Reportagens 2000

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"Eu juntei R$ 30 para passar o réveillon com meus filhos. O dinheiro, minhas roupas e todos os meus móveis foram destruídos. Minha vida desapareceu nas chamas" - Maria do Carmo Mendes Alves (nos incêndios da Vila Turismo na favela de Manguinhos em 30/12/99 e 1º/01/00).

Reportagens(3ª parte)

Reportagens 2000

Tópico 1  Pela segunda vez na semana fogo destrói barracos em Manguinhos
Tópico 2  Condomínio dos moradores da areia
Tópico 3  Entrevista - Luiz Paulo Conde (ex-prefeito do Rio de Janeiro)
Tópico 4  Chuva mata 3 crianças
Tópico 5  Uma ação para salvar o Plano Lucio Costa
Tópico 6  Zona Sul dá um basta às invasões de encostas
Tópico 7  Uma ameaça no alto do túnel
Tópico 8  Polícia reprime invasão de área no Itanhangá
Tópico 9  Prefeitura vai multar quem não cuidar de sua calçada
Tópico 10 União dará R$ 1,7 milhão para obra na Lagoa
Tópico 11 Prédios de favelas começam a ganhar gabarito
Tópico 12 MP quer interdição da Lagoa de Camorim
Tópico 13 Morte nas águas da Baía
Tópico 14 Favelas chegam aos manguezais
Tópico 15 Mais guerras no asfalto
Tópico 16 Favelas levam pedidos a Gregori
Tópico 17 Prefeitura corre para investir verba estadual
Tópico 18 Casas demolidas por questão de segurança
Tópico 19 Brasil, o 4º da América Latina
Tópico 20 O sonho desfeito do arquiteto
Tópico 21 Mais pobres foram excluídos
Tópico 22  Favelas nas rotas do turismo
Tópico 23  Bird: Prefeitura não conhece favelas
Tópico 24  Que venha o sol
Tópico 25  R$ 750 milhões para favelas escolhidas
Tópico 26  Desabrigados fecham a Av. Brasil
Tópico 27  Projeto prevê universidade em favela
Tópico 28  Lixo
Tópico 29  Favelas à beira da Avenida Presidente Vargas
Tópico 30 Recreio dos Bandeirantes e dos invasores
Tópico 31 Sem-teto no templo do consumo
Tópico 32 Rio "animal" atrai lobo-marinho e jacaré
Tópico 33 O Recreio dos grileiros
Tópico 34 Áreas nobres do Rio têm embriões de favelas
Tópico 35 Rio já tem favelas de classe média
Tópico 36 Comunidades crescem para o alto
Tópico 37 Clube que virará apart se muda para favela
Tópico 38 Arquiteta despeja entulho na porta do Prefeito
Tópico 39 Prefeitura perde ação indenizatória
Tópico 40 Com vista para o esgoto
Tópico 41  Favelização do bairro é crescente
Tópico 42  O retrato do maior bolsão de miséria do Rio
Tópico 43  Favelas crescem na Região Serrana

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Pela segunda vez na semana fogo destrói barracos em Manguinhos

Jornal O globo, domingo, 2 de janeiro de 2000

Dois dias depois que um incêndio destruiu 200 barracos e deixou 800 pessoas desabrigadas, a Favela Vila Turismo, do Complexo de Manguinhos, voltou a enfrentar o fogo. Ontem à tarde, teve início um novo incêndio que destruiu mais 120 casas. O Ano Novo da dona de casa Neusa Maria Garcia, de 44 anos, acabou. Ela perdeu a casa e os pertences.

De acordo com testemunhas, o fogo começou a se propagar, por volta das 13h30m, por causa da explosão de um botijão de gás. Em vinte minutos, vários barracos já tinham sido queimados. Os desabrigados foram levados para o Ciep Juscelino Kubistchek.

Mais uma vez, a luta contra o fogo foi difícil na favela onde a grande maioria dos barracos é de madeira. Quarenta bombeiros foram chamados para controlar o fogo. Chorando muito, Neusa ficou descontrolada ao perceber que sua cadela não conseguiu escapar. Duas pessoas sofreram intoxicação devido ao excesso de fumaça e uma teve escoriações leves na confusão para fugir do fogo. Elas foram levadas para o Hospital Souza Aguiar, onde receberam atendimento médico e logo foram liberadas.

- Eu perdi tudo, o que vai ser agora da minha vida e dos meus filhos? - perguntava Neusa.

Com o início do incêndio, dezenas de moradores de várias localidades de Manguinhos correram para a Vila Turismo para ajudar os bombeiros. O esforço impediu que o fogo se alastrasse.

Pela manhã, técnicos da Defesa Civil estiveram no local para vistoriar os estragos deixados pelo primeiro incêndio. Antes de deixar a favela, eles recomendaram que os moradores saíssem imediatamente de suas casas, mas a maioria não tem para onde ir.

O agente de Desenvolvimento Regional de Manguinhos, Francisco Miranda, explicou que as famílias não foram removidas do local depois do primeiro incêndio porque não se cadastraram junto ao Governo estadual para ganhar casas.

- O Governo vai providenciar locais para essas famílias, mas até agora só 383 se cadastraram. Pelo menos 200 famílias ainda não compareceram - afirmou.

Ele, entretanto, ainda não sabia informar a localização das novas moradias.

Revoltados e exigindo uma ação rápida do Governo, os moradores da Vila Turismo fecharam a Rua José Bulhões com uma barricada de madeira que incendiaram após jogar gasolina. Um Citröen chegou a ser apedrejado pelos manifestantes, mas ninguém se feriu. O protesto foi controlado por policiais do 22º BPM (Olaria), que chegaram a ameaçar a multidão com bombas de efeito moral.

Quatro equipes da Light também estiveram na favela para verificar a rede elétrica, mas não constataram irregularidades.

Maria do Carmo Mendes Alves, de 38 anos, estava inconsolável:

- Eu juntei R$ 30 para passar o réveillon com meus filhos. O dinheiro, minhas roupas e todos os meus móveis foram destruídos. Minha vida desapareceu nas chamas - disse.

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Condomínio dos moradores da areia

Jornal do Brasil, quinta-feira, 3 de fevereiro de 2000

Lixo é fonte de renda de catadores de lata que habitam a orla

CÉSAR BAIMA

Endereço: orla, lado ímpar. A Praia de Ipanema, paraíso de turistas e alegria dos banhistas, também é escritório, quarto, cozinha e banheiro de uma vasta população de areia, para o desespero de freqüentadores e comerciantes da orla. O cenário mundialmente famoso graças à música de Tom Jobim é a fonte do sustento de um exército de catadores de latas, maioria entre os que fazem do local a sua casa. Cena que se repete em Copacabana. A Princesinha do Mar também concentra seu quinhão de moradores que dependem do alumínio para sobreviver. Lixo, para eles, é fonte de renda.

São casos como o de Bluhm Ferreira, 51 anos. Nascido em Itaperuna, Bluhm veio para o Rio há 43 anos. Trabalhava como ladrilheiro até ficar desempregado. Hoje vive de juntar latas, que são vendidas por uma média de R$ 1,30 o quilo (cerca de 65 latinhas). Abrigado sob as palmeiras em frente do número 540 da Vieira Souto, Bluhm aguarda o fechamento dos bares para acumular mais um bocado de alumínio que garantirá sua próxima refeição. "Eu não quero mais emprego para ganhar salário de R$ 130,00. O melhor lugar para se viver é aqui na praia, aqui tem de tudo", garante.

Poluição? Bluhm não acha que a praia ou o mar estejam sujos. Seu banheiro é o mato do Arpoador, "ou então a areia". A única reclamação é com relação aos barraqueiros, que não o deixam pegar as latas das cervejas e refrigerantes por eles vendidos. Polícia, nunca o incomodou.

Poluição - Vindo de Niterói, Nélson da Silva, 22 anos, passa todas as noites em Ipanema, em frente ao 402 da Vieira Souto, acompanhado de todos os seus pertences. Desempregado, vive da caridade alheia, inclusive de seus próprios companheiros de praia, de quem recebe alimentação. Para ele, a areia também não está poluída. "Poluição na praia não tem. Tem é no asfalto". Na hora das necessidades, Nélson não se aperta: "Vai na beira da água mesmo, né?".

Já Sandra Rosa Peçanha, 45 anos, está há pouco mais de um mês morando em uma barraca montada pelo Banco da Providência para receber as latas dos catadores. Ex-doméstica, ela conta ter saído com as filhas Alessandra, 10, e Andressa, 7, da casa que morava em Campo Grande depois de brigar com o marido. "Aqui todo mundo me ajuda. Minhas filhas não ficam com fome", diz.

É justamente a solidariedade entre os moradores da praia o principal motivo de ela ter escolhido o local para ficar. Sandra conta ter uma casa e parentes em Salvador, para onde espera voltar ainda neste fim de semana graças à uma vaquinha feita entre os barraqueiros para a compra das passagens dela e de suas filhas.

Artista - Exceção em meio a regra dos catadores de latas, o artista Wágner de Oliveira Santos, 20 anos, faz esculturas de areia em frente ao 572 da Vieira Souto, onde está há três meses. Ex-morador do Morro do Cantagalo, saiu de casa depois de uma briga com a família. Sobrevive com as doações de pedestres que admiram seu trabalho. O fogão é uma pequena fogueira que monta em frente à barraca onde dorme acompanhado de um ajudante e aprendiz, Wágner de Paula Brasil, 30.

Wágner de Oliveira é o único que reclama da poluição, que, segundo ele, afasta os turistas estrangeiros . Solução? "Só uma limpeza geral mesmo. O governo não faz e fica só prometendo", critica. Já as arenas montadas na areia têm sua total aprovação. "As arenas são boas porque trazem mais pessoas para a praia. E mais pessoas são mais colaborações", comemora.

Em Copacabana o enredo se repete. Ana Maria Pereira Gomes, 53, tem uma casa em Comendador Soares, Nova Iguaçu, mas dorme pelo menos uma vez por semana na areia da praia depois de passar o dia catando latas acompanhada da filha e de um neto. "A praia é o melhor lugar para recolher latas. A gente cata latinha e mora longe, por isso dormimos aqui. Não dá para ir embora".

De mais longe ainda veio Irma Vera Barbosa de Souza, 54. Acompanhada do filho Luciano Barbosa de Souza, 29, Irma chegou de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, no dia 30 de dezembro de 1999. Desenganada, ela veio em busca de tratamento médico para "seis tipos de infecção no sangue". Depois de um período hospedada num hotel no Centro, o dinheiro ficou curto e ela comprou uma barraca de camping que montou em frente à Rua Bolívar, onde dorme com o filho desde de segunda-feira. "O dinheiro acabou e compramos a barraca para economizar nos gastos", conta. Para sobreviver, vendem refrigerantes na praia. Na hora de comer, compram refeições prontas. Como banheiro, os bares e restaurantes da orla.

Reação - A população de areia está provocando a ira dos moradores, freqüentadores e comerciantes da orla. Em Copacabana, o quiosqueiro João Santos, há 10 anos trabalhando em frente à Rua Figueiredo Magalhães, disse que os coqueiros atrás do seu quiosque chegam a abrigar mais de cinco famílias por dia e que elas estão afastando sua clientela. "Os turistas e os moradores sentem medo. Os indigentes pedem dinheiro e, quando o cliente nega, eles ameaçam. Minhas vendas caíram", disse.

Uma moradora da Vieira Souto que preferiu não se identificar disse que não entende como as autoridades ainda não tomaram uma atitude contra a população de areia e que, por causa deles, não vai mais à praia. "Está um horror isto aqui", disse. O turista italiano Gianni Filippi, que está hospedado em Ipanema, tem opinião parecida. "Sei que eles são frutos da pobreza, mas temo que eles tentem me assaltar", disse.

O único morador de areia que é bem vindo pela vizinhança é o escultor de areia Wagner de Oliveira. "As pessoas vem olhar as esculturas dele e acabam consumindo alguma coisa no meu quiosque. Não tenho do que reclamar", afirmou Paulo Soares.

Jornal do Brasil, quinta-feira, 3 de fevereiro de 2000

Lixo é fonte de renda de catadores de lata que habitam a orla

CÉSAR BAIMA

Endereço: orla, lado ímpar. A Praia de Ipanema, paraíso de turistas e alegria dos banhistas, também é escritório, quarto, cozinha e banheiro de uma vasta população de areia, para o desespero de freqüentadores e comerciantes da orla. O cenário mundialmente famoso graças à música de Tom Jobim é a fonte do sustento de um exército de catadores de latas, maioria entre os que fazem do local a sua casa. Cena que se repete em Copacabana. A Princesinha do Mar também concentra seu quinhão de moradores que dependem do alumínio para sobreviver. Lixo, para eles, é fonte de renda.

São casos como o de Bluhm Ferreira, 51 anos. Nascido em Itaperuna, Bluhm veio para o Rio há 43 anos. Trabalhava como ladrilheiro até ficar desempregado. Hoje vive de juntar latas, que são vendidas por uma média de R$ 1,30 o quilo (cerca de 65 latinhas). Abrigado sob as palmeiras em frente do número 540 da Vieira Souto, Bluhm aguarda o fechamento dos bares para acumular mais um bocado de alumínio que garantirá sua próxima refeição. "Eu não quero mais emprego para ganhar salário de R$ 130,00. O melhor lugar para se viver é aqui na praia, aqui tem de tudo", garante.

Poluição? Bluhm não acha que a praia ou o mar estejam sujos. Seu banheiro é o mato do Arpoador, "ou então a areia". A única reclamação é com relação aos barraqueiros, que não o deixam pegar as latas das cervejas e refrigerantes por eles vendidos. Polícia, nunca o incomodou.

Poluição - Vindo de Niterói, Nélson da Silva, 22 anos, passa todas as noites em Ipanema, em frente ao 402 da Vieira Souto, acompanhado de todos os seus pertences. Desempregado, vive da caridade alheia, inclusive de seus próprios companheiros de praia, de quem recebe alimentação. Para ele, a areia também não está poluída. "Poluição na praia não tem. Tem é no asfalto". Na hora das necessidades, Nélson não se aperta: "Vai na beira da água mesmo, né?".

Já Sandra Rosa Peçanha, 45 anos, está há pouco mais de um mês morando em uma barraca montada pelo Banco da Providência para receber as latas dos catadores. Ex-doméstica, ela conta ter saído com as filhas Alessandra, 10, e Andressa, 7, da casa que morava em Campo Grande depois de brigar com o marido. "Aqui todo mundo me ajuda. Minhas filhas não ficam com fome", diz.

É justamente a solidariedade entre os moradores da praia o principal motivo de ela ter escolhido o local para ficar. Sandra conta ter uma casa e parentes em Salvador, para onde espera voltar ainda neste fim de semana graças à uma vaquinha feita entre os barraqueiros para a compra das passagens dela e de suas filhas.

Artista - Exceção em meio a regra dos catadores de latas, o artista Wágner de Oliveira Santos, 20 anos, faz esculturas de areia em frente ao 572 da Vieira Souto, onde está há três meses. Ex-morador do Morro do Cantagalo, saiu de casa depois de uma briga com a família. Sobrevive com as doações de pedestres que admiram seu trabalho. O fogão é uma pequena fogueira que monta em frente à barraca onde dorme acompanhado de um ajudante e aprendiz, Wágner de Paula Brasil, 30.

Wágner de Oliveira é o único que reclama da poluição, que, segundo ele, afasta os turistas estrangeiros . Solução? "Só uma limpeza geral mesmo. O governo não faz e fica só prometendo", critica. Já as arenas montadas na areia têm sua total aprovação. "As arenas são boas porque trazem mais pessoas para a praia. E mais pessoas são mais colaborações", comemora.

Em Copacabana o enredo se repete. Ana Maria Pereira Gomes, 53, tem uma casa em Comendador Soares, Nova Iguaçu, mas dorme pelo menos uma vez por semana na areia da praia depois de passar o dia catando latas acompanhada da filha e de um neto. "A praia é o melhor lugar para recolher latas. A gente cata latinha e mora longe, por isso dormimos aqui. Não dá para ir embora".

De mais longe ainda veio Irma Vera Barbosa de Souza, 54. Acompanhada do filho Luciano Barbosa de Souza, 29, Irma chegou de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, no dia 30 de dezembro de 1999. Desenganada, ela veio em busca de tratamento médico para "seis tipos de infecção no sangue". Depois de um período hospedada num hotel no Centro, o dinheiro ficou curto e ela comprou uma barraca de camping que montou em frente à Rua Bolívar, onde dorme com o filho desde de segunda-feira. "O dinheiro acabou e compramos a barraca para economizar nos gastos", conta. Para sobreviver, vendem refrigerantes na praia. Na hora de comer, compram refeições prontas. Como banheiro, os bares e restaurantes da orla.

Reação - A população de areia está provocando a ira dos moradores, freqüentadores e comerciantes da orla. Em Copacabana, o quiosqueiro João Santos, há 10 anos trabalhando em frente à Rua Figueiredo Magalhães, disse que os coqueiros atrás do seu quiosque chegam a abrigar mais de cinco famílias por dia e que elas estão afastando sua clientela. "Os turistas e os moradores sentem medo. Os indigentes pedem dinheiro e, quando o cliente nega, eles ameaçam. Minhas vendas caíram", disse.

Uma moradora da Vieira Souto que preferiu não se identificar disse que não entende como as autoridades ainda não tomaram uma atitude contra a população de areia e que, por causa deles, não vai mais à praia. "Está um horror isto aqui", disse. O turista italiano Gianni Filippi, que está hospedado em Ipanema, tem opinião parecida. "Sei que eles são frutos da pobreza, mas temo que eles tentem me assaltar", disse.

O único morador de areia que é bem vindo pela vizinhança é o escultor de areia Wagner de Oliveira. "As pessoas vem olhar as esculturas dele e acabam consumindo alguma coisa no meu quiosque. Não tenho do que reclamar", afirmou Paulo Soares.

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Entrevista - Luiz Paulo Conde (ex-prefeito do Rio de Janeiro)

Jornal O Globo, domingo, 20 de fevereiro de 2000

ENTREVISTA - Luiz Paulo Conde 

A praia não está pior que ano passado

Para o prefeito, o excesso de casuísmo protege a Cedae e a falta de pragmatismo


Luiz Paulo Conde está prefeito do Rio. E gosta tanto que é candidato à reeleição. Mas, antes de tudo, Conde é arquiteto, apaixonado por todas as possibilidades de intervenção do espaço urbano. Projetos não lhe faltam e ele não tem medo de comprar briga para pôr em prática suas idéias. O prefeito-arquiteto, de 65  anos e 41 de profissão, cita Nova York e Paris como exemplos de metrópoles que estão sempre se modificando - e se revitalizando. O contrário do que acontece no Rio onde, acusa, interesses políticos protegem a ineficiência da Cedae e o discurso "verde" só facilita a favelização. Apesar de se definir como veemente, Conde não se considera dono da verdade - está pronto para mudar de opinião se tiver um interlocutor capaz de convencê-lo disso.


Gustavo Vieira e Mariza Tavares


O GLOBO: Quais são os obstáculos que a cidade vem enfrentando para crescer?

LUIZ PAULO CONDE: O Rio de Janeiro precisa de um debate mais racional, mais técnico e menos político. Acho que, na hora de estabelecer diretrizes para a cidade, perdeu-se a oportunidade de discutir o mérito das coisas. O Shopping do Flamengo, por exemplo. Fica numa zona difícil, no Leblon, cheia de mendigos, de difícil controle urbano. Ali não existe nada e foram cumpridas as exigências necessárias. Mas o projeto emperrou, não anda. A cidade tem que progredir, tem que avançar, o que não está acontecendo.

· O senhor acha que a cidade estaria sofrendo de um certo imobilismo por conta das entidades que entram na Justiça contra a Prefeitura?

CONDE: O que acontece é que não existe um discurso pragmático. O Rio é muito politizado para tudo. Quando se governa, a gente faz alguns gols; outros não se consegue fazer. Mas é preciso mostrar que há um excesso de ações que inibem qualquer iniciativa. No Governo Chagas Freitas, foi criada uma lei segundo a qual não se pode abrir ruas acima de 60 metros, o que proibia todos os loteamentos da Gávea e São Conrado que subissem pelas encostas. O Que aconteceu? Só a Rocinha cresceu. Então, só há uma ação econômica nas encostas, que é a favela. Imagine o herdeiro de uma casa no Alto da Boa Vista. Ele tem uma casa enorme e não pode dividir em apartamentos. Não vai aumentar um centímetro de área ocupada. Se quiser fazer uma clínica geriátrica, não pode. No Rio, essas residências estão condenadas a virar cortiço. Já me deparei com uma procuradora que me disse: "Eu não li o projeto e não gostei. Há uma união entre o discurso verde e as associações de favelas e nada acontece. A gente impede o crescimento das favelas, mas não dá para controlar tudo. Hoje, os favelados agem por baixo da mata e constroem sem que percebamos. Isso vem acontecendo na própria Rocinha.

· As associações de moradores quase sempre reagem mal às mudanças?

CONDE: O shopping no prédio da Sears, em Botafogo: a primeira coisa foi a associação de moradores se manifestar contra. Depois de inaugurado, todos estão satisfeitos. Aquilo estava um horror e, agora, os cinemas têm o maior movimento. Mais que os de Downtown, na Barra da Tijuca. Lazer, compras, ar-condicionado, estacionamento. O mesmo acontece com o prédio da Fundação Getúlío Vargas, que é inclusive menor do que poderia ser por lei.

. Que projetos estão parados por conta deste imobilismo?

CONDE: Muitos estão atrasados, como o Túnel da Grota Funda, a Via Parque, o Túnel do Leblon, por exemplo.  A Via Parque é um projeto maravilhoso, feito em parceria com empresários, que vai permitir a fiscalização das lagoas da Barra, atualmente mais assoreadas que a Rodrigo de Freitas. Aquela área é de difícil fiscalização e está cheia de invasões. Geraria um parque lindíssimo, além de diminuir o engarrafamento na Avenida das Américas. Tem também o tombamento que o Marcello Alencar fez, no último minuto do seu Governo, do prédio da Conab, na Praça Quinze. Eu sou um camarada democrático, sou a favor da discussão, mas acho que não estamos sendo pragmáticos. Tenho 65 anos, moro no Rio desde que nasci, e me entristece ver que esse atraso todo vai fazer mal à cidade. Vamos poluir mais as lagoas, as praias, os cartões postais. Pergunte ao empresário por que ele botou a fábrica em Campinas. Porque a cidade tem uma malha viária muito boa, entendeu? O carioca tem que ter um discurso diferente, porque se não tivesse a Linha  Amarela seria muito pior para a cidade. Política no Brasil se  faz assim - se alguém puder impedir, tenta. Algo como: vamos impedir que o Conde faça, porque, se deixar, ele vai aparecer muito.

· Foi o que aconteceu com o prédio da Conab?

CONDE: Vamos tentar impedir, por que não? É claro que maternidade pode ser transferida sem problemas, porque há vagas em outros hospital da rede municipal. Aquele lugar não é nem um ponto bom para uma maternidade. Além disso, tem a questão do tratamento de esgoto, que acaba sendo despejado na Baía de Guanabara. Um horror!

· E o caso do Túnel do Leblon?

CONDE: A Prefeitura está desde 98 sem resposta, ou seja, só, pode ser uma questão política. Há um problema de equação: temos cada vez mais carros, então é preciso criar acessos. Se alguém tiver uma solução melhor, que apresente. Acho que a discussão acaba sendo contra o automóvel, ao mesmo tempo em que o Brasil .
está cheio de indústrias automobilísticas se instalando e apostando no crescimento do país. A política do Governo federal é automóvel. A renda per capita da Espanha é de US$ 15 mil; a do Brasil, em torno de US$ 3 mil. E a Espanha está toda cortada por malha rodoviária. Essa é a realidade. Eu não me sinto perseguido, sou bem avaliado pela população. Tenho pena é de que certas obras não se realizem. Não dá é para transformar a discussão sobre o Túnel do Leblon na discussão sobre o transporte de massa no Brasil. Pode ser interessante, mas não é o foco da questão.

· Com o relevo que a cidade tem, o Rio pode prescindir de túneis?

CONDE: O Rio não tem jeito sem túneis. O Rebouças, por exemplo: se não existisse, seria complicado. Claro que mudou o comportamento da Zona Sul, transformou Ipanema e Leblon em bairros de serviços. Assim como o metrô está mudando aquela área de Copacabana. Mas a transformação é sempre positiva. Não mexer é que deteriora. Houve coisas erradas, hoje não se faria a torre do Rio Sul, mas também há muito mais controle.

· Para onde o Rio cresce? 
CONDE: Basta olhar no mapa  Jacarepaguá, Recreio e Barra da Tijuca são as áreas que mais crescem. Só da Zona Sul, já migraram mais de 150 mil pessoas para esta região nos últimos 20 anos. Aí as pessoas ficam dizendo que é preciso que o metrô ligue o Leblon à Barra. Só que não existe esta demanda. Eu me preocupo é com uma ligação viária da Zona Sul para a Barra da Tijuca; a metroviária pára em Copacabana e não precisa ir além. O metrô para a Barra tem que vir da Zona Norte. Aí, sim, eu atendo à população que vai trabalhar, que vem do subúrbio e da Baixada Fluminense.

· O carioca está sendo pouco generoso com a cidade?

CONDE: Eu tento mostrar que são coisas importantes que estão sendo deixadas de lado. Não estou agindo apenas como prefeito, mas também com a experiência de arquiteto e professor.

· A questão do meio ambiente não será crucial nas eleições municipais?

 CONDE: A praia não está pior do que estava no ano passado. Pelos nossos dados de coleta, é a mesma coisa. O que acontece no Rio de Janeiro é o seguinte: do Leblon até a Penha, é preciso trocar todas as tubulações de esgoto. Está tudo podre. Quando a gente fez o Rio Cidade de Copacabana, as manilhas dos prédios antigos  estavam quebradas. Então, o cocô ia direto para a calçada, para a areia. Todo mundo sabe disso. Mas você já viu esses deputados que defendem o meio ambiente entrarem com alguma ação contra a Cedae? É casuísmo puro. Quando entrei no Governo Cesar Maia, queria combater a Cedae e todos  foram contra. Eu era voto vencido, porque tinha uma visão técnica, e não política.

. E qua1 a posição do governador Anthony Garotinho em relação à Cedae?

CONDE: Ele quer mudar. Sabe que não tem saída. Mas está num partido onde a base resiste. Avançar nesta área é uma dificuldade. Democracia é isso. É uma pena que, ao longo é dos anos, tenhamos perdido não só bons quadros, mas também a discussão de qualidade, sem casuísmo.

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Chuva mata 3 crianças

Jornal O globo, sexta-feira, 18 de fevereiro de 2000

Chuva mata três crianças

A chuva ininterrupta que começou a cair anteontem à noite matou três crianças no estado e deixou estragos por toda a cidade: desabamentos, ruas alagadas, esgoto nas praias e um protesto que interditou a Linha Amarela por mais de três horas e meia. No fim da tarde de ontem, após quase 24 horas de precipitação, a Defesa Civil contabilizava, além das três mortes, três feridos e um desaparecido, quase mil desalojados e 154 chamados por deslizamentos e inundações.

Duas das crianças morreram em desabamentos - Carolina de Assis, de 11 anos, no Engenho de Dentro; e Fabiano Etiene, de 4, no Engenho da Rainha. A outra - Bruno Fernandes da Silva, de 11 - morreu atingida por um raio enquanto jogava bola em Silva Jardim, a 60 quilômetros do Rio. Carolina foi soterrada por um muro da casa vizinha, que caiu sobre o quarto da mãe da menina, onde ela dormia e morreu asfixiada. Já Fabiano estava deitado com os avós, no quarto deles, quando o telhado começou a cair. Ele chegou a ser socorrido no Posto de Assistência Médica (PAM) de Del Castilho, mas acabou morrendo.

Em Niterói, uma pedra caiu sobre duas casas no bairro de Ponta D’Areia, ferindo três pessoas: Arlindo Souza, de 44 anos; Eliezer de Abreu, de 39; e Inácio Barbosa, de 62. Uma mulher está desaparecida e pode estar soterrada.

Na Linha Amarela, os transtornos causados pela chuva foram acentuados pelo protesto. Revoltados com a inundação de suas casas, moradores de quatro favelas que margeiam a via expressa bloquearam as duas pistas no início da manhã, ateando fogo a colchões e móveis que perderam com a enchente do Rio Faria-Timbó. Por medida de segurança, a concessionária da Linha Amarela, a Lamsa, decidiu interditar o trânsito em toda a extensão da via das 5h às 8h30m, tumultuando o trânsito na Barra e em parte da Zona Norte na hora do rush.

Creche inundada seria inaugurada hoje

Nas quatro favelas, situadas na altura de Del Castilho, pelo menos dez barracos foram destruídos. A creche Casa da Criança Funarj, na Favela União Del Castilho - destruída por um temporal há dois anos, recuperada no ano passado e que seria reinaugurada hoje - foi novamente inundada. Cenários e figurinos do Teatro Municipal que ficam guardados num galpão ao lado da creche também foram perdidos.

A água começou a entrar nas casas das favelas, que estão num nível mais baixo que a pista, pelos ralos e vasos sanitários e, pouco depois, pela enchente do Rio Faria-Timbó. Em poucos minutos, os moradores tiveram que abandonar as casas.

- Estava dormindo e acordei com a água molhando as crianças. Peguei meus cinco filhos e corri com eles. Quando voltei, minha casa tinha desabado - contou Maria Inez Braz da Silva, que mora ali há 11 anos e afirma que as enchentes começaram depois da construção da Linha Amarela.

