" Quando
morei seis meses numa favela, em 1969, nunca tranquei a porta
do barraco. Deixava minha bolsa lá tranqüilamente. Não havia
índices altos de violência." Janice Perlman (antropóloga
americana) |
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Reportagens
( 4ª parte) |
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Reportagens 2001
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Tópico 1 Casa nova e popular |
Tópico 2 A invasão silenciosa das favelas |
Tópico 3
Cercas para frear as favelas |
Tópico 4
Expansão desordenada |
Tópico 5
Legalização para as favelas |
Tópico 6
Mais verbas para favelas |
Tópico 7
Pobres fogem da violência do Rio |
Tópico 8
A explosão da periferia |
Tópico 9
Secretários Municipais criticam Favela-Bairro |
Tópico 10
Estado põe famílias em contêineres |
Tópico 11
O que vem depois da Barra |
Tópico 12
Retrato dos Municípios Brasileiros |
Tópico 13 Arquitetura dos excluídos |
Tópico 14
Moradores têm saudades das favelas |
Tópico 15
Cidade incha pelas favelas |
Tópico 16
Rio ilegal tem mais de 1 milhão de habitantes |
Tópico 17
Favela já nasce com nome e associação de moradores |
Tópico 18
Rio ganha 15.717 casas populares |
Tópico 19
Rachaduras abalam estruturas de casas |
Tópico 20
Abandono e
preconceito são estigma das favelas |
Tópico 21
Linha vermelha cede e pára a
cidade |
Tópico 22 Cidades criam barreiras contra a migração |
Tópico 23
CPI apura desvios no projeto Favela-Bairro |
Tópico 24
Puxadinho muda de cores na Rocinha |
Tópico 25
Moradores de favelas podem requerer título |
Tópico 26
Casa própria a R$ 5.500 |
Tópico 27
Sonho da casa própria é caro e tem alto risco |
Tópico 28
Paraíso e inferno são vizinhos na Barra |
Tópico 29
Divergências atrasam Favela-Bairro |
Tópico 30
Brazilians flock to shantytowns |
Tópico 31
Líderes das favelas pregam luta racial |
Tópico 32
Maioria da população vive em residência própria |
Tópico 33
Medo da violência cresce nas favelas |
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Topo TÓPICO 1
Casa nova e popular |
Jornal O
globo, Caderno Morar Bem, domingo, 14 de
janeiro de 2001
Luciana Casemiro
Quando a
questão é a renda, quem recebe até 12 salários-mínimos sai
ganhando. Se o foco é o tipo de imóvel, quem pretende
comprar uma unidade nova, independentemente do valor, leva
vantagem. Ou seja, a prioridade da Caixa Econômica Federal
(CEF) é para a população de baixa renda, e, de preferência,
que queira adquirir imóvel novo. No Rio, por exemplo, a meta
para este ano é destinar 60% dos investimentos à produção de
novas unidades.
Nesse
sentido, a Caixa poderá restringir este ano o financiamento
de imóveis usados para a baixa renda - a exemplo do que fez
ano passado com a classe média, quando limitou ao Poupanção
o crédito para a compra de imóvel usado por quem ganha mais
de 12 mínimos.
Isso
acontecerá se o orçamento do Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço (FGTS) - usado para financiar a baixa renda - ficar
comprometido, por conta do pagamento, pelo governo, das
perdas que os trabalhadores tiveram com os planos Verão e
Collor I. Mas, de início, a CEF espera que o volume de
recursos do FGTS para 2001 seja igual ao de 2000.
- Ao
investir em produção, reduzimos o déficit habitacional e
contribuímos para diminuir o preço dos imóveis - diz Aser
Cortines, diretor de Desenvolvimento Urbano da CEF, ao
justificar por que a produção de novas unidades é
prioridade.
Mas se a
baixa renda também é prioridade, os construtores já estão
investindo nesse filão. Antes mesmo da definição do
orçamento da CEF, que só deve sair em março. Construtoras
que tradicionalmente trabalhavam com empreendimentos para a
classe média e média alta, como a Atlântica e a Gafisa,
prometem este ano investir pesadamente na faixa de imóveis
até R$ 62 mil. A primeira tem a previsão de lançar 5.500
unidades, de até R$ 45 mil. A segunda planeja fazer o
lançamento de duas mil unidades, o que representa o dobro
dos imóveis populares que pôs no mercado em 2000, no valor
de R$ 55 mil.
- Em 99, criamos uma
gerência para cuidar apenas de habitação para baixa renda.
Fomos ao Chile e ao México fazer pesquisas, fechamos
parcerias com fornecedores e investimos em métodos
construtivos para reduzir custos. Tudo isso nos permite
entrar este ano com força total nesse segmento - diz Antônio
Guedes, gerente de Habitação da Gafisa.
Verifique
os programas
CARTA DE
CRÉDITO ASSOCIATIVA: Destinada à produção de imóveis novos,
que custem até R$ 62 mil, é direcionada a quem ganha até 20
salários-mínimos (R$ 3.020). O investimento no programa vem
crescendo paulatinamente: de R$ 430 milhões em 97 a R$ 972
milhões, em 2000.
INDIVIDUAL
FGTS: A Carta de Crédito Individual se destina à compra de
imóveis usados, até R$ 62 mil, por quem ganha até 12 mínimos
(R$ 1.812).
PAR: O Programa de
Arrendamento Residencial é usado em construção e reforma de
imóvel residencial, para quem ganha até seis mínimos (R$
906). Os recursos são contratados por construtores e órgãos
públicos na CEF. Em 2000, a CEF liberou R$ 743,3 milhões
para 38.444 unidades. Para 2001, há projetos em análise no
valor de R$ 1,7 bilhão, e a verba disponível é de R$ 2,2
bilhões.
Para Ademi,
investimento em baixa renda será forte durante dez anos
Os
empreendimentos voltados para a baixa renda serão o alvo do
mercado imobiliário pelos próximos dez anos. Esta é
avaliação de Selmo Nissenbaum, vice-presidente da Associação
dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi),
que acredita num aumento de até 80% dos investimentos no
segmento este ano:
- Em época
de inflação alta e poucos recursos para financiamentos, as
construtoras sequer pensavam nesse mercado, por conta da
baixa margem de lucro. Hoje, elas estão preparadas para
oferecer qualidade com baixo custo.
Edgar Meira
Filho, gerente financeiro da construtora Brunet, investirá
dez vezes mais no segmento este ano: serão lançadas 1.120
unidades, entre R$ 28 mil e R$ 38 mil, contra 120 do ano
passado.
Diversificar investimentos, aumentando o público-alvo da
empresa, é uma das explicações do presidente da João Fortes
Engenharia, Cláudio Fortes, para o lançamento de 600
unidades, de até R$ 55 mil, todas em Jacarepaguá:
- Outra
vantagem de investir neste mercado, na comparação com a
classe média, é o fato de se alcançar mais rapidamente o
percentual mínimo de vendas exigido pela CEF para liberação
do financiamento.
Empresa
tradicional em empreendimentos para baixa renda, a
construtora Ecia também aumentará em 50% o número de
lançamentos, chegando a 1.800 unidades.
Mas não é
só o crescimento dos números desse mercado que chama a
atenção. O perfil dos empreendimentos também está sofrendo
uma transformação. Os novos lançamentos estão distantes do
padrão dos conjuntos habitacionais do passado e se aproximam
cada vez mais da concepção de condomínio adotada pela classe
média. Para se ter uma idéia, todos os empreendimentos
projetados pela Atlântica terão área de lazer.
- Os
empreendimentos serão inteligentes, todos estarão ligados à
internet - diz Oswaldo Araújo, diretor da Atlântica.
Segundo o
diretor de Desenvolvimento Urbano da CEF, Aser Cortines, a
instituição tem sido cada vez mais exigente quanto à
qualidade:
- Hoje, no
Rio, em São Paulo e no Espírito Santo, por exemplo, só obtém
financiamento quem passa pelo processo de qualidade.
Além do
movimento de construtoras interessadas em financiamentos
para a baixa renda, o superintendente institucional da Caixa
no Rio, José Domingos Vargas, aposta na parceria com a
Prefeitura para tornar o setor mais atrativo:
- Tivemos
uma reunião com o prefeito César Maia, na última semana de
dezembro, em que ele garantiu a isenção do ISS para esta
faixa de empreendimentos e prometeu também agilizar a
legalização de terrenos e loteamentos.
Segundo
levantamento realizado pela Ernest & Young, o investimento
em empreendimentos de baixa renda é um bom negócio também
para fundos de pensão e fundos imobiliários. A taxa de
retorno apurada pela empresa é de 28% ao ano, já descontada
a inflação.
- O risco
nessa faixa não é muito alto, já que o tempo médio de
produção dos empreendimentos é de dez meses. Em outros
segmentos esse período ultrapassa os 20 meses - diz Antônio
Carlos Robazzi, diretor da Ernest & Young.
CEF
suspende crédito para imóvel foreiro
Mal começou
a ser usada como garantia nos financiamentos imobiliários, a
alienação fiduciária já está dando dor de cabeça a um grupo
de mutuários: os que pretendem adquirir, via financiamento,
um imóvel foreiro (localizado em área da União, Igreja etc).
É que existe uma discussão jurídica sobre o fato de esse
tipo de imóvel poder ou não ser alienado.
Isso porque
o comprador de um imóvel foreiro não detém a propriedade,
mas sim o domínio útil da unidade - e a alienação pressupõe
a transferência da propriedade ao credor, até que a dívida
esteja paga.
Por conta
disso, a Caixa Econômica Federal (CEF) suspendeu, sem aviso
prévio, os financiamentos para esse tipo de imóvel, pegando
de surpresa alguns pretensos mutuários. Caso de Maria da
Graça Souto Queiroz. No início de 1998, ela entrara no
programa Poupanção e já tinha reunido todos os documentos
para pedir o financiamento, quando lhe disseram que ela não
poderia concretizar a operação porque o imóvel escolhido é
foreiro.
O advogado
de Maria da Graça, Álvaro José Manoel Neto Ferreira, entrou
com um mandado de segurança contra a CEF e está aguardando a
decisão do juiz:
- Meus
clientes pouparam um ano e já estavam há um ano e meio
procurando imóvel. A CEF não pode mudar as regras do jogo na
última hora e prejudicar seus clientes. Essa medida
prejudica o mercado como um todo.
Mas a
futura mutuária poderá não precisar esperar a decisão
judicial para dar entrada no processo de financiamento. A
CEF está analisando a substituição, nos casos dos imóveis
foreiros, da garantia de alienação fiduciária pela hipoteca
comum.
Mas isso só
quando o comprador não puder remir o foro - ou seja, pagar a
taxa que estabelece a propriedade plena (o que não é
possível em caso de imóveis foreiros da União). A proposta
deverá ser analisada na reunião de diretoria da instituição
na semana que vem e deve começar a valer imediatamente.
Segundo
Carlos Eduardo Fleury, consultor jurídico da Associação
Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip),
o ideal seria que a lei 9.514/97 - que criou o Sistema
Financeiro Imobiliário (SFI) e instituiu a alienação
fiduciária como garantia dos financiamentos - esclarecesse
se ela poderia ser usada em imóveis desse tipo:
- Os bancos
temem que haja uma rejeição da garantia na hora da escritura
no Registro Geral de Imóveis. Mas, como a lei só pode ser
mudada por medida provisória ou via projeto de lei, as
instituições privadas estão usando a hipoteca como garantia
no caso dos imóveis foreiros.
