 25 abrigam somente 1 favela[6]. Os bairros que
apresentaram o maior número de residentes em favelas foram:
Ramos: 63.000 pessoas;
Gávea: 43.000;
Jacaré: 39.500;
Jacarepaguá: 29.500;
Penha: 27.5000.
Quanto ao peso da população favelada em relação ao total da
população do bairro, vale destacar os bairros onde mais da
metade da população mora em favela:
Barros Filho (Pavuna): 85,35% da população;
Mangueira (São Cristóvão): 85,20%;
Acari (Pavuna): 80,71%;
Jacaré (Inhaúma): 80,52%;
Vidigal (Lagoa): 78,19%;
Caju (Portuária): 74,82%;
Gávea (Lagoa): 73,64%;
Pitangueiras (Ilha do Governador): 64,88%;
Ramos (Ramos): 60,88%;
Bonsucesso (Ramos): 57,66;
Itanhangá (Barra da Tijuca): 50,58%.
Por outro lado, os bairros com menos de 2% de sua população
morando em favela são: Meier, Barra da Tijuca, Pechincha
(Jacarepaguá), Jardim Sulacap (Bangu), Flamengo (Botafogo),
Senador Vasconcelos (Campo Grande), Jardim Guanabara (Ilha do
Governador).
Os bairros que concentram a maior parte da população favelada
no município do Rio de Janeiro são:
Ramos, que concentra 7,23%;
Gávea, que concentra 4,86%;
Jacaré, que concentra 4,49%;
Bonsucesso, que concentra 3,87%;
Jacarepaguá, que concentra 3,3%;
Penha, que concentra 3,11%
Nota-se que alguns bairros, embora possuam um grande número de
favelas, não integram a lista dos bairros com o maior número
de população residindo em favelas. É o caso da Taquara,
Realengo e Praça Seca que abrigam favelas de menor porte. Por
outro lado, Ramos concentra 16 favelas em seu território e o
maior contingente de favelados da cidade. A Gávea, segundo
bairro em número de favelados, possui apenas 1 favela
(Rocinha). Cabe destacar, que os residentes em favelas em
Ramos representam 1,16% da população total do município e os
da Gávea, 0,78%.
II - Indicadores
Os indicadores a seguir propostos foram definidos a partir de
dois enfoques analíticos:
1. A distância sócio-espacial entre a população residente em
favela e fora da favela nos diferentes bairros e regiões da
cidade.
A comparação do perfil sócio-econômico e das condições
habitacionais entre os que residem e os que não residem nas
favelas revela o grau de diferenciação favela/bairro em
diferentes áreas da cidade, permitindo identificar (i) os
bairros onde seria pertinente a implementação de programas
focalizados nas favelas, voltados para a “integração” ou para
a redução das desigualdades sócio-espaciais entre tais
assentamentos e seu entorno e (ii) aqueles onde o pequeno grau
de diferenciação entre favela e bairro demandaria programas
espacialmente mais abrangentes.
2. A heterogeneidade social da população alvo dos programas de
intervenção em favelas.
A avaliação do grau de heterogeneidade entre os residentes em
favela no que se refere ao perfil social, rendimento mensal e
condições habitacionais permite avaliar os impactos gerados
pelos programas de intervenção com base nas condições
objetivas de reprodução dos moradores. Entende-se que tais
programas podem atingir de forma distinta os grupos sociais
mais vulneráveis quanto ao emprego, a renda ou a propriedade
do imóvel e aqueles grupos em condições de vida mais estáveis.
Cada indicador proposto será acompanhado de uma breve
descrição dos resultados obtidos através de sua aplicação,
como forma de demonstrar sua aplicabilidade e relevância para
se alcançar os objetivos expostos anteriormente.