Quando a água baixou, ainda no fim da noite de anteontem, os moradores voltaram para ver os estragos. E, revoltados, passaram a levar para a pista os objetos e móveis danificados pela enchente. Policiais da 8ª Companhia da Polícia Militar conseguiram evitar o bloqueio da via. Mas, por volta das 5h, um grupo ateou fogo a móveis e colchões, conseguindo fechar as pistas. O trânsito no sentido Fundão só foi liberado às 8h30m e, no sentido Barra, uma hora mais tarde.

Os moradores argumentam que as obras de drenagem do Rio Faria-Timbó foram mal feitas, o que a secretária de Obras do município, Ângela Fonti, nega. À tarde, porém, o prefeito Luiz Paulo Conde reconheceu os problemas e disse que ainda hoje começam novas obras de drenagem.


Secretária bate boca com morador

Sem dormir havia 24 horas, o auxiliar de distribuição de jornais Marcelo Barbosa, presidente da Associação de Moradores da Favela do Guarda e União Del Castilho, não se conteve ao ouvir a secretária de Obras Ângela Fonti responsabilizar os moradores das favelas pelos problemas de escoamento na Linha Amarela. Os dois travaram um diálogo ríspido. Enquanto Marcelo apontava para erros na execução do projeto, Ângela criticava invasões recentes e o lixo jogado no Rio Faria pela comunidade. Ao fundo, dezenas de moradores incentivavam Marcelo e vaiavam e xingavam Ângela. No bate-boca, a secretária criticou a violência do protesto.

- Fizemos uma manifestação pacífica. Fechamos a pista porque era a única forma de fugirmos da enchente - respondeu Marcelo.

 

- Mas no verão acontecem chuvas fortes. Pedimos que as pessoas saiam das áreas de risco - disse Ângela.

- Mas nós correríamos para onde, se estava tudo alagado? - quis saber o morador.

- A Prefeitura trabalha aqui, mas não adianta. Fizemos a canalização do rio, mas jogam lixo - acusou Ângela.

- Não adianta canalizar o rio. A água volta e inunda as casas - disse ele.

- A água volta e pega o fundo das casas que a Prefeitura tira. Mas invadem de novo. Vocês precisam nos ajudar - pediu a secretária.

- Quantas vezes eu já recorri ao subprefeito! Mas nem terminar a urbanização da margem da Linha Amarela a Prefeitura terminou - rebateu Marcelo.

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Uma ação para salvar o Plano Lucio Costa

 

Jornal O Globo, domingo, 19 de março de 2000


Selma Schmidt

O Plano Lúcio Costa, que desenhou a Baixada de Jacarepaguá em 1969, volta à berlinda esta semana. Representantes da Associação de Moradores e Amigos da Barra da Tijuca (AMA-Barra) pedirão ao procurador-geral de Justiça, José Muiños Piñeiro Filho, que o Ministério Público faça uma vistoria geral nas obras licenciadas pela Prefeitura no bairro, durante a administração do prefeito Luiz Paulo Conde. A AMA-Barra solicitará ainda a Piñeiro que acolha representação da equipe de meio ambiente do MP e instaure ação argüindo a inconstitucionalidade da lei que criou a Operação Interligada. O mecanismo tem sido usado principalmente na Barra para alterar gabaritos e outros padrões urbanísticos mediante pagamento ao município.

- Para tudo arranjam um jeitinho. Com operações interligadas e até através de licenças especiais o processo de alteração do Plano Lúcio Costa não pára. Estão dando a derrocada derradeira no que resta do projeto - lamenta Cláudio Becker, diretor da AMA-Barra.

Entre as mudanças recentes, Becker chama a atenção para a licença especial que autorizou a construção de postos de gasolina no Itanhangá e no entroncamento das avenida das Américas e Ayrton Senna, na Barra. Uma obra em andamento em área destinada a parque público, ao lado do Barra-Point, também preocupa a AMA-Barra.

Segundo levantamento feito por vereadores, desde 1994 a Secretaria municipal de Urbanismo aprovou pelo menos 45 operações interligadas, das quais 25 foram para alterar a legislação urbanística da Baixada de Jacarepaguá (Barra, Recreio e Vargem Grande). Das 19 operações aprovadas a partir de 97, parlamentares identificaram que 18 alteram o Plano Lúcio Costa.

- Os vereadores apresentaram vários projetos de decreto legislativo para tentar anular os decretos aprovando operações interligadas. Mas não conseguimos derrubar nenhum deles. A Câmara tem um prazo de 60 dias, após a publicação do decreto, para anulá-lo. Só que os projetos ficam parados nas comissões - reclama o vereador Eliomar Coelho (PT), da Comissão de Urbanismo da Câmara..

Também não foi adiante o projeto de lei apresentado pelo vereador Otávio Leite (líder do PSDB), em 97, definindo regras claras para a realização de audiências públicas, realizadas antes de a operação interligada virar decreto. O projeto ainda está em tramitação, enquanto as audiências são convocadas através do Diário Oficial, passando despercebidas aos olhos dos vizinhos das áreas que são objeto das operações interligadas.

Entre os mais recentes decretos permitindo operações interligadas em 99 está o que alterou o uso de uma área na Barra para permitir a construção de um shopping-center (decreto 17.606/99). Em outubro do ano passado, o decreto 18.005 autorizou o aumento do gabarito, de cinco para nove pavimentos de um terreno na Avenida Sernambetiba.

Uma das operações envolvendo recursos mais altos permitiu o aumento de cinco para 15 andares no gabarito de quatro de oito prédios residenciais na Avenida Sernambetiba (próximo ao número 3.200). Como contrapartida, o empreendedor teve de pagar R$ 4,5 milhões.

- O que está havendo é uma adaptação do Plano Lúcio Costa. Ele garantiu um planejamento, mas precisa ser adaptado à medida que a cidade muda - alega o presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosky.

Mas a Sernambetiba foi uma das áreas que mais se distanciaram do pensamento de Lúcio Costa. Ele pretendia mantê-la rústica, com pista única e com prédios residenciais de dois andares e hotéis de cinco pavimentos (à exceção dos edifícios existentes em 69 e do trecho próximo à Avenida Ayrton Senna). Só que, já em 76, o decreto 3.046 passou a permitir a construção de apart-hotéis e hotéis com o mínimo de oito e o máximo de 15 pavimentos. Em 85, a construção de apart-hotéis foi suspensa.

- Só que os construtores conseguiram aprovar prédios residenciais com serviços, como é o caso do Alfa Barra - diz Canagé Vilhena da Silva, presidente do Sindicato dos Arquitetos do Rio.

Em outubro do ano passado, Conde aprovou lei recriando os apart-hotéis. Desde então, a Secretaria de Urbanismo licenciou dois na Barra (Avenida Sernambetiba) e um no Recreio. Há outros seis pedidos de licença no Recreio.

Criado no Governo Negrão de Lima, o Plano Piloto foi detalhado por um grupo que concluiu o trabalho em 1976 (decreto-lei 42). De lá para cá, ele foi se distanciando de seus conceitos originais, afirma o professor Gerônimo Leitão, que lançou recentemente o livro "A construção do eldorado urbano", sobre as alterações no Plano Piloto até 1988, e que prepara um novo volume analisando os anos 90.

- Lúcio Costa projetou um modelo de cidade que concilie meio ambiente e urbanização. Mas um plano não pode ser uma camisa de força e nem todas as alterações feitas foram negativas - alega Gerônimo.

Entre as mudanças que condena, o professor cita a autorização dada por Conde para a construção de mais de cem prédios no local conhecido como Saco e Saquinho, vizinho à Lagoa da Tijuca. O espaço foi definido como de preservação por Lúcio Costa.

- Na Barra, a década de 70, se caracterizou pela construção de condomínios, a de 80 pelos shopping-centers e a de 90 pelos centros empresariais. Acho que a Barra continua com cara de Barra e não vai virar uma Copacabana. Mas está caminhando para um novo processo de emancipação - comenta Gerônimo


Idéias do arquiteto

"A melhor forma de prever é olhar para trás".

Durante o lançamento do Plano Piloto.

"A questão principal a ser abordada (no plano) é a estruturação urbana definitiva da cidade-estado".

Comentário sobre o Centro Metropolitano que projetou

"Aliás, a (área) litorânea não se deve transformar em avenida de mão dupla, com canteiro central e retorno. Deve, pelo contrário, ser mantida rústica para integrar-se no ambiente agreste que importa preservar".

Comentário sobre a Avenida Sernambetiba

"A única certeza do urbanista é que raramente as cidades obedecem a seus traçados".

Durante CPI da Câmara de Vereadores sobre o Plano Piloto, em 1984

"Isso começou a me estrangular como consultor especial da Sudebar, pois as deliberações importantes são tomadas sem que eu seja ouvido".

Desabafo sobre o seu afastamento da Superintendência de Desenvolvimento da Barra (Sudebar).


Como a legislação é alterada

OPERAÇÕES INTERLIGADAS: Lei (número 2.128) criada em abril de 1994 que permite a alteração de padrões urbanísticos, tais como gabarito, área total construída e tipo de edificação. A contrapartida para o acordo é dada em dinheiro, obras ou serviços. Os recursos devem ir para o Fundo municipal de Desenvolvimento Urbano para serem aplicados em obras de infra-estrutura urbana, na construção de casas para a população de baixa renda e na recuperação do meio ambiente ou do patrimônio cultural. As operações interligadas são aprovadas através de decretos do prefeito. A Câmara de Vereadores tem 60 dias, após a publicação do ato no Diário Oficial, para aprovar decreto legislativo cancelando a operação. Mas nenhum dos projetos de decreto legislativo foi aprovado.

APART-HOTÉIS: A Lei Complementar 41, de outubro do ano passado, voltou a permitir a construção de apart-hotéis, suspensa desde 1985. Desde então, a Secretaria municipal de Urbanismo licenciou dois apart-hotéis na Barra (Avenida Sernambetiba 3.200 e 880) e um no Recreio (Avenida Ailton Henrique Costa 50). Há seis outros pedidos de licença para a construção de apart-hotéis no Recreio sendo analisados pela Prefeitura.

LICENÇAS ESPECIAIS: Através dessas autorizações, a Prefeitura altera a legislação. É o caso de licenças para a construção de postos de gasolina na Avenida das Américas (Barra) e no Itanhangá. As Faculdades Veiga de Almeida também conseguiram licença para se instalar no Clube Marapendi.

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Zona Sul dá um basta às invasões de encostas  

Jornal o Globo, domingo, 2 de abril de 2000

Selma Schmidt

Moradores da Zona Sul querem pôr um ponto final nas invasões e no desmatamento dos morros da Saudade e dos Cabritos - que compõem a paisagem de Lagoa, Copacabana e Botafogo - e preparam um abaixo-assinado para encaminhar ao Ministério Público estadual nos próximos dias. Eles entendem que a solução definitiva para conter a ocupação irregular passa pela delimitação de uma área de proteção ambiental (APA) e pela criação de três parques. Vão pedir ao MP que pressione a Prefeitura a aperfeiçoar a legislação e a fazer a vigilância da região, para impedir novas agressões ao meio ambiente e que o processo de favelização se volte para o lado da Lagoa.

Mas a Prefeitura garante que está agindo e anuncia a derrubada de 68 casas construídas na encosta dos Cabritos e da Saudade. O subprefeito do Grande Flamengo, Marcelo Maywald, diz que será feita em maio a desocupação de 21 casas da favela conhecida como Mangueira II, construídas ilegalmente no Morro da Saudade, na altura dos números 59 da Rua Pinheiro Guimarães e 9 da Rua Real Grandeza. Já o programa Favela-Bairro no Morro dos Cabritos está instalando marcos de metal - interligados por cabos de aço - e placas para demarcar os trechos de encosta a partir dos quais as favelas existentes na área não poderão crescer. De fora dos marcos estão 47 casas, que irão abaixo.

Mas a legislação continuará capenga no curto prazo. A única APA delimitada e com parâmetros urbanísticos definidos é a do Sacopã (abrange parte da encosta). A APA dos morros da Saudade e dos Cabritos foi criada por lei em 1992, mas sua delimitação ainda não foi feita. A mesma lei autoriza a implantação dos parques da Saudade e José Guilherme Merquior, que também não foram criados. O Parque Florestal da Saudade foi criado informalmente (sem qualquer lei ou decreto) em 1988 e acabou fechado.

- Uma das dificuldades para delimitar a APA da Saudade e dos Cabritos e criar os parques é descobrir a titularidade dos imóveis. Poucos são municipais. Teremos de desapropriar os imóveis e indenizar os proprietários - diz Bontempo.

Outro empecilho são os recursos.

- A delimitação da APA e a criação de novos parques terão que ficar para o ano que vem. Este ano, na Zona Sul, estamos gastando R$ 1,3 milhão para construir o Parque Penhasco Dois Irmãos e R$ 1,5 milhão para reformar o Parque da Cidade - informa a responsável pela Secretaria de Meio Ambiente na Zona Sul, Marília Sampaio.

Só que os moradores da Zona Sul não estão dispostos a abrir mão da delimitação da APA e da implantação dos parques. Representantes de associações de moradores da Lagoa estiveram com o prefeito Luiz Paulo Conde duas vezes no ano passado. Como os entendimentos não avançaram, uniram-se a associações de Botafogo, Leblon, Jardim Botânico, Horto, Laranjeiras, Fonte da Saudade e Humaitá para recorrer ao MP.

Legislação à parte, o Favela-Bairro instalou até agora 1.980 metros de cerca para delimitar a área do Morro dos Cabritos a partir da qual as favelas (Tabajaras e Seiscentos, entre outras) não poderão se expandir. A previsão da Secretaria de Habitação é concluir a instalação dos 811 metros de marcos e cabos de aço restantes em dois meses. O órgão acredita que em julho o morro entrará em obras de urbanização, que deverão custar R$ 6,3 milhões e beneficiar 2.743 pessoas. As 47 famílias que se encontram fora do espaço permitido serão reassentadas dentro da comunidade.

A invasão mais recente na região ocorreu no trecho da encosta do Morro da Saudade de frente para as ruas Pinheiro Guimarães e Real Grandeza, em Botafogo. É nesse ponto que o subprefeito Marcelo Maywald promete demolir 21 casas. Segundo ele, todos os moradores foram notificados:

- Trata-se de uma área de proteção ambiental e de risco - explica o subprefeito.

A presidente da Associação de Moradores de Botafogo, Regina Chiaradia, observa que a repressão às invasões nos morros dos Cabritos e da Saudade não pode se limitar às invasões de pobre:

- É preciso reprimir as invasões de rico, que também ocorrem nesses morros - afirma Regina.


O que diz a Lei

APA DO SACOPÃ: O decreto 6.231, de 1886, limita a ocupação do espaço (10% do lote, no caso dos terrenos acima da curva de nível de cem metros). O uso da área é restrito a residências, que não podem ter mais de mais de 11 metros de altura (três andares). Os trechos de encosta com declividade igual ou superior a 45 graus são considerados de proteção à vida silvestre e sua vegetação deve ser mantida intacta.

APAs DOS MORROS DOS CABRITOS E DA SAUDADE: A lei 1.912, de 1992, proíbe extração, corte e retirada de cobertura vegetal, a caça e o uso de fogo. Essa lei, no entanto, depende de regulamentação para delimitações definitivas e padrões urbanísticos.


 

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Uma ameaça no alto do túnel

Jornal do Brasil, Cidade, Domingo, 23 de abril de 2000

Laudo geotécnico aponta infiltrações na galeria que põem em risco casas erguidas irregularmente em morro do Centro

MARCELO AMBROSIO

Se a Prefeitura medisse em um painel de controle a situação das encostas sobre cada um dos vários túneis da cidade, as luzes de advertência certamente estariam acesas para a área junto ao Túnel Martim de Sá. Logo acima da galeria, de 317 metros de extensão - entre as ruas Frei Caneca e Henrique Valadares, no Centro -, a encosta totalmente ocupada por casas tornou-se motivo de preocupação para a Prefeitura, que prepara um programa intensivo de remoções e estuda um pedido de instalação de equipamentos de monitoramento no morro.

O programa, que acaba de entrar na fase de levantamento jurídico, foi centralizado na subprefeitura do Centro e começou após a elaboração de um laudo técnico, pela Fundação GeoRio, durante os trabalhos de recuperação estrutural do túnel, realizados pela Secretaria Municipal de Obras em meados do ano passado. O relatório, produzido pelo gerente de geologia da fundação, Cláudio Amaral, informa sobre a presença de infiltrações de água com areia na galeria, provenientes do morro.

Erosão - Como o Túnel Martim de Sá é a único do Rio escavado exclusivamente em solo, a erosão causada pela água dentro do morro - que, de acordo com a SMO, hoje se encontra tecnicamente canalizada nas paredes da galeria - representa, para o geólogo da GeoRio, em prazo não determinado, uma ameaça potencial e invisível à estabilidade de dezenas de casas erguidas na encosta. Um problema concentrado especialmente acima da entrada do túnel, pela Rua Frei Caneca, aberta ao tráfego em 1977 depois de 8 anos de obras conturbadas. "Precisamos estabelecer ali uma instrumentação para ter noção exata do que está acontecendo", avalia Cláudio Amaral.

Parque - Entra em cena, então, um sério complicador. De acordo com levantamento feito pela Secretaria Municipal de Habitação, boa parte dos imóveis ali se encontra em situação irregular por ocuparem a área do Parque Municipal Paula Matos. O parque foi criado em 1980, mas jamais chegou a ser implantado: antes disso a área foi invadida por construções que estão chegando ao terceiro andar. Uma proliferação de casas que assusta os técnicos que defenderam a criação do parque, idealizado justamente como uma área de segurança dentro de uma encosta com um histórico de problemas de estabilidade.

Imóveis - Na operação conjunta que está sendo concentrada pelo subprefeito do Centro, Augusto Ivan de Freitas, a prefeitura pretende agir tão logo os estudos permitam. "Os laudos dizem que, a longo prazo, a presença daquelas casas sobre a encosta pode afetar a estrutura do túnel", avalia Augusto Ivan. Embora ainda não se use a palavra risco, a praxe da prefeitura é remover imóveis sempre que uma situação como essa é constatada. Será uma tarefa nada simples, uma vez que são dezenas de processos de desocupação correndo na Justiça.

Fissuras - De imediato, o que os técnicos desejam é manter todo o complexo sob observação, para saber exatamente onde concentrar os trabalhos. Ou recomeçá-los, após a restauração. Porém, de acordo com o gerente de geologia da GeoRio, ainda faltam elementos para uma avaliação conclusiva se a carga acima do túnel já é ou não excessiva. "Esse fenômeno pode ser um sinal de reativação dos graves problemas que ocorreram ali na década de 70. Precisamos monitorar a passagem de água no túnel, ver que tipo de material exatamente está sendo carregado e observar se existem fissuras no concreto e também nas casas que estão acima", conclui.

Estabilidade comprometida

Poucas obras de grande porte deram tanta dor de cabeça aos engenheiros quanto o Túnel Martim de Sá. A escavação iniciada no fim da década de 60 sofreu com desmoronamentos de galerias, infiltrações e até um problema nunca visto: quando estava quase pronto, o túnel teve o chão erguido.

A origem de tantos problemas está ligada à composição da encosta. "Trata-se de um tipo de solo resultante da decomposição de rocha conhecido como saprolito gnáissico", explica o professor do Programa de Engenharia Civil da Coppe-UFRJ, Willy Alvarenga Lacerda. Lacerda conta que o saprolito possuía boa resistência, mas teve características alteradas pela da água.

Cortado por veios de quartzo, o solo teve a estabilidade comprometida quando um desses veios drenou para a galeria toda a água do maciço. Há relatos, em 1977, de uma cachoeira - com vazão de 1.200 l/hora.

Descompressão - A maior dificuldade foi enfrentar o levantamento do chão em 80 cm. "O túnel subiu porque a água infiltrada inchou o solo e o descomprimiu, reduzindo a resistência, que era de escala 70, para apenas 5", explica Lacerda. Para se ter uma idéia da alteração, solos com resistência acima de 50 são considerados rígidos para os padrões da engenharia. "Graças a essas mudanças, surgiram trincas nas casas em cima, que foram removidas. Pedimos que a área fosse declarada non aedificandi."

A solução aplicada no túnel foi diferente da proposta pelo engenheiro da Coppe. Lacerda e seu colega Mauro Werneck sugeriram que fosse construído um arco invertido no chão, para equilibrar a pressão sobre as paredes. Os engenheiros da obra, no entanto, optaram por outro sistema: a fixação por 317 cabos de aço cravados na rocha - a 35 m de profundidade - de 106 placas de concreto no chão. Cada uma tinha 45 centímetros de espessura, 3 m de largura e 12 de comprimento.

Parque só no papel

A ocupação, na encosta do morro de Santa Teresa, acima do túnel Martim de Sá, é, aos olhos da lei, completamente irregular. De acordo com o decreto n° 2522, de 5/3/1980, assinado na gestão do prefeito Israel Klabin, o que deveria existir naquela área era o Parque Municipal Paula Matos.

A área verde, de 16.676 metros quadrados, delimitados pelas ruas Paula Matos, no alto, do Paraíso, José de Alencar e Ladeira Frei Orlando, foi invadida ao longo da década de 80, mesmo estabelecida pelo Projeto de Alinhamento (PA) n° 10.180 justamente pelas restrições a qualquer tipo de construção impostas por instabilidades detectadas na construção. Um área urbanizada, com um campo de futebol, junto ao Elevado 31 de Março - conhecido como Elevado do Santo Cristo - é o que restou desse projeto.

Estudos - A preocupação deflagrada a partir do laudo geotécnico está mobilizando várias áreas do poder municipal. Centralizados na subprefeitura do Centro, os estudos englobam um cadastramento de todos os imóveis erguidos na área non aedificandi, que está sendo feito pela Secretaria municipal de Habitação, um levantamento completo das ações de desapropriação no mesmo local iniciadas durante e depois da conclusão do túnel, a cargo da Procuradoria Geral do Município, e avaliações geológicas encaminhadas pela Fundação GeoRio.

Segundo o subprefeito do Centro, Augusto Ivan de Freitas, a briga com os invasores do parque Paula Matos não é nova e não tem previsão de encerramento, o que significa que os processos judiciais andam na mesma velocidade com que a água vai abrindo seus caminhos no interior do morro. "Não existe um processo de desocupação ali, mas dezenas. São ações em torno de 50 a 60 casas que estão sendo avaliadas caso a caso", afirma.

Na Procuradoria do Município, os advogados começaram a se debruçar, nos últimos dias, em ações que correm há vários anos e que se encontram em diferentes estágios. Pelo menos duas ordens de despejo contra os invasores já teriam sido conseguidas, mas a informação não é confirmada na PGM por questões "de estratégia jurídica". A idéia é tentar montar um quadro completo desse imbróglio no prazo mais curto possível.

Remoção - A determinação pela remoção das 76 famílias que vivem na área do parque passa obrigatoriamente pela mesa do secretário Municipal de Habitação, Sérgio Magalhães. Que é a favor. "A invasão é antiga, anterior à própria secretaria, e começou em um tempo em que essas coisas eram estimuladas", analisa o secretário, sem enxergar, em um horizonte próximo, uma solução para o problema. "O que podemos fazer ali é estabelecer um crédito financeiro com a Caixa Econômica Federal para que as pessoas possam encontrar uma solução alternativa, como já fizemos anteriormente para liberar áreas de risco de ocupação. Mas certamente será uma ação bastante lenta", calcula Sérgio Magalhães, lembrando de trabalho semelhante realizado na encosta sobre a entrada do Túnel Rebouças, no Rio Comprido, em 1998, quando 200 famílias foram removidas.

Obra de restauração

Se a preocupação do município é real com o que está sobre o túnel, em relação à estrutura propriamente dita, os técnicos garantem que não há razão de apreensão. De acordo com o diretor de Projetos Estruturais da SMO, engenheiro Nei Araújo, a galeria do Martim de Sá foi completamente restaurada em uma obra encerrada em julho do ano passado.

Segundo o engenheiro, a água que se infiltra do Morro de Santa Teresa é captada por drenos existentes na encosta e depois canalizada. "Há uma segunda abóbada no túnel onde fizemos obras para conduzir essa água para as laterais, onde existem canaletas, evitando que se infiltrem pelas paredes. De lá, a água segue para a galeria pluvial", explica Araújo. Uma caminhada pelo túnel, no entanto, mostra que drenos, desvios e canaletas não atuam como deveriam. Menos de um ano após o término de obras para acabar com as infiltrações, em vários pontos da galeria a água escorria de buracos nas paredes.

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Polícia reprime invasão de área no Itanhangá

Jornal O Globo, sexta-feira, 5 de maio de 2000


Cerca de 300 pessoas começaram a ocupar na noite de quarta-feira terreno onde será construído condomínio

CéIia Costa

Cerca de 300 pessoas invadiram anteontem à noite uma área de 686 mil metros quadrados na Estrada Velha da Tijuca, próxima ao Itanhangá Golf Club, na Barra da Tijuca. Ontem, pela manhã, os invasores começaram a construir barracos e foram detidos por policiais do núcleo do 31º BPM (Barra da Tijuca) , do Grupamento Especial Tático-Móvel (Getam) e por guardas municipais. Não houve confronto. À tarde, os invasores deixaram o local.

No terreno será construído um condomínio - empreendimento da Construtora São Marcos, cuja obra está sendo executada pela Fernando Jardim Construtora.

A subprefeita da Barra da Tijuca, Andrea Lartigue, recebeu denúncias de moradores e acionou a polícia.

_ Avisei ao prefeito Luiz Paulo Conde sobre a invasão e ele determinou que não se permitisse a construção de um barraco sequer e nem a derrubada de árvores - disse Andrea Lartigue.

Os invasores - a maioria moradores da comunidade Tijuquinha, que fica em frente à área de invasão - saquearam e depredaram durante a madrugada um galpão da construtora, onde estavam guardados materiais de construção.

Segundo um morador, a invasão teria sido incentivada por um grupo de seguranças que trabalhavam para a empresa e tinham sido demitidos.

Invasores reclamam de aluguéis altos na Tijuquinha. 

Para os invasores, a área estava sem qualquer utilidade. Alguns diziam que decidiram invadir para fugir dos aluguéis altos. A empregada doméstica Jorgina Maria Gomes, mãe de quatro filhos, moradora da Tijuquinha, decidiu participar da invasão. Ela reclamou que, após as obras do Favela-Bairro na comunidade, o valor dos aluguéis aumentou.

- Meu marido está desempregado e a construção de um barraco seria uma solução para nós - disse Jorgina.

Foi a solução encontrada também pelo motorista Oswaldo Wanderley Nunes, de 44 anos, que também mora na Tijuquinha. Ele contou que antes das obras do Favela-Bairro, pagava R$ 200. Depois, passou para R$ 300.

- Esta área é ilegal, sem aproveitamento - disse ele.

Representantes da empresa negaram a versão. José Goulart, chefe da segurança patrimonial da Fernando Jardim Construtora, mostrou maquetes e plantas das casas que serão construídas. Na área do condomínio já existem duas residências. O caseiro de uma delas contou que foi surpreendido com a chegada dos invasores, mas conseguiu afugentá-los.

Ontem, os invasores chegaram a demarcar com barbantes e tiras de plástico as áreas onde seriam construídos os barracos.


Jornal do Brasil, Cidade, sexta-feira, 5 de maio de 2000

ITANHANGÁ

Invasores são expulsos por PM

Policiais militares e guardas municipais, atendendo solicitação da Prefeitura, retiraram 300 sem-teto de um terreno da Rede Globo, na Estrada da Barra da Tijuca, no Itanhangá. A área de 680 mil metros quadrados foi invadida na quarta-feira de madrugada. No local, estava previsto a construção de um condomínio, que está há seis anos. Os invasores não resistiram mas reclamaram da demanda dos barracos. "Não tenho condições de pagar aluguel. Aqui era o único lugar onde podia morar", disse a doméstica Jorgina Gomes.

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Prefeitura vai multar quem não cuidar de sua calçada  

Jornal O globo, sexta-feira, 5 de maio de 2000


Solange Duart

Proprietários que não cuidarem das calçadas em frente aos seus imóveis residenciais, comerciais, industriais, condomínios e terrenos baldios serão multados. Um decreto do prefeito Luiz Paulo Conde foi publicado ontem no Diário Oficial do Município regulamentando esta lei e estabelecendo multas entre 250 e mil Ufirs para quem infringi-la.

Os proprietários estarão obrigados a construir e promover a conservação e a limpeza das calçadas a partir do dia 3 de junho, ou seja, 30 dias depois da publicação da regulamentação. A fiscalização e a aplicação das multas serão feitas pela Comlurb, pela Guarda Municipal e pela Coordenação de Licenciamento e Fiscalização da Prefeitura.

O superintendente em exercício da Guarda Municipal, Paulo José da Silva, disse que será feita uma campanha educativa e que as multas só deverão ser aplicadas no segundo semestre deste ano.

- Vamos primeiro conscientizar a população e informá-la sobre a nova lei. Depois, daremos advertências e, só então, passaremos a multar - explicou o superintendente.

Paulo disse ainda que estão sendo estudadas medidas para evitar injustiças:

- A gente sabe que um vizinho que não gosta do outro pode jogar lixo na calçada dele para prejudicá-lo e que uma pessoa desleixada pode sujar a calçada por onde está passando. Nossa idéia é multar em flagrante e na presença de testemunhas - disse.