Fleury
ressalta ainda que a mudança da garantia da alienação
fiduciária para a hipoteca não traz nenhum prejuízo para a
negociação dos recebíveis (títulos que são vendidos no
mercado secundário e servem de lastro para o financiamento
via SFI). |
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Topo TÓPICO 2
A invasão
silenciosa das favelas |
Jornal O
Globo, domingo, 28 de janeiro de 2001
Fernanda Pontes e Selma Schmidt
Os números vêm confirmar
o que é já percebido a olho nu. A cada mês, pelo menos uma
nova favela com mais de 50 casas surgiu no município do Rio
nos últimos dez anos. O censo de 2000, realizado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
revela que a cidade ganhou 119 favelas a partir de 1991. O
IBGE listou 513 comunidades faveladas no ano passado na
capital - um crescimento de 30,2% em relação ao censo
anterior, feito em 1991, e de 12,3% levando-se em
consideração a recontagem de 1996. No ranking nacional, o
Rio ficou em segundo lugar, só perdendo para a cidade de São
Paulo em quantidade de áreas carentes. Embora menor do que
na capital, o aumento percentual do número de favelas no
Estado do Rio alcançou 22,7% - passaram de 661, em 1991,
para 811, em 2000.
- Esses percentuais são
altos, se pensarmos que o espaço urbano não cresceu - diz a
professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj) Rosângela de Azevedo Gomes, que faz pesquisas com
favelas.
Mas o ritmo de
crescimento dessas comunidades é ainda maior. Rosângela
lembra que o censo deixa de contar favelas com menos de 51
casas, além de conjuntos habitacionais e loteamentos
irregulares favelizados. E mais: o IBGE ainda não totalizou
os números referentes a domicílios e aos habitantes de
favelas. Com isso, a expansão das áreas carentes não foi
contabilizada.
Segundo o Censo 2000,
Jacarepaguá é a região da cidade com maior número de
favelas: 68, distribuídas por sub-bairros como Anil e
Taquara. Depois vêm Bangu (21 favelas) e Realengo (14).
Itanhangá, Recreio, Anchieta e Complexo do Alemão concentram
11 comunidades cada um.
É em Jacarepaguá que se
localiza Rio das Pedras, favela de pessoas de origem
nordestina que se expandiu na última década. Na recontagem
de 1996, Rio das Pedras tinha 7.439 domicílios e 24.581
habitantes. Josinaldo Cruz, o Nadinho, presidente da
associação de moradores, diz que hoje vivem ali 65 mil
pessoas.
- De 96 para cá surgiram
mais duas comunidades dentro de Rio das Pedras, Areinha e
Pinheiro. Hoje, Rio das Pedras é dividida em seis partes -
conta Nadinho.
Ele garante, no entanto,
que com o programa Favela-Bairro, houve um freio na expansão
territorial de Rio das Pedras nos últimos dois anos. O
crescimento hoje, diz Nadinho, está limitado ao miolo da
favela e ao gabarito de três andares.
Vila se torna favela no
Itanhangá
No Itanhangá, onde o
número de favelas já chega a 11, comunidades como Tijuquinha,
Muzema e Sítio do Pai João dividem espaço com condomínios
luxuosos. O cearense Pedro Araújo Gregório chegou ao bairro
há 20 anos à procura de emprego. Montou sua casa perto de
outras quatro em uma pequena vila ainda sem nome. Conhecida
como Pedra do Itanhangá, a favela - que não foi classificada
como tal no censo de 91 nem na recontagem de 96 - tem hoje
cerca de cem domicílios, segundo a associação de moradores.
Quantidade de favelas à
parte, percentualmente foi em Padre Miguel onde nasceram
mais favelas. Em 91, havia no bairro uma única comunidade
com mais de 50 casas; hoje existem quatro. Um aumento de
300%.
Entre os fatores citados
pela professora Rosângela de Azevedo Gomes para justificar o
boom das favelas estão a proximidade do mercado de trabalho
e o empobrecimento da classe média baixa. A migração de
moradores de outras regiões mais pobres do Brasil ainda
contribui para o crescimento das favelas, embora em grau
menor que no passado. Sem falar na própria cultura de
apropriação do espaço.
- As famílias se instalam em favelas e criam vínculo com
o lugar - afirma a professora.
Saiba mais os sobre o
assunto
Para ser considerada um
aglomerado subnormal (favela) pelo IBGE, a comunidade
precisa ter algumas características. Uma delas é ter no
mínimo 51 casas. A maioria das unidades habitacionais da
área também não pode possuir título de propriedade ou
documentação recente (obtida após 1980). É necessário ainda
que tenha pelo menos uma das seguintes características:
urbanização fora dos padrões (vias de circulação estreitas e
de alinhamento irregular, além de construções não
regularizadas por órgãos públicos); e precariedade de
serviços públicos (a maioria das casas não conta com redes
oficiais de esgoto e de abastecimento de água e não é
atendida por iluminação domiciliar).
Conheça os números
CRESCIMENTO: O Censo de
1991 contou 384 favelas no Município do Rio. Em 2000, o IBGE
contou 513 favelas na cidade (aumento de 30,2%). No Estado
do Rio, o número de áreas carentes subiu 661 para 811 (22,7%
a mais).
BAIRROS: Padre Miguel
foi o bairro da cidade com maior crescimento percentual de
favelas (300%), de 1 para 4 em dez anos. Em Guadalupe o
aumento foi de 150% (de 2 para 5 favelas), em Anchieta de
120% (de 5 para 11 comunidades carentes), em Vargem Pequena
de 100% (de 2 para 4). Em Benfica, o crescimento foi de 75%
(4 para 7) e em Paciência de 67% (3 para 5).
CONCENTRAÇÃO: De acordo
com o Censo 2000, Jacarepaguá é a região que concentra o
maior número de favelas (68), seguida de Bangu (21) e
Realengo (14). Depois vêm Itanhangá, Anchieta, Recreio dos
Bandeirantes e Complexo do Alemão, com 11 favelas cada um.
Rio Comprido e Cordovil têm dez comunidades carentes cada.
BRASIL: No ranking
nacional, a cidade de São Paulo ocupa o primeiro lugar em
concentração de favelas (612), seguida de Rio (513)
Fortaleza (157), Guarulhos (136), Curitiba (122), Campinas
(117), Belo Horizonte (101), Osasco (101), Salvador (99) e
Belém (93).
ALUGUEL: De acordo com
dados da Secretaria municipal de Habitação, o aluguel de um
quarto-e-sala no Jacarezinho varia de R$ 150 a R$ 170; no
Vidigal e no Pavão-Pavãozinho, de R$ 250 a R$ 300; e no
Complexo da Maré, de R$ 200 a R$ 250. Em favelas do Complexo
do Alemão, nos morros do Salgueiro e do Andaraí e em favelas
de Tomás Coelho e Cavalcante, o aluguel de um quarto-e-sala
vai de R$ 150 a R$ 200. Em Santa Cruz, o aluguel varia de R$
180 a R$ 220.
Crescimento da Rocinha
surpreende: mais 675 casas em duas localidades
Fernanda Pontes e Selma Schmidt
O crescimento das
favelas do Rio é tão dinâmico que, em apenas dois
sub-bairros da Rocinha, apareceram 675 novas unidades
residenciais em menos de um ano. Uma espécie de censo está
sendo feito pela Light desde 1998 em comunidades carentes,
com o objetivo de implantar o Programa de Normalização de
Áreas Informais (Pronai). Em abril de 2000, a Light
cadastrou na Rocinha 24.765 domicílios. Numa segunda
contagem, iniciada no fim do ano, a surpresa: a quantidade
de residências tinha aumentado: na Cachopa, passara de 2.106
para 2.596 e, na Paula Brito, de 483 para 668.
- No cadastramento,
encontramos postes da Light servindo de pilar para casas -
conta Márcia Reed, coordenadora do Pronai na Rocinha.
Cento e quarenta favelas
e loteamentos irregulares do município do Rio foram
recenseados pela Light. O cadastramento é feito basicamente
por jovens das comunidades, contratados por ONGs, como a
Rocinha 21. Além de contar as unidades, o programa detecta
os "gatos" e redimendiona a rede a ser instalada, levando em
conta o número real de clientes. Ensina ainda os moradores a
economizar energia, para se beneficiar dos descontos dados
àqueles que consomem até 140 kw.
- Através de jogos e
folhetos, as famílias aprendem a usar a energia de forma
racional, como não tomar banho quente no verão - diz Ana
Cláudia Peres, coordenadora do Projeto Social e Educativo do
Pronai.
O primeiro cadastramento
feito pela Light na Rocinha mostrou que o número de
domicílios na favela mais do que duplicou na última década.
No bairro, havia 11.948 unidades em 1991, conforme censo do
IBGE.
Um dos trechos de
ocupação recente na Rocinha fica junto ao antigo Hotel
Trampolim. Loteado, o terreno ganhou casas e lojas e o
Trampolim foi subdivido em apartamentos em 1999. Nos fundos
do prédio, um trecho de Mata Atlântica foi desmatado para a
construção de casas, demolidas posteriormente.
- As casas em frente ao
Trampolim e a subdivisão do hotel foram feitas sem licença.
Vamos analisar caso a caso e verificar o que poderá
permanecer - diz a nova administradora regional da Rocinha,Valquíria
de Souza Dias.
A Cedae também está
implantando um programa voltado para áreas carentes: o da
tarifa social (de R$ 6 por mês), que chegou há duas semanas
ao Pavão-Pavãozinho (Copacabana) e ao Cantagalo (Ipanema).
Até o fim do ano, o diretor comercial da Cedae, Márcio Paes
Leme, pretende levar o programa a 120 mil famílias, de
favelas como Rocinha, Vidigal e Maré.
- Além da conta com tarifa reduzida, instalamos núcleos
nas favelas, para facilitar o atendimentos aos usuários.
Quatro gerações num
mesmo endereço no Vidigal
O aposentado Salvino
Félix da Silva, de 78 anos, é um exemplo isolado de quem fez
crescer a favela onde mora há mais 30 anos. Paraibano, ele
já tinha a metade dos dez filhos quando se mudou para o
Vidigal. Mas foi lá que nasceram seus netos e bisnetos. Para
acomodar toda a família, a casa de Salvino se transformou
num prédio, hoje com quatro andares.
- Aqui é um sossego.
Para cada um que nasce, arrumamos um cantinho - diz Salvino,
que ganha R$ 150 de aposentadoria.
Tamanha procura fez
nascer um mercado imobiliário forte nas favelas, com preços
de aluguel e compra de imóveis muitas vezes salgados. Os
valores são determinados pela localização da casa dentro da
comunidade e pela infra-estrutura existente. No Vidigal,
para comprar uma casa de três quartos, é preciso desembolsar
R$ 20 mil. Na Ilha do Governador, no Parque Royal, o projeto
Favela-Bairro encareceu em até 40% o custo dos imóveis, de
acordo com o diretor da associação de moradores Gilson
Almeida de Oliveira.
- Uma quitinete é
vendida por até R$ 7 mil, dependendo da localização. O
aluguel varia de R$ 150 a R$ 200.
Na Rocinha, para alugar
um bom quarto-e-sala na Estrada da Gávea é preciso pagar R$
500. Por um preço menor (R$ 450), eram oferecidos
apartamentos do mesmo tamanho nas ruas Aires Saldanha e
Figueiredo Magalhães, em Copacabana, nos classificados
publicados em jornais do último dia 25.
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Topo TÓPICO 3
Cercas para frear as favelas |
Jornal O
Globo, Caderno Rio, segunda-feira, 29 de janeiro de 2001
Selma Schmidt e Fernanda Pontes
A expansão das favelas
tem sido a grande vilã do verde. Para frear o desmatamento,
a prefeitura decidiu criar um programa para cercar as
favelas do Rio. Com a delimitação, o município quer evitar a
construção de novas casas e poupar as áreas de interesse
ambiental. Batizado de "Preservando o Verde do Rio" pelo
secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo Paes, o
programa terá recursos específicos e começará este semestre
pelo corredor ecológico que liga os maciços da Tijuca e da
Pedra Branca, já muito favelizado. Em favelas da região,
vivem hoje cerca de 40 mil pessoas. Conforme dados do Censo
2000, revelados ontem pelo GLOBO, uma favela nasceu a cada
mês no Rio, na última década.
- Queremos salvar a
ligação entre os dois maciços - diz Paes.