1. Indicadores sócio-econômicos dos residentes em favelas e
fora das favelas, por bairros e regiões administrativas
1.1 - Número de residentes por sexo
A população total do município é composta por 47,13% de homens
e 52,87% de mulheres. A percentagem de homens é sempre
inferior, tanto na favela, onde 48,96% da população é
masculina e 51,04% é feminina, como fora dela, onde 46,78% da
população é masculina e 53,22% é feminina. Nota-se que nas
favelas há maior equilíbrio entre os sexos.
1.2 - Renda média do chefe residente em favela segundo o sexo
Os chefes homens residentes em favela ganham em média 40% a
mais do que as chefes mulheres. Ver gráfico 1 em anexo.
1.3 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela em
relação a do chefe residente fora da favela, segundo o sexo:
mede quantas vezes a renda média do favelado é menor que a do
não-favelado segundo o sexo do chefe.
A diferença entre a renda média dos chefes homens e das chefes
mulheres residentes em favelas é menor do que a diferença
entre os residentes fora das favelas. Ver gráfico 2 em anexo.
1.4 - Número de residentes por faixa etária: de 0 a 14 anos;
15 a 24; 25 a 44; 45 a 64; mais de 65
Percebe-se que a população favelada é notadamente mais jovem
do que a população não favelada, pois nas duas faixas etárias
jovens, de 0 a 14 anos e de 15 a 24 anos, a favela apresenta
um percentual maior (33,25% e 19,93% respectivamente) em
relação à população não favelada (23,69% e 16,23%
respectivamente). Por outro lado, a proporção dos idosos
(acima de 65 anos) nas favelas é bem inferior do que fora
dela: apenas 3,17% nas favelas e 8,16% fora.
Além do corte favela/não favela, o perfil da população carioca
por faixa etária pode ser diferenciado segundo as diferentes
zonas da cidade. Ou seja, a Zona Sul apresenta-se com um alto
percentual de idosos, em contraste com a Zona Oeste, onde a
presença dos jovens é grande. Nesse sentido, na Zona Oeste o
corte favela/não favela em relação às faixas etárias não
mostra diferenças na medida em que em ambas as situações o
percentual de jovens é bastante elevado e o de idosos
reduzido.
No bairro de Santa Cruz, por exemplo, o peso da população
jovem não varia muito entre a favela e a não favela:
35,79% da população favelada possui entre 0 e 14 anos;
33,38% da população não favelada possui entre 0 e 14 anos.
Já em Copacabana, o percentual varia bastante:
29,52% da população favelada possui entre 0 e 14 anos.
12,29% da população não favelada possui entre 0 e 14.
1.5 - Renda média do chefe residente em favela segundo a faixa
etária
Os chefes jovens, com menos de 24 anos, e os chefes idosos,
com mais de 55 anos, apresentaram rendimento médio inferior às
demais faixas etárias, sendo portanto os mais vulneráveis
entre os chefes residentes em favelas. Ver gráfico 3 em anexo.
1.6 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela em
relação a do chefe residente fora da favela, segundo a faixa
etária: mede quantas vezes a renda média do favelado é menor
que a do não-favelado segundo a idade do chefe.
No que concerne à idade,as diferenças de renda média dos
chefes residentes em favela e daqueles residentes fora
aumentam na medida em que aumenta a idade do chefe. A
distância é menor entre os mais jovens (menos de 24 anos), já
que a diferença de rendimento neste estrato de idade é de
apenas 48%. Ver gráfico 4 em anexo.
1.7 - Número de chefes do domicílio por grau de instrução
Os chefes “sem instrução” representam 20,6% do total de chefes
residentes em favelas, enquanto que fora da favela este
segmento representa apenas 5,2%. De maneira geral, podemos
dizer que na favela encontramos uma população de baixa
escolaridade, já que 60% têm menos de 4 anos de instrução.
Esta é uma diferença importante em relação à população
residente fora das favelas onde este contingente de baixa
escolaridade representa apenas pouco mais de 30%.