De acordo com o decreto, a limpeza se refere a calçadas simples ou ajardinadas. Os resíduos devem ser armazenados em sacos plásticos e dispostos para a coleta de lixo nos horários fixados pela Comlurb. A primeira multa será de 250 Ufirs. A segunda, de 400; a terceira, de 650 e as demais, de mil Ufirs cada. Será sempre mantido o período mínimo de dez dias entre as multas. Cada Ufir vale, até dezembro próximo, R$ 1,0641.

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União dará R$ 1,7 milhão para obra na Lagoa  

Jornal O Globo, sábado, 6 de maio de 2000

Foto de Sandra de Souza/06-03-2000
Lagoa: de cartão-postal a cemitério de peixes

Fernando Moreira

No início, um fenômeno natural. A culpa, apontada pela Feema, para as quatro toneladas de peixe que apareceram mortos na Lagoa, em 3 de janeiro, foi a inversão térmica. A chuva e o vento fizeram com que o lodo e o lixo subissem até a superfície da água, diminuindo a quantidade de oxigênio para os peixes. Dois dias depois, técnicos da Feema constataram que o oxigênio estava 75% abaixo do limite tolerável.

Depois, a sujeira veio à tona. O lançamento durante anos de esgoto criou bolsões de lodo no fundo da Lagoa. Na década de 80, um convênio da Cedae e da Feema extinguiu esses bolsões e se passaram sete anos sem mortandade de peixes.

Diante do quadro, a Cedae anunciou que intensificaria a procura de ligações clandestinas de esgoto na rede de águas pluviais que deságua na Lagoa Rodrigo de Freitas. Só em uma comunidade do Jardim Botânico, cerca de 500 moradias lançam o esgoto no Rio dos Macacos, que deságua na Lagoa.

Dois meses depois, o quadro se repetiu. Cerca de 132 toneladas de peixes mortos foram retirados da Lagoa pela Comlurb. Foram apontadas duas hipóteses para explicar a mortandade: o lançamento de esgoto ou a obstrução do canal do Jardim de Alah, o que impediria a entrada de água do mar na Lagoa. Em meio à discussão, foram identificados dois vazamentos na rede de esgoto, um na Avenida General San Martin e outro na Ataulfo de Paiva, no Leblon, que teriam invadido o canal de Jardim de Alah e desembocado na Lagoa. Isso levou a Prefeitura a multar em R$ 250 mil a Cedae, que acusou a Fundação RioÁguas (do município) de ter paralisado a dragagem do canal do Jardim de Alah.

Enquanto estado e Prefeitura discutiam a culpa do acidente ecológico, mais peixes apareceram mortos no dia 12 de março. Na opinião do governador Anthony Garotinho, endossada pelo prefeito Luiz Paulo Conde, o problema na Lagoa se deve à superpopulação de peixes.

O biólogo Mário Moscatelli ironizou:

- Vamos então distribuir camisinhas para os animais para que eles não se reproduzam mais.

Inconformados, pescadores reivindicam compensação financeira para as 34 famílias que vivem da pesca na Lagoa pelo tempo que ficarão sem trabalhar, assim como foi feito pela Petrobras no acidente na Baía. Cada família ganha em média R$ 700 por mês pela venda de duas toneladas de peixes por semana. Segundo os pescadores, a Lagoa levará um ano para recuperar os peixes.



União dará R$ 1,7 milhão para obra na Lagoa

Dimmi Amora

O ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, anunciou ontem que será liberado para o Rio R$ 1,75 milhão para a obra do cinturão sanitário da Lagoa Rodrigo de Freitas. De acordo com a Fundação Rio Águas, responsável pela obra, as licitações estão em fase final. O projeto prevê a construção de galerias ao redor de toda a Lagoa, que vão captar o esgoto excedente da rede da Cedae que vai para as tubulações de águas pluviais. Dessa forma se evitará que o esgoto seja despejado na Lagoa. O ministro também assinou, em
cerimônia no Jardim Botânico, o convênio que vai repassar R$ 24 milhões para 15 prefeituras da Região Metropolitana construírem aterros sanitários.

De acordo com a Rio Águas, já estão sendo feitos trabalhos de sondagem do solo da Lagoa. A obra toda está avaliada em R$ 3,3 milhões e inclui, além dos quatro quilômetros de galerias, cinco elevatórias para jogar o esgoto de volta na rede da Cedae. A fundação informou ainda que o cinturão de um quilômetro da Praia de Ipanema - que vai evitar a formação de línguas negras após as chuvas - deve estar concluído até agosto deste ano.

Segundo o ministro, o dinheiro repassado para o Rio vem do orçamento federal. Para o projeto da Lagoa também foram prometidos recursos do laudêmio, imposto pago por moradores da orla e destinado à União.

- O convênio com o município depende agora de detalhes legais, mas deve ser assinado ainda este mês - disse o ministro.

Os projetos finais para os aterros sanitários da Região Metropolitana devem estar prontos até o fim deste mês. De acordo com Sarney Filho, R$ 23 milhões do convênio assinado ontem vão estar disponíveis assim que os projetos ficarem prontos. Os recursos vêm de parte da multa de R$ 50 milhões paga pela Petrobras por ter derramado óleo na Baía de Guanabara em janeiro deste ano.

- Chegamos a uma situação inusitada. Geralmente, temos projeto, mas não temos dinheiro. Agora temos o dinheiro, mas não temos os projetos - disse o ministro durante o discurso, frisando que a Petrobras ainda terá que reparar todo o dano causado pelo acidente.

Além do dinheiro reservado para os aterros, R$ 1 milhão serão usados para a compra de equipamentos de limpeza e proteção ambiental para as cidades da Região Metropolitana.

A localização de alguns aterros já está praticamente decidida e o projeto só vai apontar quais cidades vão enviar o lixo para eles. O Rio deverá enviar seu lixo por barcas, pela Baía de Guanabara, para um aterro que será construído em Saracuruna, Duque de Caxias. O aterro sanitário de Gramacho e todos os outros da Região Metropolitana serão desativados. Nova Iguaçu vai construir um em Vila de Cava e São Gonçalo fará outro em Itaoca. Também está planejado um para Belford Roxo que deve receber resíduos industriais.



Conheça os projetos para recuperar a Lagoa


ALARGAMENTO DE CANAL: O estudo da Coppe, ratificado por grupo de trabalho (formado por técnicos da Prefeitura e do estado), prevê que o Canal do Jardim de Alah passe a ter 32 metros de largura (hoje o trecho mais estreito tem dez) e 2,2 metros de profundidade (o canal tem 70 centímetros, em
média). Além disso, propõe prolongar o canal por 200 metros. Ele passaria de 850 metros para cerca de 1,1 quilômetro de comprimento. O estudo está sendo avaliado pelo Lnec, que apresentará suas conclusões em abril.

AERAÇÃO LAMINAR: O vereador Alfredo Sirkis defende, desde quando era secretário municipal de Meio Ambiente, a instalação de uma rede de tubos de polietileno, a uma profundidade de 2,5 metros. Os tubos liberariam oxigênio, bombeado por compressores, 24 horas por dia. O projeto foi encampado pelo
atual secretário estadual de Meio Ambiente, André Corrêa. O presidente da Fundação Rio Águas, Carlos Dias, alega que os custos de energia seriam altos e a manutenção do sistema difícil.

DRAGAGEM: A técnica de dragar o lodo do fundo da Lagoa e jogá-lo no emissário submarino de Ipanema já foi usada na década de 70. Em dezembro, a idéia foi retomada, para complementar o projeto de aeração laminar.

NORMAS DE USO: Um decreto do prefeito Luiz Paulo Conde dividiu a Lagoa em três áreas para uso uso recreativo e esportivo. Ele autoriza a navegação de barcos a motor para turista e a prática de esqui aquático.

ROBÔS: No início de março, a Cedae anunciou que instalará, em dez dias, robôs (microcâmeras) para identificar ligações clandestinas de esgoto em 200 quilômetros de galerias de águas pluviais de Ipanema, Leblon, JardimBotânico e Copacabana.

DINAMARCA: A Cedae contratou uma firma dinamarquesa para estudar a melhor técnica para substituir a tubulação em torno da Lagoa.

SOFTWARE: A Cedae estuda a implantação na Lagoa de um programa de software americano que será usado para identificar os poluidores da Baía da Guanabara.

COLETAS: A Prefeitura já iniciou um programa de controle da qualidade da água da Lagoa, através da coletas de amostras.

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Prédios de favelas começam a ganhar gabarito  

Jornal O Globo, domingo, 7 de maio de 2000


Selma Schmidt

 

Para tentar conter o crescimento vertical das favelas, a Prefeitura começa a impor limites de altura às construções em comunidades reurbanizadas pelo programa Favela-Bairro. Através de decreto, o prefeito Luiz Paulo Conde fixou gabaritos para as ruas da Fernão Cardim, em Pilares. Segundo o secretário municipal de Habitação, Sérgio Magalhães, este mês mais sete favelas ganharão gabaritos. No próximo semestre, será a vez de 12 comunidades, entre elas Vidigal (Leblon), Floresta da Barra da Tijuca (Itanhangá) e Borel (Tijuca).

Nas oito primeiras comunidades a ganhar decretos com normas de uso e ocupação do solo, o gabarito máximo é de três pavimentos (contando o térreo como o primeiro andar). Mesmo assim, só nas ruas principais. Em becos mais largos, o máximo é de dois andares. Nos mais estreitos, as casas não poderão ultrapassar um andar.

Os decretos que serão assinados no próximo semestre estão sendo preparados. Os técnicos ainda estão fazendo a avaliação rua por rua, para estabelecer a altura máxima de cada uma delas. Mas a presidente da Associação de Moradores do Vidigal, Bianca Régis, e o responsável pelo Posto de Orientação Urbanística e Social (Pouso) da Secretaria de Habitação, Fernando Krüger, já não estão permitindo a construção a partir do terceiro andar.

- Por segurança, os prédios não devem passar do terceiro andar - diz Bianca.

- Estamos com uma turma fazendo rondas para impedir que alguns moradores construam o quarto pavimento - acrescenta Krüger.

No Vidigal, não é raro se encontrar prédios com quatro andares, sobretudo na Avenida Presidente João Goulart, a principal da favela. Como a legislação não pode retroagir, esses prédios serão preservados.

Já no Borel, pelo menos um prédio tem cinco pavimentos (o quinto é constituído por duas casas construídas sobre o quarto andar). Trata-se de um edifício que a família Calegari começou a construir há mais de 20 anos e, atualmente, tem 14 apartamentos, na Estrada da Independência, a principal da favela.

- Meu pai foi marceneiro e mestre-de-obras. Ele fez as fundações com 12 metros de profundidade. O prédio está seguro - diz Wanderley Calegari.

Para o presidente da Associação de Moradores do Borel, José Ivan Dias Brito, o gabarito de três andares é o ideal para evitar desabamentos. Só que, antes da implantação de normas de uso e ocupação do solo, José Ivan defende a continuação das obras do Favela-Bairro no Borel:

- Praticamente não houve obra no Borel. Em compensação, o Casa Branca (faz parte do Complexo do Borel) tem até refletores para iluminar as ruas. De noite, nossas ruas só têm a lua para iluminá-las.

A engenheira Andréa Cláudia da Cunha, responsável pelo Pouso do Borel, informa que está previsto um contrato complementar de obras para o morro, ainda sem data para ser assinado. Segundo a Secretaria de Habitação, no primeiro contrato houve a construção da Transfavela (via que liga o Borel aos morros da Cruz e da Casa Branca), a pavimentação de becos e escadarias e a instalação de iluminação na Avenida Independência, entre outras obras.

A secretaria garante que a conclusão da pavimentação da Avenida Independência começará em um mês. Para que os becos sejam iluminados, a associação de moradores terá de enviar um pedido à Rioluz.

O decreto para a Fernão Cardim proíbe a venda e o armazenamento de ferro-velho, produtos inflamáveis (exceto tintas e vernizes) e explosivos, gás liquefeito de petróleo, armas e munição. Alertado sobre a possibilidade de ser inócua a proibição do armazenamento de armas em favelas, o secretário de Habitação decidiu abolir a norma nos próximos decretos.

As regras de uso e ocupação do solo serão implantadas gradativamente nas 115 comunidades do Favela-Bairro I e 73 do Favela-Bairro II. Além do gabarito, as comunidades ganharão ruas com nomes legalizados e até CEP.

- Com o CEP, vamos pedir aos Correios que passem a entregar a correspondência na casa dos moradores e não mais na sede da associação - afirma o presidente da Associação de Moradores da Fernão Cardim, Amaro Chagas.

As casas da Fernão Cardim serão as primeiras áreas do Favela-Bairro a receber o habite-se da Prefeitura, no próximo dia 22. Com a titulação já fornecida pelo município e o habite-se, os proprietários poderão dar entrada no Registro de Imóveis:

- A partir do ano que vem, pagaremos IPTU. Espero que o valor do imposto seja pequeno, já que a Fernão Cardim é considerada área de risco, em termos de segurança - diz Amaro.


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MP quer interdição da Lagoa de Camorim  

Jornal do Brasil, Cidade, quarta-feira, 10 de maio de 2000

Foto de Luiz Morier[Lagoa de Camorim]

O Ministério Público Estadual (MP) quer que a Secretaria Municipal de Meio Ambiente interdite, até o final do dia, a Lagoa de Camorim, localizada entre as lagoas de Jacarepaguá e Tijuca, na Zona Oeste. O pedido foi da promotora Rosani Cunha, coordenadora da equipe de Proteção ao Meio Ambiente do MP, que promete entrar com uma ação civil pública com pedido de liminar para a interdição da lagoa, caso a secretaria não tome a atitude. "Enviei um ofício no dia 5 de maio e dei um prazo de 72h para a interdição. Até agora não obtive resposta da secretaria", disse Rosani.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Maurício Lobo, já adiantou, no entanto, que não vai interditar a Lagoa de Camorim. Segundo ele, não há presença comprovada da alga tóxica Microcystis na lagoa, apenas indícios. "Não podemos criar alarme numa situação sobre a qual não temos certeza", argumentou. Embora tenha dito que não concorda com os termos estabelecidos pela promotora, ele informou que vai responder hoje ao ofício.

A promotora atendeu ao pedido de interdição feito pelo presidente da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da Assembléia Legislativa do Rio, deputado Carlos Minc, e pelo biólogo Mario Moscatelli. Os dois, apoiados num estudo realizado pelo Núcleo de Pesquisas de Produtos Naturais da UFRJ, denunciaram a presença da alga tóxica Microcystis aeruginosa. Conforme noticiou o JORNAL DO BRASIL, na edição de 25 de março, a alga Microsystis, um dos principais alimentos dos peixes, é considerada hepatotóxica e uma vez ingerida pelo homem pode causar hepatite e câncer no fígado.

Pela determinação do MP, a Secretaria deverá expor faixas sinalizadoras e cartazes nos trechos interditados da lagoa, alertando banhistas e pescadores sobre os riscos de infecção pelo contato com a pele ou pelo consumo de peixes. "Na semana passada e ontem, havia um grupo de pescadores trabalhando no local. O peixe da Lagoa de Camorim é impróprio para o consumo", disse o deputado Carlos Minc. Para Moscatelli, a questão é de saúde pública e sócio-econômica

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Morte nas águas da Baía  

 

Jornal do Brasil, Cidade, quarta-feira, 10 de maio de 2000

Tartaruga-verde não sobrevive à poluição do mar

A Baía de Guanabara não foi nada hospitaleira com uma tartaruga que se aventurou pelas águas poluídas, junto com duas outras companheiras. Ontem, o Grupamento Marítimo de Botafogo a encontrou morta, próxima a Fortaleza de Lage. As outras duas sobreviveram, ao buscar abrigo nas areias da Praia de Icaraí, em Niterói.

Os motivos que levaram a tartaruga de 70 quilos e cerca de 1 metro de comprimento a morrer, em breve serão desvendados. A intenção do G-Mar era levar o animal ao Jardim Zoológico de Niterói, ainda ontem, para ser feita uma necrópsia. As duas sobreviventes resgatadas tinham conjuntivite e apresentavam caroços no pescoço, como a que acabou morrendo. O comandante do Grupamento marítimo, coronel Marcos Silva, que comandou o resgate dos animais não tem dúvida sobre o que os vitimou: "poluição".

O réptil é da espécie Chelonia mydos, mais conhecida como tartaruga-verde, que pode chegar a 180 quilos e cem anos de vida. Ela boiava na água quando um pescador a encontrou às 3h da madrugada. Preocupado, o homem entrou em contato com o Grupamento Marítimo, que encontrou o animal morto

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Favelas chegam aos manguezais

Jornal O Globo, domingo, 21 de maio de 2000


Alba Valéria Mendonça e Selma Schmidt

De seu escritório, no alto de um prédio na Avenida das Américas, e através de sobrevôos, o vice-presidente da Câmara Comunitária da Barra, engenheiro Afonso Chaves, acompanha com preocupação o crescimento das favelas de Itanhangá e Jacarepaguá. A Lagoa da Tijuca serve como divisor de águas da Baixada de Jacarepaguá: de um lado, estão os grandes shoppings, centros empresariais e condomínios; do outro, uma área com muitos espaços favelizados. Só num trecho de sete quilômetros das estradas da Barra da Tijuca, do Itanhangá e Engenheiro Souza Filho, há nove favelas.

- Visualmente se nota a expansão dessas favelas para a faixa de proteção ambiental da lagoa. Há palafitas construídas dentro do mangue. O problema se acentuou nos últimos três anos - conta Chaves.

A diretoria da câmara se reuniu com o prefeito Luiz Paulo Conde, semana passada, obtendo a promessa de que, com o projeto Bairrinho (Favela-Bairro para pequenas favelas) serão retiradas as famílias de áreas de proteção ambiental e de risco:

- A Barra é da cidade e devemos preservá-la - diz Chaves.

Tamanho à parte, as nove comunidades - com Floresta da Barra e Rio das Pedras nos extremos - têm características comuns. Todas são povoadas basicamente por nordestinos e não têm tráfico de drogas:

- Desafio às delegacias a provarem a existência de um único ponto de venda de drogas em Rio das Pedras - afirma o paraibano Josinaldo Francisco da Cruz, o Nadinho, presidente da Associação de Moradores de Rio das Pedras, a maior das nove favelas, onde moram 20 mil famílias.

Os vizinhos das favelas - condomínios e clubes - confirmam:

- Aqui é tranqüilo. Os sócios podem entrar e sair do clube a qualquer hora - assegura Antônio Araújo, administrador do Clube dos Médicos, situado ao lado da Vila da Paz.

Antônio se recorda que, quando foi trabalhar no Clube dos Médicos, há 27 anos, a Vila da Paz era formada por apenas três barracos. Hoje, no lugar moram 480 famílias.

Segundo Nadinho, Rio das Pedras começou a crescer na década de 80. Na área de mangue e em condições de risco, vivem dez mil famílias.

Próximo à descida do Alto da Boa Vista, fica a Floresta da Barra, no Morro do Banco. Para se chegar à favela, é preciso passar dentro de um condomínio. Na Floresta da Barra, há uma mistura casas de alvenaria (algumas de classe média) e barracos de sapê.

- Quando olho para o lado de lá, penso na gente pobre daqui. Mas me sinto privilegiada. Posso dormir. Aqui não tem tiroteio - diz Elisângela Dutra, de 26 anos, há 11 na favela.

Obras não param no miolo das favelas

Cerca de mil metros separam as três mil casas da Floresta da Barra de outras duas favelas: Tijuquinha e Recanto da Barra; uma em frente à outra. Nas duas comunidades, a construção de mais um andar e em terrenos vazios não pára. No entanto, os presidentes das associações de moradores asseguram que não há crescimento para os lados, por causa dos limites fixados pelo Bairrinho e pelas propriedades particulares.

- Nossa preocupação é com o aumento do mercado do quarto de aluguel, devido à rotatividade dos moradores. Por um quarto com banheiro estão cobrando o salário mínimo (R$ 151) - afirma o presidente da Associação de Moradores do Recanto da Barra, Mário Jorge Monteiro.

No caminho para Jacarepaguá, mais duas favelas estão lado a lado: Sítio do Pai João e Vila da Paz. Considerada área de risco pela Prefeitura, o Sítio do Pai João foi riscado do Bairrinho, segundo a presidente da Associação de Moradores, Maria Vanderleia Soares de Souza. No local, morreram 18 pessoas, durante o temporal de 96. Na ocasião, 600 famílias foram reassentadas em Rio das Pedras. Outras 160 não quiseram sair.

- Fizeram obra de contenção no condomínio ao lado e para a gente nada - reclama Vanderleia.

Na Vila da Paz a Prefeitura está executando o Bairrinho. Lá, os quartos são alugados por até R$ 200. O mesmo é cobrado na Favela Pedra do Itanhangá, que é formada por uma única rua sem saída, onde vivem 76 famílias, em casas de até dois andares.

Na Muzema e no Cambalacho (parte da Muzema entre a Rua Engenheiro Souza Filho e a lagoa) vivem cerca de 1.500 famílias. Delmiro de Farias, presidente da associação de moradores, lamenta o aumento do número de barracos de madeira sobre o manguezal - de 18, em 97, para mais de 30 hoje. Ele atribui esse crescimento ao fato de o Cambalacho ter sido excluído do Bairrinho, sob o argumento de que pelo local passará o anel viário.

- A política da associação é de impedir a expansão da comunidade. Mas nos sentimos impotentes em relação ao Cambalacho. As famílias não sabem o seu destino.

Já Sandro de Moura, diretor do conselho fiscal da associação, assinala a diferença de tratamento entre os dois lados da Lagoa da Tijuca:

- Nos condomínios dos ricos, constroem quadras, churrasqueiras e atracadouros para lanchas e fica tudo bem.

A subprefeita da Barra, Andrea Lartigue, conta que, em julho de 99, foram derrubadas 210 casas e 39 lojas construídas em área destinada à rua em Rio das Pedras. A mais recente operação foi feita pela Subprefeitura no início do mês, no Itanhangá, num terreno invadido por cerca de 300 pessoas.

Andrea fala da dificuldade em coibir as ampliações no miolo das favelas. Lembra que todas as obras têm de ter licença da Prefeitura e placa e pede que qualquer irregularidade seja denunciada pelo telefone 431 1771:

- É importante denunciar antes que a casa esteja pronta. Senão, precisamos recorrer à Justiça.

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Mais guerras no asfalto

Jornal O Globo, segunda-feira, 22 de maio de 2000


Letícia Matheus e Vanessa Lippelt

Em resposta a duas ações policiais, moradores de favelas voltaram a levar pânico ao asfalto. Nas zonas Norte e Oeste, a reação à PM veio com a interdição do trânsito e acabou com quatro veículos - três ônibus e um carro - incendiados. No Méier, moradores da Favela do Jacarezinho chegaram a apedrejar os policiais. Em Jacarepaguá, cerca de 80 pessoas que vivem na Cidade de Deus invadiram e bloquearam o tráfego na principal via do bairro, a Estrada dos Bandeirantes.

O tumulto nas ruas do Méier começou depois que Denilson Félix, conhecido como Pará, de 19 anos, foi baleado na cabeça durante uma incursão policial no Jacarezinho. Segundo o comandante do batalhão da PM no bairro, coronel Francisco Murilo Leite Lira, uma equipe do posto de policiamento da favela (DPO) foi recebida a tiros por três homens perto do local conhecido como Buraco do Lacerda. Houve troca de tiros que se estendeu até a linha férrea, onde Pará foi ferido - o rapaz foi levado em estado grave para o Hospital Salgado Filho. Com ele, segundo o comandante, foram apreendidos um revólver calibre 38 e 62 trouxinhas de maconha. A versão dos moradores, porém, é outra. Segundo eles, a PM entrou na favela atirando.

- O Pará foi fuzilado. Ele já tinha levado um tiro quando foi arrastado até a linha do trem e levou uma bala na cabeça - contou uma testemunha que não quis se identificar.

Na favela, um grupo de moradores atacou com pedras os policiais e incendiou um ônibus e um carro. Em seguida, eles fecharam o trânsito na Avenida Dom Hélder Câmara, onde outro ônibus foi depredado. Motoristas que tentaram furar o bloqueio foram alvo de tijolos, pedras e pedaços de pau. Assustados, muitos fugiram em marcha à ré. Policiais de outras unidades, entre elas o Batalhão de Choque e o Batalhão de Operações Especiais, foram chamados para dispersar o tumulto. A situação só foi controlada depois que os policiais lançaram mão de bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. Dois policiais foram atingidos pelas pedras atiradas pelos moradores. Os estilhaços das bombas feriram ainda dois adolescentes e um menino de 2 anos foi intoxicado pelo gás. Os três foram socorridos no Hospital Salgado Filho e liberados logo depois.

Na Zona Oeste, dois ônibus incendiados

No início da noite, dois ônibus da Viação Santa Maria foram incendiados na Estrada dos Bandeirantes por cerca de 80 moradores da Cidade de Deus. A ação foi uma resposta à morte de Valmir Ferreira da Silva, o Nem, de 25 anos. Segundo policiais, a vítima era ligada ao tráfico de drogas e trocou tiros com os PMs durante uma incursão na favela.

Policiais do Posto de Policiamento Comunitário da Cidade de Deus garantem que a manifestação foi insuflada por traficantes. De acordo com o PM Queiroz, que participou da operação, a troca de tiros ocorreu por volta das 17h com o bando de Nem. O acusado, segundo o PM, estava armado com uma pistola calibre 9 milímetros e carregava um saco com papelotes de cocaína. Nem chegou a ser socorrido no Hospital Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca.

Depois que os ônibus foram incendiados, cada um numa pista de direção, o policiamento na Estrada dos Bandeirantes foi reforçado com dez equipes do Grupo Especial Tático Móvel (Getam). Bombeiros foram chamados e as pistas liberadas por volta das 20h, quando as carcaças dos ônibus foram rebocadas. Enquanto o trânsito na Estrada dos Bandeirantes esteve interrompido nos dois sentidos, os motoristas foram orientados a retornar e seguir por outras vias.

Quatro suspeitos de tráfico foram detidos. De acordo com o sargento Reis, quem promoveu a baderna foi a irmã de Nem, identificada apenas como Elaine. Outro líder da manifestação seria um traficante conhecido como Coronel. Depois de terem sido dispersados, os moradores chegaram a prometer novos confrontos e manifestações na Praça Cidade de Deus. O local, porém, foi ocupado pela polícia, o que evitou outros protestos.


Violência em Copacabana

No último dia 15, moradores dos morros Pavão-Pavãozinho e Cantagalo fizeram um violento protesto nas ruas de Copacabana contra a ação da PM nessas favelas, que resultou na morte de cinco pessoas. Com latões de lixo e pedaços de caixotes, eles fecharam ruas do bairro, apedrejaram veículos e forçaram comerciantes a baixarem suas portas. Os moradores da região, em pânico, ficaram isolados por cerca de três horas, tempo que a polícia levou para controlar a situação.

No confronto com a PM, morreram Nilton Fernando Sodré Oliveira, o Amendoim, apontado como o chefe do tráfico no Pavão-Pavãozinho; Sérgio Almeida Lima, o Play, que serviu como soldado no Batalhão da Guarda, em São Cristóvão. Parentes dos cinco rapazes mortos confirmaram que eles tinham ligações com o tráfico de drogas, mas denunciaram o sumiço de R$ 15 mil, além de jóias, roupas e os tênis, que as vítimas estariam usando.

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Favelas levam pedidos a Gregori  

Jornal do Brasil, Brasil, quinta-feira, 1º de junho de 2000

DANIELE LUA

Representantes de cinco comunidades carentes do Rio de Janeiro e de Minas Gerais se reúnem hoje, em Brasília, para discutirem segurança com o ministro da Justiça, José Gregori. Mas o rumo da conversa poderá não ser o mesmo. Ontem, enquanto líderes comunitários preparavam documentos com uma série de pedidos ao ministro, o governo federal tratava o encontro como uma oportunidade de recolher idéias para a elaboração do Plano Nacional de Segurança Pública.

"A idéia é começar a ter uma escuta. Não trabalharemos demandas", disse a secretária de Assistência Social, Wanda Engel, que definiu juntamente com o ministro os nomes dos cinco líderes comunitários. Os presidentes das Associações de Moradores das favelas da Mangueira, Maré e Serrinha, no Rio, e de Pedreira Pedro Lopes e Zilá Sposito, em Minas, só foram oficialmente informados do encontro na tarde de ontem.

Desencontro - No Rio, o consultor da secretaria de estado de Assistência Social, Vandré Brilhante, foi pessoalmente, representando o governo federal, convidar as lideranças. "A organização de tudo foi muito rápida e as decisões foram tomadas no domingo à noite", justifica Vandré. O desencontro de informações ia desde o teor da conversa até o meio de transporte que os levará à Brasília. "Não sabemos se será um avião fretado ou ponte aérea. As lideranças só vão mesmo conversar durante o vôo", disse Celso Perez, presidente da Associação de Moradores da Mangueira.

Celso preparou um documento com sete tópicos, reivindicando investimentos em educação, saúde e geração de emprego e pedindo até um auxílio de custo para que os jovens comprem roupas. "Queremos uma ajuda de custo para a compra de roupas, já que o modismo é um vício que empurra os jovens de baixa renda para o crime", justificou na carta que entregará a Gregori.

Mazela - Já o presidente da Associação de Moradores do Complexo da Maré, Amaro Domingues, pretende expor todas as mazelas da comunidade. "Vou dialogar com o ministro, mas ele é quem vai conduzir a conversa. Pretendo falar sobre a situação que vivemos da maneira mais realista possível. Em termos de investimentos sociais, a Maré está precisando de tudo".