Mas delimitar
tão-somente não basta para conter a expansão das favelas,
segundo o prefeito Cesar Maia. Ele anuncia a implantação de
uma nova política habitacional, que incluirá a compra pela
prefeitura de casarões no Centro e na Zona Portuária para
reassentar famílias carentes:
- Há casarões nessa
região por R$ 15 mil, R$ 18 mil. Queremos levar a população
carente para morar nessa região. Sempre se falou em ocupar o
Centro e a Zona Portuária com moradias de classe média. Por
que não com residências de pessoas mais pobres? Precisamos
ter uma política habitacional com h maiúsculo.
A secretária de
Habitação, Solange Amaral, diz que abrigar pessoas carentes
fora das favelas pode sair mais barato para o poder público.
Ela conta que a prefeitura chegou a pagar uma indenização de
R$ 40 mil por uma casa no Jacarezinho, por onde passará uma
rua do Favela-Bairro.
O prefeito se mostra
preocupado com os primeiros dados relativos a favelas do
Censo 2000, do IBGE. Ao fazer contas, Cesar conclui que o
crescimento do número de favelas foi mais acelerado na
segunda metade da década do que na primeira:
- Entre 91 (penúltimo censo) e
96 (recontagem de população), o aumento das favelas foi de
0,25%. Entre 96 e 2000 (último censo) chegou a 1,3% -
contabiliza.
Prefeitura terá fiscais
ambientais
O projeto piloto do
programa de delimitação de favelas cercará comunidades que
estão no corredor ecológico dos maciços da Tijuca e da Pedra
Branca como Mato Alto, Cachambi, Caixa d‘Água, Valqueire,
Catonho e Jordão. O corredor passa pelos bairros de Vila
Valqueire, Campinho, Cascadura, Quintino, Água Santa e
Jacarepaguá. Segundo Paes, o que foi construído permanecerá.
Para garantir que os futuros limites serão respeitados, Paes
pretende criar um grupo de fiscais ambientais.
Através de iniciativas
isoladas, algumas favelas já ganharam limites físicos. A
técnica mais utilizada é a dos trilhos de ferro que servem
como estacas, interligados por cabos de aço. Uma cerca como
essa foi instalada, em 1997, sobre Túnel Rebouças, no Rio
Comprido. No ano anterior, parte da Favela Paula Ramos, foi
desocupada, depois que técnicos da GeoRio constataram que a
estrutura do Rebouças estava sendo afetada pelo peso de 251
casas. No espaço, foram fincadas placas informando sobre
área de risco, várias delas pichadas.
Em Paquetá, também são
trilhos e cabos de aço que delimitam as favelas Gari, Jurema
Aires e Manoel Luis. Na Reserva de Marapendi foram usados
mourões de eucalipto e, na Favela do Catrambi (Usina) foi
construído um alambrado entre a comunidade e a Floresta da
Tijuca.
Na Rocinha, uma cerca de
1,5 quilômetro foi construída no trecho do Laboriaux para
evitar a sua expansão sobre a mata. Mas a nova
administradora regional do bairro, Valquíria de Souza Dias,
considera fundamental cercar ainda outros três quilômetros
da Vila Verde e da Dionéia. Ela incluiu a delimitação dessas
áreas entre as prioridades para a Rocinha que serão objeto
de uma reunião que Valquíria terá amanhã com o subprefeito
da Zona Sul, Cláudio Versiani.
- O perigo de invasões
na Rocinha é muito grande. Vamos também conscientizar os
moradores para que denunciem sempre que vejam alguém
tentando construir em local proibido, mostrando que suas
casas ficariam em risco - diz Valquíria.
Segundo o prefeito, além
da utilização de casarões de Centro e Zona Portuária para
abrigar população de baixa renda, a nova política
habitacional da Prefeitura prevê ainda a distribuição de
lotes urbanizados para a construção. Cesar, porém, deixa
claro que é contrário a construção de grandes conjuntos
habitacionais, como o polêmico Nova Sepetiba, feito pelo
Governo do estado:
- Um conjunto desse
porte requer que haja escola, unidade de saúde, dentre
outros serviços nas proximidades. Senão acaba transformado
em gueto de excluídos.
Para coibir a expansão
das favelas, o prefeito considera ainda necessárias outras
ações. Uma delas é de fazer valer a tarifa única, atualmente
descaracterizada pela criação de meios de transportes
alternativos, como os microônibus.
- Também é preciso
restabelecer a autoridade para coibir as invasões -
acrescenta o prefeito.
Para implementar o novo
modelo de politica habitacional, uma das idéias de Solange
Amaral é cadastrar imóveis disponíveis na cidade formal para
serem adquiridos pela Prefeitura e oferecidos a famílias de
baixa renda. Através de entendimentos com a Caixa Econômica
Federal, a secretária pretende facilitar o financiamento
desses imóveis.
- Desenvolver essa
política é meu grande desafio - afirma Solange.
A secretária anuncia
ainda alterações no Favela-Bairro II. Alguns projetos,
idealizados em anos anteriores, serão adaptados a nova
realidade das favelas, que se expandiram. O assunto será
discutido esta semana em Brasília, numa reunião de Solange
com representantes do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), que financia o projeto.
Dez mil famílias vivem
em áreas de risco nas favelas
Na luta por um local
para morar, não são poucos aqueles que erguem suas casas em
encostas muito íngremes e na beira de rios e estradas. Nas
contas da secretária de Habitação, Solange Amaral, dez mil
famílias vivem em áreas de risco dentro de favelas. Para
evitar surpresas com as chuvas de verão, a Prefeitura elegeu
como prioridade o reassentamento de 585 famílias que moram
nas favelas do Borel, Andaraí, Floresta da Barra, Vidigal e
Anil.
O processo de
reassentamento começou pelo Morro do Borel (Tijuca), onde
foram removidas 30 famílias. A Prefeitura iniciou a
derrubada de 136 casas em áreas de risco no Andaraí. Ainda
são considerados prioridade para reassentamento 21 famílias
da Floresta da Barra, oito do Vidigal e 400 do Anil.
Também têm preferência
para reassentamento 374 famílias que tiveram de deixar suas
casas e moram de aluguel, pago pela Secretaria de Habitação
em sete favelas: Mandela da Pedra (Manguinhos), Comunidade
São Daniel (Manguinhos), Mafuá (Caju), Vila Pinheiros
(Maré), União Del Castilho, Parque Everest (Inhaúma) e Barão
de Guaratiba (Catete).
Além do risco de o
barraco desabar, os moradores de áreas de risco têm de
conviver com esgoto a céu aberto, mosquitos e lixo por toda
a parte, como é o caso da Favela da Xuxa, no Jacaré. Na
semana passada, a Defesa Civil interditou vinte barracos de
madeira que ameaçam desabar sobre o canal que corta a
favela.
- Não recebemos
indenização e não temos para onde ir- afirma Maria Carvalho,
que continua morando em um barraco comprometido.
O balconista Antônio
Bandeira Oliveira construiu uma casa de alvenaria, há dez
anos, próximo à área interditada. Desde que as margens do
canal foram ocupadas, ele não consegue revender o imóvel de
dois andares.
- Quem que vai querer comprar
uma casa ao lado de uma área de risco? - pergunta Antônio,
que pede R$ 7 mil pelo imóvel.
Providência: a primeira
favela do Rio
A primeira aglomeração
que recebeu o nome de favela surgiu no Rio no início do
século 20. As famílias que moravam em cortiços no Centro
foram expulsas pelas obras de urbanização. Sem ter onde
morar, montaram barracos no Morro da Providência, chamado na
época de Morro da Favela, em alusão a uma elevação existente
em Canudos (Bahia). O nome favela estendeu-se a todos os
núcleos semelhantes em morros, áreas desvalorizadas e na
periferia das cidades.
O crescimento acelerado
desses aglomerados ao longo dos anos levou alguns
governantes a remover a população favelada para conjuntos
habitacionais. Foi no Governo Negrão de Lima (1966/1977) que
aconteceram mais remoções de favelas: quatro comunidades
carentes, mais de 70 mil pessoas, transferidas para Cidade
de Deus, Cidade Alta e Água Branca. Para a Cidade de Deus,
foram levadas famílias de favelas como a Praia do Pinto
(Leblon), Catacumba (Lagoa) e Macedo Sobrinho (Botafogo).
No Governo Carlos
Lacerda (1963/ 1965), também foram removidas muitas favelas
(27), sendo a do Esqueleto a maior delas, que tinha mais de
três mil barracos. Nesse período, favelas como a do Pasmado,
Bom Jesus, Maria Angu e Brás de Pina tiveram parte de seus
moradores transferidos principalmente para as Vilas Kennedy
e Aliança. Durante o Governo Faria Lima (1975/78), cerca de
oito mil pessoas foram removidas das favelas do Inhaúma, do
Morro Azul (Catete) e da Cidade Nova para que o metrô
pudesse ser implantado. |
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Topo TÓPICO 4
Expansão
desordenada |
Jornal O
Globo, Barra, quinta-feira, 8 de fevereiro de 2001
Fábio Vasconcellos e Fernanda Pontes
A maior favela de
Jacarepaguá continua batendo recordes de crescimento. Nos
últimos dez anos, a área de ocupação de Rio das Pedras
expandiu-se cerca de 73%. De acordo com o Instituto Pereira
Passos (IPP), em 1990 a comunidade ocupava 331.430 mil
metros quadrados. Em 1999, o número chegou a 575.069. A
expansão se deu principalmente no sentido na Avenida Ayrton
Senna, em toda a planície entre o Maciço da Tijuca e as
lagoas da Baixada de Jacarepaguá. A associação de moradores
estima que cerca de 65 mil pessoas residem hoje em Rio das
Pedras, quase a população de São Pedro da Aldeia (66 mil).
O crescimento da favela
despertou a atenção do Departamento de Sociologia e Política
da PUC-RJ, que acaba de finalizar uma pesquisa inédita sobre
o lugar.
O estudo constatou que 60% dos moradores vieram de
estados nordestinos, como Paraíba e Ceará. Apenas 65% da
população trabalham. A média salarial não passa de R$ 300 e
o nível de escolaridade é baixo: 84% não concluíram o ensino
fundamental.
Condições ainda são
precárias
A história do paraibano
José Elias Sobrinho, de 53 anos, é um exemplo dos números
levantados pelos pesquisadores da PUC. Elias veio para o Rio
há 20 anos, depois de conhecer em João Pessoa um amigo que
lhe contara da vida numa favela carioca chamada Rio das
Pedras.
Convencido e já cansado
da vida no Nordeste, o paraibano mudou-se para a favela em
1980. Quatro anos depois, ele retornou à Paraíba e trouxe
mais quatro parentes. Hoje, ele é um dos cerca de 23% dos
moradores que sobrevivem trabalhando como comerciante.
- Foi a forma que
encontrei para ganhar uns trocados e sobreviver - conta
Elias.
Morar em Rio das Pedras
ainda está longe de alcançar o mínimo da qualidade de vida.
Somente as ruas principais têm asfalto e todas as vielas
transversais ainda são de terra batida. O desejo de pelo
menos 15% dos entrevistados é de que as ruas sejam
totalmente pavimentadas.
As chuvas,
principalmente as de verão, transformam alguns trechos em
lamaçal.
Segundo o coordenador do
estudo sobre Rio das Pedras, professor Antônio Carlos Alkmim,
a favela está localizada num terreno pouco favorável à
construção de casas.
- A área é próxima das
lagoas, onde o terreno é pouco firme, o que prejudica as
condições de moradia - explica Alkmim.
Os entrevistados
apontaram o esgoto (37%) e depois o saneamento básico (19%)
como os maiores problemas da favela.
O crescimento também
apresenta características de comunidades famosas, como a da
Rocinha. Em alguns pontos a favela já tem pequenos prédios
de, no máximo, dois ou três andares.
De acordo com Alkmim,
Rio das Pedras é uma das poucas comunidades carentes onde
não há a presença do tráfico de drogas.
- Os trabalhadores
expulsaram os traficantes durante o surgimento da favela -
conta Alkmim.