Por outro lado, embora o peso dos chefes de baixa escolaridade
seja bem mais elevado nas favelas do que fora, o número de
chefes com este grau de instrução é maior fora das favelas: do
total dos “sem instrução” no município, apenas 39% moram na
favela e entre aqueles que têm de 1 a 4 anos, apenas 20,3%.
1.8 - Renda média do chefe residente em favela segundo o grau
de instrução
Em relação à renda média do total dos chefes que moram em
favela, aqueles sem instrução ganham 32% a menos que esta
média, aqueles com 9 a 11 anos de estudo ganham 40% a mais e
os com mais de 12 anos, 200% a mais! Ver gráfico 5 em anexo.
1.9 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela em
relação a do chefe residente fora da favela, segundo o grau de
instrução: mede quantas vezes a renda média do favelado é
menor que a do não-favelado segundo o grau de instrução do
chefe.
As diferenças de rendimento entre os chefes residentes em
favela e aqueles fora da favela aumentam na medida em que
aumentam os anos de estudo, saindo tal diferença de cerca de
34% para os chefes sem instrução ou analfabetos e chegando à
80% para aqueles que possuem nível superior. A distância entre
favela e bairro pode ser evidenciada pela seguinte
constatação: chefe morador da favela tem que possuir mais que
9 anos de estudos para ter um rendimento médio similar ao
chefe com instrução até 4 anos e morador do bairro. Ver
gráfico 6 em anexo.
1.10 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela
em relação a do chefe residente fora da favela.
A renda média dos chefes que moram na favela é 73% menor que a
renda dos que moram fora da favela
1.11 - Número de chefes de domicílio por faixa de renda: sem
rendimento; até 1 salário mínimo; de 1 a 2 sm; de 2 a 5 sm; de
5 a 10 sm; de 10 a 20 sm; mais de 20 sm.
A grande maioria dos chefes de família residente em favelas
tem renda mensal inferior a 2 salários mínimos, sendo que,
32,12% recebem até 1 salário e 32,92% entre 1 e 2 salários.
Aqueles com renda acima de 10 salários representam apenas
0,61% do total dos chefes.
Entre os chefes residentes fora das favelas, 13,15% recebem
até 1 salário e 17,44% entre 1 e 2 salários, enquanto 17,48%
tem rendimento superior a 10 salários.
O alto percentual de chefes com até 2 salários mensais
concentram-se não só nas favelas mas na Zona Oeste e em alguns
bairros do subúrbio.
Os bairros onde mais de 50% dos chefes residentes em favela
têm renda mensal de até 1 salário mínimo são: Santo Cristo
(R.A. Portuária), Catete (R.A. Botafogo), Cascadura (R.A.
Madureira), Rocha Miranda (R.A. Madureira), Parque Anchieta
(R.A. Anchieta), e Tomás Coelho (R.A. Inhaúma).
Os bairros onde menos de 10% dos chefes residentes em favela
têm renda mensal de até 1 salário mínimo são: Humaitá (R.A.
Botafogo), Copacabana (R.A. Copacabana), Vila Cosmos (R.A.
Irajá), Campinho (R.A. Madureira) e Santa Teresa (R.A. Santa
Teresa).
2 - Indicadores das condições de moradia nas favelas e fora
das favelas, por bairros e regiões administrativas
2.1 - Densidade
2.1.1 - Densidade domiciliar
A densidade domiciliar no município do Rio de Janeiro,
considerando-se todos os domicílios, é de 3,5 moradores por
domicílio. Na favela ela aumenta para 3,9 e fora da favela
diminui para 3,4.
Percebemos que a densidade domiciliar aumenta nas favelas,
sobretudo nos seguintes bairros: Humaitá (4,5), Leme (4,5),
Sepetiba (4,5), Campinho (4,6), Vargem Pequena (4,6), Vargem
Grande (4,6) e Gardênia Azul (4,7).
Fora da favela, a densidade domiciliar é maior nos seguintes
bairros: Deodoro (4,3), Galeão (4,3), Cidade Universitária
(4,3), Campo dos Afonsos (4,5) e Grumari (5,3).
