Jornal O Globo,
Caderno Economia, segunda-feira, 24 de maio de 1999
Andréa Dunningham
Pesquisa no Rio mostra taxa três
vezes maior do que a média da Região Metropolitana
A pesar de o Rio
de Janeiro ostentar a menor taxa de desemprego do país - 5,4%
em 1998, contra a média nacional de 7,6%, segundo os dados do
IBGE - um levantamento inédito da Secretaria Municipal de
Trabalho mostra que nas favelas cariocas, a taxa de desemprego
chega a 18,5% da população economicamente ativa. Esse índice,
medido pela mesma metodologia do IBGE, supera em mais de três
vezes a média da Região Metropolitana do Rio e jamais foi
alcançado pelas seis regiões pesquisadas pelo instituto desde
1984.
O estudo vem sendo
realizado pela secretaria em 30 favelas desde 1998 e mostra
que o desemprego está concentrado na população de baixa renda.
O maior alvo são os jovens, que, com baixa escolaridade, estão
ficando à margem do mercado de trabalho.
Educação dificulta obtenção de
emprego
Na avaliação do
coordenador da pesquisa de campo, José Matias de Lima, a falta
de educação básica já aparece como uma das principais
determinantes para os altos índices de desemprego nas favelas
do Rio.
Matias e Denise
Britz, ambos pesquisadores da Sociedade Científica da Escola
Nacional de Ciências e Estatísticas (Science), estão começando
a produzir estudos a partir da pesquisa e a primeira
preocupação é identificar os fatores responsáveis por taxas de
desemprego tão altas.
- Sexo, já vimos,
não é um fator determinante. Prova disso é que o número de
mulheres chefes de família é altíssimo, chegando a 38,3% no
Morro do Sossego, por exemplo. Ao que tudo indica, a questão
da educação é mesmo vital - disse Denise.
As estatísticas
revelam que a baixa qualificação dos trabalhadores e as
lacunas do sistema educacional são fatores que agravam o
quadro do emprego: nas comunidades pesquisadas, entre 10% e
13% da população com mais de dez anos é analfabeta (contra a
média de 4% no estado) e o maior percentual de pessoas com
Primeiro Grau completo não supera 15,1%.
População jovem tem mais dificuldades
Esse cenário tem
complicado a vida dos mais jovens. Com pouca escolaridade e
sem experiência profissional, eles têm mais dificuldade de
entrar no mercado de trabalho.
Enquanto os dados
do IBGE mostram que no Rio, a taxa de desemprego para jovens
entre 15 e 17 anos foi de 13,5% em 1998, nas favelas o índice
é muito superior, chegando a 25,8% no Morro da Mangueira, 30%
em Três Pontes e 50% em Mata Machado.
Para a população
com idade entre 18 e 39 anos, as taxas de desemprego também
variam entre 15,9% e 22,5%, caso da Ladeira dos Funcionários.
Com uma população de 5.208 pessoas, o Parque Royal, na Ilha do
Governador, é o retrato típico desse cenário. A taxa de
desemprego é de 18%, subindo para 33% na faixa de 15 a 17
anos.
Conceição Freitas,
que é diretora social da Associação de Moradores de Parque
Royal, diz que o desemprego é de longe o maior problema da
comunidade.
- Desempregado é o
que não falta aqui. São jovens, senhoras e senhores sem
emprego. Todo mundo vivendo de bico - diz.
Favelas concentram emprego informal
A informalidade
atinge 44% dos trabalhadores de Parque Royal, mas a comunidade
não é um caso isolado: como mostra a pesquisa, ela está
institucionalizada nas favelas.
Enquanto na região
metropolitana 26,02% da população ocupada trabalha sem
carteira assinada - média já considerada alta - nas favelas,
esse percentual varia entre 35,5% e 53,9%.
É o que tem feito,
por exemplo, o meio-oficial de bombeiro Charles de Almeida.
Charles ganhava seis salários-mínimos consertando tubulações
de água no Iate Clube da Ilha do Governador, mas desde que o
clube deu baixa em sua carteira, há quase um ano, passou a
viver de biscate.
Para sustentar os
três filhos, que têm entre quatro e sete anos, Charles faz,
esporadicamente, pequenos serviços, e consegue tirar, no
máximo, R$ 150 por mês.
- Emprego
realmente está difícil. Eu estou correndo atrás, só que não
adianta. Vou fazendo um serviço aqui e outro ali. Já tentei
até mudar de ramo, mas os anúncios pedem experiência. Ninguém
quer dar uma primeira chance - reclama Charles, que tem 28
anos.
Apesar de ser
jovem, o que teoricamente facilitaria sua entrada no mercado
de trabalho, Charles tem uma desvantagem competitiva: não tem
o Primeiro Grau completo. Pior que isso: ele não acredita que
um maior nível de estudo facilitaria a obtenção de uma vaga.