Por causa disso, a tranqüilidade da favela é escolhida
por 21% dos moradores como o maior ponto de atração para a
comunidade. Apesar disso, 27% gostariam de se mudar de Rio
das Pedras.
Obras beneficiam outras
áreas
Dados do Censo 2000 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
mostram que Jacarepaguá é a região com o maior número de
favelas do município do Rio: 68, distribuídas por
sub-bairros como Praça Seca, Anil e Taquara. A favela
Fazenda Mato Alto foi urbanizada há um ano. Atendida pelo
programa Favela-Bairro, a área na Praça Seca teve ruas
pavimentadas e praças e creches reformadas. Atualmente,
moram no lugar cerca de duas mil pessoas, segundo cálculos
da presidente da associação de moradores, Edinea Souza da
Silva.
A população parece
satisfeita com as melhorias na favela, onde as ruas ficavam
cobertas de lama em dias de chuva, mas ainda reclama da
falta de saneamento básico e das carências na área de saúde.
- As pessoas dormem na
fila para conseguir atendimento médico - afirma a moradora
Estela Dias dos Santos.
O morador Jorge Santana
vê falhas no sistema de abastecimento de água na favela:
- Na parte alta do morro
o abastecimento é irregular.
Problemas com o tráfico
de drogas, que chegaram a obrigar o comércio a fechar as
portas muitas vezes, deixaram de ser freqüentes, segundo
moradores. As invasões de terrenos no alto do morro também
teriam parado há um ano.
- Antes, a cada dia
surgia um novo barraco - diz o motorista José dos Santos.
Atualmente, a população conta com duas creches, que não
atendem ao grande número de crianças, e um Ciep. Quatro
igrejas evangélicas e uma católica foram erguidas no lugar.
O transporte é feito por Kombis, com lotadas pelo preço de
um real.
Verão aquece vendas
Moradores da Fazenda
Mato Alto aproveitam para ganhar um dinheiro a mais no
verão, quando trabalham nas praias da região. Dinah Ferreira
Ramos, de 50 anos, e sua filha Margarete, de 37, vendem
sanduíches naturais de frango e de atum, acompanhados de
refresco de maracujá, a um real, na Praia do Recreio. Os
salgados são preparados na cozinha da casa de Margarete, um
quarto-e-sala que ela divide com o marido e os dois filhos.
- Faturamos cerca de R$
30 nos dias de sol. Estamos sobrecarregadas de trabalho.
Tivemos uma surpresa, pois achávamos que neste verão o
movimento seria fraco - diz Dinah.
Carlos, de 19 anos,
filho mais velho de Margarete, é um dos 15 jovens da
comunidade que integram o projeto Todos pela Paz, um
programa da prefeitura que incentiva jovens de áreas
carentes a se dedicarem à música.
Cantor de rap, ele
costuma se apresentar em casas noturnas de Jacarepaguá e na
própria comunidade com outros três integrantes da banda
chamada Caravana do Batuque.
Nem luz elétrica, nem
saneamento
Uma das comunidades
carentes de Jacarepaguá, a Favela do Guacha, que fica entre
o Rio Sangrador e o RioShopping, na Freguesia, poderá ser
transferida. Lá, vivem 56 pessoas em barracos de madeira.
Não há luz elétrica nem saneamento básico.
- O nosso objetivo é dar
um pouco mais de conforto a essas pessoas, que vivem em
condições inaceitáveis - diz o superintende do shopping,
Cláudio Gonçalves.
O projeto, da
administração do RioShopping, foi discutido com o
empresariado do bairro há dois anos e apresentado à antiga
gestão municipal.
No programa, os
empresários ajudariam a população com doações de material de
construção e a prefeitura cederia o terreno.
- A idéia é que tenha
uma escola e um posto de saúde no local, além de transporte
para os moradores - afirma Gonçalves, que pretende voltar a
discutir o assunto com o empresariado e apresentá-lo à
prefeitura.
O morador Gilmar Rego
Luiz, de 31 anos, conta que já ouve essa história há muito
tempo.
- Volta e meia escuto
isso, mas nada acontece. Na verdade, eu não gostaria de sair
daqui - conta Rego.
Uma das mazelas que
atingem a população é a construção da ponte de concreto que
dá acesso à comunidade. As obras estão paradas por falta de
verbas e, enquanto isso, os moradores improvisam uma de
madeira que não oferecesse qualquer segurança, inclusive
para a passagem de crianças.
A dona de casa Rosana
Salgueiro reclama da insegurança da ponte, principalmente
quando carrega pesados baldes de água.
- Não temos água
encanada, que costumo pegar no posto de gasolina. É perigoso
atravessar ali - diz Rosana, que muitas vezes faz o percurso
ao lado filho, Romário, de 4 anos.
Com dois filhos, Márcia
de Souza Silva, de 25 anos, não sabe enumerar o que a
comunidade mais necessita:
- São tantos problemas
que nem sei dizer direito. Acho que a falta de luz elétrica
é o maior deles - diz.
Moradores contam que a Favela do Guacha nasceu quando uma
concessionária foi construída perto dali. A favela foi
removida para o outro lado do rio e as famílias,
indenizadas.
Passaportes para o
universo virtual
Elas têm muitas coisas
em comum: comércio variado, restaurantes, escolas,
computadores e ambas estão no roteiro turístico da cidade.
Para informar moradores, curiosos e estrangeiros de qualquer
parte do mundo, Rocinha e Rio das Pedras entraram na era
virtual. Por meio dos endereços <www.rocinha.com.br> e <www.amarp.com.br>,
as pessoas podem saber as novidades das duas maiores
comunidades da região.
O autor do site da
Rocinha, o designer Carlos Castilho, resolveu fazer a página
na internet há três anos e gostou do resultado.
- Queríamos fazer alguma
coisa pela comunidade, a maior da América Latina. Já temos
até propostas de anunciantes - diz Castilho.
Em estudo realizado na
Rocinha, o designer descobriu que 1.500 moradores têm
computador em casa, dos quais 250 acessam a internet.
No site, há serviços
para a comunidade, fotos de vários lugares, sugestões para
turistas e até pesquisa do consumidor, na qual os moradores
elegem as melhores marcas de sabão em pó, leite, feijão,
arroz e outros produtos.
Logo na primeira página,
o navegador pode escolher o idioma de sua preferência: há
informações em português, inglês, alemão e espanhol. Este
último é o mais visitado depois do português.
- Ficamos surpresos com
a receptividade do público hispânico, sobretudo de chilenos,
argentinos e espanhóis - conta o designer.
Em Rio das Pedras, o
site informativo mostra o dia-a-dia da comunidade, com fotos
de inauguração de obras e creches, visitas do ex-prefeito
Luiz Paulo Conde, esportes e lazer.
A estimativa do
Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ, que
finalizou um estudo na favela em 2000, é de que 5% dos
moradores de Rio das Pedras tenham computador em casa.
Destes, 3% acessam a internet.
Nas páginas virtuais, há
ensaios fotográficos que retratam cenas do cotidiano da
comunidade, como crianças jogando futebol e mulheres
cozinhando. |
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Legalização para as favelas |
Jornal O
Globo, Rio, domingo, 18 de fevereiro de 2001
Legalização para as
favelas
Eliane Oliveira
BRASÍLIA
Assustado com as
projeções do Censo de 2000, que apontam um crescimento do
número de favelados e moradores de rua nos grandes centros
bem acima da média nacional, o governo federal elegeu, entre
suas prioridades para 2001, a urbanização das favelas,
incluindo a concessão de títulos de propriedade e a
regularização dos serviços de água, luz e redes de esgoto.
Contando com R$ 700 milhões do Fundo de Combate à Pobreza
para este ano, o programa - inspirado no projeto carioca
Favela-Bairro - começará por São Paulo, Rio e Salvador.
Outro passo nesse sentido será dado amanhã, com a publicação
de uma portaria criando um grupo de trabalho para
identificar áreas e imóveis que poderão ser destinados a
assentamentos populacionais.
O programa de
urbanização, elaborado por representantes da Agência
Nacional de Águas, da Secretaria de Desenvolvimento Urbano,
do BNDES, do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea)
e consultores, será submetido ao presidente Fernando
Henrique Cardoso nos próximos dias, segundo o assessor
especial da Presidência da República, Moreira Franco. A
idéia é atingir 145 mil famílias no primeiro ano. Ele
acredita que, com a participação de estados e municípios, a
verba para 2001 chegue a R$ 1 bilhão.
- Os números do Censo
colocam de maneira dramática a questão urbana. Esses dados
indicam com clareza que todo o discurso da concentração, da
desigualdade, da pobreza e da exclusão social adquirem vida
efetiva nas áreas metropolitanas. Nos últimos cinco anos, a
população de favelas no Rio cresceu em torno de 8%, enquanto
a população total do município aumentou 1,3% - diz Moreira.
Lei do usucapião pode
ser aplicada
A identificação de
terras públicas, para permitir a regularização fundiária, é
uma vertente. A outra, mais ousada, seria a aplicação
inédita da lei do usucapião na cidade, para que famílias que
residem há décadas em áreas que não são suas se beneficiem
da titulação.
- Vamos ter que
enfrentar esse problema definitivamente. E enfrentar
significa regulamentar, de forma mais moderna, a lei do
usucapião. Esse é um desafio, porque a tradição brasileira
não é essa. Temos agora que mobilizar os governos federal,
municipais e estaduais para mudar o plano de definição de
normas urbanísticas e de regras de ocupação de uso do solo.
A realidade tem que ser respeitada. Não adianta querer fazer
exigências de códigos de edificações e posturas - enfatiza
Moreira Franco.
O secretário de
Desenvolvimento Urbano, Ovídio de Angelis - que assinou
anteontem a portaria que será publicada amanhã no Diário
Oficial - diz que a regularização de áreas públicas deve
demorar, no mínimo, 180 dias. Ele explica que prédios e
fábricas desocupados também entrarão na lista de
alternativas destinadas não apenas a moradias, mas a
escolas, pequenas indústrias e outras finalidades que serão
decididas pelas prefeituras, moradores, organizações não
governamentais e entidades civis em geral.
Já Moreira Franco
esclarece que o processo de urbanização das favelas tende a
se concentrar nos chamados assentamentos subnormais e em
áreas degradadas. Pelo programa, a seleção será feita,
prioritariamente, pelos municípios.
A estrutura de
gerenciamento deverá ser a mesma aplicada no Avança Brasil,
com gerentes de projeto. Os gastos estarão limitados a R$ 8
mil por família (no caso de urbanização) e R$ 1.500 (para
melhorias habitacionais). Esses valores foram estabelecidos
pelo governo como parâmetro de gasto para definir o alcance
do programa. Ainda não está decidida a forma como esses
recursos chegarão a cada uma das famílias, se entregues
diretamente por linhas de financiamento ou pela contratação
de empresas para executar os serviços.
- O título de
propriedade e as contas de luz, água e telefone são
documentos essenciais para o acesso ao financiamento -
completa Ovídio de Angelis, acrescentando que, atualmente,
68% das moradias no país são regularizadas. - O problema é
que faltam 32%.
A nova política de urbanização que está sendo esboçada
pelo governo é diferente da usada na década de 70 e no
início dos anos 80. Perdeu a validade a idéia de organizar o
espaço urbano partindo do centro. Os elaboradores querem
começar pela periferia. Só assim, ressalta Moreira, será
possível que avanços nas áreas de saúde e educação, por
exemplo, cheguem a áreas mais pobres. Segundo ele, a
urbanização deverá incluir outras ações desenvolvidas pelas
prefeituras, como o Favela-Bairro, no Rio, e anexar
programas federais, como microcrédito, qualificação de
mão-de-obra e bolsa-escola. Estes programas, na opinião de
Moreira Franco, nem sempre chegam aos excluídos.