2.1.2 - Número de domicílios segundo a média de moradores por
dormitório com base nas seguintes faixas: até 2 moradores; 3
moradores; mais de 4 moradores
Apenas 20% dos domicílios apresentam alta densidade - mais de
4 moradores por dormitório - nas favelas, enquanto que este
percentual desce para 6,5% nos bairros. A maioria dos
domicílios em favela - cerca de 80% - apresentam baixa ou
média densidade.
2.1.3 - Renda média do chefe residente em favela segundo o
número médio de moradores por dormitório
Os chefes moradores em domicílio com alta densidade ganham
apenas 17% a menos daqueles em domicílio de baixa densidade.
Ver gráfico 7 em anexo.
2.1.4 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela
em relação a do chefe residente fora da favela, segundo o
número médio de moradores por dormitório: mede quantas vezes a
renda média do favelado é menor que a do não-favelado segundo
a faixa de densidade por dormitório
As diferenças de renda do chefe entre favela e bairro diminuem
na medida em que passamos de domicílios com baixa para alta
densidade.Fora da favela, a diferença da renda média entre os
chefes que residem em domicílio de alta e baixa densidade
chega a 66%. Ver gráfico 8 em anexo.
2.2 - Condições do imóvel
2.2.1 - Número de domicílios segundo a média de cômodos por
domicílio com base nas faixas: 1 cômodo; 2 cômodos; 3 cômodos
e mais de 4 cômodos
Cerca de 69% dos domicílios localizados em favela têm 4 ou
mais cômodos. Fora da favela este percentual sobe para 86%.
2.2.2 - Renda média do chefe residente em favela segundo o
número de cômodos por domicílio
A diferença de rendimento entre os chefes que moram em
domicílio de até 3 cômodos e os demais é elevada nas favelas.
2.2.3 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela
em relação a do chefe residente fora da favela, segundo o
número médio de cômodos por domicílio: mede quantas vezes a
renda média do favelado é menor que a do não-favelado segundo
o número de cômodos por domicílio
Os chefes que residem em domicílio de até 3 cômodos nas
favelas têm rendimento médio 43% menor do aqueles que residem
fora.
2.2.4 - Número de domicílios por tipo: casa, apartamento ou
domicílios de 1 cômodo
Entre os domicílios localizados em favelas, 94,05% são casas e
4,15% são apartamentos. Apenas em 11 bairros o percentual de
apartamentos é superior a 10%: Caju (R.A. Portuária), Botafogo
(R.A. Botafogo), Flamengo (R.A. Botafogo), Vidigal (R.A.
Lagoa), Gávea (R.A. Lagoa), Bonsucesso (R.A. Ramos), Ramos
(R.A. Ramos), Água Santa (R.A. Méier), Engenheiro Leal (R.A.
Madureira), Padre Miguel (R.A. Bangu) e Jacaré (R.A. Inhaúma).
2.2.5 - Renda média do chefe residente em favela segundo o
tipo do domicílio
Os chefes que moram em casas ganham menos 25% do que aqueles
que moram em apartamento.Ver gráfico 9 em anexo.
2.2.6 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela
em relação a do chefe residente fora da favela, segundo o tipo
de domicílio: mede quantas vezes a renda média do favelado é
menor que a do não-favelado segundo o tipo de domicílio
O diferencial de renda entre os chefes que moram em favelas e
os que não moram é maior entre os que residem em apartamento:
o rendimento médio dos que residem em apartamento nas favelas
equivale a apenas 24% do rendimento médio dos que vivem em
apartamento fora das favelas. Ver gráfico 10 em anexo.
2.3 - Relação de propriedade
2.3.1 - Número de domicílios por condição de ocupação:
próprio, alugado ou cedidos
Entre os domicílios localizados em favelas, 86,56% são
próprios, 10,56% são alugados, 2,37% cedidos e 0,51% possui
outra relação de propriedade. Destacam-se os seguintes bairros
onde mais de 20% dos domicílios em favelas são alugados:
Copacabana - 450 moradias , Gávea - 2.916 moradias, Andaraí -
386 moradias e Barros Filho - 1.170 moradias.