Na Serrinha, a presidente da Associação de Moradores, Sandra Nogueira, adotou um discurso com ênfase na educação de menores. "Nossa educação é falha e queríamos um reforço escolar. Vamos propor também uma reciclagem dentro da segurança pública. O estado deveria ter um lugar que desenvolva um trabalho social para abrigar menores infratores. O Padre Severino é uma escola do crime", denunciou ela. A presença da polícia na favela também foi outro tópico abordado pelas lideranças. "Queremos o respeito de ir e vir como cidadão, queremos o respeito aos nossos domicílios, já que, da totalidade dos moradores, 99% são trabalhadores", disse Celso Perez, da Mangueira.

Projetos - A qualidade e a quantidade de projetos sociais desenvolvidos pelas comunidades foi, segundo Wanda Engel, o critério para a escolha das favelas da Maré, Mangueira e Serrinha. "A Mangueira é uma das comunidades mais organizadas; a Maré foi escolhida pela Prefeitura do Rio para ser a base de um trabalho integrado de todas as secretarias; e a Serrinha desenvolve trabalhos na área cultural", explicou Wanda. A secretária anunciou ainda que até o fim do mês representantes de comunidades carentes de São Paulo, Vitória e Brasília também terão encontros com José Gregori.

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Prefeitura corre para investir verba estadual

Jornal do Brasil, Cidade, sexta-feira, 2 de junho de 2000

Agraciado esta semana com R$ 33,5 milhões do governo do estado o prefeito Luiz Paulo Conde vive um doce problema:  a sete meses do fim de seu mandato,  pode não ter tempo de aplicar parte dos recursos que serão repassados pelo governador Anthony Garotinho. Das seis obras anunciadas em conjunto pelos dois governantes, duas siquer têm projeto para serem executadas - as urbanizações da Rua Visconde de Niterói na Mangueira, e da Avenida Automóvel Clube, no Morro do Juramento -, e todas as outras não têm data para começar. 

Tudo isso porque, em fase de ótimo relacionamento com a prefeitura, o governador Anthony Garotinho resolveu, há cerca de dois meses, oferecer ao prefeito Conde uma ajuda financeira para empregar no município, criando para o alcaide candidato à reeleição uma oportunidade de, a menos de cinco meses das eleições municipais, reforçar uma das principais bandeiras de sua administração: as obras. 

Surpresa - Sem os aportes de recursos estaduais, o prefeito se veria em maus lençóis, por exemplo, para o Mercadão de Madureira, orçado em R$ 6 milhões, e para a Lagoa Rodrigo de Freitas. "Simplesmente não tínhamos recursos previstos para estas obras, porque não podíamos imaginar que o  mercado pegaria fogo ou que a situação da Lagoa se agravasse tanto, explica a secretária Municipal  de Obras, Angela Fonti. Graças à  mão estendida pelo governador, Conde vai precisar investir na galeria de cintura da Lagoa somente R$ 250 mil - já que, do governo  federal virão R$ 1,75 milhão e, do estadual, mais R$ 1,5 milhão dos feito uma ajuda financeira para R$ 3.500.000 necessários para a obra na Lagoa. 

Romance -A paz que reina entre o Palácio Guanabara e o da Cidade - capaz de transformar uma divergência sobre à urbanização do Morro Dona Marta em parceria de R$ 10 milhões para cada governo - chega a incomodar PT e PDT, ambos à espera de apoio político para as eleições municipais.

"Claro que é ótimo ter prefeito e governador em clima de romance. Mas, se o namoro fosse mais sério, eles poderiam investir no saneamento da Rocinha, em vez de construir uma vila olímpica faraônica, bem à vista sobre o túnel Zuzu Angel , diz o deputado estadual Paulo Pinheiro (PT), que vê no namoro entre Conde e Garotinho um motivo a mais de afastamento entre os partidos de esquerda e o governador. 

Para a bancada do PDT, o apoio ao prefeito candidato à reeleição não foi surpresa. "Não acho que isso seja um apoio ao candidato Conde, mas tenho certeza que o governador não apoiará Brizola nem Benedita como deveria", prevê a Deputada estadual pedetista Cidinha Campos.

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Casas demolidas por questão de segurança

Jornal do Brasil, Caderno Cidade, sexta-feira, 2 de junho de 2000

A Secretaria Municipal de Habitação demoliu na madrugada de ontem oito casas construídas próximas à localidade conhecida como Roupa Suja, na favela da Rocinha (Zona Sul), junto à entrada do Túnel Zuzu Angel (auto-estrada Lagoa-Barra). O local é considerado de risco, tanto para os moradores, como para os usuários do túnel. A demolição foi feita também para permitir a construção da Vila Olímpica da Rocinha, que vai ocupar uma área de 7 mil metros quadrados e contará com diversos equipamentos esportivos, beneficiando moradores de toda região de São Conrado.

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Brasil, o 4º da América Latina

Jornal O Globo, Morar Bem, domingo, 4 de junho de 2000


Léa Cristina

A qualidade da habitação no Brasil é a quarta da América Latina. Ou seja, o déficit de mais de cinco milhões de moradias e as condições de infra-estrutura urbana deixam o país atrás de Chile, Uruguai e Argentina. Segundo pesquisa feita a partir dos últimos dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o Índice de Desenvolvimento Habitacional (IDHab) brasileiro está em 0,75, contra 0,80 do Chile, 0,78 do Uruguai e 0,76 da Argentina.

Para o economista Fernando Garcia, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), galgar posições nesse ranking não é tarefa fácil. Consultor do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (Sinduscon-SP), Garcia fez um extenso estudo sobre o desenvolvimento do setor no Chile, que, em termos de política habitacional, é considerado hoje referência para a América Latina:

- Uma mudança nesse ranking exige um grande investimento na política para a baixa renda. O Chile levou de 15 a 20 anos para passar o Uruguai e a Argentina.

No caso da população de baixa renda, o segredo chileno, diz Garcia, está no subsídio governamental - mais especificamente no subsídio direto: os recursos passam das mãos do estado para as dos mutuários, sem intermediários. Ou seja, sem canais secundários, pelos quais a verba possa ser desviada.

No caso da classe média, foi a criação de um mercado secundário de títulos para o setor habitacional (a securitização de hipotecas) que permitiu que os financiamentos deslanchassem. O fato é que em fins dos anos 70, o Chile construía anualmente 25 mil moradias; em 1987 esse número passara para 60 mil; e nos últimos anos chega a 130 mil.

- Tudo isso é fruto de uma decisão política de investir no setor - acentua Garcia, acrescentando que de uma taxa de investimento de 16% do PIB em meados dos anos 70, o Chile passou para 24% do PIB (média de 95 a 99). - E os recursos equivalentes à maior parte desses oito pontos percentuais de diferença vêm sendo direcionados para o setor da construção civil.

Uma das conseqüências dessa política maciça de investimento é que 2,5% da população chilena trabalham na construção civil. No Brasil, esse percentual é de 0,8%. No Estado de São Paulo especificamente, de 1,25%. Aliás, São Paulo e Chile têm o mesmo número de trabalhadores no setor, mas o número de habitantes paulistas é simplesmente o dobro (32 milhões) da população chilena.

No que se refere à captação de recursos privados para a habitação, Garcia lembra que o Brasil já criou os instrumentos legais para desenvolver um mercado secundário de títulos. São as regras que compõem o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), que não deslancha por causa dos juros altos.

Para se ter uma idéia dessas dificuldades: no Chile, os juros para quem empresta no setor estão em 6,9% ao ano e os títulos públicos dão uma remuneração em torno de 10% (6,4% mais inflação); no Brasil, contra os 6% (mais TR) pagos pela caderneta de poupança, os juros básicos da economia chegam a 18,5%.

- Mas essa é uma questão de conjuntura econômica. O jeito nesse caso é esperar que as taxas de juros caiam. Acredito que o sistema se viabilize quando os juros básicos da economia estiverem entre 9% e 11% - diz Garcia, acentuando que, por parte do Governo, o que seria possível fazer agora é investir no financiamento da baixa renda, criando uma política de subsídio eficiente.

O modelo chileno, mais uma vez, é citado. Como o subsídio naquele país - concedido a famílias com renda equivalente a até seis salários-mínimos brasileiros (R$ 906) - vai direto do estado para as mãos do mutuário, diz Garcia, não existe risco de corrupção.

- Não é necessário aumentar impostos ou injetar mais recursos. Os gastos feitos pelo Estado de São Paulo em habitação, por exemplo, seriam suficientes para combater o problema da falta de moradia. A questão é a corrupção. O problema não está na falta de dinheiro, mas na máquina pública: é uma questão de eficiência de gasto - conclui.

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O sonho desfeito do arquiteto

Jornal do Brasil, Cidade, domingo, 11 de junho de 2000

Morto há dois anos, Lúcio Costa vivia decepcionado
com a descaracterização do plano da Barra da Tijuca

Projetada pelo arquiteto Lúcio Costa, em 1969, a Barra da Tijuca viveu os últimos 31 anos num dilema: de um lado o plano piloto, que harmonizava natureza e urbanismo moderno. Do outro, a pressão do desenvolvimento imobiliário, que, segundo especialistas, é uma das principais responsáveis pela acelerada descaracterização do plano inicial do arquiteto, cuja morte completa dois anos na terça-feira. "A especulação imobiliária vendeu sonhos que implodiram parâmetros básicos do plano", diz Angela Martins, professora de Arquitetura da Universidade Federal do Estado do Rio (UFRJ).

Para ela, o plano piloto está sem controle. "A poluição que vem ocorrendo no bairro é um exemplo de que não houve acompanhamento na infra-estrutura de saneamento básico, que deveria andar junto com o desenvolvimento do plano", explica. A implosão do crescimento do bairro levou Lúcio Costa a evitar comentar, até os últimos dias de vida, detalhes do urbanismo que vinha mudando os rumos da Barra projetada por ele. Desse silêncio, restou apenas um pequeno texto, escrito por Lúcio no livro Registro de Uma Vivência. "De repente, não mais que de repente, veio o mau destino e fez da Barra o que quis".

Decepção - Para a filha do urbanista, Maria Elisa Costa, o pai tinha motivos de sobra para não comentar sobre a descaracterização do plano. "Era uma proposta muito nítida de urbanismo, mas foi detonada. Ficou manca", critica. Amigo e companheiro de Lúcio Costa durante a elaboração do plano piloto, o arquiteto Hugo Hamann também acredita que o urbanista tinha motivos para não está satisfeito. "Cerca de 40% do que ele idealizou foi distorcido pela pressão imobiliária" diz. Para ele, a prefeitura também colaborou para as mudanças que ocorrem nas idéias do plano piloto. "Quando o projeto foi feito, a maioria das áreas da Barra era de propriedade particular. Se a prefeitura tivesse adquirido essas áreas, boa parte do plano teria seguido sua íntegra", explica. Quando perguntado sobre o seu retorno ao bairro, três décadas após a elaboração do plano, Hamann é incisivo. "Quando vou à Barra ficou triste. Aquilo virou um lugar para automóveis".

Mudanças - Um dos exemplos das mudanças que ocorrem em relação ao plano inicial (ver gráfico), revela que no lugar, onde hoje funciona o Supermercado Carrefour, deveria existir um museu. Em outro ponto, que Lúcio Costa definiu como área a ser estudada, hoje existe uma favela. Embora concordem que a estrutura básica do plano foi seguida, os arquitetos e a secretária Municipal de Urbanismo, Hélia Nacif, defendem a revisão do plano. "Nenhum plano é estático. Precisa se adaptar às mudanças que ocorrem na sociedade. Por exemplo, o que vem ocorrendo nas áreas de Vargem Grande e no Recreio dos Bandeirantes", diz a secretária.

Mas alguns arquitetos também fazem ressalvas à idéia de que a Barra da Tijuca tenha se transformando em um filho feio, em relação ao projeto piloto. Afonso Kuenerz, responsável pela elaboração de cerca de 600 projetos na Barra, acredita que o plano ainda está sendo cumprido. "Com certeza, nos próximos anos, o Centro Metropolitano da Barra será realizado", diz Afonso Kuenerz. Já a professora Angela Martins prefere destacar que houve falhas no plano. "A favelização que vem ocorrendo na Barra é justificável pela falta de planejamento de habitações populares". Contexto - Para professora Cêssa Guimarães, autora do livro Lúcio Costa - um certo arquiteto em incerto e secular roteiro, prefere não responder se o plano foi cumprido, ou se está sendo descaracterizado. Para ela existem questões que precisam ser levadas em conta. "Entre criar e executar existe um contexto político e econômico que precisam ser considerados", explica.

Planejamento desrespeitado

As divergências entre o plano piloto da Barra da Tijuca e o que se vê hoje em dia no bairro, não estão restritas apenas ao local que ganhou fama de habitat da sociedade emergente do Rio. Em outros bairros, também planejados por Lúcio Costa, as transformações ocorrem dia após dia. No Recreio dos Bandeirantes, por exemplo, onde foi decidido que os prédios teriam, no máximo, três pavimentos, os moradores ignoram solenemente a lei. "Autorizamos a construção do prédio. Depois que fica pronto, os moradores vão e constroem o quarto andar", explica a coordenadora regional da Secretaria de Urbanismo na Barra, Mônica Metello.

Se de um lado os moradores esquecem do plano, do outro a própria legislação do município garante as transformações urbanísticas do bairro. De acordo com a coordenadora, a maioria dos prédios já está regulamentada, apesar de, ironicamente, continuarem em desacordo com o Plano Lúcio Costa. "Os proprietários se beneficiaram de uma Lei de 1997, que lhes dava oportunidade de pagar por essas obras. Ou seja, hoje elas estão regularizadas", explica Mônica.

Outro ponto que vem sendo desrespeitado é a ocupação das coberturas acima de 50% do terraço. E as distorções não param por ai. Vargem Grande, que Lúcio Costa imaginou ser ocupada por sítios e fazendas, transformou-se em bairro de condomínios fechados. Em Jacarepaguá, a área destinada ao estudo urbanístico, hoje é ocupada pela favela Rio das Pedras

Esgoto de 700 mil nas lagoas

O crescimento vertiginoso da Barra da Tijuca pode ser medido pela grande quantidade de esgoto que o bairro despeja nas lagoas. Com uma população estimada em 700 mil habitantes, o bairro produz, diariamente, 240 milhões de litros de esgoto. Boa parte disso, segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMM), é despejada nos rios, que poluem as lagoas. Embora a degradação ambiental não seja coisa nova, nos últimos dias a população passou a cobrar providências do estado.

Na semana passada, os moradores recorrerão à Justiça para não pagarem a taxa de esgoto cobrada pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae). Alegam que a empresa não cumpriu a promessa, feita em 1996, de que em quatro anos construiria a estação de esgoto do bairro. O governador Anthony Garotinho rebateu a ameaça, dizendo que se a Justiça conceder a suspensão dos pagamentos, as obras do emissário submarino da Barra não serão entregues no prazo. A Justiça deve decidir sobre o caso, ainda está semana.

Apesar da briga, a coordenadora de despoluição da SMM disse que parte dos moradores não se preocupa em saber onde o esgoto da sua casa é despejado. "Na Barra tem muito síndico que não sabe onde o esgoto do seu prédio é lançado. Isso é grave, demonstra desinteresse pela questão ambiental", diz Carmem Lucariny. Segundo ela, as lagoas da Barra estão praticamente mortas. "Na Lagoa da Tijuca temos dificuldades até mesmo de coletar água para fazer medições. O local está muito assoreado", lembra a coordenadora.

Museu perpetua Lúcio Costa

Até o final do ano, os admiradores da obra de Lúcio Costa poderão conhecer detalhes da intimidade do arquiteto. Amigos e familiares estão preparando a inauguração da Casa Lúcio Costa, que vai expor ao público fotos, cartas, desenhos, livros, revistas, manuscritos e até mesmo, os primeiros rascunhos do que viria a se tornar a capital federal. "Meu pai era uma pessoa que não jogava nada fora. Ele ia acumulando tudo", diz a filha, Maria Elisa Costa, que está transpirando para conseguir reunir todos os documentos.

"Encontro rascunhos, que às vezes não são nada demais. Mas, procurando com calma. Vejo que ele fazia pequenas e importantes anotações no canto das folhas", conta. Maria Elisa é uma das organizadores do acervo, além de mais 13 amigos e parentes. Segundo ela, os documentos estão todos guardados no apartamento da família, no Leblon. No mesmo lugar onde o arquiteto viveu por cerca de 60 anos. É lá que os organizadores pensam em abrir a Casa Lúcio Costa. "Ele sempre dizia, que deveria ser muito bom morar em cima de uma loja que vendesse revistas. Ele adorava revistas", lembra Elisa.

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Mais pobres foram excluídos  

Jornal do Brasil, Cidade, domingo, 11 de junho de 2000

 

Projeto recebe críticas do Banco Mundial por
não atender à população carente da cidade

JOÃO CARLOS LEAL

Foto de Marcia Moreira[Segundo o BIRD, o programa se preocupa com a estética]

A aprovação ao programa Favela-Bairro deixou de ser unânime. O mais importante projeto social da Prefeitura do Rio, que conta com financiamento e monitoramento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e vinha recebendo elogios dentro e fora do país, mereceu um puxão de orelhas do Banco Mundial (BIRD). Segundo um relatório da instituição, concluído em meados do ano passado e ainda inédito no Brasil, o Favela-Bairro apresentaria uma grave distorção: ele simplesmente não atende à população mais pobre do Rio.

O relatório, ao qual o JORNAL DO BRASIL teve acesso com exclusividade, reconhece que o valor urbanístico do programa. Mas condena o fato do Favela-Bairro não "estar indo tão bem, quando avaliado do ponto de vista da amenização da pobreza". Conclusão da qual o prefeito Luiz Paulo Conde discorda. Seu gabinete, no Palácio da Cidade, exibe uma carta, emoldurada, de Enrique Iglesias, presidente do BID, que trata o programa como "um projeto estrela do banco". Para o prefeito, "não há projeto social melhor no mundo" e é a ele que, acredita, o Rio deve a redução dos seus índices de pobreza.

O relatório do BIRD, porém, acredita que o Favela-Bairro teve uma motivação mais estética do que social. No entender dos técnicos do banco, o projeto "pode ter vindo de um programa de embelezamento e melhoria urbana, o Rio Cidade, que teve como alvo os bairros mais ricos". Para a instituição, foi o medo de ser "criticada por só melhorar as áreas freqüentadas pela elite", que fez a Prefeitura estender o esforço de melhoria urbana às favelas vizinhas. O que teria sido um erro: o relatório afirma que menos de um terço da população mais carente mora em áreas faveladas, no Rio. O Favela-Bairro, por conta disso, teria atingido, até agora, "menos de 10% dos pobres".

Produzido ao longo do ano de 1997, com base em dados do IBGE, da Prefeitura e pareceres de técnicos brasileiros da Fundação Getúlio Vargas (FVG) e de outras instituições, o relatório do Banco Mundial é assinado por Indermit Gill, economista-líder da Equipe de Desenvolvimento Humano da Região da América Latina e Caribe. No entender do analista, que confirmou ao JORNAL DO BRASIL, na sexta-feira, as conclusões do relatório, o Favela-Bairro tem méritos do ponto de vista urbano, mas existiriam outras políticas "bem mais eficientes para combater a miséria"

O relatório ainda deixa claro que, ao optar por uma comunidade em detrimento de outra, a prefeitura teria, na verdade, sido tentada pela relação custo-benefício da obra. De acordo com o Bird a escolha foi feita "de modo que a urbanização completa pudesse ser conseguida a custos que não excedessem R$ 4 mil por domicílio". Mas prosseguir nessa linha, alerta o relatório, seria arriscado por dois motivos: "em primeiro lugar, dois terços dos pobres não vivem em favelas; e, em segundo, seria muito caro implementar projeto semelhante nas favelas mais pobres e menos urbanizadas".

Um pesquisador brasileiro que participou da produção do estudo do Banco Mundial, afirmou que essa opção acabou por criar um êxodo de moradores de uma favela não reurbanizada para outra, beneficiada pelo Favela-Bairro. O que foi comprovado pelo JORNAL DO BRASIL numa visita à favela Parque Royal e à vizinha Vila Joaniza, ambas na Ilha do Governador. A primeira, beneficiada pelo Favela-Bairro, teve a sua população aumentada de 4.000 para 7.200 pessoas. Muitas delas vindas, segundo a associação de moradores local, de Vila Joaniza.


Tamanho faz diferença

Alheias ao debate sobre se o Favela-Bairro é ou não uma eficiente forma de combater a pobreza, as comunidades disputam um lugar no topo da lista dos futuros alvos do programa. Guerra que, segundo o Bird, não tem favorecido quem mais precisa. Levam vantagem as favelas de médio porte, com alguma infra-estrutura, enquanto as maiores e mais carentes ficam de lado. Um técnico do BID, que rebateu a crítica, garantiu que existem várias regras para classificar as favelas. Oficialmente, contudo, o Banco não quis se manifestar sobre o conteúdo do relatório.

Mas basta visitar uma das primeiras favelas beneficiadas pelo projeto, o Parque Royal, e a vizinha e abandonada Vila Joaniza, ambas na Ilha do Governador, para entender o que o Bird quer dizer. A primeira favela tem ciclovia, creche, centros comunitários - que oferecem cursos diversos -, praça e ruas melhor definidas e abertas ao trânsito de caminhões de lixo e ambulâncias. E isso, estando relativamente próxima do bairro da Portuguesa. Vila Joaniza, bem mais isolada e com uma população três vezes maior, continua, porém, como estava.

"Eles começaram pelas pequenas para poder mostrar serviço rápido", critica João Herculano da Silva, que presidiu a Associação de Moradores de Vila Joaniza durante os últimos 13 anos. Para o motorista aposentado, Mário Gomes, 74 anos, a razão é um pouco diferente. "O parque fica perto da estrada e dá para os bacanas verem a obra. Nós estamos distante de tudo, por isso nem asfalto eles jogam. É só borra, mesmo", reclama.

No Parque Royal, a opinião é outra. No lugar de insalubres palafitas - visitadas por lacraias e ratos - há agora uma bela ciclovia. Agora, as ruas têm nome, as casas têm relógio de luz e os ex-favelados, endereço certo. "Sabe como era chamado isso aqui? Maruim. A gente tinha vergonha de morar num lugar com nome de mosquito", lembrou Cristhiano Félix Mendes, 26 anos. Transformada em Parque, a favela aumentou de população e desenvolveu um comércio próprio. Os imóveis acompanharam o progresso e já dobraram de preço.


Críticas do BIRD

Do modo como está atualmente implementado, refletindo o seu enfoque de melhoramento urbano, o programa Favela-Bairro, no momento, se direciona para as favelas em melhores condições. Isto reduz ainda mais a sua eficiência em termos de direcionamento, ou seja, a fatia de benefícios que vai para os mais pobres do Rio. Com esse programa, o município parece ter escolhido ajudá-los ao invés de ajudar as pessoas mais pobres na cidade, fora dessas favelas relativamente melhores de vida, que talvez sejam mais difíceis de alcançar, ou que tenta ajudar através de outras intervenções.

A motivação do Favela-Bairro parece ter vindo de um programa de embelezamento e melhoria urbana, Rio Cidade.

Enquanto o Favela-Bairro obviamente teve como alvo áreas mais pobres que o Rio Cidade, suas raízes vêm do melhoramento urbano, não da diminuição da pobreza.

Há mais de duas vezes o número de pobres fora das favelas que dentro delas

Um em cada cinco domicílios favelados é, na verdade, mais rico que o domicílio médio da cidade.


Herança do histórico de intervenções

O Favela-Bairro tem uma longa história. O programa nasceu do amadurecimento de uma série de intervenções do poder público nas favelas do Rio iniciada, em 1968, com a Companhia de Desenvolvimento Comunitário (Codesco), que urbanizou duas delas. A Codesco foi desativada pouco depois e a política de melhoramentos substituída pela de remoções. Uma prática que não deu certo, mas durou muito. Só em 1983, quando o governo estadual criou o Programa de Favelas da Cedae, voltaram a ser objetos de investimentos públicos.

O Programa de Favelas da Cedae era, contudo, restrito. Se dedicava a levar água e, menos ativamente, esgoto. Mas um desdobramento social não demorou a surgir, um ano depois, em 1984, quando a prefeitura cria o Mutirão Remunerado. O esgotamento sanitário passou, a partir daí, a contar com uso de mão-de-obra local, desempregada, ou subempregada. Em 86, a prefeitura amplia programa, incluindo obras de melhoramento urbano e utilizando o mutirão para a pavimentação de becos e vielas e a construção de escadarias.

Dois anos depois, foi a vez de uma desgraça, as fortes chuvas de 1988, tornarem urgentes, e não apenas justos, os investimentos nas favelas. Em 1989 nascia o Projeto de Urbanização Simplificada. O reflorestamento e as obras de contenção de encostas acabaram abrindo caminho para a construção de creches - 48 foram construídas, entre 91 e 92 - e projetos de educação sanitária. Iniciativa que deu tão certo que acabou recebendo a primeira injeção de dinheiro de fora do estado: o mutirão recebe recursos do governo federal e, ao final do programa, mais de 100 favelas foram beneficiadas.

A interferência política, curiosamente, também ajudou quando parecia atrapalhar. De governo para governo, as prioridades mudavam e as favelas a serem beneficiadas pelo mutirão também. De um lado, nada era levado até o fim. De outro, ajudou os técnicos a desenvolverem um panorama geral da situação das favelas no município que acabou servindo, mais tarde, para formar a base do Favela-Bairro.


Briga de pais

Conde e César proclamam paternidade

Filho feio, diz a sabedoria popular, não tem pai. Mas aos bonitos sobram candidatos. O programa Favela-Bairro é um bom exemplo. Nem bem começou a corrida eleitoral e sua paternidade já é disputada em horário nobre de televisão, durante as propagandas dos partidos políticos. O prefeito Luiz Paulo Conde, não pestaneja no seu espaço e garante: é o pai. Já o ex-prefeito César Maia dá um sorrisinho, quando perguntado por uma senhora sobre a autoria do projeto, e prefere um discreto "o seu coração é que sabe".

E a briga promete esquentar. Esta semana, com a exoneração da coordenadora do Favela-Bairro, Maria Lúcia Petersen, na quinta-feira passada, o programa passou a ter também uma candidata à mãe. Na sexta-feira, Maria Lúcia anunciou a disposição de lançar a sua pré-candidatura à Câmara Municipal, pelo PTB de César Maia, e se despediu dos colegas, por e-mail, num tom de até logo.

Por trás da disputa estão os votos que o Favela-Bairro pode render. Até agora, o programa beneficiou mais de 50 favelas e tem financiamento garantido para atingir 60% das comunidades faveladas da cidade, ou cerca de 800 mil pessoas. Alguns estudos garantem que nas favelas estão 25% dos eleitores do Rio.


Criadores rebatem as críticas

As críticas contidas no relatório produzido pelo Banco Mundial sobre o Favela-Bairro foram rechaçadas por integrantes do governo e técnicos que participaram do projeto. E de maneira nada acadêmica. "Isso é ciúmes que o BIRD tem do BID", criticou a ex-secretária municipal de Desenvolvimento Social, Wanda Engel, atual secretária de Direitos Humanos do governo federal. "Admira-me pagarem por um trabalho desses. Aliás, o BIRD que fique à vontade para nos oferecer recursos para combater a miséria", reagiu, irritado, o secretário municipal de Habitação, Sérgio Magalhães.

A fuzilaria não parou por aí. "Essa avaliação não passa de um monte de bobagens", detonou Maria Lúcia Petersen, até terça-feira passada, quando entrevistada pelo JORNAL DO BRASIL, coordenadora do Favela-Bairro. "Os técnicos do BIRD erraram de foco", avaliou, mais gentil, a professora Maria Alice Resende, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), que participou de uma avaliação do projeto entre 1996 e 1997.

Mas a condenação ao plano também se sustenta sobre argumentos. Para Wanda Engel, por exemplo, o BIRD não soube reconhecer que "a pobreza tem um ciclo produtivo e reprodutivo". Traduzindo: por reinserir a favela na cidade e fornecer serviços sociais o programa retiraria a comunidade da miséria e impediria que ela se reproduzisse. No que Sérgio Magalhães avança: "O Favela-Bairro é o mais abrangente projeto de combate a miséria do país".

Nem todos os que apóiam concordam com isso. A professora Maria Alice acredita que o programa não combate a pobreza, mas a desigualdade. "O Banco está analisando o projeto fora do seu contexto", alertou. Para ela, o projeto se reporta a um tempo em que as favelas pareciam enclaves independentes. "O projeto partiu de uma visão urbanística, de afirmação da cidade como um lugar de encontro e de baixa estima do carioca pelo Rio", teorizou. E lembrou uma frase, segundo ela do próprio Sérgio Magalhães, que afirmou não ser o objetivo do programa "dar casa, mas dar cidade a quem tem casa".

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Favelas nas rotas do turismo

Jornal O Globo, Rio, domingo, 11 de junho de 2000


Alba Valéria Mendonçae Paulo Marqueiro

Pobre paisagem: cidades que se transformaram em vitrines turísticas do estado começam a sofrer os efeitos da ocupação urbana desordenada. Em Angra dos Reis, no Sul Fluminense, enseadas paradisíacas têm como pano de fundo encostas que perderam o verde para as favelas. A sofisticada Itaipava, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, vem cedendo terreno para construções irregulares. Em Teresópolis, a mão do homem construiu barracos sob a sombra do Dedo de Deus, impondo nova moldura ao símbolo da cidade.