Rio tem 150 comunidades
atendidas
Paula Autran
Berço do programa
Favela-Bairro, que serviu de inspiração para o projeto que
será apresentado ao presidente Fernando Henrique, o Rio de
Janeiro já vive a experiência de ver 150 favelas sendo
reurbanizadas nos últimos seis anos, beneficiando mais de
400 mil moradores, principalmente de comunidades de tamanho
médio, com 500 a 2.500 residências. Segundo Sérgio Magalhães
- ex-secretário de Habitação da administração de Luiz Paulo
Conde, um dos pais do programa, juntamente com o prefeito
Cesar Maia, em seu primeiro mandato - cerca de sete mil
famílias já receberam títulos de propriedade de suas casas
desde então. Tanto Magalhães quanto a atual secretária
municipal de Habitação, Solange Amaral, e o secretário
estadual de Governo, Fernando William, sabem que este número
ainda é pequeno e dizem que a colaboração do Governo federal
será fundamental para estender o benefício da propriedade de
seus imóveis aos demais favelados.
- A partir do momento em
que estas comunidades forem regulamentadas, seus moradores
passam a ter regras a obedecer e podem integrar ao resto da
cidade. Além disto, essas pessoas ganham dignidade e
auto-estima - diz Fernando William, destacando que um dos
grandes empecilhos para isto é o fato de não existir a
figura do usucapião coletivo na lei. - O usucapião já é um
direito legal, mas o problema é que cada um tem que procurar
um advogado ou defensor público para mover ação individual.
Se for criado o usucapião coletivo, será um passo
fantástico.
Solange Amaral concorda,
mas destaca que a concessão de títulos de propriedade pouco
avançou até agora na cidade também por causa da dificuldade
de fazer isto em terrenos da União ocupados por favelas:
- A grande ajuda que o
governo pode dar será entregar logo ao município áreas como
o Caju, pois o maior número de títulos de propriedade já
concedidos é justamente para moradores de favelas como a
Fernão Cardim, no Engenho de Dentro, que cresceu num terreno
da prefeitura.
A desempregada Andrea
Pereira de Figueiredo, de 35 anos, é uma das beneficiadas.
Moradora há oito anos da favela Parque Royal, na Ilha do
Governador, ela recebeu das mãos de Cesar Maia, há cinco
anos, a documentação provisória que a tornou dona de um
apartamento de dois quartos num prédio de quatro andares da
favela.
- É um alívio porque,
como o apartamento está em meu nome, em usufruto da minha
família, ninguém pode nos tirar daqui - diz ela, que vive
com o marido, dois filhos e um neto no imóvel. - Mas lamento
que o documento definitivo ainda não tenha sido entregue, o
que me impede de vendê-lo ou alugá-lo e não dá a sensação de
que ele é realmente meu. Um dia penso em vendê-lo para
comprar algo melhor na Região dos Lagos.
Sérgio Magalhães destaca
que muitas das famílias cujas comunidades foram atendidas
pelo Favela-Bairro receberam documentos provisórios da
prefeitura, que são um reconhecimento público de que estão
em processo legítimo de obtenção do título de propriedade.
Mas esteja a favela numa área pública ou privada, a
regularização fundiária é sempre um processo complexo.
- Sempre há muita
burocracia. Entre outras coisas, é preciso mais agilidade
nos cartórios - observa o ex-secretário.
O projeto, no entanto,
não agrada a todos. O presidente da Associação de Moradores
de Ipanema, David Catran, acredita que este tipo de
iniciativa incentiva a expansão das favelas:
- Não tenho nada contra favelas como Cantagalo e
Pavão-Pavãozinho, que estão na minha área, mas acho que
concedendo estes títulos se compactua com a ilegalidade.
Em 40 anos,ritmo
acelerado
Nos últimos 40 anos, as
políticas públicas direcionadas às favelas cariocas tiveram
que se adequar ao crescimento acelerado dessas comunidades.
Na década de 60, quando 950 mil pessoas já viviam em
favelas, a solução encontrada pelo governo foi remover seus
habitantes para conjuntos habitacionais. Em 1964, foi
removida a do Morro do Pasmado, primeira de uma série de 41
favelas retiradas até 1971.
Só no Governo Negrão de
Lima, na segunda metade da década de 60, mais de 70 mil
pessoas de quatro comunidades carentes foram transferidas
para Cidade de Deus, Cidade Alta e Água Branca. Para a
Cidade de Deus, foram levadas famílias de favelas como a
Praia do Pinto (Leblon), Catacumba (Lagoa) e Macedo Sobrinho
(Botafogo). Já no Governo Carlos Lacerda, na primeira metade
da década de 60, foram removidas 27 favelas, sendo a do
Esqueleto a maior delas: tinha mais de três mil barracos.
Nesta época, além de afastar a pobreza da Zona Sul da
cidade, a remoção das favelas abria caminho para a
especulação imobiliária.
Nos anos 70, embora o
ritmo das retiradas tenha sido bastante diminuído, ainda
pairava no ar o fantasma das remoções. Foi na década
seguinte, em 81 - quando a população favelada do Rio já
chegava a 1,7 milhão de habitantes - que a prefeitura
começou a avaliar a possibilidade de dar aos favelados a
posse da terra. Em meados da década de 90 foi criado o
projeto Favela-Bairro para urbanizar e reintegrar essas
comunidades ao resto da cidade. |
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Mais verbas para favelas |
Jornal O
Globo, Rio, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2001
Mais verbas para favelas
Paula Autran
Além dos R$ 700 milhões
que o governo federal pretende investir em 2001 na
urbanização das favelas de Rio de Janeiro, São Paulo e
Salvador - incluindo a concessão de títulos de propriedade e
a regularização dos serviços de água, luz e esgoto, como O
GLOBO informou ontem, com exclusividade - também a
prefeitura do Rio e o governo do estado vão destinar verbas
para projetos em comunidades carentes. Só o prefeito Cesar
Maia disse ontem que vai aplicar R$ 700 milhões neste tipo
de projeto até o fim do ano que vem e que poderia ter o
governo federal como parceiro. Segundo Cesar, R$ 240 milhões
deste total já foram liberados este mês para melhorias em
favelas. Já o secretário estadual de Governo, Fernando
William, anunciou que o estado tem cerca de R$ 1 bilhão em
caixa para investir em programas no Rio - mas não apenas em
comunidades carentes.
Moreira Franco, assessor
especial da Presidência da República, acredita que, com a
participação de estados e municípios, a verba para o
programa de urbanização chegue a R$ 1 bilhão este ano. É ele
quem, nos próximos dias, vai submeter ao presidente Fernando
Henrique Cardoso o projeto, elaborado por representantes da
Agência Nacional de Águas, da Secretaria de Desenvolvimento
Urbano, do BNDES, do Instituto de Pesquisas Econômicas
Aplicadas (Ipea) e consultores com base no bem-sucedido
Favela-Bairro carioca.
- Com certeza vamos
colaborar - disse Fernando William, que considera a
iniciativa do governo federal fantástica. - O Rio de Janeiro
é hoje um dos estados com maior capacidade de investimento
do país. Só a arrecadação do ICMS cresceu mais de 60% desde
1998. Fora os recursos próprios, também podemos conseguir
dinheiro através de convênios.
Cesar quer investimento
em projetos já existentes
Embora classifique como
eleitoreiro o lançamento de um programa como este um ano e
meio antes do fim do mandato presidencial, Cesar Maia não
dispensa a ajuda federal:
- Qualquer coisa que
eles colocarem a mais para nós é ótimo. Mas ninguém vai
inventar intervenções em favelas. Os recursos têm que ser
aplicados nos programas já existentes. O próprio governo
federal já investiu na segunda etapa do Favela-Bairro,
porque na época a prefeitura não dispunha de recursos
suficientes.
De acordo com Cesar, a
prefeitura hoje está fazendo obras ou vai começar a fazer em
pelo menos metade das 700 favelas da cidade. Para ele, a
grande contribuição da União para as favelas do Rio seriam
duas: a reabertura de linhas de crédito da Caixa Econômica
para programas de saneamento básico e a doação de terras
favelizadas para o município, a fim de que a prefeitura
possa conceder títulos de propriedade aos moradores:
- Por que o governo
federal não reabre as linhas de crédito da Caixa? Ninguém da
iniciativa privada quer investir em saneamento de favelas
porque sabe que é a fundo perdido.
A identificação de
terras públicas, para permitir a regularização fundiária, é
uma das vertentes do programa do governo. Portaria assinada
pelo secretário de Desenvolvimento Urbano, Ovídio de
Angelis, criando um grupo de trabalho para identificar áreas
e imóveis que poderão ser destinados a assentamentos
populacionais, está sendo publicada hoje no Diário Oficial.
Segundo Moreira Franco, o processo de integração das pessoas
que vivem em favelas à cidade começa depois da recuperação
urbana dos loteamentos dessas áreas.
Ele destacou a
necessidade de a periferia conquistar maior independência
econômica, para que as áreas centrais, densamente ocupadas,
sejam desafogadas. Hoje, nas grandes cidades como Rio e São
Paulo, há uma população que trabalha no Centro e dorme nas
ruas por não ter dinheiro para voltar para casa todos os
dias.
O programa federal trata
ainda da questão ambiental, sob a ótica da limpeza urbana. O
esgoto a céu aberto e o despejo de lixo nas ruas ameaçam o
abastecimento de água, devido à degradação dos recursos
hídricos. Moreira Franco admitiu que um ano e meio de
mandato que resta para o governo Fernando Henrique pode ser
pouco para tantas aspirações. Mas assegurou que haverá
empenho para que sejam obtidos resultados a curto prazo.
COLABOROU Eliane Oliveira (Brasília)
Concessão de títulos de
posse enfrenta dificuldades
A doméstica Elialdina da
Silva foi uma das contempladas com a documentação provisória
que a tornou dona de um apartamento de dois quartos na
Favela Fernão Cardim, no Engenho de Dentro, há cinco anos.
Por estar num terreno da prefeitura, foi lá que o programa
Favela-Bairro mais concedeu títulos de posse aos moradores.
Mas, segundo o prefeito Cesar Maia, a concessão destes
títulos não vingou ainda porque os donos dos terrenos
ocupados por favelas, mesmo os do setor público, querem
sempre contrapartida para cedê-los.
- É o caso do INSS, que
quer terrenos na Barra para ceder uma área de favela na Vila
Vintém onde temos planos de construir uma vila olímpica para
a comunidade. Por estas e outras a concessão de títulos fica
inviabilizada. Nossa procuradoria está trabalhando neste
assunto - disse ele, que também encontrou obstáculos dentro
das próprias favelas para conceder os títulos. - Mais de 50%
dos barracos são alugados e as próprias imobiliárias das
comunidades criam dificuldades.
Ex-capital federal,
grande parte das terras favelizadas do Rio pertencem à
União. Para Cesar, se o governo federal agilizasse os
processos de concessão de títulos de posse que já estão em
andamento, pelo menos 20% dos casos estariam resolvidos. |
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Pobres
fogem da violência do Rio |
Jornal do Brasil, 12 de
fevereiro de 2001
Pesquisa mostra que a
periferia da capital está avançando para o outro lado da
Baía, rumo ao município de Itaboraí
ISRAEL TABAK
A
periferia do Rio está alargando os seus limites. Fugindo da
violência e do preço alto das moradias nas áreas mais
adensadas da cidade, os pobres estão indo para cada vez mais
longe. E o eixo da fuga se inverteu. Agora, os migrantes
tendem a atravessar a Ponte e seguir em direção a Itaboraí e
Tanguá, onde o preço da terra e do aluguel é mais barato. Do
outro lado, a rota de fuga, menos intensa, já chega a
Itaguaí, como mostram estudos do Ippur, (Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional) da UFRJ.
Para
agravar o problema, os últimos indicadores habitacionais do
estado revelam números alarmantes: em torno de 3,5 milhões
de pessoas moram em domicílios com deficiência de
infra-estrutura e cerca de 1,5 milhão reside em moradias
inadequadas, que teriam de ser substituídas. A velocidade da
progressão de novas favelas, em áreas invadidas e cada vez
mais distantes, assusta os moradores da Zona Oeste e da
Baixada Fluminense.