2.3.2 - Renda média do chefe residente em favela segundo a
condição de ocupação do domicílio
Os moradores em favela que pagam aluguel têm renda média 8%
superior aos que moram em imóveis próprios. Ver gráfico 11 em
anexo.
2.3.3 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela
em relação a do chefe residente fora da favela, segundo a
condição de ocupação do domicílio: mede quantas vezes a renda
média do favelado é menor que a do não-favelado segundo a
condição de ocupação do domicílio
O rendimento médio dos chefes que moram em imóvel próprio nas
favelas equivale a apenas 25% do valor do rendimento médio
daqueles que estão fora das favelas. Entre os que moram em
domicílio alugado a diferença de renda favela/não favela é um
pouco menor: a renda média dos que estão na favela equivale a
32% da renda dos que estão fora. Em relação aos domicílios
cedidos, este percentual é de 47%. Ver gráfico 12 em anexo.
2.4 - Condições de saneamento
2.4.1 - Número de domicílios por forma de abastecimento de
água: com canalização interna ligado à rede geral de água ou
com outras formas de abastecimento de água
Para o total de domicílios localizados fora da favela, cerca
de 97% estão ligados à rede geral de água.Entre aqueles
situados em favela esse percentual cai para 83%.No entanto, em
alguns bairros da cidade a diferença entre favela e bairro no
que se refere ao abastecimento de água é muito acentuada: em
Madureira 51% dos domicílios em favelas, que equivalem a 845
moradias, não estão ligados à rede, enquanto fora da favelas
apenas 1,6% - 216 moradias - estão nesta situação; na Tijuca,
o percentual nas favelas é de 40% - 2.383 moradias - e fora
das favelas 0,7% - 370 moradias; na Gávea, 10% dos domicílios
em favelas mão estão ligados a rede - 1.256 moradias - e 1,5%
fora das favelas - 70 moradias.
Por outro lado, em outros bairros o número de domicílios não
ligados à rede fora das favelas é superior ao referente às
favelas: Em Campo Grande existem 2.900 moradias fora das
favelas que não estão ligadas à rede e apenas 465 moradias nas
favelas nesta mesma situação; em Santa Cruz são 2.100 fora das
favelas e 280 nas favelas; em Realengo são 900 fora das
favelas e 490 nas favelas.
2.4.2 - Renda média do chefe residente em favela segundo a
forma de abastecimento de água
O diferencial de renda entre os chefes que moram em domicílio
ligado à rede geral de água e os demais é pequena nas favelas.
Ver gráfico 13 em anexo.
2.4.3 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela
em relação a do chefe residente fora da favela, segundo a
forma de abastecimento de água: mede quantas vezes a renda
média do favelado é menor que a do não-favelado segundo a
forma de abastecimento de água
Os chefes que moram em domicílio sem abastecimento de água por
rede geral nas favelas ganham em média 54% a menos do que
aqueles nas mesmas condições fora das favelas. Ver gráfico 14
em anexo.
2.4.4 - Número de domicílios com coleta de lixo ou sem coleta.
Assim como o abastecimento de água, a coleta de lixo atinge a
maioria dos domicílios tanto fora das favelas - 97% das
moradias têm coleta - quanto nas favelas - 86% das
moradias.Também neste caso a diferença entre favela e bairro
quanto a abrangência do serviço varia bastante entre as áreas
da cidade. Em Ipanema, Laranjeiras e Flamengo o percentual de
domicílios com coleta é elevado - em torno de 100% - tanto nas
favelas quanto fora.Já o bairro de Campo Grande abriga 4.500
moradias fora das favelas e 550 moradias nas favelas sem
coleta de lixo; em Santa Cruz, são 6.010 sem coleta fora das
favelas e 721 nas favelas; em Guaratiba, 6.000 fora das
favelas e 322 nas favelas.