Quarta-feira passada, diante de uma privilegiada vista do mar de Angra, o porteiro Sebastião Oliveira de Souza erguia as paredes de sua casa no alto do Morro da Sapiatuba, na região central da cidade, ampliando os limites da favela, que fica às margens da Rodovia Rio-Santos.

Sebastião é mais um no universo de 45 mil pessoas que ocupam desordenadamente as encostas de Angra dos Reis. O número representa quase metade da população da cidade. O prefeito, José Marcos Castilho (PT), porém, nega que Angra esteja passando por um processo de favelização.

- Angra não tem favelas. Essas áreas são todas urbanizadas - diz.

Para quem vive do turismo - uma das principais fontes da arrecadação de Angra - a visão é outra. Maria Borges, diretora do Hotel do Frade, culpa a Prefeitura pela ocupação desordenada dos morros.

- A Prefeitura constrói escadas para o morro, asfalta as ruas, põe luz. Acho que ela não tem noção do que é o turismo - critica Maria.

Apesar de ser mais visível em Angra, a favelização se estende a outras regiões da Costa Verde. Construções irregulares podem ser observadas ao longo da Rio-Santos. Como em Mangaratiba. O secretário de Assuntos Extraordinários do município, José Joaquim Madeira, alega que a situação está sob controle:

- A favelização está até diminuindo, porque essas comunidades carentes estão sendo organizadas.

O engenheiro-chefe do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) na rodovia, Roberto Quinet, também tenta minimizar o problema, alegando que as "ocupações são pingadas" ao longo da estrada, mas reconhece que o órgão não tem como fazer a fiscalização:

- Os nossos fiscais de campo se aposentaram. Além disso, temos oito funcionários para cuidar do trecho que vai da Avenida Brasil à divisa com São Paulo - diz Quinet.

Novos moradores vêm da zona rural

As invasões em lugares como Itaipava, Correas, Nogueira, Araras (distritos de Petrópolis) e Teresópolis ainda não interferem no movimento turístico da região, mas já preocupam hoteleiros e comerciantes. Segundo Luiz Antônio de Souza, dono da Pousada Cabanas do Açu, em Nogueira, se nenhuma providência for tomada para conter o crescimento das favelas, a Região Serrana poderá perder sua principal atração turística: a paisagem exuberante.

- Os moradores das favelas são, na maioria, gente que trabalha como arrumadeira, caseiro, cozinheiro em hotéis, restaurantes e casas na região. Indiretamente, eles estão ligados ao turismo. Se o lugar não for preservado, eles perdem o emprego. Por isso, procuramos desenvolver um trabalho de conscientização com eles - explicou Souza.

Dono do restaurante Faraona, em Itaipava, Eduardo Cunha se diz preocupado com o crescimento das favelas à beira da estrada.

- É um problema que afeta toda a comunidade e não só o turismo. Mas não vejo ninguém fazer nada.

As favelas que se espalham pela serra são formadas, em geral, por pessoas da região que perderam seus empregos em sítios e fazendas. É o caso da caseira Célia Viviane Cunha. Há cerca de 20 anos, ela perdeu o emprego em Silva Jardim e foi para um barraco construído num terreno do Alto, bairro nobre de Teresópolis. Hoje a comunidade, que há dez anos conquistou a posse da terra, divide espaço com casas de luxo.

- A gente veio tentar a vida no Centro - contou a caseira.

Em Teresópolis, a ocupação desordenada nas encostas é ainda mais evidente. E vem preocupando também prestadores de serviço que dependem do turismo, como é o caso do guia turístico Paulo Costa.

- Nossa cidade está crescendo e atraindo muita gente, que acaba se instalando em bairros populares como São Pedro, que já tomou conta da encosta. O caso é preocupante, porque turista não vem para a serra para ver favela - afirmou Costa.

Segundo o presidente da TurisRio, Sérgio Ricardo de Almeida, a favelização em regiões turísticas é mais intensa no litoral do estado, onde a ocupação foi feita desde seu início de forma desordenada.

- Na Região Serrana, por causa de sua característica rural, a favelização é mais lenta, mas não menos preocupante - afirmou Almeida.

Para o presidente da Associação Brasileira de Agentes de Viagem (Abav), Luís Felipe Bonilha, a favelização precisa ser contida antes que prejudique regiões turísticas:

- É lamentável que aconteça isso em regiões nobres. A Costa Verde é nossa Côte d’Azur. Itaipava é um centro gastronômico fantástico. Se não houver controle hoje, essas regiões vão acabar como o Rio.

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Bird: prefeitura não conhece favelas

 

Jornal do Brasil, Rio, segunda-feira, 12 de junho de 2000

Os investimentos sociais da prefeitura do Rio sofrem com a falta de dados precisos sobre a localização e as prioridades das populações mais pobres e ainda com a ausência de avaliações rigorosas sobre os benefícios dos programas sociais desenvolvidos pela cidade. A conclusão está do relatório do Banco Mundial (Bird) divulgado ontem pelo JORNAL DO BRASIL, que teceu uma série de críticas à condução do programa Favela-Bairro, em especial, ao fato de que o projeto não estaria atingindo a fatia mais pobre da população carioca.

O estudo do Banco Mundial indicou que "somente 20% do orçamento municipal são gasto em programas com um enfoque especial no atendimento aos pobres" - no caso, programas de educação básica e saúde, desenvolvimento social e melhoramentos urbanos. O problema é que, ainda segundo os técnicos do banco, apenas 10% desse mesmo orçamento chegaria aos pobres. Nesse capítulo, o relatório destaca que enquanto o Favela-Bairro atenderia a uma fração pequena dos realmente pobres, outros programas, mais eficazes o Rio Criança Maravilhosa e o Bolsa Alimentar, não estariam recebendo a devida atenção da prefeitura.

O desequilíbrio encontrado pelo relatório do Banco Mundial deu um novo ânimo à disputa pela prefeitura. Os candidatos de oposição ao prefeito Luiz Paulo Conde trataram de colocar mais lenha no debate sobre o foco das prioridades sociais do governo municipal. Para a vice-governadora Benedita da Silva, a ênfase no urbanismo é o principal defeito do programa. Ignorando que o projeto inclui centros sociais e creches, Bené disse que o Favela-Bairro seria falho por "não transformar as comunidades em bairros, mas projetos arquitetônicos, esquecendo as pessoas".

Demonstrando maior conhecimento do programa, os pré-candidatos pelo PSB, o deputado Alexandre Cardoso, e o pelo PTB, César Maia, criticaram alguns desvios do projeto. Para Cardoso, o programa vem beneficiando áreas nobres das favelas, interferindo mais no entorno do que no meio. "Do modo como vem sendo feito, o Favela-Bairro está se deixando transformar numa maquiagem das favelas", critica.

Para o ex-prefeito Cesar Maia, porém, o Banco Mundial também estaria equivocado. Embora acredite que, "de dois anos para cá", o Favela-Bairro tenha passado a dar um maior valor à parte urbanística do projeto, o ex-prefeito acredita que ele contempla, sim, os pobres. "Não é por que tem razão que o Banco pode desqualificar um projeto como esse", critica. Para Cesar, o Favela-Bairro favorece a introdução de programas sociais e, progressivamente, melhora a vida e renda dos mais carentes.

Ainda assim, não seria a primeira vez que a prefeitura parece errar a mão nas favelas. A Rocinha, por exemplo, discordou, no começo deste mês, de um ambicioso projeto de R$ 13 milhões para dotá-la de uma Vila Olímpica, de 200 metros de extensão e 35 de largura, a ser construída sobre a Auto-Estrada Lagoa-Barra. Os 150 mil moradores da favela, dos quais menos de 10 mil tem água e esgoto encanados, consideraram o saneamento a prioridade número da Rocinha.

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Que venha o sol

Jornal O globo, Morar Bem, domingo, 18 de junho de 2000


Luciana Casemiro

Os prédios que forem construídos na orla do Rio não serão mais sinônimo de sombra na areia. A Secretaria municipal do Meio Ambiente acaba de lançar seu projeto Estudo das Sombras, que visa a reduzir ou eliminar o sombreamento que um novo empreendimento produziria na areia das praias. A exigência, de início restrita aos apart-hotéis (que no ano passado tiveram o gabarito liberado para até 15 pavimentos), vai se estender também às construções tradicionais.

Segundo a secretaria, esse tipo de estudo, feito na Europa e nos Estados Unidos, é pioneiro no Brasil. E o melhor é que o trabalho dos técnicos já começou a dar resultados. Caso de um empreendimento da construtora Gafisa, na Praia do Pontal, no Recreio dos Bandeirantes, que teve seu projeto refeito duas vezes pela empresa para atender à Prefeitura. Os últimos andares ganharam um escalonamento, que resultarão em uma forma piramidal, e o prédio não deixará a sombra que deixaria na areia se a versão original prevalecesse.

- Isso não é problema para as construtoras. Pelo contrário: agrega valor ao empreendimento, porque melhora a qualidade de vida na área em que ele está situado - diz Francisco Pedroso, diretor da Gafisa.

A exigência não visa apenas a garantir o bronzeado carioca, mas também a qualidade da areia. Um monitoramento que vem sendo desenvolvido, desde novembro passado, na Praia de Copacabana, comprovou que nas faixas em que há incidência de sol durante todo o dia não são registrados coliformes fecais e outras impurezas que provocam doenças de pele.

- A condição da areia está diretamente relacionada à umidade: quanto mais úmida, mais coliformes. O sol funciona como um esterilizador - ressalta Eduardo Rodrigues, gerente de Licenciamento Ambiental da Coordenadoria de Controle Ambiental.

A falta de um estudo como esse - que permitiu que se formassem paredões de sombra nas praias da Zona Sul - já fez estragos na orla da Barra: por exemplo, no trecho entre os postos 3 e 5. Quem freqüenta a praia diariamente, como o professor de uma escolinha de surfe Alexandre Rodrigues, vem acompanhando o agravamento do problema ao longo dos anos.

- Freqüento a Barra há mais de 20 anos e observo o aumento das áreas de sombra. Das 6h30m às 9h30m, procuramos frestas de sol para dar aula. A partir das 14h essas áreas de sombra começam a aparecer novamente. Os prédios funcionam como uma muralha para o sol - acentua Alexandre.


Construtoras já fazem estudos preliminares

O inverno é a época do ano mais favorável para o aparecimento de sombras na praia. O gerente de Licenciamento Ambiental da Coordenadoria de Controle Ambiental, Eduardo Rodrigues, explica que isso acontece por conta da inclinação do sol, que vai se modificando no decorrer do ano. Nessa época, ele tem grande declinação para o norte criando sombra no sul.

- Como a Barra é voltada para o sul, e dependendo de como for construído o prédio, pode-se ter o sombreamento de boa parte da areia - exemplifica Rodrigues.

Um das áreas mais críticas da orla em relação a problemas de sombreamento é a Praia do Pontal, no Recreio. Isso se dá por conta da proximidade entre as edificações e a faixa de areia. Mas o problema tem solução. Prova disso é o empreendimento da Gafisa, que, depois das modificações sugeridas pela Prefeitura, não provocará sombra na areia.

- Os clientes hoje cobram da construtora uma consciência ambiental e dão preferência a projetos que respeitem o meio ambiente. Além disso, as mudanças não nos trouxeram nenhum prejuízo na área construída, mas nos permitiram fazer um projeto mais integrado à natureza - diz Francisco Pedroso, diretor da Gafisa.

A exigência da Prefeitura já está motivando um novo comportamento por parte das construtoras. Antes de enviar para análise o projeto de um apart-hotel, que será lançado este mês na Avenida Sernambetiba, a Agenco realizou um estudo ambiental preliminar.

- O nosso grupo de arquitetos preparou um relatório levando em conta a pior data de aparecimento do sol, 22 de junho, o chamado solstício de inverno, e a melhor, 22 de dezembro, o solstício de verão, montando um gráfico que avalia a sombra provocada pelo prédio de duas em duas horas - conta Sérgio Goldberg, presidente da Agenco, ressaltando que não foi preciso modificar o projeto.

Goldberg ressalta que, daqui para frente, todos os projetos da construtoras previstos para a orla - sejam apart-hotéis ou residenciais tradicionais - receberão um estudo preliminar de sombras.

As orlas da Barra e do Recreio serão os alvos mais freqüentes da Prefeitura, já que ambas estão em fase de ocupação. Mas as praias da Zona Sul não escaparão da exigibilidade, em caso de novas construções. A idéia é evitar, sempre que possível, que os prédios formem uma muralha, como em Copacabana, onde, em áreas mais sombreadas, encontram-se 90nmp (números mais prováveis) de coliformes por grama de areia. Nas áreas que recebem mais sol, o índice é de 14nmp/g.


Verifique as exigências

COMO É FEITO: A construtora que quiser fazer um apart-hotel na orla deve apresentar, à Secretaria municipal de Meio Ambiente, uma planta que tenha gráficos mostrando a projeção da sombra da construção em diferentes horários do dia e meses do ano.

CRITÉRIOS: O padrão adotado pela Prefeitura exige que o sombreamento seja totalmente evitado no verão, no outono e na primavera (a não ser no nascer e no pôr do sol). Durante o inverno, a exigência é que haja sol pleno pelo menos entre 9h e 15h.

PIORES: A praia com maior problema de sombras é a de Copacabana. O trecho da Barra entre os postos 3 e 5 também é considerado ruim.

MELHORES: Ipanema é a melhor de todas. A praia está praticamente exposta a sol pleno durante todo o dia. Em boas condições, também estão as praias de Arpoador e Leblon.

PROJETO: A decisão de estender o projeto Estudo de Sombras a todos os tipos de construções da orla está sendo transformada em norma.

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R$ 750 milhões para favelas escolhidas

 

Jornal do Brasil, Cidade, domingo, 25 de junho de 2000

Rio receberá apenas 10% dos recursos do BID, distribuídos
a cidades indicadas pelos governos Federal e Estadual

JOÃO CARLOS LEAL

Foto de Paulo Nicolella

Cerca de R$ 750 milhões começarão a ser distribuídos entre 160 cidades brasileiras a partir da próxima sexta-feira, dia 30, para investimentos em programas de urbanização de favelas. O Rio, com 91 municípios e reconhecidos problemas na área, vai levar uma fatia pequena dos recursos - pouco mais de 10% -, a serem repartidos, de forma desigual, entre um pequeno número de cidades: apenas 15, segundo a secretaria estadual de Planejamento, escolhidas por indicação. Brasília apontou seis e o governo estadual teve direito de eleger as outras nove.

Financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o programa, chamado Habitar Brasil-BID, prevê o repasse de recursos em duas etapas. A primeira, menor, será empregada na capacitação de funcionários públicos e no reequipamento das prefeituras. A segunda, bem maior, será destinada às obras propriamente ditas. Negociado entre 1997 e 1998, para atender de forma experimental 22 cidades, o convênio com o BID só foi assinado no final do ano passado e acabou sendo ampliado por conta da desvalorização do real frente ao dólar, em 98.

A divisão do estado não driblou a lista que seria feita se as opções fossem apenas técnicas. Isso, pelo menos, é o que garantem os técnicos encarregados de implantar o programa a nível local e nacional. Segundo eles, a escolha das cidades e a partilha dos recursos teria obedecido à população dos municípios e a posição que ocupam no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Mas esses parâmetros não impediram que a escolha das cidades e o total da verba do BID a que tiveram direito levantassem algumas dúvidas. Tantas, que o programa foi deflagrado em todo o Brasil sem sequer a tradicional cerimônia de lançamento oficial, para fugir à gritaria de milhares de prefeitos deixados de fora da lista. Não impediram também, que o prefeito José Camilo Zito dos Santos, de Caxias - a cidade que recebeu o maior volume de recursos no estado - garantisse que as escolhas foram, sim, políticas.

Convênios assinados e conhecida - por poucos - a escalação das cidades, novas dúvidas. No time estadual, por exemplo, Campos, de 389 mil habitantes - e caixa reforçado pelos royalties do petróleo - não apenas conseguiu ser incluída, deixando de fora cidades como Niterói (mais favelada e populosa), como abiscoitou a quarta maior fatia de recursos: R$ 3,8 milhões. Itaboraí - considerada pelo Ipea a cidade mais miserável do estado - ficou atrás, com R$ 3,5 milhões. Para o Rio, 20 vezes mais populoso que Campos, restaram R$ 9 milhões, pouco mais do que recebido pela cidade natal do governador.

As opções do governo federal levantam três dúvidas. A primeira é que as suas seis cidades tiveram direito a R$ 38 milhões, apenas R$ 2 milhões a menos que o destinado às nove do governo estadual. A preferência por Duque de Caxias, que ficou com R$ 27,3 milhões, também causou estranheza. A verba, três vezes a carioca, é mais de 10 vezes o que foi destinado para Japeri, município que ficou com apenas R$ 2 milhões, embora tenha 70% da população de Caxias e esteja abaixo dela no ranking do Ipea.

Pior ainda ficou a vizinha e igualmente populosa Belford Roxo, que tem 68% dos seus habitantes com renda familiar de até três salários mínimos - dentro da faixa de atendimento do programa do Bid. A cidade simplesmente foi esquecida e não recebeu um centavo sequer.

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Desabrigados fecham a Av. Brasil

Jornal do Brasil, Cidade, 28 de junho de 2000


Luzia Camilo, 79 anos, chora junto ao sorriso de Ana Paula Arosio, a parede de seu barraco destruído.

Foto de Estefan Radovicz[Famílias que organizaram o protesto ficaram entre os  escombros]

Ex-moradores da Vila Pinheiros, no Complexo da Maré, que tiveram suas casas demolidas pela prefeitura, na segunda-feira, fecharam, ontem de manhã, o trânsito nos dois sentidos da Avenida Brasil, na altura de Manguinhos. Revoltados com a ação da Secretaria Municipal de Habitação (SMH) que mandou derrubar 277 casas e barracos, cerca de 70 desabrigados puseram fogo em paus e pneus, por volta das 9h30, e bloquearam o tráfego durante três minutos. Foi o suficiente para congestionar o trânsito de Bonsucesso ao Caju. A situação só foi normalizado 30 minutos depois.

Com o fechamento da Avenida Brasil, a Polícia Militar agiu rápido. Em poucos minutos, 140 homens do 22°BPM, Tropa de Choque, Getam e 8ª Companhia Independente de Policiamento Militar (CIPM) foram deslocados para o local. Não houve confronto porque os policiais já encontraram o trânsito desimpedido. Os manifestantes acusam a Secretaria Municipal de Habitação de não incluírem todos os ex-moradores da Vila Pinheiro no programa de habitação da prefeitura. "Destruíram nossas casas e não temos para onde ir. Estamos sem casa", disse Alexandre Ribeiro Almeida, de 32 anos.

Os desabrigados, entre eles crianças e mulheres grávidas, disseram que desde segunda-feira estão dormindo sobre os escombros do que restou da Vila. "Chegaram aqui, destruíram tudo e foram embora. Estamos dormindo ao relento", contou a cozinheira Érica Cristina da Silva, 20. A coordenadora de Acompanhamento da Secretaria de Habitação, Maria Isabel Tostes reconheceu que 68 famílias ficaram fora do programa. "Em fevereiro fizemos uma acordo com a associação de moradores da Vila, que nos passou o nome de 209 famílias que seriam contempladas com o programa. As demais ficaram de fora", explicou.

Aluguel-De acordo com a coordenadora, o anúncio de que a prefeitura pagaria o aluguel das famílias, enquanto a RioUrb construísse o conjunto habitacional, foi o motivo do desentendimento entre a secretaria e moradores. "Depois que souberam que pagaríamos o auxílio-aluguel das famílias que foram desapropriadas, várias famílias invadira a Vila do Pinheiro este mês", acusa Isabel Tostes. Os moradores, por sua vez, dementem a coordenadora. "Moramos aqui há oito meses, e mesmo assim não incluíram nosso nome do programa", rebateu Marcus Henrique da Silva, 23.

O desentendimento entre moradores e prefeitura levou a coordenadora da Secretaria Municipal de Habitação a mudar os planos, no início da noite de ontem. "Vamos entregar materiais de construção para que estas famílias construam suas casas, na Vila, mas não podemos pagar o auxílio-aluguel. Agora precisamos que eles desocupem o terreno, para que as obras sejam iniciadas", explicou Isabel Tostes.


Crianças brincam nos escombros

O cenário lembra muito uma cidade devastada pela guerra. Em meio à destruição, o olhar desolado dos ex-moradores. Sem casa e sem comida, a aposentada Luzia Camilo da Silva, de 79 anos, observa os escombros do que restou da Vila do Pinheiro e se emociona. "Não sei para onde vamos. Não sei o que será de nós", diz Luzia, chorando. A poucos metros, alheios à destruição, cercado por moscas e pelo mato, alguns crianças brincam com o que restou de um barraco.

Entre os desabrigados, muitas mulheres jovens, algumas viúvas. "Meu marido morreu, tenho uma filhinha de 2 anos, e ainda estou grávida de nove meses. Estamos sem comida e sem lugar para dormir desde segunda-feira", queixa-se Cirlene Conceição Duarte, 19 anos.

Os desabrigados da Vila Pinheiro se amontoam entre camas, armários e lençóis na tentativa de assegurar o que ainda resta. "Na demolição, perdi o meu fogão e alguns objetos pessoais", diz Fernando Luiz Souza, 22 anos.

A guerra que afastou o angolano Antônio Gonçalves Vicente, 26 anos, do seu país, segundo ele, parece próxima. "Perdi tudo que tinha, na demolição da prefeitura. Agora estou com minha mulher e minha filha dormindo num pedaço de colchão", conta o estrangeiro. Ontem, Gonçalves recebeu a visita de outros três amigos, que também deixaram a Angola, em 1996, rumo ao Brasil. "Eles vieram saber o que tinha acontecido comigo e com minha família. Eles deram sorte, não moram aqui", relata.

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Projeto prevê universidade em favela

Jornal do Brasil, Cidade, Terça-feira, 11 de julho de 2000

Idéia da fundação alemã Bauhaus-Dessau para reurbanizar Jacarezinho foi
desenvolvida por técnicos de nove países

     Imagine uma favela carioca com hotel, bar de Blues e Jazz, cinema, teatro e campus  universitário. Pois este é exatamente o resultado do projeto de urbanização da Favela do Jacarezinho, na Zona Suburbana, desenvolvido pela fundação alemã Bauhaus-Dessau. Apresentado na tarde de ontem, no Palácio da Cidade, o "Célula Urbana" foi aprovado pelo prefeito Luiz Paulo Conde, que prometeu conseguir recursos para sua implantação.

     Fruto de uma pesquisa realizada durante duas semanas em março deste ano, quando 15 técnicos de nove nacionalidades, incluindo brasileiros, moraram na favela, o projeto prevê melhorias urbanísticas no Jacarezinho sem, no entanto, alterar as características básicas de sua arquitetura, considerada um "exemplo de modernidade" pelo prefeito.

     Um viaduto sobre a linha do trem fará a ponte entre o interior da favela e a área próxima à Avenida Suburbana, ocupadas, hoje, por uma unidade da Sociedade União Internacional de Proteção aos Animais (Suipa) e pela Escola de Samba Unidos do Jacarezinho. É neste viaduto que será criado o espaço para o campus universitário, na verdade uma área "fomentadora de estudos dentro da comunidade, onde pretendemos realizar um intercâmbio entre os moradores e instituições universitárias", explicou Álvaro Mello, gerente do Programa Favela-Bairro em Grandes Favelas.

Convênios - "Pretendemos criar convênios com instituições para que utilizem o campus do Jacarezinho como área de estudos, em parceria com a comunidade. Partimos do princípio que o Brasil e o Rio de Janeiro, em particular, são pontos de referência para trabalhos de urbanização em áreas de baixa renda", continuou Álvaro. "Já estou com vontade de ver isto construído e se fosse professor, daria um grande prêmio, nota dez para vocês", elogiou Conde. Sem noção do custo final, o prefeito disse que entrará em contato com a Caixa Econômica Federal, que financia os R$ 17 milhões do projeto Favela-Bairro no Jacarezinho, para discutir a viabilização do "Célula Urbana". "Isso vai sair muito muito barato", calculou Conde.

Intervenções - O presidente da Fundação Bauhaus-Dessau, Omar Akbar, alemão naturalizado, nascido no Afeganistão, contou que sua equipe optou por três diferentes tipos de intervenção na área. Primeiro, com intervenções pontuais, ações em locais que não têm mais condições de ser preservados. Depois, com o saneamento de construções, que poderão ser melhoradas com a abertura de uma porta ou janela ou a derrubada de uma parede. Finalmente, com o que Omar chama de "nova reconcentração" de moradias - a remoção de casas que serão realocadas em outros lugares, de forma a abrir espaços.

     "Nossa proposta é trazer a sociedade do asfalto para dentro da favela", afirmou o presidente da Associação de Moradores do Jacarezinho, Rumba Gabriel. O Jacarezinho tem hoje uma população estimada pela prefeitura em 60 mil habitantes, e de 100 mil pela Associação de Moradores.

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Lixo

Jornal O Dia, domingo, 16 de julho de 2000.

A casa de 2 milhões de latas

No Rio, famílias têm conseguido comprar moradias graças à venda de latas recolhidas nas ruas. O Brasil é hoje o recordista mundial de reciclagem de alumínio

Carmélio Dias e Fábio Varsano

Está no Aurélio: lixo é tudo o que não presta e é jogado fora; sujeira, imundície; coisa inútil, velha, sem valor. A vida de Edson Soares da Silva, 38 anos, contraria o dicionário. Tudo o que ele possui veio daquilo que a população não aproveita. Foi recolhendo o desperdício dos outros que conseguiu o dinheiro para construir sua casa em Bento Ribeiro. Edson gastou R$ 35 mil – ou 1.803.846 latinhas de alumínio – para erguer o imóvel.

Hoje, no Brasil, há 150 mil pessoas que, como Edson, lucram com o que acham no lixo. São catadores que sobrevivem da venda do que recolhem, estudantes que obtêm benefícios para suas escolas, voluntários que ajudam obras de caridade e famílias que completam o orçamento doméstico. “Nunca tanta gente viveu da reciclagem”, afirma José Roberto Giosa, coordenador da comissão de reciclagem da Associação Brasileira de Alumínio (Abal).

Os números desse mercado são grandiosos. Em 99, a reciclagem de alumínio, papel, vidro, aço e plástico movimentou US$ 440 milhões. Só na recuperação de latas de alumínio a economia foi de US$ 250 milhões – o que tornou o País recordista mundial na reciclagem do produto, com índice de 73%, superando Japão (72%) e Estados Unidos (63%). O Rio de Janeiro é o estado campeão nacional: 78% das latinhas fabricadas são recuperadas.

Prova do sucesso dos catadores é o fracasso do programa de coleta da Comlurb no Grajaú, Urca e Barra da Tijuca. Caminhões recolhem 10 toneladas de lixo por mês nos três bairros. Já as cooperativas de catadores que atuam nas áreas coletam 300 toneladas/mês.

A garimpagem é feita por pessoas como a aposentada Maria Madalena Vaz, 72. Moradora da Tijuca, ela cata latas todos os dias em Copacabana. Chega a recolher 1,5 mil latinhas e ganha R$ 30 por dia. “Com o dinheiro, compro material escolar para meu neto”. Edimilso Ribeiro Lima, 30, veio de Brasília, não conseguiu emprego e foi morar na rua. “Agora trabalho na cooperativa e ganho R$ 600 por mês. Já comprei até um terreno”, orgulha-se.

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Favelas à beira da Avenida Presidente

Jornal O Globo, Rio, domingo, 16 de julho de 2000


Alba Valéria Mendonça

Nenhum terreno desocupado na cidade - por menor que seja - escapa ao surgimento e crescimento das favelas. Nem mesmo endereços nobres, como a Avenida Presidente Vargas, principal corredor viário do centro do Rio. Abandonados desde a construção do metrô, dois terrenos pertencentes à Companhia do Metropolitano deram lugar a comunidades carentes. A maior delas, a Canto Feliz, é vizinha à sede do Metrô, de frente para o prédio dos Correios e do Centro Administrativo São Sebastião. A comunidade Escrava Anastácia, na Rua General Caldwell, começa a se expandir verticalmente.

Embora tenham nascido há mais de 20 anos - e colecionem histórias trágicas, com incêndios provocados por explosões de gás de botijões e mortes - somente de uns tempos para cá as duas favelas tornaram-se mais visíveis. A Canto Feliz, por exemplo, ficou parcialmente exposta depois da queda de um outdoor. Já os moradores da comunidade Escrava Anastácia, sem mais espaço para se expandir para os lados, estão construindo o segundo pavimento em suas casas.

Quem circula diariamente pela Avenida Presidente Vargas não deixa se espantar com o tamanho das favelas. Na Canto Feliz, 139 famílias vivem em condições bastante precárias, em barracos de madeira e papelão.

- É um grande amontoado de gente, principalmente mulheres e crianças vivendo em condições subumanas, num emaranhado de fios e botijões de gás. A favela Canto Feliz é um verdadeiro barril de pólvora prestes a explodir - disse o presidente da Federação de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj), João Passos, acrescentando que há mais de um ano as 139 famílias receberam a promessa do Governo de que seriam transferidas para um conjunto habitacional em Sepetiba.

Mas nem todo mundo está feliz com a provável remoção. A distância do conjunto do Centro da cidade é um empecilho para uma parte dos moradores. A diarista Marlene Souza, que vive na Canto Feliz há mais de cinco anos, não vê muitas vantagens em trocar o barraco de compensado no Centro por uma casinha de alvenaria em Sepetiba.