A crise
habitacional fez nascer um novo e florescente comércio na
periferia, que vem sendo pesquisado pela arquiteta Luciana
Corrêa do Lago: o aluguel de pequenas construções
improvisadas, geralmente localizadas nos fundos dos lotes,
com um dormitório e banheiro. Os inquilinos não têm mais
condições de alugar cômodos nem mesmo em favelas situadas
nas áreas mais privilegiadas da cidade como Rocinha, Vidigal
e Pavão-Pavãozinho.
Os
pesquisadores convergem no diagnóstico: a disparidade de
renda no país, aliada à ausência de uma política
habitacional definida para a população de baixa renda,
praticamente inviabiliza a possibilidade de moradia decente
para quem ganha até cinco salários mínimos: ''Não existem
linhas de financiamento para as faixas mais baixas. E mesmo
assim, pelo menos parte do custo teria que ser subsidiado'',
observa a arquiteta Dayse Gois, que coordenou uma pesquisa
sobre o déficit e as carências habitacionais no estado.
A
disparidade de renda também serve para explicar o que os
estudiosos chamam de cidades duais. ''É o modelo da
urbanização brasileira. Em qualquer cidade, a cada novo pólo
de desenvolvimento, corresponde uma favela. Quem trabalhará
para os veranistas de uma cidade turística que se expande?
Cada novo shopping-center, por exemplo, precisa de um
batalhão de empregados, trabalhando na limpeza e na
manutenção, com salário muito baixo. Todos são candidatos a
uma favela'', analisa o urbanista Adauto Cardoso,
coordenador de pesquisas do Ippur.
Até há
alguns anos, o morador de uma favela que quisesse morar numa
casinha modesta, mesmo longe do local de trabalho, tinha a
opção de comprar um lote à prestação em algum município da
Baixada e fazer a construção aos poucos: ''Isto está
acabando. A terra valorizou na região, que hoje está
atraindo a classe média baixa. Registramos muitos casos de
condomínios murados, com casas de menos de 40 metros
quadrados. Além do muro alto, diversos condomínios têm
segurança própria e piscina, repetindo os padrões de moradia
da classe média alta que se encastela na Barra, por
exemplo'', observa Luciana Corrêa do Lago, professora de
planejamento urbano do Ippur.
''Na
realidade, as metrópoles estão se expandindo. Os mais
pobres, que continuam trabalhando nos centros urbanos, são
obrigados a morar cada vez mais longe. No tempo do BNH,
muitos moradores de favela eram encaminhados para novos
conjuntos habitacionais, que ficavam longe das antigas
moradias, mas ainda dentro da cidade. Isso acabou. Hoje, sem
uma ajuda oficial, cada um se vira como pode'', analisa a
arquiteta.
Sem
infra-estrutura
No
Estado do Rio, 32,48% dos domicílios - pouco mais de um
milhão - têm alguma carência séria de infra-estrutura de
serviços (água, esgoto, luz, coleta de lixo) enquanto 9,35%
são inadequados, ou seja, teriam que ser substituídos por
outros. Estes são alguns dos principais dados de uma
pesquisa da Fundação Cide (Centro de Informações e Dados do
Rio de Janeiro) em convênio com o Ippur (Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional) da UFRJ, que será
divulgada oficialmente nas próximas semanas.
Segundo
a urbanista Dayse Góis, coordenadora da pesquisa na Fundação
Cide, os dados sobre a carência de serviços mostram que os
principais problemas enfrentados pelos moradores são a
ausência de uma coleta regular de lixo e de um sistema de
esgotos. Casas sem luz ou sem algum sistema de abastecimento
de água aparecem com números baixos na pesquisa Índice de
Qualidade dos Municípios-Necessidades Habitacionais..
Dos
3.369.768 domicílios pesquisados, 761.573 (22.60%) não têm
coleta regular de lixo enquanto 668.680 (19.84%) não dispõem
de sistema de esgotos. Quanto à água e iluminação, a
situação melhorou nos últimos anos: só 99.051 residências
(2,93%) não têm algum sistema de abastecimento de água
(incluindo poços artesianos) enquanto apenas 51.852 (1.53%)
não têm luz.
Quando
se analisa a situação por município, aparecem surpresas.
Cidades mais ricas como Petrópolis e Friburgo, estão ao lado
de outras, das áreas menos desenvolvidas do estado, na faixa
máxima de carência: entre 80 e 100%. Friburgo tem 91.93% de
residências com algum tipo de problema sério de
infra-estrutura enquanto em Petrópolis o percentual atinge
90.89%.
Para o
urbanista Adauto Cardoso, do Ippur, que desenvolveu a
metodologia da pesquisa, a explicação não é difícil: ''São
cidades em expansão, atraindo veranistas mas também
prestadores de serviço pobres. As novas construções, muitas
em regiões afastadas dos centros urbano, acabam agravando o
problema crônico da deficiência de coleta de lixo e esgoto.
Faltam serviços básicos
O Rio de
Janeiro, ao lado de cidades do Vale do Paraíba, como Resende
e Volta Redonda, além de Niterói, aparecem como os melhores
municípios em serviços básicos de infra-estrutura. Os piores
índices, próximos a 100%, vão para Trajano de Morais, São
Sebastião do Alto, Santa Maria Madalena, Macuco e Cordeiro.
Pela pesquisa, cerca de 3,5 milhões de habitantes do estado
moram em domicílios com carência de algum serviço básico.
Para
dimensionar o número de moradias inadequadas, onde vivem
cerca de 1.5 milhão de pessoas, foram registradas as que não
podem ser mantidas ou reformadas e de material improvisado.
Também entraram nesta categoria aquelas em locais
impróprios, sob viadutos, por exemplo, explica a urbanista
Dayse Góis.
No
município do Rio, 163.725 habitações (10,79% do total), onde
moram cerca de 700 mil pessoas, teriam que ser substituídas.
As piores médias de déficit vão para Trajano de Morais,
Parati, São Sebastião do Alto, Macuco e Mangaratiba. As
melhores em Iguaba Grande, Cardoso Moreira, São João da
Barra, Rio das Ostras e São Pedro da Aldeia.
Preço e tranqüilidade
Maria
das Dores é doméstica e veio do Vidigal. Joelan é pedreiro e
saiu da Rocinha. Hermes é bancário e deixou Bento Ribeiro.
Luciano, funcionário público, morava em Bonsucesso. Luiz
Carlos, mecânico de carros, abandonou Botafogo e passeia
pelas ruas com sua cabra de estimação. Cada um do seu jeito,
todos vivem hoje em Manilha, segundo distrito de Itaboraí, a
45 quilômetros do centro do Rio.
Mas
todas estas histórias convergem. Os novos moradores de
Manilha vieram do Rio em busca de moradia mais barata e de
tranqüilidade. Ninguém se arrepende. Mesmo que a maioria
esteja muito distante do trabalho e tenha de pagar mais pela
condução. ''Não volto para o Vidigal de jeito nenhum. O Rio
está todo muito violento, Além disso, lá no morro eu não ia
conseguir alugar uma casinha igual à que eu moro hoje por
menos de R$ 300. Aqui não sai por mais de R$ 150'', explica
Maria das Dores Nascimento, que trabalha como doméstica no
Jardim Botânico e mora numa casa inacabada de dois quartos,
com o marido, o vigia aposentado Custódio Souza.
O que os
pesquisadores do Ippur constataram, os novos moradores de
Manilha confirmam: escolheram o local porque a Baixada
Fluminense, segundo eles, também está muito cara e violenta.
Muitos chegaram a pesquisar preços em localidades como
Caxias, Nilópolis e São João de Meriti. E, comparando,
acabaram chegando a Manilha. Algumas vantagens alegadas: a
água de poço seria de ótima qualidade e não há violência.
''Posso deixar meus filhos à vontade na rua'', conta a dona
de casa Márcia Sá, que veio de Bento Ribeiro. E mais: a
terra ainda é barata (é possível comprar lotes de 700 metros
quadrados, por menos de R$ 5 mil, facilitados).
E quanto
ao transporte, que seria o principal fantasma para
atrapalhar a mudança, a concorrência acabou favorecendo os
novos migrantes: os ônibus que vêm para o Rio baixaram o
preço da passagem para R$ 1,50, para levar vantagem sobre as
vans, que cobram R$ 2,50.
O resto
é como nos demais loteamentos pobres: ruas esburacadas, lixo
espalhado em terrenos baldios, casas inacabadas. Mas todo
mundo se diz satisfeito: ''Aqui tem menos gente, é bem
fresquinho e mais calmo'', comenta o pedreiro Joelan da
Hora, que veio da Rocinha. (I.T.)
|
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Topo TÓPICO 8
A
explosão da periferia |
Revista Veja, 24 DE
JANEIRO DE 2001
A explosão da periferia
Crime, desemprego e
miséria: uma tragédia brasileira em torno das grandes
metrópoles
Alexandre Secco e Larissa Squeff
Atenção, se você acha que
as metrópoles brasileiras já são lugares quase
irrespiráveis, de tanto crime, bagunça no trânsito, horas
perdidas e também feiúra arquitetônica, prepare-se para
coisa muito pior, se nada for feito para reverter a
situação. Observe:
-
Nos últimos dez anos, a
população das oito regiões metropolitanas (Rio de Janeiro,
São Paulo, Belo Horizonte, Vitória, Porto Alegre,
Curitiba, Recife e Salvador) saltou de 37 milhões para 42
milhões de habitantes. Agora, o mais surpreendente: nesse
período, a taxa de crescimento das periferias dessas
cidades foi de 30% contra 5% das regiões mais ricas.
-
Ampliando-se a análise para
as 49 maiores cidades do país, que abrigam 80 milhões de
pessoas, obtém-se uma visão mais completa do fenômeno. Nos
últimos vinte anos, a periferia dessas cidades
correspondia a um terço da população. Agora, equivale a
quase metade do total dos moradores. Deverá ser maioria em
cinco anos.
-
De 1996 para cá, a renda per
capita nas cidades médias brasileiras aumentou 3%. No caso
das periferias das grandes cidades, a renda caiu 3%.
- Há dez anos, a
periferia das grandes cidades apresentava taxas na casa de
trinta homicídios por 100.000 habitantes. Atualmente, em
algumas dessas áreas pobres o índice chega a 150 mortos
por 100.000 habitantes - padrão colombiano. O aumento dos
índices coincidiu com um período de pesados investimento
feitos em segurança por quase todos os Estados. Apesar dos
investimentos em armas, viaturas e presídios, além de
programas de assistência social, a criminalidade não
perdeu seu vigor.
O contraste
A tabela
mostra algumas diferenças entre o centro das grandes cidades
e as regiões mais pobres*
Número
de homicídios por grupo de 100.000 habitantes |
14, em
média |
até 150 |
Total
de moradores desempregados |
5 |
18 |
Casas
atendidas por sistema de esgoto (%) |
70 |
30 |
Moradias abastecidas com água encanada (%) |
100,
tudo oficial |
70, a
maioria com ligações clandestinas |
Residências com energia elétrica (%) |
3 |
20 |
Taxa de
analfabetismo (%) |
15.300
reais |
2.600
reais |
Leitos
hospitalares por grupo de 100.000 habitantes |
530 |
180 |
Tempo
gasto para ir de casa ao trabalho |
40
minutos |
2 horas |
Largura
das ruas |
6
metros |
2
metros |
Com que
freqüência vai ao dentista |
a cada
6 meses |
a cada
6 anos |
Carro |
Vectra |
Brasília |
Total
de conhecidos assassinados |
1 |
20 |
Brinquedo da moda entre as crianças |
patinete |
pipa ou
papagaio |
Atividade esportiva |
musculação |
futebol |
Fatia
do salário gasta com alimentação (%) |
15 |
30 |
Refrigerante mais consumido |
Coca-cola |
tubaínas |
Casas
pintadas (%) |
100 |
10 |
Freqüência com que o caminhão de lixo passa na rua |
1 dia |
4 dias |
Total
de dias com falta de água no último mês |
nenhum |
7 dias |
Eletrodoméstico mais caro |
computador |
geladeira |
Valor
do imóvel |
80.000
reais |
3.000
reais |
* médias estimadas em
oito capitais
Em outras palavras, o alarme da
periferia está soando - em alto e bom som. As periferias
estão ficando mais inchadas, mais violentas e mais pobres.