- Estudar mais não
adianta não. O que vale é a experiência - repete.
O secretário
municipal de Trabalho do Rio, André Urani, discorda. Certo de
que a educação é o caminho para quem quer uma vaga no mercado
de trabalho, a secretaria está desenvolvendo um conjunto de
ações para aumentar a empregabilidade do trabalhador carioca.
Entre as medidas
adotadas pela Prefeitura está a instalação, nas comunidades,
de centros de informática, salas de aula de alfabetização, de
Primeiro e Segundo Grau e cursos profissionalizantes.
- A educação é
fundamental para o mercado de trabalho. Nossos primeiros dados
mostram que 87% das pessoas que fizeram cursos
profissionalizantes nas comunidades acabaram conseguindo um
emprego com carteira assinada - diz Urani.
Minoria freqüenta cursos
profissionalizantes
O problema é que
muitos pensam como Charles. Na Mangueira, por exemplo, onde a
taxa de desemprego é de 15,1%, apenas 2,7% das pessoas com
mais de 10 anos declararam estar freqüentando algum curso
profissionalizante.
No Salgueiro, onde
apenas 7,4% da população tem o Segundo Grau, a participação em
cursos de profissionalização cai para 1, 9%. No Morro da
Formiga a estatística é ainda pior: somente 0,9% das pessoas
freqüentam um curso profissionalizante.
Se por um lado a
pesquisa mostra um quadro negativo no que diz respeito a
emprego, informalidade e educação, os dados relativos a
rendimentos demonstram avanços de distribuição de renda no
estado.
Segundo Urani, do
Censo Demográfico de 1991 até hoje o Rio foi a região do país
onde a pobreza diminuiu mais. No caso das favelas, a redução
da pobreza foi três vezes superior.
- É importante
reconhecer que essas comunidades ainda são pobres, mas a
diferença de rendimento entre a média da região e os
trabalhadores dessas comunidades tem diminuído - completou o
secretário.
De acordo com o
trabalho da secretaria municipal de Trabalho,
a renda média mensal das pessoas
ocupadas é de 2,5 salários-mínimos (R$ 335,90), contra a média
de 5,11 salários-mínimos (R$ 664,30) apurada pelo IBGE para a
Região Metropolitana.
O
maior nível de rendimento é encontrado na comunidade de Canal
das Tachas, no Recreio dos Bandeirantes, onde a renda média
mensal dos ocupados é de R$ 401,46.
Uma
economia dinâmica
Mesmo com os altos
índices de desemprego verificados nas comunidades pesquisadas
pela Secretaria municipal de Trabalho, a economia se mostrou
dinâmica nessas regiões. O levantamento classificou 1.847
estabelecimentos, a maior parte (54%) no setor de comércio.
E, apesar da crise
financeira e da recessão que o país enfrenta, os sócios
revelam otimismo: 46,9% deles disseram que pretendem fazer
novos investimentos em seu negócio; 32,6% pretendem manter a
situação do jeito que está; e apenas 6,3% acreditam que terão
que fechar as portas.
Não há como
escapar, entretanto, dos problemas da comunidade. Isaías de
Souza, por exemplo, proprietário do Mercado Bom Pastor, em
Parque Royal, na Ilha do Governador, não está conseguindo
repassar para os consumidores os aumentos que tem pago na
compra de alimentos após a desvalorização do real, ocorrida em
janeiro. O resultado foi a queda da margem de lucro do
comerciante:
- Meu negócio já
cresceu 300% em três anos, mas se eu cobrar caro, ninguém mais
compra. As pessoas estão sem dinheiro. Depois da mudança no
câmbio, minha margem de lucro caiu de 30% para 15%. Tem
produtos, como o arroz, que estou pagando quase 30% a mais. Eu
não posso cobrar isso dos fregueses. O jeito foi baixar a
margem para 5% - diz o comerciante.
A poucos metros
dali, o mecânico Basileo Conceição vive outra realidade e tem
contabilizado aumento de receita na sua oficina. Há três anos
ele atendia somente dois, três carros por semana. Hoje, a
média está em cinco veículos por dia.
- Eu não posso
reclamar. Com o dinheiro da oficina consegui construir um
segundo andar para minha casa, comprar dois telefones e no
final do ano vou comprar um carro - disse ele.
Os
estabelecimentos comerciais classificados nas pesquisas
empregam 3.420 pessoas nas 30 comunidades pesquisadas. A maior
parte delas (23,7%) estudou até a quinta e a sétima série do
Primeiro Grau. Do total dos empregados desses
estabelecimentos, 8,9% são analfabetos. |