- Eu morava de favor na casa de conhecidos em Nilópolis. Vim para cá porque é bem mais perto do meu serviço. Viver numa casa é bem melhor que num barraco, mas Sepetiba é muito longe - disse Marlene, que costuma fazer faxina em residências na Tijuca.

Já na quase vizinha Favela Escrava Anastácia a situação é um pouco melhor. Depois de quatro incêndios, as casas das 60 famílias são de alvenaria. A líder comunitária Elizabeth Mendes conta que o terreno - localizado ao lado da quadra da Mangueira - já abrigou um estacionamento e um galpão de ferro-velho antes de ser transformado em área residencial. A comunidade oriunda de grupos de catadores de papel do Centro hoje luta pela legalização dos imóveis.

- Temos relógio de luz há três anos. Mas serviços de água e esgoto ainda são precários. Há cerca de um ano a Companhia do Metropolitano entrou com um processo para reaver o terreno, mas estamos na lutando pelo direito de permanecer aqui - contou Elizabeth, filha da primeira moradora da comunidade, Leni Gomes de Azevedo.

Sem espaço para construir novos barracos e se expandir para os lados, os moradores estão construindo sobrados e a favela vai crescendo para cima. No entanto, boa parte deles ainda aguarda uma definição da situação da favela na Justiça para dar continuidade às obras.

- Ninguém quer sair. Aqui a gente está perto de tudo. Tem condução para todos os lugares. Muita gente que mora aqui trabalha como camelô na Central do Brasil. As crianças estudam no Ciep da Apoteose, na Tia Ciata e nas creches - acrescentou Isabel Cristina da Silva, que trabalha como acompanhante de idosos.

Por se tratar de invasão de terrenos particulares, a Subprefeitura do Centro garante que pouco pode fazer para conter o avanço das favelas. De acordo com a Lei Orgânica, a Subprefeitura só poderia tentar a remoção dos moradores se as favelas estivessem em área de risco, de preservação ambiental ou ocupando imóveis tombados.

A solução encontrada foi pressionar o proprietário do terreno a resolver a situação. Por isso, a subprefeitura encaminhou ofícios à Divisão de Licenciamento e Fiscalização da Região Administrativa do Centro para que o Metrô seja multado por construções irregulares.

O Metrô, por sua vez, informa que, ao longo de quase 20 anos, vem abrindo processos para obter a reintegração de posse dos terrenos e que tem planos para utilização das áreas atualmente ocupadas pelas favelas. Acrescenta ainda que o Governo do estado vai cuidar da remoção e do trabalho de ressocialização dessas comunidades.

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Recreio dos Bandeirantes e dos invasores

 

Jornal O globo, Rio, domingo, 30 de julho de 2000


Alba Valéria Mendonça

Moradores mais antigos do Recreio dos Bandeirantes estão pagando um preço alto pelo crescimento do bairro. Desde que começou a se intensificar a corrida por melhor qualidade de vida, invasões de áreas públicas - como avenidas, praças, áreas de lazer e canteiros - e particulares se tornaram uma constante, principalmente para desespero de quem investiu no isolamento na tranqüilidade anos atrás. Atualmente, eles são obrigados a conviver com ocupações irregulares e a favelização de uma das regiões mais nobres do bairro, numa área privilegiada, a cerca de cem metros da praia.

O crescimento desordenado e irregular é verificado com freqüência em regiões antes isoladas. É o caso da Gleba Finch - quadrilátero delimitados pela Avenida das Américas, Estrada do Pontal, Canal de Sernambetiba e Avenida Gilka Machado. À beira da praia, ela é considerada uma das áreas mais problemáticas do Recreio. Sofre desde 1954 com loteamentos irregulares e hoje com o notório desrespeito aos planos de urbanização e de alinhamento das construções.

Desde que comprou um lote regularizado na Avenida Ernesto Trotta, há quatro anos, o proprietário - que prefere não se identificar para não sofrer represálias dos invasores - vem encaminhando reclamações à 24ª Região Administrativa e à Subprefeitura da Barra.

- Minha casa deveria estar numa avenida ampla e arborizada, próxima a uma praça. Hoje, é um imóvel desvalorizado, cercado por construções irregulares. A ocupação foi tão desordenada que até ruas foram fechadas - contou o proprietário, que ao fazer a primeira reclamação formal sobre a invasão em 96, teve como resposta uma redução do IPTU.

No Pontal, as irregularidades despontam na primeira curva. Ao sair da Avenida Sernambetiba para entrar na Avenida Gilka Machado, o motorista que se guiar pelo Plano de Alinhamento daquela região vai bater contra a parede de uma casa. Boa parte da pista da direita está tomada por construções residenciais e comerciais.

As ruas 13 e 14 e a Praça 8 estão repletas de imóveis que ocupam irregularmente áreas de lazer e de aeração. O mesmo acontece no local inicialmente destinado ao centro comercial. Os mais de cem imóveis irregulares fecharam uma das saídas da Rua Ernesto Trotta, enquanto a Rua A-3 não existe mais. Os invasores constroem ainda fora dos padrões da região, de no máximo dois pavimentos com um terraço coberto.

- O início da rua está virando uma favela. A Subprefeitura impediu as construções horizontais, mas nada faz quanto ao crescimento das casas já existentes - reclama um antigo morador da Avenida Gilka Machado.

De acordo com a subprefeita Andrea Lartigue, todas as terças e quintas-feiras estão sendo realizadas operações de fiscalização para conter o avanço das construções irregulares, principalmente no Recreio. Ela acrescenta que há um ano e meio vem tentando reabrir espaços públicos, mas tem esbarrado na burocracia:

- Os invasores foram notificados e os processos, encaminhados à Procuradoria e ao Ministério Público. Mas a maioria dos proprietários entrou com pedido de liminar na Justiça e estamos aguardando.

Além das liminares, os invasores procuram garantir a posse do terreno com o pagamento de IPTU e comprovantes de pagamento de água e luz. No entanto, de acordo com o administrador regional Wilson Júnior, nada disso garante a regularização do terreno.

A Secretaria municipal de Urbanismo informa que o início das ocupações irregulares na Gleba Finch data de 1954, quando ainda não havia um projeto organizado para a ocupação do solo. O administrador regional ressaltou que há cerca de seis meses promoveu uma série de demolições na região. Mas não tem como destruir pavimentos erguidos irregularmente, pois isso poderia afetar a estrutura do imóvel.


Quanto custa o IPTU

Mesmo com a área sendo favelizada, os moradores das avenidas Ernesto Trotta e Gilka Machado pagam IPTU alto, já que estão a cerca de cem metros da praia. A Avenida Gilka Machado tem três valores venais diferentes para imóveis residenciais: 578,51 Ufirs (cerca de R$ 613), 452,13 Ufirs (cerca de R$ 479) e 452,13 Ufirs (cerca de R$ 479), o metro quadrado.

Na Avenida Ernesto Trotta, o valor do IPTU residencial em toda a sua extensão é de 667,18 Ufirs (cerca de R$ 707).

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Sem-teto no templo do consumo

Jornal O Globo, Rio, sábado, 5 de agosto de 2000

Dimmi Amora

O mais tradicional templo do consumismo carioca, o shopping Rio Sul, em Botafogo, foi invadido ontem por cerca de 130 integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Moradores de invasões na Baixada Fluminense e na Zona Oeste, vivendo em barracos de madeira e lona, eles não pediram casa durante o protesto. Na maior parte do tempo eles brigaram por igualdade e dignidade, testando comerciantes e freqüentadores para saber se eles poderiam suportar- no local onde os problemas são deixados do lado de fora - a presença de pessoas que vivem uma realidade de pobreza quase indigente. A maioria passou no teste e os sem-teto saíram felizes.

Outros no entanto mostraram que não querem a realidade das ruas dentro do shopping. Cinco lojas fecharam as portas na chegada dos integrantes do MTST. Muitas pessoas que almoçavam na Praça de Alimentação levantaram-se quando começou a refeição dos sem-teto - pão, mortadela e refrigerante do tipo tubaína (de marca desconhecida).

Polícia impede a chegada de ônibus

As lojas que cerraram as portas só abriram quando os manifestantes reclamaram da discriminação, sentando-se na porta e cantando músicas de protesto. Orientadas pela administração do shopping, todas as cinco abriram minutos após as manifestações, mas não sem reclamar.

- Vocês têm que tomar alguma providência - dizia ao segurança em tom indignado o responsável pela Livraria Sodiler, que se identificou como Roberto, após abrir a loja para que os sem-teto entrassem.

Sem saber como seria o protesto e em qual shopping da cidade, os diretores tiveram uma reunião com a PM, que decidiu pôr policiais na frente de todos os shoppings do Rio pela manhã. Ao saber onde seria o protesto, o comandante de Policiamento da Capital, coronel Fernando Belo, foi para Botafogo negociar com os manifestantes. Lá, recebeu a informação de que era um protesto pacífico, integrado também por estudantes. A direção do shopping também foi informada do ato e a decisão foi interferir apenas se houvesse tumulto.

- Eles têm o direito de passear pelo shopping e vão fazer isto. A segurança está atenta como estaria para qualquer grupo grande para evitar confusão - afirmou Cláudio Guaranis, diretor do Rio Sul.

Os sem-teto chegaram às 11h15m. Os ônibus em que estavam foram parados na Avenida Brasil e proibidos de seguir por problemas de documentação. Eles pegaram três linhas de ônibus para chegar ao Rio Sul. Lá também foram recepcionados por cerca de 40 PMs.

A PM não entrou e os sem-teto foram vigiados pelos 120 seguranças, que tentavam ser discretos, mas estavam sempre próximos aos grupos. Os olhos dos vendedores e donos de lojas também ficaram mais atentos. A subgerente Jacira Freitas segurava o mostruário do quiosque de jóias 18 Quilates na hora da passagem dos sem-teto.

- Estou assustada. Ninguém nos disse o que está acontecendo - disse Jacira, que, ao saber que era um protesto, soltou o mostruário.

Na loja Richard's houve um desentendimento entre um estudante e um vendedor que tentou fechar a porta. O incidente foi contornado com um pedido de desculpas do vendedor. Muitos clientes também não ficaram satisfeitos com a presença dos sem-teto. Mais barulhentos que o padrão de comportamento dos shoppings, eles provocavam algumas reações de rejeição. Na hora de falar com a imprensa, porém, todos preferiam ser politicamente corretos e diziam que era um direito deles, mesmo tendo reclamado minutos antes. A estudante de direito Vanessa Andrade foi direta:

- Não é o lugar apropriado para protesto - disse.

Na maioria das lojas, os sem-teto tiveram um tratamento normal. Alguns clientes também deram apoio ao movimento, que era confundido com o Movimento dos Sem-Terra (MST). O protesto de ontem, que terminou por volta das 16h com os sem-teto seguindo a pé até o Palácio Guanabara para pedir cestas básicas e a construção de residências nos locais onde moram, pode ter sido o último em shopping. O diretor do Rio Sul disse que vai entrar com uma ação cautelar, através da Associação Brasileira de Shopping-Centers, para proibir esse tipo de movimento nos centros comerciais.

- O que se viu hoje, apesar de ser tudo pacífico, é que isto atrapalha o comércio - disse Cláudio Guaranis.

A sem-teto Elizabete da Silva Moreira, de 36 anos, chorou ao ver a polícia esperando os manifestantes na porta do Rio Sul, mas depois de quase cinco horas dentro do shopping era só felicidade. Como a maioria dos sem-teto, que vivem em condições de extrema pobreza em áreas invadidas na Zona Oeste, ter passado um dia abrigada no luxo dos corredores e lojas de um dos maiores shoppings da cidade foi muito bom. Até as discriminações sofridas no início foram esquecidas.

- Adorei. Espero que outros pobres possam fazer este passeio. Realizei o sonho de andar na escada rolante (que ela chamava de volante).

Sem dinheiro para comprar os produtos vendidos no Rio Sul, os sem-teto deleitavam-se só de ver as vitrines. Os eletrodomésticos faziam sucesso, mesmo entre os que vivem num lugar ainda sem energia elétrica. Nas lojas de brinquedos de todos os tipos e gostos, crianças sem-teto tinham os mesmos hábitos das crianças com-teto: queriam levar tudo.

- Mamãe não tem dinheiro - dizia Elizabete para consolar o filho Adilson, de 4 anos, que queria um carrinho.

Abel Jair Mota, um dos líderes dos sem-teto, disse que o mais importante ontem não foi a luta pela moradia. Segundo ele, o protesto vai ajudar a aumentar a auto-estima dos sem-teto:

- A discriminação da sociedade é muito pior às vezes que as condições em que vivemos.

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Rio "animal" atrai lobo-marinho e jacaré  

Jornal O globo, Rio, quarta-feira, 9 de agosto de 2000

Rio ‘animal’ atrai lobo-marinho e jacaré
Maria Elisa Alves e Selma Schmidt

O mar do Rio não está mais só para peixes: neste inverno, eles já tiveram que dividir o espaço com 114 pingüins. Ontem, cinco deles apareceram - trazidos da Patagônia por correntes marítimas intensificadas pelo frio - nas praias da Barra, da Urca e de Niterói. Os animais chegaram com companhia: ontem de manhã, salva-vidas tiraram da rede de pescadores um lobo-marinho, vindo provavelmente da Patagônia, que estava nadando nas praias do Sossego e de Camboinhas, em Niterói. No Recreio, um pouco mais do Rio Animal veio à tona: um jacaré-de- papo- amarelo, nascido e criado no Rio, foi capturado no Canal das Tachas e levado, todo amarrado, dentro de um camburão da Guarda Municipal, para o Parque Ecológico Chico Mendes.

O surgimento destes animais no Rio tem duas causas diferentes: enquanto os pingüins e lobos-marinhos vêm junto de frentes frias, trazidos por correntes marítimas, intensificadas no inverno, o jacaré-de-papo-amarelo chegou mais perto da civilização por causa do progresso. Como a área do Canal das Tachas está sendo aterrada pelo programa Favela-Bairro, o jacaré foi obrigado a mudar de endereço. Quando ficou à mostra, técnicos da Fundação RioZôo, do Parque Chico Mendes e guardas municipais aproveitaram para capturá-lo.

- Capturamos um macho adulto, com cerca de 45 quilos e medindo 2,15 metros. Ele é o segundo maior jacaré- de- papo-amarelo que já capturamos na Baixada de Jacarepaguá. No ano passado, pegamos um animal com 2,19 metros no Recreio, no quintal de uma casa. Ele já tinha comido duas galinhas, três marrecos e até um cachorro - contou Geraldo Espínola, diretor do parque.

Os técnicos e guardas levaram apenas dez minutos para laçar, retirar da água e pôr o jacaré no camburão da Guarda Municipal. Em Niterói, o comandante do Grupamento Marítimo, coronel Marcos Silva, passou oito horas acompanhando as peripécias do lobo-marinho, que se enroscou numa rede de pesca. O lobo foi visto pela primeira vez no último domingo, na Praia Vermelha. Por orientação de biólogos, a presidente do Zôo de Niterói, Giselda Candiotto, recomendou ao coronel que não capturasse o animal, apenas o direcionando para alto- mar - o que ainda não foi possível.

Segundo a bióloga Denise Monsores, da Fundação Rio Zôo, este ano chegaram mais pingüins (114) do que no ano passado (53) porque o inverno tem sido mais rigoroso. Os animais que vivem no Estreito de Magalhães, na Patagônia, caem em correntes marítimas quando estão procurando comida e são trazidos para o Brasil com a ajuda dos ventos fortes. A distância é de cinco mil quilômetros até o Rio:

-Eles chegam exaustos e machucados. Um erro dos bombeiros é dar sardinhas na praia. Os pingüins precisam ser hidratados e podem até morrer se forem logo alimentados.

Além de recepcionar os pingüins, o RioZôo está também cuidando de filhotes rejeitados pelas mães ou órfãos. Ontem, a fundação inaugurou a creche e maternidade ZôoFilhotes. No espaço, pequenas ovelhas, preás, araras, entre outros bichos, serão atendidas em horário integral por biólogos e veterinários. Alguns dos filhotes precisam de mamadeira a cada duas horas e outros gostam de uma soneca após o almoço.

As baleias Mink, ameaçadas de extinção, estão de volta ao litoral brasileiro e prometem se tornar mais uma atração. A informação foi dada ontem pelo oceanógrafo Alexandre Zerbinni, doutorando na Universidade de Washington, que coordenará a terceira missão do Governo brasileiro destinada a estudar a ocorrência e o comportamento das baleias no litoral nordestino.


Jornal O Globo, quarta-feira, 18 de abril de 2001

A vida em meio à poluição no Recreio
Gabriela Temer

Um sinal de esperança. Apesar da sujeira que castiga as lagoas da região, nasceram semana passada, no Recreio, 15 filhotes de jacaré-de-papo-amarelo, espécie em extinção no Brasil. Os animais foram achados ao lado de uma saída de esgoto, embaixo de uma ponte no Canal das Taxas, que liga a Lagoa de Marapendi ao Parque Municipal Chico Mendes. Avisada, a administração do parque recolheu os jacarés, que estavam sendo agredidos com paus e pedras. O administrador do lugar, o biólogo Geraldo Espínola, disse nunca ter visto ninhada tão grande:

- Eu trabalho aqui há 12 anos e nunca vi nada igual. Normalmente encontramos apenas um ou dois filhotes.

Os filhotes começaram a ser recolhidos no sábado e só ontem o último foi retirado do local. A mãe ainda está no canal. Agora, o destino dos jacarés ainda é uma incógnita. O mais provável, porém, é que fiquem mesmo no parque.

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O Recreio dos grileiros

 

Jornal O Globo, domingo, 20 de agosto de 2000


Gustavo Goulart

Na prancheta do arquiteto Lúcio Costa, desenhos de um sonho: sítios em Vargem Grande, áreas arborizadas em Vargem Pequena, prédios e casas mesclando-se em pontos do Recreio dos Bandeirantes. Uma reserva territorial de 106,18 quilômetros quadrados para que o Rio crescesse quando precisasse. Dois anos após a morte do urbanista, a realidade fez estragos nas idéias do Plano Piloto Lúcio Costa para a Baixada de Jacarepaguá e é motivo de dores de cabeça para as autoridades. Denúncias de grilagem, loteamentos e condomínios construídos de forma irregular crescem numa velocidade espantosa e viraram caso de polícia. Desde janeiro, cerca de 40 inquéritos foram abertos na 16ª DP (Barra da Tijuca) para apurar a ação de grileiros na região, uma mina de ouro descoberta por especuladores imobiliários. A Subprefeitura da Barra calcula a existência de pelo menos 30 condomínios construídos de forma irregular - em desrespeito ao Decreto municipal 3046/81 - ou na mão de grileiros.

Pelo menos dois policiais civis estão sendo investigados por suspeitas de grilagem, segundo a Delegacia da Barra. De acordo com o delegado-titular, Napoleão Salgado, eles estão sendo acusados de posse irregular de terrenos: o detetive Wender e o motorista policial Ricardo Eugênio Gomes Paseli, de 45 anos, que está há mais de um ano de licença médica. Ele é acusado de ter invadido e loteado irregularmente uma grande área na Estrada do Rio Morto, de ter feito construções irregulares na Rua Frederico Quartarolli e na Rua Célia Ribeiro, no Recreio dos Bandeirantes. O presidente da TurisRio, Sérgio Ricardo, teria sido ameaçado por Paseli. Morador do Recreio, Sérgio foi contra a grilagem na região e acabou entrando na briga.

Prefeitura vai recorrer à Justiça

Paseli nega ter invadido o terreno na Estrada do Rio Morto, argumentando ter sido apenas comprador de um lote, segundo ele no valor de R$ 12 mil. E acusou a subprefeitura de estar sediada em terreno de terceiros, espólio de um certo capitão Antônio da Silva. O prefeito Luiz Paulo Conde informou que pedirá ao secretário de Segurança Pública, coronel Josias Quintal, uma ação policial contra Ricardo Paseli. Conde disse ainda que determinará à Procuradoria-Geral do Município que ingresse com uma ação contra ele:

- A obra que fez (na Rua Frederico Quartaroli) é ilegal e está embargada. Esse policial é um marginal - acusou o prefeito.

A polícia investiga ainda o envolvimento de cartórios na concessão nesses casos - geralmente dois ou mais proprietários, com documentos aparentemente legais, com carimbos de cartórios da região, se apresentam como donos do mesmo terreno. O processo de legalização de áreas invadidas também será investigado. Sabe-se que o invasor consegue documentos falsos e dá entrada na Prefeitura para conseguir licença para construção. De posse do protocolo da Prefeitura começa a venda de lotes. Outro esquema dá conta do aliciamento de caseiros de terrenos. Eles têm sido convidados a passar por posseiros para depois conseguirem a cessão de direito de posse, repassada ao grileiro.

A situação se tornou tão crítica que autoridades criaram um grupo de estudos para elaborar propostas e sugestões para acabar de vez com o problema. Dele fazem parte a subprefeita da Barra da Tijuca, Andrea Lartigue; a promotora Rosani da Cunha Gomes, da equipe de Proteção ao Meio Ambiente do Ministério Público; a promotora da Barra e coordenadora da Central de Inquéritos, Mônica Di Piero; e um representante da procuradoria. Cinco dossiês sobre casos de invasão e construção irregulares foram entregues ao Ministério Público. Um dos objetivos, segundo a subprefeita Andrea Lartigue, é estudar meios de agilizar o trabalho da Justiça, cuja atual morosidade é um fator estimulante para novos casos:

- A idéia é criar mecanismos para agilizar o trabalho da Justiça para provocar o desinteresse dos infratores. Hoje, o que tem acontecido é que vamos nos lugares, embargamos as obras, mas o grileiro recorre e consegue uma liminar da Justiça.

Exemplo disso foi o que aconteceu com o loteamento existente na Estrada dos Bandeirantes 12.875, cuja obra fora embargada pela Prefeitura. Parecer técnico da Secretaria municipal de Meio Ambiente datado de maio do ano passado acusa Marcus Antônio Amui dos Santos de ter "parcelado a área irregularmente, sem as devidas licenças da Prefeitura, além de ter sido realizado aterro nos lotes citados sem a devida licença da Feema". Amui, no entanto, recorreu e conseguiu uma liminar, derrubando o embargo da Prefeitura. Hoje, há poucos lotes ainda à venda, a preços que podem chegar a R$ 40 mil. Administrador de empresas que diz morar no Recreio há dez anos e ter comprado terrenos de antigos posseiros da região, Marcus Amui se defende dizendo que é proprietário dos terrenos para os quais já teria conseguido o Registro Geral de Imóveis (RGI) e até mesmo licença da Feema.

Uma das principais irregularidades apontadas pela Prefeitura na maioria dos condomínios, entre eles os de Marcus Amui, é a medida dos lotes: 180 metros quadrados, quando a legislação determina para a região lotes com no mínimo 360 metros quadrados.

Para que o poder público fique mais perto do Recreio, inibindo invasões, o vereador Otavio Leite (PSDB), propôs a criação de uma região administrativa exclusiva para o bairro. A Prefeitura acolheu a proposta.

COLABOROU Renato Garcia


Uma pechincha que pode custar bem caro
Andreia Tatiany

A fórmula para adquirir por R$ 45 mil um apartamento numa área cujo valor de mercado dos imóveis varia de R$ 80 mil a R$ 150 mil é apresentada de modo simples: basta comprá-lo enquanto ele é ilegal. O expediente, utilizado por corretores e posseiros no Recreio dos Bandeirantes na hora de vender imóveis, representa para o comprador o risco de perder a propriedade da noite para o dia:

- Se o verdadeiro dono do terreno conseguir a reintegração de posse na Justiça, o comprador pode perder o imóvel e todo o dinheiro investido - diz a subprefeita da Barra, Andrea Lartigue.

Para quem comete as irregularidades, no entanto, a certeza da impunidade é tão grande que até anúncios em classificados de jornais são colocados para vender os imóveis em situação ilegal. Até a quarta-feira passada, os apartamentos do prédio que está sendo construído no número 77 da Rua Frederico Quartarolli, a cerca de 500 metros da Praia do Pontal, cujas obras estão embargadas pela Prefeitura desde julho, continuavam sendo apresentados a possíveis compradores por José Belo Viterbo de Vasconcelos, que se diz corretor de imóveis, embora não tenha registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis, do Rio.

- O Recreio está ficando show. Quem não comprar agora não compra mais. Esse apartamento que estou oferecendo por R$ 45 mil vai passar a custar R$ 90 mil quando sair o RGI (Registro Geral de Imóveis) - disse Vasconcelos a um possível comprador.

O imóvel está sendo construído num terreno cuja cessão de direito de posse foi adquirida pelo policial civil Ricardo Eugênio Gomes Paseli em março deste ano.

- Comprei o terreno de uma pessoa que tinha a cessão de posse há muitos anos e que, desde 1996, estava com uma ação de usucapião na Justiça. Agora estou dando prosseguimento a essa ação e, assim que a vencer, darei entrada no RGI e ficará tudo legalizado - disse Paseli, enquanto Vasconcelos mostrava a planta do prédio, de três pavimentos e garagem, ao possível comprador.

Quanto à possibilidade de a ação de usucapião ter resultado negativo na Justiça, Vasconcelos foi enfático:

- No Recreio dos Bandeirantes, 90% dos imóveis foram adquiridos através de posse e hoje está tudo registrado em cartório direitinho. Não há risco de perder a ação de usucapião porque a área é particular. Se fosse do município, do Governo do estado ou de proteção ambiental, aí sim, não aconselharia a compra nem por R$ 5.

Policial admite que vende imóveis irregularmente

O policial civil Ricardo Eugênio Gomes Paseli admitiu que estava construindo e vendendo imóveis irregularmente na Rua Frederico Quartarolli 77, no Recreio. Em entrevista ao GLOBO anteontem, Paseli alegou que agia assim por ter a certeza de que a Prefeitura negaria o seu pedido de licença para a obra. O policial, no entanto, disse que iria dar entrada no pedido de licença naquele mesmo dia. Paseli fez acusações à Prefeitura.

- Sou um construtor irregular como centenas de outros que atuam no Recreio, mas apenas um peixe miúdo, pois não tenho dinheiro para comprar a licença no Departamento de Licenciamento e Fiscalização da Prefeitura como fazem os grandes construtores.

A Prefeitura informou que está obedecendo à legislação ao não conceder licença para obras em terrenos cuja situação esteja irregular, como é o caso do número 77 da Frederico Quartarolli. Segundo a Prefeitura, a obra foi embargada por falta de licença e o construtor já foi multado.

O corretor José Belo Viterbo de Vasconcelos afirmou ao GLOBO que conheceu Ricardo Paseli recentemente e que não chegou a vender nenhum apartamento para o policial:

- Se houve problema não tenho responsabilidade sobre isso. Mas reconheço que ele não devia estar fazendo obra sem comunicar à Prefeitura.

Como se precaver

Para prevenir a população sobre a compra de imóveis em situação irregular e alertar sobre os riscos na compra, a Prefeitura vem distribuindo na região um panfleto intitulado "Loteamento clandestino - não seja enganado". Ele orienta a pessoa a verificar a legalidade do lote e pedir do vendedor o desmembramento do lote no Registro de Imóveis; O PAL (Projeto Aprovado do Loteamento pela Prefeitura); a licença de obras de urbanização; e o contrato de compra e venda de seu lote.

Segundo a Prefeitura, é dever do vendedor fazer as seguintes obras:

1) Execução de ruas, lote, praças e quadras.
2) Construir meio-fios.
3) Pavimentar as vias internas.
4) Fazer a rede de distribuição de água.
5) Fazer a rede de esgotamento sanitário.
6) Fazer a rede de drenagem.
7) Arborizar as ruas do loteamento.
8) O prazo das obras é de quatro anos.

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Áreas nobres do Rio têm embriões de favelas

Jornal O Globo, Rio, domingo, 27 de agosto de 2000


Selma Schmidt

Casas que surgem de repente construídas sob copas de árvores e luzes piscando no meio da noite dão o alerta. Em pelo menos seis pontos em áreas nobres da cidade surgiram embriões de favelas, nos quais os invasores alegam que impedem a entrada de novos moradores na tentativa de preservar seu espaço.

É o caso das casas construídas na mata sobre o Parque Guinle, em Laranjeiras, e na encosta sobre o túnel de São Conrado, no Joá.

Já o alto Morro da Viúva, no Flamengo, tem como fiscais moradores de prédios das avenidas Ruy Barbosa e Oswaldo Cruz. Lá, num terreno da Cedae, foram construídas quatro casas para funcionários. Há um mês e meio, depois de uma denúncia, a Subprefeitura do Flamengo pôs abaixo dois barracos erguidos junto a uma das casas. Mais um barraco foi identificado pelo subprefeito Marcelo Maywald, que promete derrubá-lo mês que vem.

Escondido no meio da mata, acima da Rua General Mariante, no Parque Guinle, Lilian Reis Casa Alta construiu um casebre e três galpões. Segundo ela, o terreno foi doado há 40 anos pela família Guinle, para a qual teria trabalhado como lavadeira.

Recentemente, a presença de um caminhão de mudança no terreno virou motivo de preocupação para moradores do Parque Guinle.

- Um neto meu está guardando o caminhão aqui. Mas ele mora na Favela Tavares Bastos. Nunca permiti que alguém construísse aqui - garante Lilian, de 76 anos.

Lilian deverá se mudar para a Tavares Bastos. Através do programa Morar Sem Risco, da Secretaria de Habitação, ela recebeu terreno e material para construir uma casa na favela. O mesmo aconteceu com outras famílias, que também invadiram e ergueram duas casas dentro da denominada Área de Proteção Ambiental São José.