2.4.5 - Renda média do chefe residente em favela segundo o
serviço de coleta de lixo
O diferencial de renda entre os chefes que moram em domicílio
com coleta de lixo e os demais é pequena nas favelas.
2.4.6 - Diferencial da renda média do chefe morador em favela
em relação a do chefe residente fora da favela, segundo o
serviço de coleta de lixo: mede quantas vezes a renda média do
favelado é menor que a do não-favelado e se a renda média
varia segundo a existência ou não de coleta de lixo no
domicílio.
O rendimento médio dos chefes que não têm coleta de lixo nas
favelas é bem próximo ao rendimento daqueles nas mesmas
condições fora das favelas.
[1] Foram utilizados apenas os dados do questionário 01 do
Censo Demográfico de 1991, na medida em que os dados da
amostra ainda não tinham sido liberados pelo IBGE no momento
da elaboração desse estudo.
[2] O percentual de favelados residindo na Zona Sul se manteve
em queda nas décadas de 70 e 80: em 1970 eles equivaliam a
9,6% do total de favelados, em 1980 a 9,1% e em 1991 a 8,3%.
As regiões da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, por outro lado,
abrigavam em 1980 apenas 3,8% dos favelados da cidade,
passando a abrigar 7,8% em 1991.
[3] Considerando o número de apartamentos nas favelas como um
possível indicador de verticalização, verifica-se que em 1991
apenas nas áreas de maior densidade demográfica - AP2 e AP3 -
as favelas apresentavam um número significativo de
apartamentos: 7,5% do total de domicílios na AP2 e 3,8% na AP3.
[4] As 7 RAs são: Jacarepaguá, Bangu, Meier, Ramos, Madureira,
Inhaúma e Penha.
[5] Os bairros que não possuem favelas são os seguintes:
Saúde, Centro, Cidade Nova, Glória, Jardim Botânico, Lagoa,
Leblon, Praça da Bandeira, Maracanã, Riachuelo, Rocha,
Abolição, Todos os Santos, Vila da Penha, Vista Alegre,
Cavalcanti, Campo dos Afonsos, Deodoro, Vila Militar, Cidade
Universitária, Cocotá, Moneró, Praia da Bandeira, Ribeira,
Zumbi, Paquetá, Ricardo de Albuquerque, Joá, Camorim, Grumari,
Barra de Guaratiba, Pedra de Guaratiba e Maria da Graça. As
RAs do Centro e Ilha de Paquetá também não possuem favelas.
[6] Os bairros com apenas 1 favela são os seguintes: Santo
Cristo, Catumbi, Urca, Flamengo, Humaitá, Ipanema, Gávea,
Parada de Lucas, Méier, Vicente de Carvalho, Vila Cosmos,
Campinho, Vaz Lobo, Rocha Miranda, Gardênia Azul, Pechincha,
Padre Miguel, Jardim Sulacap, Sepetiba, Cacuia, Pitangueiras,
Portuguesa, Galeão, Jardim Guanabara e Costa Barros. |
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Mutirão não
é solução de política habitacional |
Artigo
publicado no Construfax nº 624 de 23/07/99
João
Claudio Robusti *
Mutirão
nunca foi maneira recomendável de se resolver a questão da
habitação para famílias de baixa renda. No entanto, não faltam
análises nas quais se procura demonstrar que somente assim
essas famílias conseguem ter onde morar. E o mutirão foi
ocupando espaço na vida brasileira. Cantado nos palanques de
periferia, virou moeda de troca eleitoral de ampla circulação.
Foi institucionalizado, passou a ser visto e compreendido como
opção de política habitacional.
Nada mais
falso. Mutirão é a anti-solução, de todos os ângulos que se
olhe. É economicamente indefensável. É eticamente impróprio.