De acordo com um estudo publicado pelo economista Hamilton
Tolosa, do Conjunto Universitário Cândido Mendes, se o
Brasil crescer a taxas moderadas, de 4% a 5%, durante uma
década, as desigualdades sociais tendem a melhorar em todo o
país, mas devem piorar consideravelmente nos grandes centros
urbanos e, em particular, nas áreas metropolitanas. "As
autoridades precisam agir logo. A bomba está estourando
agora", diz o urbanista brasileiro Jonas Rabinovitch, uma
autoridade mundial em cidades.
O poder
dos templos
As igrejas evangélicas encontram nas periferias um
terreno fértil para seu crescimento
-
Ao lado dos bares, os
templos são os primeiros estabelecimentos que costumam
surgir na periferia
-
O número de evangélicos
no subúrbio é três vezes maior que o registrado nos
centros das cidades.
- A igreja de maior
penetração é a Assembléia de Deus
|
O inchaço da periferia e a
deterioração das cidades são tema de discussão mundial e
atingem principalmente as megacidades, quase todas
localizadas em países pobres ou em desenvolvimento.
Cinturões de miséria semelhantes aos que se vêem no Brasil
podem ser encontrados na Cidade do México, em Bombaim, na
Índia, em Jacarta, na Indonésia, e na Cidade do Cabo, na
África do Sul. Nesses lugares, o subúrbio paupérrimo é fruto
de um crescimento desordenado. O caso brasileiro, no
entanto, é único sob certo aspecto. Todas as nações que
enfrentam o problema convivem com um, dois ou três casos de
expansão da periferia. No Brasil, esse fenômeno pode ser
constatado em quase cinqüenta cidades. Isso acontece porque,
no bloco dos países mais pobres com grande população, nenhum
possui a taxa de urbanização
brasileira, hoje acima de 80%. Na Índia, 72% do país vive no
campo. Na China, as
cidades agrupam 31% da população. "O tipo de problema é o
mesmo dos demais países, mas a extensão não tem paralelo em
todo o mundo", diz a urbanista Raquel Rolnik, da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas.
PATROCINADOR |
CIDADE |
PROJETO |
Netinho |
São
Paulo |
Mantém
um centro de educação esportiva e musical para 220
crianças |
Carlinhos Brown |
Salvador |
Constrói e reforma casas no subúrbio.Mantém escola de
música e cursos para 200 crianças |
Paulo
Coelho |
Rio de
Janeiro |
Investe
36.000 reais por mês em uma instituição que trabalha em
favelas |
A periferia sempre foi um lugar tremendamente ameaçador para
seus moradores. Quem acharia razoável viver numa região que
reúne praticamente todos os defeitos que uma cidade pode
ter? As ruas não têm calçamento e se alagam quando chove. Os
bairros não possuem hospital nem dentistas. Em boa parte das
casas, a água encanada e o esgoto são obtidos apenas com
ligação clandestina - de forma que, em muitos casos, os
detritos correm a céu aberto. Praça e área verde são artigos
de luxo. Como não há coleta de lixo, os moradores servem-se
dos rios e vivem num ambiente poluído e cheio de doenças. As
casas são erguidas em lotes sem calçada e o terreno é tão
estreito que não estimula o plantio de árvores. Isso sem
falar no policiamento, que é raro, nas taxas de
criminalidade, nos donos das bocas-de-fumo, nas chacinas. E
o que dizer do salário? Para atingir o rendimento anual do
morador de um bairro mais central, o habitante da periferia
precisa trabalhar durante quase seis anos.
Socorro aos mais pobres
A pediatra e sanitarista
Zilda Arns foi indicada na semana passada para o Prêmio
Nobel da Paz pelo governo brasileiro. Coordenadora
nacional da Pastoral da Criança, Zilda dedica-se a
melhorar as condições de vida nos bolsões de pobreza dos
pequenos e médios municípios.
-
A pastoral atua em 3.277
municípios brasileiros
-
São 130.000 voluntários
-
Mais de 90% dos locais
concentram-se na periferia das cidades
-
Atende por mês 60.000
gestantes e 1,5 milhão de crianças
- Nas áreas em que
atua, a pastoral conseguiu reduzir pela metade os
índices de mortalidade e desnutrição infantil
|
Os moradores desses bairros populares querem melhorias e têm
direito a isso. Na verdade, sairiam da periferia para
bairros mais bem assistidos, se pudessem. A novidade é que,
além de castigá-los, a periferia incomoda também o habitante
dos bairros de classe média alta e da elite. É como se uma
espécie de Muro de Berlim tivesse sido derrubado. As regiões
mais abastadas das metrópoles
estão conhecendo de perto, e com grande intensidade, o
impacto da chegada da miséria. Como a periferia não oferece
hospitais, as unidades de saúde dos bairros mais centrais
vivem lotadas. Muitas das vilas de periferia se situam em
áreas de
mananciais, que alimentam rios e represas usados para
captação de água. Como na periferia não há coleta regular de
lixo nem sistema de esgoto, tudo acaba sendo jogado nos
córregos que vão poluir os rios mais adiante. Isso quando
bairros populares não surgem diretamente em torno das
represas urbanas. A manifestação mais preocupante, no
entanto, verifica-se no campo da segurança. Até alguns anos
atrás, apenas os moradores das áreas populares viviam em
pânico, não saíam à noite e corriam o risco de ver um amigo
ou parente ser assassinado por marginais. Embora a
criminalidade seja ainda muito mais acentuada nos bairros
pobres, o medo que antes era só deles migrou para as áreas
mais ricas das grandes cidades.
A
polícia que funciona
Uma boa arma no combate à criminalidade na periferia tem
sido o policiamento comunitário. Ele já é adotado em
mais de 100 cidades. Veja como o sistema funciona
-
As mesmas equipes de
policiais fazem a ronda no bairro, o que ajuda a criar
um vínculo maior com os moradores
-
Os policiais participam
de discussões sobre os principais problemas de
segurança da comunidade
-
Em São Paulo, o sistema
reduziu o índice de roubos de 49% para 33%
- Em Belo Horizonte
diminuiu em 6% as tentativas de homicídio
|
O surgimento da periferia é decorrente de uma transformação
profunda ocorrida no Brasil nas últimas décadas, que é a
urbanização. Quando o campo entrou em colapso por excesso de
gente e falta de oportunidades, começou uma intensa migração
rumo às capitais industrializadas. Em apenas duas décadas,
20 milhões de pessoas se mudaram em busca dos confortos e
das oportunidades que imaginavam desfrutar nas grandes
cidades. Foi um dos processos de urbanização mais acelerados
e caóticos já vistos no mundo. Em 1970, pela primeira vez, a
população urbana superou a rural. A migração não produziria
grandes problemas se as cidades às quais as periferias estão
ligadas pudessem gerar riqueza suficiente para oferecer
condições de vida satisfatórias aos que chegam. O Brasil não
conseguiu fazer isso.
O
lazer Os
estudiosos dizem que is ao bar é uma das únicas
distrações dos moradores da periferia. O quadro mostra
quais são as principais características desses locais
-
A maioria dos bares da
periferia são clandestinos
-
A bebida mais consumida
é a cachaça
-
Uma dose de pinga é
cotada a 15 centavos
-
Nos finais de semana, os
índices de violência dobram nos bares da periferia
- Um terço dos
crimes no Brasil é cometido por pessoas
embriagada
|
O governo federal tentou minimizar o problema abrindo um
banco, o BNH, para financiar projetos habitacionais. Os
Estados criaram as Cohabs para executá-los e as prefeituras
contribuíram com a abertura de enormes loteamentos. Por
muitos anos, a construção de casas populares foi plataforma
obrigatória dos políticos. Vendia-se a idéia de que a
solução fora encontrada, mas o que não se falava é que ao
empurrar centenas de milhares de pessoas para conjuntos na
periferia os governantes estavam apenas adiando a solução
real do problema. De um dia para o outro surgiram bairros
enormes sem transporte, sem lazer, sem posto médico. Nos
últimos trinta anos, a área das metrópoles aumentou muito.
No caso de São Paulo e Porto Alegre, por exemplo, a mancha
urbana que ocupam ficou cinco vezes maior no período. Mas o
grosso dos equipamentos públicos ficou restrito àquele
pequeno núcleo original que definia as capitais nos anos 70.
Não se distribuiu pela enorme mancha urbana que se foi
espalhando em volta das metrópoles.
Toda vez que os povos mudam de lugar, ou seja, migram, o
impacto social é brutal. E existe uma ligação umbilical
entre as transformações que atingem um país e as correntes
migratórias. A História registra migrações nos casos de
transformação política nas sociedades: colonização, guerras
e trocas de regime político. As correntes também ocorreram
quando a transformação tinha origem econômica. Quando os
povos mudam de lugar, fica para trás a estrutura que
montaram ao longo de uma vida. A frente, há apenas barro,
mosquito e a esperança de um amanhã melhor. Com a Revolução
Industrial, as cidades inglesas passaram a drenar a
população do campo. Surgiram os distritos industriais e os
bairros dormitório. Em 1801, Londres tinha 864 000
habitantes. Em 1891, ultrapassou a casa dos 4 milhões de
pessoas. Em menos de um século sua população havia
quintuplicado. Em toda a Inglaterra, o número de cidades com
mais de 100.000 habitantes passou de duas para trinta entre
1800 e 1895. O processo se repetiu por toda a Europa,
principalmente na Alemanha e na França - e atingiu os
Estados Unidos. Como o crescimento é desordenado, ele ocorre
quase sempre em velocidade superior à capacidade das
autoridades de contê-lo.
A
casa
Observe no quadro quais são as características típicas
de uma residência de periferia
-
A construção é de
alvenaria sem acabamento nem pintura
-
É habitada por cinco
pessoas, em média
-
Possui 12 metros
quadrados de área útil
-
Vale 3.000 reais no mercado
|
No caso de Londres, que se transformou na maior cidade do
mundo na virada do século XX. com 6,6 milhões de habitantes,
contabilizava-se 1 milhão de pessoas vivenda em condições
miseráveis. Famílias inteiras, com até oito pessoas,
ocupavam um único quarto. As taxas de crime eram
preocupantes. Bandidos e pivetes atacavam os transeuntes nas
principais ruas da cidade, como a Regent e a Oxford Street.
Ganhavam num dia de roubo o mesmo que ganhariam se
conseguissem vender 1.300 caixas de fósforo. Londres era um
lugar tão ruim no final do século passado que um editorial
de jornal escreveu sobre o horror dos cortiços: "O grande
problema doméstico que a religião, o humanitarismo e as
instituições políticas da Inglaterra têm o imperativo dever
de resolver. O assunto virou tema de uma Comissão Real para
o Problema das Classes Trabalhadoras, uma espécie de CPI
daquele tempo. Descobriu-se o que hoje se considera óbvio.
Os ingredientes daquela miséria eram uma mistura de pobreza,
aluguéis altos, governo incompetente, corrupção e falhas no
que diz respeito aos valores morais. No caso de Londres, o
inchaço da cidade não fez surgir a periferia. Ao contrário,
ela apareceu como uma forma de redistribuir as pessoas,
tirando os miseráveis dos cortiços. Foram acomodados em
casas decentes longe do centro.