Quem entra no Túnel de São Conrado, no sentido Barra, e observa algumas luzes à noite na encosta imagina que ali começa a crescer mais uma favela. Para os moradores das 27 casas, isso não vai acontecer.

- Favela aqui vai desvalorizar o terreno -- diz Vicente Ferreira, que mora no terreno, invadido há 20 anos.

Junto ao Largo do Boticário, na subida para o Túnel Rebouças, no Cosme Velho, o aposentado Waldemiro Alves da Silva tem de disputar o espaço que ocupou com outro invasor: o Centro Espírita Pai Joaquim , que quer ampliar ainda mais sua sede.

A implantação do novo Parque Penhasco Dois Irmãos (lado do Leblon) deixou à mostra quatro casas que ultrapassaram o muro que delimita a Favela Chácara do Céu. Ao longo da Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, surgiram comunidades carentes ao lado do Condomínio Interlagos de Itaúna (Barra-América) e em frente ao Recreio Shopping (Restinga). Um portão bloqueia o acesso de estranhos à noite às três ruas com 50 casas da Restinga.


Rocinha se expande e destrói áreas verdes

Se em outras áreas da cidade o surgimento de favelas é discreta, na Rocinha o crescimento é a olhos vistos. Preocupados com a expansão da favela para áreas verdes remanescentes, acentuada nos últimos meses, moradores de São Conrado e Gávea deram o alerta. Várias denúncias chegaram ao subprefeito da Grande Lagoa, Ricardo Rottemberg. Por determinação do prefeito Luiz Paulo Conde, ele promete iniciar esta semana um levantamento e demolir as construções recentes. Nos próximos dias, a Prefeitura começará a delinear um plano diretor de urbanização para a Rocinha.

Mesmo a área do Parque Penhasco Dois Irmãos (do lado da Gávea, criado em 92 por decreto e delimitado por um muro) não foi poupada: há dois meses, surgiu uma construção usada como vestiário por freqüentadores de quadras esportivas do morro. Rottemberg visitou sexta-feira o local e ainda não decidiu o que fará. O presidente da Associação de Moradores do Alto Leblon, Antônio Veronese, lembra que o Decreto 11.850/92 diz que na área não pode haver construções:

- Se abrirem a porta para esse vestiário, daqui a pouco haverá outras dez casas.

O procurador de Urbanismo e Meio Ambiente do município, Francisco Sampaio, destaca as dificuldades para remover invasores. Para a Prefeitura pôr abaixo as casas da chamada Via Park, na Barra, por exemplo, foram necessários quatro anos de brigas judiciais.

- Há um dispositivo constitucional que diz que a entrada na casa de alguém depende de autorização judicial. Muitos juízes exigem ainda que se dê uma habitação para a família - diz o procurador.

É na Baixada de Jacarepaguá - sobretudo em Vargem Grande, Vargem Pequena e Recreio - que as invasões ocorrem em maior quantidade. Só dessa área existem mais de cem processos na procuradoria.

Segundo denúncia de moradores da Gávea, do lado do bairro a expansão territorial da Rocinha se dá principalmente no trecho da Vila Cruzado, perto do Colégio Americano. Rottemberg assegura que o muro que está sendo construído para delimitar a Rocinha impedirá que a favela alcance o colégio.

Alem da própria segurança, moradores do Alto Gávea estão preocupados com a desvalorização de seus imóveis.

- Há 25 anos, a favela não tinha virado para a Gávea. Hoje, além dos tiros de AR-15, tenho que conviver com o barulho dos bailes funk - reclama uma moradora do Alto Gávea.

A presidente da Associação de Moradores de São Conrado, Kathrym Ferreira, cita a área do antigo Hotel Trampolim como um dos trechos mais visados para desmatamento e construção. Outros pontos vulneráveis são o do Portão Vermelho e o que fica acima do Ciep Ayrton Senna.

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Rio já tem favelas de classe média

Jornal do Brasil, Cidade, domingo, 3 de setembro de 2000

Desigualdade social e favelização serão, segundo urbanistas, os principais problemas da próxima década

LUCIANA CABRAL

Favelização e desigualdade social crescerão no Rio de Janeiro na próxima década, segundo urbanistas consultados pelo JORNAL DO BRASIL. O incentivo ao desenvolvimento de algumas regiões e abandono de outras favorecem a consolidação de uma cidade cada vez mais partida, onde começam a surgir favelas de classe média baixa e várias áreas crescem na ilegalidade. Cabe a prefeitura reduzir este impacto. "Achar que um tipo de crescimento é inevitável é um erro. O administrador tem controle e a cidade reflete a vontade política e econômica dele", avalia o engenheiro Jorge Martins, professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação em Engenharia (Coppe) da UFRJ.

Para os urbanistas, que consideram "favelas" a maioria dos loteamentos da Zona Oeste da cidade, o Rio toma uma trajetória cada vez mais elitista de crescimento. "É um efeito perverso de ocupação", define Hélia Nacif, secretária municipal de Urbanismo. A Zona Sul está se valorizando e ficando mais cara para se viver. Moradores de classe média enfrentam dificuldades para comprar imóveis, pagar o aluguel ou o IPTU.

Crescimento - Barra da Tijuca e Jacarepaguá recebem hoje a maioria dos empreendimentos imobiliários, com legislação e incentivos fiscais atraentes para os construtores. Na Barra está sendo criado um Rio com novo perfil, será a menor densidade populacional da cidade, com espaço para carros e, para os de baixa renda, somente trabalho.

A Zona Oeste, que no planejamento da prefeitura não engloba Barra e Jacarepaguá, sofre um processo de ocupação irregular e clandestina em suas imensas áreas planas. Recentes loteamentos mostram descontrole das leis urbanas e milhares de pessoas vivem um novo fenômeno: a criação de favelas de classe média baixa. "A capacidade de fiscalização da prefeitura é pequena e não há controle", observou Carlos Fernandes Andrade, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

Enquanto isso, Subúrbio e Centro sofrem contínuo processo de desvalorização e abandono, mesmo apresentando infra-estrutura necessária - como água, energia e transporte. Apesar de a Linha Amarela ter revitalizado bairros de acesso, as favelas mais densas da Zona Norte estão crescendo. "O desafio da administração moderna é diminuir esse hiato entre a cidade desenvolvida e a cidade pobre", avalia Martins.

Plano - Para o presidente da Associação de Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), José Conde Caldas, o maior problema urbano da cidade é ausência de plano diretor. "Não é possível direcionar o crescimento porque não há planejamento", afirma. Segundo a prefeitura, o excesso de regras emperra a solução dos problemas. "Por isso, o que temos hoje é o crescimento da ilegalidade", afirma Hélia Nacif.


ZONA OESTE

Se o urbanismo fosse futurologia, a Zona Oeste não contaria com boas perspectivas. "É o nosso maior problema o grau de perversidade do crescimento de bairros como Campo Grande, Bangu e Santa Cruz", admite a secretária Hélia Nacif. Os grandes terrenos desocupados estão sendo irregularmente loteados e vendidos a preços acessíveis - que a prefeitura não consegue evitar, nem remediar. Como resultado, bairros irregulares com aspecto de favela dominarão a paisagem. Sem infra-estrutura de saneamento e fornecimento de energia elétrica, emprego e lazer deficitário, natureza frágil com bairros sem praças e vias de acesso como a Avenida Brasil e a Serra da Grota Funda saturadas. O projeto do túnel na serra solucionaria o problema de fluxo de veículos, mas não existe planejamento de ocupação de Guaratiba, nem de melhoria no transporte de massa. "Serão criados também bolsões de conjuntos de classe média baixa para atender o Porto de Sepetiba e o comércio que cresce na região", prevê José Conde Caldas, da Ademi. O crescimento populacional dessa região é a que mais cresce, segundo dados do Instituto Pereira Passos, e a que menos concentra renda


ZONA SUL/Tijuca

A menina dos olhos do Rio continuará sendo a Zona Sul na próxima década, lançando moda e concentrando a classe média alta e o turismo. Apesar do crescimento imobiliário estar restrito ao Leblon, Botafogo e um pequeno trecho do Jardim Botânico, a região está se valorizando e ficando muito cara. Além disso, a população das favelas se estabilizou. "Hoje está mais difícil arcar com o ônus de morar, por exemplo, em Ipanema", constata Carlos Fernandes Andrade, do IAB. Consultórios, escritórios e sedes de empresas estão se deslocando do Centro para os prédios novos ou casas que ainda sobrevivem. São 400 casas em Ipanema e 30 no Leblon. "O fim de casas e prédios pequenos do Leblon é irreversível, o bairro está em renovação urbana e a legislação facilita", acredita José Conde Caldas, da Ademi. O custo caro de manutenção das casas faz com que os proprietários as aluguem para fins comerciais, o que gera mais um problema urbano. "O fluxo de veículos aumenta e faz um nó nas ruas quando uma dessas casas sem garagem viram curso ou escritório", explica a secretária Hélia Nacif. Para ela, a Zona Sul tem muita infra-estrutura mal distribuída entre as classe sociais.


ZONA NORTE

A luz no fim do túnel da Linha Amarela é a revitalização da Zona Norte. O valor dos terrenos ao longo da via expressa está aumentando e bairros como Méier, Penha e Água Santa voltam a receber investimentos imobiliários. "A área tem boa infra-estrutura e apareceram muitos pedidos de licenciamento para construção", revela a secretária Hélia Nacif. Com fartura em comércio, escolas, clínicas e fábricas, a região tem como se auto-abastecer em serviços e pode receber a classe média que quer morar em apartamentos maiores que na Zona Sul com valores bem mais em conta. Um outro fenômeno que pode transformar a Zona Norte na esperança de uma urbanização mais homogênea para o Rio é a recuperação dos bairros no entorno da via férrea. A Supervia, concessionária dos trens, pretende desenvolver projetos de reurbanização nesse sentido. O problema mais grave e em franco crescimento é o aumento da população favelada na Zona Norte. O desemprego, aumento da criminalidade e violência transformaram em áreas de risco bairros antes tranqüilos. Tem se intensificado também a ocupação irregular e novas casas surgem nas favelas, sem que o poder público consiga intervir.


CENTRO

O Centro é o maior risco de vazio urbano do Rio. Uma legislação restritiva impediu durante anos o investimento de moradias na região e a decadência se instaurou. Prédios interditados, galpões abandonados e pouco investimento público. A demanda por prédios inteligentes e a falta de estacionamento também afastam os inquilinos comerciais, que estão se deslocando para a Barra da Tijuca ou para Zona Sul - mais precisamente na Praia de Botafogo, que hoje concentra vários edifícios comerciais. "Passaram a ocupar o Centro as empresas que precisam estar próximas da Petrobrás, do BNDES e do porto, a maioria multinacionais. E também os advogados, que querem trabalhar perto do fórum", avalia a professora Raquel Coutinho, da UFRJ. Para que o Centro não se perca diante da modernização do Rio seria preciso estimular a recuperação de bairros como Cidade Nova, Gamboa e São Cristovão, atraindo moradores e comerciantes. A preservação da arquitetura antiga e dos prédios históricos, com investimento em atividades culturais, é uma fonte de revitalização de áreas degradadas, atraindo turistas que anseiam por mais que praia, sol e mulheres bonitas.


BARRA E JACAREPAGUÁ

O anúncio de que a Barra é hoje o bairro mais atraente para novos empreendimentos imobiliários não é mais surpresa. Mas a Barra da Tijuca vai crescer muito e precisa de transporte de massa e saneamento básico para não se transformar em uma pedra no sapato da administração pública. A vocação do bairro é para o consumo, prestação de serviços, lazer, circulação de automóveis e a possibilidade da classe média ter uma casa própria. O Plano Lúcio Costa impede que o adensamento populacional tome conta da Barra, mas também impossibilita a população de baixa renda conseguir moradia. As invasões irregulares e o nascimento de favelas no Recreio e Vargem Grande refletem a inexistência de um planejamento da prefeitura para absorver a mão-de-obra que decide se instalar nas proximidades do trabalho, como confirmou a Secretaria de Urbanismo, Hélia Nacif. Jacarepaguá segue pela mesma cartilha da Barra, no entanto, permite que grandes investidores convivam com pequenos e tenha espaço para as diferentes classes sociais. A vocação do bairro é para instalação de empreendimentos comerciais e de centros de convenções e criação de conjunto habitacionais.

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Comunidades crescem para o alto

Jornal do Brasil, Cidade, 3 de setembro de 2000

Construções com três e até quatro andares marcam tendência de crescimento de áreas carentes

[A favela Rio das Pedras é um exemplo de uma comunidade que cresceu clandestinamente]

 

 

 

 

 

Foto de Dilmar Cavalher - 27/02/1996

Antigamente, imaginava-se manter a ordem na cidade com a integração dos bairros. Atualmente, de acordo com tese defendida pelo professor Luís César de Queiroz, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano Regional da UFRJ, é por meio da exclusão de determinados grupos sociais que se procura desenvolver a cidade. Assim está sendo diagnosticado o crescimento das favelas - e mais gente excluída dos direitos básicos de cidadania. Esses núcleos ganham hoje até nova roupagem, como o que acontece na Zona Oeste.

A existência de programas como o Favela-Bairro, que urbanizam os eixos principais das comunidades, ameniza os contrastes entre quem tem e quem não tem condições de morar bem. Mas não resolve. "Há um acúmulo de carência habitacional. Vê-se um crescimento forte e indesejado de comunidades ilegais ou clandestinas, com construções fora do padrão", revela a secretária municipal de Urbanismo, Hélia Nacif.                               

Descontrole - Nas favelas existentes, exceto na Zona Sul, onde a população se mantém relativamente estável, o que os urbanistas observam é uma necessidade maior de "puxadinhos" para alugar ou para acomodar os filhos recém-casados. A verticalização, ou seja, o aparecimento de prédios de dois, três e até quatro pavimentos nas favelas, mostra o descontrole do poder público em evitar que a exclusão se amplie. "Se continuar nesse ritmo, em algumas regiões a cidade se muda para as favelas", acredita Carlos Fernandes Andrade, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB).

Uma vista aérea do Complexo da Maré, na Zona Norte, revela que cada vez mais pessoas vivem sem pagar Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), e também energia elétrica e água encanada. Na Rocinha, em São Conrado, a prefeitura começa a coibir ampliação de pavimentos dos imóveis - que se multiplicavam de forma desenfreada.

Ilegalidade - No processo de verticalização e conseqüente crescimento da população favelada, o município recolhe menos impostos e a ilegalidade predomina na formação dos indivíduos, apesar de muitos terem a carteira assinada e trabalharem no mercado formal. "O problema é que a informalidade urbana além de atingir a classe pobre, está chegando também na classe média", afirma a professora Raquel Coutinho, coordenadora da Pós-graduação em Urbanismo da UFRJ.

O loteamento clandestino de vastos terrenos na Zona Oeste, principalmente em Campo Grande, Santa Cruz, Bangu, Recreio e Vargem Grande e Pequena, é exemplo de como a classe média baixa está aderindo à informalidade. "Muitos funcionários da universidade estão comprando terrenos em Campo Grande porque, segundo eles, é a única forma de conseguir a casa própria", conta Raquel.

Loteamento - A dona de casa Eliane Muniz de Oliveira, com renda mensal suficiente para dar conforto aos filhos, assumiu a liderança de um loteamento em Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste. Quando ela e o marido compraram o terreno, não imaginavam estar fazendo algo fora da lei. "Depois que todo mundo tinha pago cerca de R$ 4 mil pelos terrenos, ficamos sabendo que o vendedor não era o proprietário. Estamos tendo que pagar de novo para tentar regularizar a situação", esclarece.

Segundo a Secretaria de Urbanismo, o problema se repete. "Muitos compram um lote e depois descobrem que talvez ele nunca seja regularizado. Moram num lugar que para a prefeitura não existe", diz a secretária.


A destruição do meio ambiente

A desigualdade no crescimento urbano do Rio deixará rastros de destruição no meio ambiente, na visão dos urbanistas. Haverá diminuição dos frágeis espaços verdes nas áreas planas das zonas Norte e Oeste. Na divisão dos loteamentos irregulares, segundo o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), não são deixados os 8% exigidos pela prefeitura para a criação de praças ou áreas de lazer e, conseqüentemente, casas de alvenaria se aglomeram, dando aparência de favelas.

"O comércio dos terrenos não privilegia o meio ambiente. Seria preciso que a Prefeitura criasse com urgência pulmões de vegetação", sugere Carlos Fernandes Andrade, presidente do IAB. Do outro lado da cidade, na moderna e próspera Zona Sul, a liberação da construção de apart-hotéis e a derrubada de casas e prédios pequenos provocariam, de acordo com estudo da Coppe, má circulação de ar e aumento do fluxo de veículos. Logo, a poluição se tornaria mais intensa.

Com cada vez mais gente vivendo na periferia, onde são menores os investimentos públicos em sistemas de água, esgotos, drenagem, coleta de lixo e transporte de massa, a tendência do Rio é a maior agressão às lagoas, praias e rios. E, de quebra, a informalidade na relação entre a Prefeitura e os cidadãos. "Para termos água, tivemos que fazer o encanamento. O esgoto, jogando em fossas", conta Eliane Muniz, representante do núcleo de regularização do loteamento da Estrada da Pedra de Guaratiba, na Zona Oeste.

A participação popular na preservação do meio ambiente está crescendo, de acordo com o engenheiro Jorge Martins, da Coppe. "O movimento associativo e lideranças comunitárias estão mais preocupados com a política ambiental urbana", explica. Um exemplo foi a primeira ação do presidente da recém-constituída Associação de Comerciantes da Praia de Sepetiba, Renato Teixeira, de exigir a dragagem das areias da praia. "Sem qualidade do meio ambiente, as possibilidades de desenvolver o bairro e nossos negócios diminuem", avalia.

Para o professor da Coppe, a melhor maneira de projetar a cidade é fazer com que as organizações sociais se envolvam com os problemas locais, como está acontecendo na Barra da Tijuca, onde as associações comerciais e de moradores exigem a construção do emissário e o fornecimento regular de água.


Planos para o Centro

Turismo de tostar no sol e passear no bondinho do Pão de Açúcar está sendo deixado para trás. A previsão do crescimento turístico do Rio para os urbanistas é de mais investimento em cultura. A revitalização do Centro histórico com seus sobrados influenciados pelas arquiteturas estrangeiras - como a portuguesa e a espanhola - é o grande atrativo de áreas como a Praça 15 e a Praça Tiradentes. E será com o incentivo às artes, à música e à criatividade que a cidade pode entrar em uma nova era no início deste século.

"Temos que ocupar os vazios urbanos do Centro dando fim aos galpões sem utilidade, transformando a história em motivo de animação e orgulho", planeja Carlos Fernandes Andrade, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB). A atual administração do Rio tem criado programas de recuperação dos prédios antigos em diversas áreas da cidade, principalmente nos arredores do Centro, e entidades de outros países são convidadas a discutir a melhor forma de dar nova cara à região.

"A programação cultural e os passeios pelos pontos turísticos do Centro já estão despertando a atenção do carioca, e também do estrangeiro", afirma a secretária de Urbanismo, Hélia Nacif. O programa Novas Alternativas de reformar os cortiços e proporcionar melhores condições de habitação nas zonas pericentrais também tem sido uma forma de mostrar o charme de viver em meio a história de sua cidade, como acontece em Roma, na Itália, ou em Paris, na França.

Em Buenos Aires, na Argentina, por exemplo, a área morta do centro foi recuperada a partir da transformação dos armazéns portuários - como os que o Rio tem na Avenida Rodrigues Alves - em lojas, restaurantes, moradias, escritórios, universidades e centros culturais. "Turismo do fio dental e da mulata sambando está com os dias contados, o futuro do turismo do Rio terá mais consistência", aposta a secretária de Urbanismo.


"Proposta urbanística do Rio é elitista"

Dar fim aos vazios urbanos e impedir o crescimento desenfreado da cidade para a Zona Oeste é um consenso entre arquitetos para solucionar as principais deficiências urbanas do Rio. Seria preciso voltar a usar os terrenos desocupados, as construções desativadas e prédios subutilizados no Centro e Subúrbio, ao longo da ferrovia e na Cidade Nova. Essas áreas possuem infra-estrutura que a Zona Oeste carece e a ocupação desordenada desta empobrece a região.

"A proposta urbanística hoje é de projetar um Rio para os ricos, é a cidade mais elitista do Brasil", afirma José Conde Caldas, presidente da Associação de Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), que coordena a construção de novos prédios por toda a cidade. "A administração pública não procura conciliar os interesses locais com os interesses imobiliários", avalia Jorge Martins, professor da Coppe.

A abertura do Túnel Velho, em Copacabana, e a derrubada do Morro do Castelo, são exemplos usados pelos arquitetos para mostrar como as propostas de mudanças urbanas dos prefeitos podem alterar o desenvolvimento da cidade. E detalhes recentes como a autorização de instalação de painéis publicitários nas ruas ou a homogeneidade de mobiliário urbano - abrigos para ônibus, cabines de segurança, bancas de jornal e banheiros públicos - para toda o Rio mostram como a administração pensa e deseja a cidade.

"Qualquer partido que ganhe as próximas eleições terá que seguir o processo de valorização dos eixos centrais e a melhoria dos espaços públicos para que se tenha um Rio mais viável", acredita a urbanista Raquel Coutinho, da UFRJ. Do mesmo modo, as críticas ao modelo da Barra da Tijuca projetado pelo arquiteto Lúcio Costa - que privilegia o carro e mantém as pessoas em comunidades fechadas - reacende perguntas sobre a validade dos padrões urbanos tradicionais.

Como propõem os arquitetos Vicente Del Rio e Ana Cristina Gomes dos Santos, se os ideais de vida comunitária fossem retomados será que as pessoas se sentiriam estimuladas a voltar a freqüentar as praças e parques em vez de shoppings? Será que toda a cidade tem que seguir a tradição de botequins, bares e padarias nas esquinas? "O urbanismo não consegue se antecipar aos fatos, eles acabam acontecendo antes", responde a secretária de Urbanismo Hélia Nacif.

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Clube que virará apart se muda para favela

Jornal O Globo, sábado, 23 de setembro de 2000


Da praia para o pé do morro

Michel Alecrim

Da beira do mar para a beira da favela. Para possibilitar a construção de um apart-hotel em seu terreno, o Nevada Praia Clube transferiu sua sede social da Avenida Sernambetiba, na Barra da Tijuca, para a Rua Engenheiro Oscar Costa sem número, na entrada do Morro Camarista Méier, em Água Santa. A mudança, aprovada em assembléia de sócios, foi registrada em ata no dia 13 de maio deste ano, anexada ao processo de licenciamento do empreendimento.

O pedido de autorização para a construção do apart-hotel, feito pela própria administração do clube, foi encaminhado ao 4 º Distrito Regional de Licenciamento e Fiscalização (DRLF), que ainda não liberou a obra. O projeto fora apresentado no dia 28 de fevereiro aos sócios, que aprovaram a proposta. A transferência da sede social é uma das medidas possibilitadas pela Lei Complementar 45/2000, a que permite mudança na destinação de uso dos terrenos de clubes - a outra medida possível é a extinção do clube. O imóvel apresentado como novo espaço do Nevada fica numa área de risco, de onde o prefeito Luiz Paulo Conde teve que sair às pressas em janeiro, por causa da intimidação dos traficantes.

O processo, iniciado em 12 de julho, prevê a edificação de 15 andares com cobertura, num total de 494 unidades, que variam de 30 a 50 metros quadrados. A altura respeita os critérios da Lei Complementar 41/99, que regulamenta a construção de apart-hotéis na cidade. A legislação vigente permite que, na orla da Barra, os flats tenham a mesma altura que os hotéis, mas o critério pode ser mudado caso seja aprovado o projeto do vereador Eliomar Coelho (PT), em tramitação na Câmara.

Áreas de lazer darão lugar a prédios altos

A mudança na destinação das áreas de clubes preocupa os líderes comunitários da Barra. Além do Nevada, o Canaveral e o Oásis podem dar lugar a empreendimentos imobiliários. Para o presidente da ONG Barralerta, Cléber Machado, todo o bairro sai perdendo com a construção de apart-hotéis em terrenos de clubes.

- É uma pena que essas áreas de lazer estejam deixando de existir para dar lugar a prédios altos. O bairro ainda tem muitas áreas livres que poderiam ser aproveitadas. Não deveriam mexer nos terrenos dos clubes - diz Machado.

O gabarito também é criticado pelo presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck.

- A Barra não tem infra-estrutura para crescer mais - argumenta.

O terreno de cerca de 30 mil metros quadrados do Nevada vai da Avenida Sernambetiba ao Canal de Marapendi. A área está sendo negociada com a João Fortes Engenharia, conforme confirmou há duas semanas o diretor da empresa, Cláudio Fortes. O construtor, entretanto, não respondeu aos telefonemas do
GLOBO ontem. O presidente do clube, Ronald Abrahão Ázaro, também não retornou as ligações feitas ao escritório administrativo do Nevada, no Centro, e à sede do Partido Social Cristão (PSC), do qual também é
presidente.

Alerj pode tombar Nevada na próxima semana

O projeto de lei que tomba o Nevada, de autoria do deputado Carlos Dias (PPB), deve voltar à pauta da Assembléia Legislativa na próxima terça-feira.
O prazo para análise das comissões já está vencido e a proposta tramita em regime de urgência.

- Acho que ele deveria ser votado essa semana. O projeto não tem nada a ver com o processo eleitoral - disse Dias.

O juiz Heitor Carvalho Campinho, da 4ª Vara de Fazenda Pública, deu prazo de 72 horas, a contar da data da intimação, para que o município e a Cedae prestem esclarecimentos sobre a concessão de licenças para a construção de apart-hotéis sem que os empreendedores tentam apresentado Declaração de
Possibilidade de Esgotamento (DPE) e Licenciamento de Instalações Prediais (LIP). Os documentos são fornecidos pela Cedae. Após os esclarecimentos é que o juiz decidirá se concederá ou não a liminar pedida pelo vereador Eliomar Coelho (PT) para suspender as obras dos apart-hotéis sem autorização  da Cedae.

A intimação deve ser entregue aos destinatários na próxima segunda-feira. A expectativa do advogado Paulo Henrique Teles Fagundes, responsável pela ação, é que a decisão sobre a liminar saia até sexta-feira. Segundo ele, as autorizações concedidas pela Prefeitura são irregulares porque não foram precedidas de aprovação da Cedae. Paulo Henrique argumenta que o artigo 58 do decreto estadual 553 diz que a Cedae tem que fornecer a DPE e LIP.

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Arquiteta despeja entulho na porta do Prefeito

O Estadão, sexta-feira, 13 de outubro de 2000

Arquiteta despeja entulho na porta de Conde

Rio de Janeiro - Indignada com o que chamou de "favelização" do bairro, a arquiteta Maria Lúcia Leone Massot, de 57 anos, despejou na porta da residência do prefeito do Rio, Luiz Paulo Conde (PFL), candidato à reeleição, móveis velhos e entulho de obras. Maria Lúcia foi de madrugada ao condomínio onde mora o prefeito e deixou o lixo na entrada de carros. O gesto foi um protesto contra o Favela-Bairro Canal das Taxas, no Recreio dos Bandeirantes, que, segundo ela, transformou toda a vizinhança numa grande favela.

Conde afirmou hoje não conhecer Maria Lúcia. "Sei que existe muito elitismo da parte de certas pessoas que são contra o Favela-Bairro", afirmou. "Elas querem, na verdade, que essas favelas sejam removidas." Conde disse que o gesto da arquiteta "só pode ser provocação".

Segundo ele, Maria Lúcia dever ser amiga de algum adversário político. O prefeito não viu o entulho em frente a sua casa. Quando ele acordou, o lixo havia sido retirado.

A arquiteta contou que vem denunciando o problema desde 1995, quando começaram as obras do Favela-Bairro na região. Segundo ela, naquela época, havia uma pequena comunidade pobre no local, que em nada perturbava a paz da classe média da vizinhança. "Em 1994, havia 2.300 pessoas; depois da obra, o número quadruplicou e hoje chega a 8 mil", contou Maria Lúcia, que tem uma página na internet para denunciar o problema. "A favela agora está na frente da minha casa", disse.

Ela reclama que os moradores usam a rua como oficina mecânica, fazem as cercas das casas da classe média de varal e invadem terrenos da região. O entulho depositado na porta do prefeito foi retirado de um terreno ao lado da sua casa. "É a indústria da favelização, chefiada pelos próprios governantes", acusou. Ela responsabiliza Conde e o candidato César Maia (PTB), ex-prefeito, pela situação.

"Enquanto os moradores de classe média pagam uma das mais altas taxas de impostos na cidade e não têm infra-estrutura e serviços condizentes, a favela está urbanizada e não pára de crescer: os limites são os muros das nossas casas." Maria Lúcia move uma ação de indenização por perdas e danos contra a prefeitura.

"Minha casa está totalmente desvalorizada e não consigo vendê-la." A arquiteta disse que anulou o voto no primeiro turno das eleições, mas que ainda está indecisa sobre o que fazer no segundo turno. "Quem prometer acabar com isso ganhará os votos de todos daqui", afirmou.

Roberta Jansen e Wilson Tosta


Jornal O Estadão, sábado, 14 de outubro de 2000

Arquiteta joga lixo na casa de Conde

"Ato foi em protesto ao que chamou de `favelização' do Recreio dos Bandeirantes"

ROBERTA JANSEN e WILSON TOSTA

RIO - Indignada com o que chamou de "favelização" de seu bairro, a arquiteta Maria Lúcia Leone Massot, de 57 anos, despejou na porta da residência do prefeito Luiz Paulo Conde, candidato à reeleição pelo PFL, móveis velhos e entulho de obras. Maria Lúcia deixou o lixo na entrada de carros. O gesto foi um protesto contra o Favela-Bairro Canal das Taxas, no Recreio dos Bandeirantes, que, segundo ela, transformou toda a sua vizinhança em uma favela.