Do ponto de vista social, fica no contra-fluxo da necessidade
de se criar emprego, pois tem como arrazoado principal a
ausência de custo com mão-de-obra. Acaba sendo a negação
conceitual do trabalho como fator de produção e geração de
renda.
Mutirão
pode fazer algum sentido, é verdade, em casos muito pontuais.
Mas sempre deverá ser a exceção. A regra, jamais. Porque é um
caso evidente de impossibilidade de a gestão pública
substituir a gestão privada de maneira eficiente.
O mutirão
afronta a lógica de raciocínios elementares. Foi imaginado, lá
nas origens, para baratear e viabilizar a construção de
moradia popular. A cada conta feita, porém, tem-se uma razão a
mais para concluir que o que acontece é uma série de
deseconomias. O resultado do mutirão é uma obra sempre mais
cara do que se contratada a uma empresa incumbida de construir
um conjunto habitacional de nível semelhante.
Sem
despesas com mão-de-obra, seria possível fazer uma economia e
tanto, pensava-se. Não é o que habitualmente acontece. É comum
que se pague, direta ou indiretamente, pelo trabalho de
engenheiros, mestres, pedreiros, pintores, eletricistas,
encanadores desconhecendo-se, porém, os acréscimos de
encargos sociais, dos quais as empresas não escapam.
Não é esse
o emprego que se recomenda, inclusive por ter como
contrapartida um tipo de trabalho sem nenhum traço de
responsabilidade formal. Modos simplórios de construção
geralmente têm o desperdício como seu correspondente
inevitável. Pela manipulação inadequada de materiais. Pelo
re-trabalho. Enfim, uma seqüência de fatores de ineficiência
que deságuam, não raro, em custos de reparação depois de o
imóvel habitado.
Se
empregado formalmente, esse trabalhador iria desempenhar suas
funções numa empresa que, além de pagar impostos, arca com
custos de formação profissional, de certificação de qualidade,
de administração. Ou seja, teria seu lugar num sistema em que
a responsabilidade profissional não é uma opção que se faz ou
se deixa de fazer, mas que existe porque é uma exigência de
lei.
Mutirão,
na verdade, é ótimo para quem gosta de informalidade, esse
universo de descompromisso econômico e social em que toda
espécie de irregularidade (da ótica da organização
institucional) é estimulada por uma espécie de ética de
conveniência.
Essas
concessões morais já aparecem no princípio de tudo, quando se
ignora a necessidade de aplicar critérios concorrenciais para
a escolha de quem deve receber recursos públicos, para fazer o
quê, sob quais condições de tempo, preço e qualidade.
Afronta-se a Lei 8666. Recursos públicos fluem por canais
livres de controles mais rigorosos, cobrindo despesas orçadas
e outras, depois apensadas com igual liberalidade.
Políticas
habitacionais sérias, eficazes do ponto de vista social e
economicamente sustentáveis (para terem continuidade) nada têm
a ver com mutirão. São, em vez disso, políticas baseadas em
propostas que tenham a consistência daquelas que vêm sendo
apresentadas pelo setor da construção civil e que encontram
sua melhor expressão no Sistema Brasileiro de Habitação, ao
qual se assemelha em vários pontos o Programa de Arrendamento
Residencial, recentemente anunciado pela Secretaria de
Desenvolvimento Urbano da Presidência.
É preciso
ficar claro que, com o mutirão, não se está apenas encobrindo
o mau uso de recursos públicos. Cultiva-se uma deturpação do
sentido que se deve conferir ao direito de habitação,
confundido com a simples facilitação de meios para que se
atendam presumidas necessidades. Direitos nada têm a ver com
doações ou atos de caridade. Nem de solidariedade. Direitos
devem ser atendidos porque são respeitados pelo que são:
direitos de cidadania, e como tal institucionalizados e
reconhecidos em políticas públicas eficientes, executadas com
a mais absoluta transparência.
* João Claudio Robusti é
vice-presidente de Habitação Popular do SindusCon-SP |
continuação dos artigos
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