O prefeito Luiz Paulo Conde garantiu ontem não conhecer Maria Lúcia. "Sei que existe muito elitismo da parte de certas pessoas que são contra o Favela-Bairro", afirmou. "Elas querem, na verdade, que essas favelas sejam removidas."Segundo ele, Maria Lúcia dever ser amiga de algum adversário político seu. O prefeito não chegou a ver o entulho.

A arquiteta contou que vem denunciando o problema desde 1995, quando começaram as obras do Favela-Bairro na região. Segundo ela, naquela época, havia uma pequena comunidade pobre no local."Em 1994, havia 2.300 pessoas; depois da obra o número quadruplicou e hoje chega a oito mil", contou Maria Lúcia, que tem uma página na Internet para denunciar o problema.

Ela responsabiliza o atual prefeito Luiz Paulo Conde (PFL) e o ex-prefeito e também candidato César Maia (PTB) pela situação.

A arquiteta garantiu que anulou o voto no primeiro turno das eleições, mas que ainda está indecisa sobre o que fazer no segundo turno. "Quem prometer acabar com isso ganhará os votos de todos daqui", garantiu.

Menos os dos oito mil favelados, é claro


Jornal O Dia, Sábado, 14 de outubro de 2000.

REVOLTA

Sobrou para Conde e Cesar

Arquiteta joga entulho na porta da casa do prefeito para protestar contra obras

Para protestar contra obras do Favela-Bairro no Recreio dos Bandeirantes, a arquiteta Maria Lúcia Massot, 57 anos, e a servidora federal Sueli Menezes, 52, despejaram entulho na porta do condomínio onde mora o prefeito Luiz Paulo Conde (foto), no Itanhangá, na madrugada de ontem. Maria Lúcia disse que era um protesto contra a favelização da Rua Leon Eliachar, no Recreio dos Bandeirantes, que teria sido iniciada com o ex-prefeito Cesar Maia e ampliada com o atual, Luiz Paulo Conde.

“Cesar Maia começou tudo. Cansei de reclamar com a subprefeitura da Barra. Hoje, resolvi recolher o lixo da minha porta e colocar na porta do prefeito. Quem sabe agora ele não me dá uma solução?”, reclamou a arquiteta.

O prefeito estava dormindo e não ficou sabendo do fato. Maria Lúcia disse que construiu sua casa, que ela avalia em pelo menos R$ 180 mil, em 1984. “A Favela do Canal da Tacha ficava a quase mil metros. Em 96, a prefeitura ampliou o canal e construiu um conjunto residencial, para remover 81 famílias, no imenso terreno, em frente a minha casa”, conta.

Vizinhos pobres e ricos estão em guerra

Maria Lúcia e outros três vizinhos do lado par, onde estão as casas de classe média, passaram a travar uma guerra com os moradores das casas do Favela-Bairro. O 31º BPM (Barra) já foi acionado por causa de várias brigas e discussões no local. Ontem, em nova discussão, nenhuma patrulha apareceu.

“Ela arruma confusão com todo mundo. Ninguém a agüenta aqui. Não jogo lixo na rua. Ela é que coloca entulho na minha porta”, disse o lanterneiro Cosme Henrique Vicente, 32 anos, que ontem à tarde aumentou o volume do aparelho de som enquanto Maria Lúcia se queixava na rua contra a favelização. Em denúncia na 16ª DP (Barra), a arquiteta denunciou o lanterneiro por ameaçá-la de morte.

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Prefeitura perde ação indenizatória

Jornal do Brasil, Cidade, sexta-feira, 20 de outubro de 2000

A juíza Helena Belc Krausner, da 5ª Vara de Fazenda Pública, determinou que a Prefeitura do Rio indenize a arquiteta Maria Lúcia Leone Massot em 150.711 Ufirs (R$ 160.372) pela desvalorização de sua casa, provocada pela construção de um conjunto habitacional do programa Favela-Bairro em frente ao imóvel, no Recreio dos Bandeirantes. "Estou morando dentro de uma favela", queixa-se a arquiteta, que comprou o terreno há 16 anos na Rua Leon Eliachar - área valorizada até 1996, quando os invasores do Canal das Taxas foram removidos para o local.

Na sentença, a magistrada afirma que o município descumpriu o Plano Lúcio Costa e o Plano Diretor Decenal, que estabelecem as normas de ocupação do solo na região. O Executivo também permitiu a construção de 81 unidades do Favela-Bairro no terreno em frente à casa da arquiteta, embora a área seja considerada de proteção ambiental e a lei proíba a edificação de casas populares.

"A inércia foi a tônica da conduta do réu (a Prefeitura), indiferente aos reclamos da autora no sentido de paralisar a situação irregular em que estava se transformando o local que ela escolheu para usufruir em paz", afirma a juíza. "Nem se diga que se trata de uma posição elitista, haja vista que a autora pagou o preço que à época era exigido ao local para morar em consonância com seu modo de viver", conclui. A Procuradoria Geral do Município vai recorrer.

Maria Lúcia paga 1.071 Ufirs (R$ 1.139) de IPTU por ano e não ficou contente com a sentença. "Só posso sair daqui quando receber o dinheiro, o que deve demorar uns 10 anos, e quando vender a casa, que está com o preço lá embaixo", lamenta a arquiteta, que vive sendo ameaçada pelos moradores da favela devido às queixas que faz.

 


Consultor Jurídico - http://www.conjur.com.br

Sábado, 21 de outubro de 2000

Coluna do Rio

Prefeitura terá que indenizar por fazer casas populares

A juíza Helena Belc Krausner, da 1ª Vara da Fazenda Pública, determinou que a prefeitura do Rio indenizará a arquiteta Lúcia Massot em 150.711 Ufirs (cerca de R$ 160 mil).

O motivo é a desvalorização de sua casa que foi provocada pela construção de um conjunto habitacional do programa Favela-Bairro em frente ao imóvel no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste da cidade.

Na sentença, a magistrada afirma que o município descumpriu o plano Lucio Costa e o plano diretor Decenal que estabelecem as normas de ocupação.

Foram construídas 81 unidades do programa em frente a casa da arquiteta embora a área seja de proteção ambiental onde as edificações são proibidas por lei.

Segundo a juíza, "A inércia foi a tônica da conduta do réu (prefeitura)". Para ela, "indiferente às reclamações da autora no sentido de paralisar a conjuntura irregular em que estava se transformando o local que ela escolheu para usufruir em paz"

A juíza ainda afirmou que não se trata de uma posição elitista "haja vista que a autora pagou o preço que à época era exigido para morar em consonância com seu modo e viver".

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Com vista para o esgoto

Jornal NO, sexta-feira, 10 de novembro de 2000

http://www.no.com.br

Carla Rodrigues  <carla@no.com.br>


[ 08.Nov ]  Rio das Pedras, nos fundos da Barra da Tijuca, em área de fronteira com Jacarepaguá, é uma favela tão emergente quanto o bairro que a abriga. Empurrada pelo crescimento econômico do Plano Real, o lugar era um gueto de pobreza até 1992, quando recebeu os desabrigados das enchentes em acampamentos precários. De lá para cá, Rio das Pedras entrou para o rol das favelas ricas da cidade. É uma riqueza clandestina – ao contrário do que acontece com a Rocinha, passagem entre dois bairros de classe alta da cidade, Rio das Pedras está escondida, invisível até mesmo aos moradores da Barra da Tijuca e do Itanhangá.

Uma das marcas de Rio das Pedras é a sua capacidade de crescer em todas as direções: aos fundos, sobe o morro do Pinheirinho, que nos últimos oito anos trocou toda a sua cobertura vegetal por barracos. Para frente, se estende em direção à Lagoa de Jacarepaguá, num aterro constante e criminoso. Para o alto, já ostenta prédios de até cinco andares. No asfalto, cresce em produção econômica, e o comércio em expansão ocupa as margens da Avenida Engenheiro Souza Filho, hoje importante rota de passagem para a Linha Amarela. Para a direita, avança em direção à favela da Pedra da Panela, com a qual, neste ritmo, se encontrará em poucos anos.

A primeira tentativa de conter Rio das Pedras chegou em 1996, quando o Favela-Bairro – promessa de campanha do então candidato Luiz Paulo Conde batizado de "projeto Grandes Favelas" – recebeu cerca de R$ 28 milhões da Caixa Econômica para obras de saneamento e remanejamento de moradores de área de risco. Passados quatro anos, o saldo são obras de fachada. Nas margens do rio das pedras, apenas parcialmente canalizado, os barracos ganharam "vista para o rio" e trataram de abrir portas e janelas para o canal, uma mistura de esgoto e lixo que corre para a lagoa.

Fora as janelas abertas para o rio, que são hoje a principal marca do projeto "Grandes Favelas" em Rio das Pedras, o que se vê é uma creche inacabada e dois prédios em construção no alto do morro do Pinheirinho. Os apartamentos serão financiados aos próprios moradores. Das outras providências, nunca mais se ouviu falar: a contenção do crescimento e o remanejamento dos moradores de Areal, área de aterro sobre a lagoa, por exemplo, caíram no conveniente esquecimento eleitoral.

O encontro de Rio das Pedras com a favela da Pedra da Panela foi antecipado num cenário-catástrofe, previsto para acontecer em 2005 se não houvesse ação do poder público. A expansão está prevista desde 1992. Ano em que a cidade recebeu quase 200 chefes de estado para a Conferência Mundial do Meio Ambiente, a prefeitura encomendou o estudo "Comunidade do Rio das Pedras – reestruturação urbana e recuperação ambiental". Assinado pela consultoria Holística, o trabalho mostra o crescimento da favela desde 1976 até então, e faz uma previsão de como ficaria a região se não houvesse uma política de contenção da ocupação irregular. As fotos mostram que não houve.

O futuro secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo Paes, conhece bem a região. Foi subprefeito da Barra da Tijuca, quando atuou como xerife de uma ou outra tentativa de desocupação das pequenas favelas que brotaram na estrada velha da Barra, principal via de acesso a Rio das Pedras. Para levar a sério qualquer promessa de enfrentar o problema, só quando crescimento de favela, no Rio de Janeiro, for tratado como crime ambiental. Nesta cidade que teve o meio ambiente devastado pela ocupação ilegal, tratar favela apenas como questão urbana ou habitacional ou é ingenuidade ou má-fé. Ou uma conveniente combinação de ingenuidade e má-fé.

Um bom exemplo desta conveniente combinação foi a promessa que o prefeito Luiz Paulo Conde jamais pretendeu cumprir: em dezembro de 1998, ele assinou um decreto que criava a Força Tarefa de Controle Urbano, uma "fiscalização em tempo integral" da expansão da Rocinha e de Rio das Pedras, as duas favelas que, reconhecia ele, mais ameaçam áreas de proteção ambiental. A força-tarefa, da qual nunca se enxergou sombra, prometia impedir o acesso de caminhões carregados com material de construção. Dois anos depois, a Rocinha continua a invadir a Floresta da Tijuca e Rio das Pedras se esparrama, com seus 45 mil habitantes – o equivalente a população da cidade de Saquarema, Região dos Lagos – sobre as lagoas da Barra e Jacarepaguá.

A expansão de Rio das Pedras ao longo dos anos



 

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Favelização do bairro é crescente

Jornal O Globo, Barra, 7 de dezembro de 2000


Fernanda Pontes

A crescente favelização no Recreio, principalmente ao longo da Avenida Gilka Machado, preocupa moradores e autoridades. O futuro subprefeito da Barra, Pedro Paulo Teixeira, tem como meta principal combater as invasões e as obras irregulares.

- Detectamos pelo menos dez pontos de invasões no Recreio. As construções em áreas de risco e em locais de preservação ambiental não serão toleradas - diz.

A subprefeita da Barra, Andrea Lartigue, lamenta que todas as tentativas de combater as invasões no bairro ainda não tenham surtido efeito:

- Já entramos na Justiça contra proprietários de casas irregulares e tentamos recuperar os terrenos pertencentes à Prefeitura, mas o processo é lento.


Os pontos mais críticos do bairro

Os pontos de invasões mais críticos apontados pela Subprefeitura da Barra são a Avenidas Gilka Machado e a Rua Ernesto Trotta. A subprefeita Andrea Lartigue diz que a duplicação da primeira ainda não aconteceu exatamente por causa das invasões.

Localizada à beira-mar, a Avenida Gilka Machado é considerada uma das áreas mais problemáticas. Sofre desde 1954 com os loteamentos irregulares. A via ganha aos poucos cara de favela, onde novos barracos são erguidos e ônibus piratas e cavalos circulam normalmente. Os moradores do local ainda são obrigados a conviver com o mau cheiro provocado pelo esgoto lançado in natura.

O presidente da Associação de Moradores e Amigos do Recreio, Cleomar Paredes, diz que a favelização toma conta dos dois lados da avenida.

- Antes, era só de um lado da via. Agora, quase tudo foi tomado - lamenta.

Na Rua Ernesto Trotta, as casas não obedecem aos padrões urbanísticos da região. Construções que deveriam ter, no máximo, dois pavimentos são construídas com três. Os mais de cem imóveis irregulares fecharam uma das saídas da via, a antiga Rua A-3.


Restaurante em local proibido

Para a subprefeita Andrea Lartigue, a lentidão da Justiça dificulta o trabalho de retirada de invasores no Recreio dos Bandeirantes:

- Muitos deles já foram notificados e os processos encaminhados à Procuradoria-Geral do Município e ao Ministério Público. Mas a maioria dos proprietários recorreu e conseguiu garantir o direito, liminarmente. Estamos tentando retirá-los há dois anos.

Segundo a subprefeita, esse é o caso do restaurante Beach Hall, onde funcionava o Kananga do Hillo’s, no Pontal.

A casa já teve seu alvará de funcionamento cassado pela Prefeitura, mas o proprietário recorreu e conseguiu uma liminar na Justiça. Segundo a subprefeitura, a casa fica em lugar de proteção ambiental.

- A construção é irregular, pois fica na praia. Sempre que tentamos fechar o estabelecimento, os donos vão à Justiça.

Em maio deste ano, o gerente da casa, Marcos Vinícius Roberto, disse que a Marinha concedera permissão para a exploração da área em 1954 e garantiu que os proprietários nada têm a ver com os antigos donos do Kananga do Hillo’s.

O presidente da associação de moradores, Cleomar Paredes, diz que é contra o funcionamento de estabelecimentos naquela área do Pontal:

- Todas as construções naquele lugar deveriam ser proibidas, principalmente a do apart-hotel que está sendo erguido ao lado restaurante Beach Hall.

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O retrato do maior bolsão de miséria do Rio

Jornal do Brasil, Cidade, domingo, 10 de dezembro de 2000


Censo revela a realidade escondida nos 38.083 barracos, casas e apartamentos das 17 comunidades do Complexo

Maria Fernanda Freita E PAULA MAIRAN

Maior bolsão de miséria da América Latina, o Complexo da Maré, instalado entre a Baía de Guanabara e a Avenida Brasil, com limites extremos no Caju e na Penha, terá peculiaridades de sua realidade social traduzidas, pela primeira vez, em dados estatísticos. Cem pesquisadores concluirão, em janeiro, o Censo Maré 2000. Numa iniciativa não-governamental, a equipe visitou cada um dos 38.083 barracos, casas e apartamentos da megacomunidade com cerca de 115 mil pessoas - o equivalente a uma cidade de porte médio (caso de Cabo Frio) ou o dobro da população da Rocinha. Assim como a famosa encosta de São Conrado, o Complexo da Maré, com sua geografia predominantemente plana, é classificado por decreto oficial como bairro, embora apresente problemas típicos de favelas.

O recenseamento revela, por exemplo, que os números de crianças fora da escola alcançam níveis superiores à média brasileira. Entre as 14.271 crianças de 7 a 14 anos já recenseadas, 910 não estudam, ou seja, 6,4% da população local nessa faixa etária, enquanto a média brasileira é de 4,2%. Em algumas localidades do complexo, o problema se agrava: em Nova Maré, o índice de meninos fora das salas de aula chega a 16,9%. ''O índice é muito alto e incomum em zonas urbanas. Suspeito de que a maioria tenha passado pela escola e dela saído precocemente'', constata o consultor em Educação João Batista Oliveira. O educador faz parte do projeto Acelera Brasil, do Instituto Ayrton Senna.

Analfabetismo - Entre as crianças, 2,1% trabalham, geralmente em biscates. Já a quantidade de analfabetos entre os moradores de mais de 14 anos, 9% dos 72.276 entrevistados, está aquém do índice nacional, de 15,5% de brasileiros que não sabem ler nem escrever. ''É muito alto o custo social de tanta gente fora da escola. Uma única criança fora da escola é como uma ovelha perdida, abandonada à própria sorte. E o Estado não dá conta disso. Cada comunidade precisa se organizar para cobrar que a escola segure o aluno'', alerta João Batista.

O Censo Maré 2000, feito com apoio da prefeitura e financiamento do BNDES, é feito pela ONG Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), criada há três anos por um grupo de acadêmicos oriundos do complexo e com sede na localidade conhecida como Baixa do Sapateiro. De acordo com uma das coordenadoras da ONG, a mestra em Educação Eliana Souza Silva, 38 anos, os recenseadores foram selecionados entre estudantes do curso pré-vestibular oferecido pela entidade. ''O fato de os recenseadores serem do complexo facilitou a realização do censo'', explica Eliana, que foi criada na comunidade Nova Holanda.

Até agora, em dois meses e meio de trabalho, o Censo Maré 2000 entrevistou moradores de 75% dos domicílios e comprovou a existência de pelo menos 102.828 pessoas na megacomunidade, formada por 17 favelas e conjuntos habitacionais. Ainda falta conferir a quantidade de habitantes de 9.757 domicílios, cujos moradores não foram encontrados numa primeira visita. Numa segunda etapa, moradores de cada conjunto ou favela vão responder à mesma bateria de 150 perguntas da segunda etapa do Censo, a ser concluída em meados de 2001. ''O objetivo é ter um retrato que nos ajude a pensar nos projetos necessários'', explica Eliana, sobre o complexo de 887.080 metros quadrados, onde há eletricidade, saneamento básico, seis postos de saúde e 11 escolas municipais, mas 645 pessoas sequer possuem certidão de nascimento.

Família tem três gerações de analfabetos

Moradora do conjunto habitacional Pinheiro, no Complexo da Maré, Maria do Carmo Araújo, de 45 anos, é do tipo que vê novelas e sonha em ser atriz, mas esconde a boca, com todos os dentes, até mesmo quando sorri. Só vence tanta vergonha para se revelar personagem de um drama real: o analfabetismo que a impede atualmente de arrumar emprego até mesmo como faxineira. ''Não sei nem assinar meu nome'', confessa a mulher, enquanto apresenta a identidade potiguar, selada com somente seu polegar direito.

Os dois filhos de Maria do Carmo, de 13 e 19 anos de idade, representam a terceira geração de analfabetos na família, cuja última lavradora até hoje traz nas palmas das mãos os calos da enxada que abandonou ainda jovem no sertão do Rio Grande do Norte. Os filhos chegaram a freqüentar escolas. ''Mas o mais velho nunca conseguiu aprender nada. Disse que dá um branco nele, uma dor de cabeça e ele começa a suar frio. Mesmo assim, agora ele é que sustenta a família, trabalhando numa fábrica de pão'', lamenta a doméstica desempregada. O mais novo também não estuda. ''Ele é muito esperto, mas só quer saber de brincar com os cavalos que ficam aí pela favela''.

No Rio, depois de trabalhar a vida inteira como doméstica, ela não consegue mais emprego porque, até mesmo para a função de faxineira, agora empresas e donas de casa pedem, segundo ela, candidatos alfabetizados. ''Choro muito por causa disso. Sinto muito mesmo, cada vez que sou barrada num emprego por não saber nem assinar meu nome'', conta a mãe, preocupada com o destino dos filhos. ''Eu sei lavar, passar e cozinhar direitinho. Queria muito uma chance. Mas acho que bem podia ser uma índia na novela Uga-Uga. Tenho tipo de índia'', brinca. Maria cata latas para manter a família no apartamento quarto e sala conquistado no governo Leonel Brizola.

Corredor de pobreza

No início, na década de 40, palafitas fincadas em área de mangue da Baía de Guanabara eram conhecidas como Favela da Maré. A imagem dos barracos alagados, marcante nos anos 70, deu lugar nos 80 ao aterro onde foi erguida a Vila do João, conjunto inaugurado pelo ex-presidente João Batista Figueiredo. Em 91, já havia mais de 60 mil moradores. Hoje, chama-se Mandacaru a menor e mais miserável entre as 17 comunidades que integram o complexo. Realidade parecida com a das antigas palafitas.

Localizada entre as ruas do Alpiste e da Farinha, nos fundos do Mercado São Sebastião, na Penha, Mandacaru ocupou espaço onde antes havia o depósito de lixo da bolsa de negócios alimentícios. O lixo foi desbastado para dar lugar a um corredor de barracos montados com tábuas. De acordo com o Censo Maré 2000, os barracos são 116. Segundo a fundadora da comunidade, Maria Dalva Martins, de 46 anos, ao certo são 320. ''Vim para cá com minha neta recém-nascida, que teve a cara mordida por ratos, na favela Marcílio Dias. Veio gente de todo lugar, morador de rua e até de Piabetá'', conta Maria Dalva, que mora em três cômodos com quatro filhos, dois genros e quatro netos.

Na Rua da Batata, em cuja margem se enfileram os barracos, crianças brincam numa gangorra improvisada em pedaços de madeira igual aos das paredes das casas. A maioria não freqüenta escola. Evandro, 15 anos, parou de estudar há três. ''A diretora me culpou de um negócio que não fiz e me mandou para casa. Não voltei mais'', conta o garoto. Lincol Renan, 13 anos, veio de Cabo Frio com os pais e nem foi matriculado. ''Não sei ler nem escrever'', revela. Maximiliano, 11 anos, está na 2ª série, mas faltou à aula justamente na quinta-feira da reportagem. Os meninos trabalham pelas manhãs no mercado como engraxates. (P.M.)

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Favelas crescem na Região Serrana

Jornal do Brasil, Cidade, domingo, 17 de dezembro de 2000



Crescimento desordenado e ocupação de áreas de proteção ambiental preocupam moradores de Teresópolis e Petrópolis

Carlos Wrede

As encostas e vales de Teresópolis já não acrescentam à paisagem só o verde da Mata Atlântica
A preocupação com o crescimento da favela do Alemão não é exclusividade dos cariocas. Uma comunidade com o mesmo nome vem ganhando espaço e densidade em Petrópolis, na Região Serrana, e reflete um problema cada vez mais freqüente dos municípios da Região Serrana: a favelização. Moradores de Teresópolis, Petrópolis e de distritos próximos assistem a uma ocupação desenfreada e desordenada de morros, encostas e até mesmo vales que, em muitos casos, constituem áreas de preservação ambiental.

''Moro aqui há 42 anos, desde que nasci. O terreno era espaçoso, cheio de árvores e a gente podia até beber água do rio. Depois, as casas começaram a ser construídas sem nenhum tipo de organização e acabou virando uma favela'', conta Jorge Batista, morador da comunidade de Beira Linha, em Teresópolis.

Denise Tarim, promotora de meio ambiente na área de Petrópolis - que inclui os distritos de Itaipava, Nogueira, Pedro do Rio, Cascatinha e Correias - não tem dúvidas de que o processo de favelização, na região serrana, só vem aumentando.

''O que se vê é um incentivo à falta de qualidade de vida daqueles que não têm dinheiro. São pessoas atraídas por oportunidades de emprego que acabam recebendo incentivo de políticos que não fiscalizam estas ocupações. Os governantes, para agravar o problema, distribuem posse de terra em áreas de preservação ambiental'', afirma a promotora.

O primeiro e atual secretário de habitação da região, Antônio Neves, tem uma explicação parecida. Segundo ele, ainda no anos 60, a ocupação não era preocupante porque não se espalhava pelas encostas. ''A ocupação das áreas de risco só começou nos anos 80, quando a migração para Petrópolis aumentou muito. A partir daí, os governos passaram a fazer doações de material de construção para aqueles que estavam ocupando, precariamente, a região. Eles achavam que estavam amenizando o problema, mas só criaram uma situação ainda pior'', diz o secretário.

O prefeito de Teresópolis, Mário Tricano, nega que tenha havido um aumento substancial do número de favelas nos últimos anos. ''Já estou em Teresópolis há 23 anos e as ocupações existem desde esta época. Não posso apontar precisamente o motivo para o seu aparecimento, mas sei que elas não aumentaram em número nem em tamanho'', afirma.

Êxodo - De qualquer maneira, a prefeitura tem se mostrado preocupada em prevenir um possível crescimento. Em uma reunião recente com empresários da construção civil, um dos pontos abordados foi a necessidade de se empregar prioritariamente a mão de obra dos próprios municípios onde surgem os novos empreendimentos. Teresópolis tem uma das atividades mais intensas do estado na construção civil, com cerca de 70 construções em andamento. Isso significa nada menos que 7 mil empregos, que atraem, segundo os construtores, trabalhadores e,principalmente, desempregados da capital e de comunidades próximas. Grande parte desse contingente vai procurar moradia de baixo custo e assim se instalar em favelas e comunidades pobres.

O crescimento desordenado das favelas esbarra também na questão da proteção ao meio ambiente. Petrópolis e todos os seus distritos, por exemplo, estão inseridos em uma Área de Preservação Ambiental (APA). As favelas, muitas vezes, são construídas sobre Mata Atlântica, afetando o ecossitema. As consequências deste fato já são claras em Teresópolis, que também passa pelo mesmo problema.

''O calor que tem feito nestes últimos dias, aqui em Teresópolis, não é comum. Moro aqui há 14 anos e nunca tinha visto o termômetro marcar 32 graus. Agora isto é freqüente'', afirmou a promotora do meio ambiente da cidade, Sheila Vargas. Para ela, o município vem sofrendo com o desmatamento acelerado de áreas próximas ao centro da cidade, que, com a perda da vegetação, alteram o clima da região.

Estradas - Mas as favelas da região serrana não se formam só em morros, encostas e vales. Ao longo da BR 040, que liga o Rio de Janeiro a Juiz de Fora, é possível ver casas construídas na faixa de segurança do DNER.

''É impressionante. Você passa em uma sexta-feira e não tem nada. Quando volta de viagem no domingo, já acha uma nova casa'', descreve o secretário de habitação de Teresópolis, Antônio Neves.

Segundo os prefeitos de Teresópolis e Petrópolis, os esforços para resolver a questão foram uma prioridade em seus governos. Mário Tricano, prefeito de Teresópolis, por exemplo, criou uma Secretaria Especial de Defesa Civil para fazer um levantamento das áreas de risco e prevenção de acidentes. Já o prefeito de Petrópolis, Leandro Sampaio, criou a Secretaria de Habitação, para solucionar o problema das casas populares.

Casos de violência


As favelas da região serrana ainda estão longe de serem violentas como as do Rio de Janeiro. Mas os casos recentes de assassinato e assaltos alertam para uma ameaça à tranqüilidade das cidades serranas mais charmosas do estado. Os próprios moradores das favelas e áreas ocupadas irregularmente, em sua maioria, não têm medo da violência, e dizem que ela simplesmente não existe. ''Acho isso aqui uma tranqüilidade. As crianças podem brincar sem medo e todos são como uma grande família'', diz Josefa Gomes, moradora do Morro dos Pinheiros, em Teresópolis. ''Até a vista daqui é bonita'', elogia.

''As pessoas acham que é perigoso, mas mudam de idéia depois que entram aqui. Muitos comerciantes daqui não são moradores e não tiveram medo de se estabelecer na favela porque sabem que é seguro'', conta Osvaldo Catrinck, presidente da associação de moradores da comunidade Beira do Linhares.

A impressão de quem mora nas comunidades destoa da preocupação de moradores e autoridades, que percebem um aumento da intranqüilidade como o crescimento de bolsões de pobreza. ''Em Petrópolis, andei conversando com o comando do 26° BPM para fazermos fiscalizações de caráter preventivo. Quando uma comunidade vai surgindo sem um mínimo de condições, a probabilidade de se formar um ponto de tráfico de entorpecentes é muito maior. A violência ganha espaço'', explica a promotora Denise Tarim.

Teresópolis, que já foi usada como modelo pela Secretaria de Segurança do Estado para os outros municípios, vem registrando casos brutais de violência nos últimos meses.

No fim de novembro, Rildo de Oliveira Gomes, administrador da fazenda do ator Marcos Palmeira, foi morto durante um assalto. Ele chegava na fazenda com R$ 17 mil para o pagamento dos funcionários. Em outubro, duas estudantes foram mortas em circunstâncias parecidas: Yara Santos, de 14 anos e Fernanda Santos, de 17. Estes acontecimentos levaram levaram o chefe de Polícia Civil, o delegado Álvaro Lins, e o subsecretário de Planejamento Operacional da Segurança Pública, coronel Lenine de Freitas, a enviarem um reforço policial para a região.

Para o prefeito Mário Tricano, os crimes não têm relação com as comunidades empobrecidas. ''Posso arriscar dizer que os índices de violências nestas áreas são inferiores aos do resto da cidade. Estes fatos ocorreram todos juntos por uma fatalidade'', afirmou Tricano.

 
 
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