Um dos maiores desafios de uma cidade, e ele deve envolver
as forças políticas, empresários e líderes comunitários, é
erradicar a pobreza. A conclusão da tarefa é uma daquelas
utopias, mas não dedicar tempo e energia a isso é uma
insanidade. Nas metrópoles brasileiras se observam hoje
manifestações de pobreza em diferentes estilos, por assim
dizer. Há os moradores de rua, muitos deles crianças. Entre
os diferentes estágios da pobreza, essa é a mais fácil de
combater. Outra manifestação são as favelas erguidas nas
regiões mais centrais da cidade. Diferentemente da
periferia, têm ônibus na porta, escolas, hospitais e até
mesmo lazer de final de sete mana. Em alguns casos, como na
favela o da Rocinha, no Rio de Janeiro, oferecem aos
moradores locadoras de vídeo, bancos e academias de
ginástica. Anunciou-se recentemente a construção de uma
universidade na Rocinha.
Favela é diferente
Incrustada num morro do Rio de Janeiro, a Rocinha é uma
das maiores favelas da América Latina. Pela estrutura
que oferece, pouco se parece com a periferia. A Rocinha
possui.
-
2 supermercados
-
2 bancos
-
5 academias de ginástica
-
7 videolocadora
-
9
farmácias
|
A vida é muito mais dura na periferia. Do ponto de vista
geográfico, periferia é a fatia mais externa de uma cidade,
a camada mais distante do centro. Do ponto de vista social,
a periferia é aquele pedaço de 5 chão que está mais distante
do aparelho do Estado, é um lugar onde o ônibus não vai, só
as vans. Percebe-se que a periferia está próxima quando os
outdoors e o comércio tradicional vão ficando para trás e as
avenidas largas, cercadas por construções espaçadas, começam
a se bifurcar em ruas cada vez mais estreitas ladeadas por
casas
- grudadas umas nas outras. É para economizar espaço e
aproveitar a parede do vizinho, explicam os moradores.
O
transporte
As vans
se tornaram o principal meio de transporte coletivo nas
regiões periféricas
-
Cerca de80% das vans em
circulação são utilizadas para fazer o transporte de
passageiros entre o subúrbio e o centro das cidades
-
Em São Paulo a frota de vans
supera a de ônibus
-
Os
perueiros chegam a faturar 2.000 reais por mês
Tais bairros não conhecem redes de supermercados, redes de
drogarias e cadeias de fast food, pois esses
estabelecimentos não se instalam na periferia com medo de
assalto. Em praticamente toda rua funciona algum tipo de
comércio precário: bares, mercadinhos, farmácias, lojas de
quinquilharias. Mais de 90% das casas da periferia são
erguidas pelos próprios donos. Um modelo padrão ocupa
terreno de 50 metros quadrados e tem quatro cômodos sem
reboco. Tudo, com o terreno. fica em 3000 a 10 000 reais, no
máximo. As casas debruçam-se sobre ruelas tortas que se vão
bifurcando e estreitando até ficarem com 2,5 metros de
largura onde os carros não podem chegar. Milhares dessas
vias tortuosas se combinam numa teia de aranha. Existem
apenas algumas ruas que, como artérias para o coração,
permitem a passagem dos veículos que coletam passageiros ou
entregam mercadorias em pequenos bares e mercearias.
Discurso feroz
Oriundos da periferia, os grupos de rap fazem sucesso
narrando as mazelas da vida nos bairros pobres
GRUPOS MAIS FAMOSOS
Racionais MC's, Thaíde e DJ Hum, X, Pavilhão 9 e 509E,
todos de São Paulo
ÁLBUM MAIS VENDIDO
Sobrevivendo no inferno, Racionais MC's: 1 milhão de
cópias
TEMAS MAIS COMUNS NAS LETRAS
Violência policial, pobreza e desemprego |
Como a periferia se concentra nos limites de cada município,
muitas vezes fica difícil saber qual prefeito o responsável
por seu destino. O esclarecimento da dúvida não autoriza um
prefeito a jogar a responsabilidade para o outro lado da
fronteira. Por essa razão, não se pode discutir o assunto
como se periferia fosse um problema local. Virou um assunto
municipal, estadual, federal. E, na verdade, o chamado
"problema de todos nós. Muitos já perceberam isso, como o
cantor Netinho, que realiza um belo trabalho na periferia de
São Paulo, e a sanitarista Zilda Arns, indicada pelo governo
brasileiro para o próximo Prêmio Nobel da Paz. Zilda cuida
de crianças em mais de 3000 municípios em parceria com a
Igreja Católica. Outro trabalho importante é realizado pelos
evangélicos, que são os primeiros a se instalar nos bairros
longínquos. Só os botequins chegam antes deles.
São iniciativas bem-vindas e devem ser estimuladas, mas
nenhuma delas tem o poder de combater a miséria com
eficácia. Para isso, o Estado precisa agir com energia e
responsabilidade. A primeira medida a ser adotada é tentar
frear o processo de periferização. Os especialistas gostam
de citar o exemplo de Londres. Após a II Guerra, as
autoridades londrinas se viam às voltas com um processo de
expansão veloz da cidade. O problema foi contido com a
criação de um cinturão verde de produção agrícola à sua
volta. A faixa de plantação funcionou como uma barreira
vegetal. Freado o crescimento, é preciso adotar medidas de
duas ordens. Onde houver construções irregulares que
ofereçam risco para quem lá mora, a única saída é a remoção
das pessoas.
Para melhorar a qualidade de vida nos bairros populares, há
várias experiências bem-sucedidas. Nos países asiáticos, os
prefeitos estão formando consórcios para otimizar os
recursos públicos disponíveis nas regiões metropolitanas. Os
países mais ricos investem pesado na reconstrução de bairros
inteiros. Só nos Estados Unidos, mais de 100 000 moradias
localizadas em conjuntos habitacionais de regiões pobres
foram demolidas para que a população seja espalhada por
bairros com características sociais e econômicas mais
heterogêneas. No Brasil, já há alguns prefeitos se mexendo.
O ABC paulista já conta com um consórcio de prefeitos. Em
menor grau, alguns bairros também estão sendo reconstruídos,
prioritariamente os localizados em áreas de risco. Contudo,
o modelo mais comum adotado no país é a urbanização dos
bairros periféricos. Nessa área o país coleciona
experiências bem- sucedidas e os especialistas acham que
podem aproveitá-las. Os estudiosos em administração pública,
no entanto, são unânimes: ninguém vai resolver o problema
sem acabar com a demagogia e o desperdício de dinheiro
público. ·
Megapobreza
O quadro mostra quais
eram as maiores cidades no começo do século passado, quais
são elas hoje em dia e quais devem ser em 2015. Observe que
as megacidades se tornaram um fenômeno do Terceiro Mundo (em
milhões de habitantes)
1900
POPULAÇÃO |
2001
POPULAÇÃO |
2015
POPULAÇÃO |
Londres
6,6 |
Tóquio
29 |
Tóquio
29 |
Nova
York
3,4 |
Cidade
de México
18 |
Bombaim
26 |
Paris
2,7 |
São
Paulo
17 |
Lagos,
Nigéria
25 |
Berlim
1,9 |
Bombaim
17 |
São
Paulo
20 |
Chicago
1,7 |
Nova
York
16 |
Karachi,
Paquistão
19 |
Viena
1,7 |
Xangai
14 |
Daca,
Bangladesh
19 |
Tóquio
1,5 |
Los
Angeles
13 |
Cidade
do México
19 |
Wuhan,
China
1,5 |
Lagos,
Nigéria
13 |
Xangai
18 |
Filadélfia
1,3 |
Calcutá
13 |
Nova
York
18 |
São
Petersburgo
1,3 |
Buenos
Aires
12 |
Calcutá
17 |
Kristhian Kaminski,
Patrícia Queiroz e Ricardo Mendonça, de São Paulo, Diogo
Shelp, de Porto Alegre, Leonardo Coutinho, de Salvador,
Lucila Soares do Rio de Janeiro, Marcio Pacelli, de Brasilia,
e Raul Juste Lores, de Buenos Aires |
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Secretários Municipais criticam Favela-Bairro |
Jornal O globo, Barra,
1º de março de 2001
Secretários municipais
criticam Favela-Bairro
Fábio Vasconcellos e Fernanda Pontes
O programa
Favela-Bairro, criado por Cesar Maia em 1995, é alvo de
críticas dos atuais secretários de Urbanismo, Alfredo Sirkis,
e de Obras, Eider Dantas. Eles acreditam que o projeto é uma
faca de dois gumes: de um lado as favelas são urbanizadas,
melhorando a qualidade a vida dos moradores. Em
contrapartida, afirmam, isso acaba contribuindo para o
crescimento das comunidades.
- Costumo dizer que o
Favela-Bairro é um hardware sem software. Você melhora a
condição de uma determinada favela e, com isso, atrai mais
moradores para o local. Viramos vítimas do próprio sucesso -
diz Sirkis.
Já Eider Dantas acha que
o Favela-Bairro ainda não conseguiu atender à população
carente, como fora previsto no início do projeto:
- Não atingimos aquilo
que chamamos de população excluída. O programa não deve
acabar, mas precisa ser reformulado, aperfeiçoado.
Enquanto os secretários
teorizam sobre o projeto, os moradores de comunidades
carentes criticam a inércia da prefeitura.
Juarez Fernandez,
presidente da Associação de Moradores da Favela Barra
América, cobra há dois anos a inclusão da comunidade no
programa:
- Quem me dera se tivéssemos um Favela-Bairro aqui na
comunidade. Já pedi à prefeitura que inicie as obras, mas
não obtive resposta.
Fiscalização da própria
população
Como solução para o
crescimento desordenado das favelas em conseqüência do
programa Favela-Bairro, o Secretário municipal de Urbanismo,
Alfredo Sirkis, propõe um projeto de autolimitação das
comunidades carentes no município do Rio.
Chamado de Mutirão de
Reflorestamento, o projeto foi coordenado por Sirkis quando
era secretário municipal de Meio Ambiente, na primeira
gestão de Cesar Maia, e está pronto para ser executado, caso
a prefeitura tenha interesse.
No projeto, a secretaria
financiaria o pagamento de mão-de-obra regular e mensal,
orientação técnica, sementes, mudas e ferramentas para uma
média de 12 a 15 pessoas que atuariam como fiscais em cada
comunidade.
- Por meio do mutirão,
os moradores fariam o reflorestamento, a coleta e a
reciclagem do lixo e ainda dariam sugestões à população
sobre educação ambiental. Mas há um preço: caso o programa
não obtenha adesão, ele é suspenso. É uma troca.
Segundo o secretário,
algumas favelas já foram beneficiadas pelo projeto no
governo Cesar Maia e não apresentaram crescimento sobre as
áreas verdes durante o período:
- Com isso, conseguimos
na época reflorestar 600 hectares e dar trabalho para
aproximadamente 800 pessoas. Reunir ingredientes de
urbanização não é o suficiente para transformar a favela num
bairro. Ela só se tornará uma parte da cidade quando for
submetida à lei.
Para Sirkis, a
construção de praças e campos de futebol é importante, mas
não basta para a transformação das favelas.
Josinaldo da Cruz,
presidente da Associação de Moradores de Rio das Pedras,
concorda com o secretário e também vê falhas no programa. Em
dez anos, a favela apresentou um crescimento de 73% na sua
área de ocupação.
- Não existe Favela-Bairro sem saneamento básico. A
população de Rio das Pedras cresceu absurdamente, ganhamos
quadras e moradias, mas ainda não temos rede de esgoto, que
é lançado nos rios - afirma Cruz.
Moradores terão título
de posse
A entrega de
titularidade das casas para moradores de comunidades
carentes poderá estar sendo posta em prática, já no segundo
semestre. É que o governo federal está finalizando um
programa que vai destinar cerca de R$ 700 milhões para o
combate ao crescimento das favelas nos grandes centros do
país, principalmente no Rio de Janeiro.
O programa prevê a
entrega dos títulos de propriedade e ainda a regularização
dos serviços de água, luz e rede de esgotos. Os recursos dos
programa sairão do Fundo de Combate à Pobreza.
Além disso, o governo já
criou uma comissão que percorrerá cidades como Rio, São
Paulo e Salvador, em busca de áreas que possam servir de
assentamento para famílias que hoje moram em áreas de risco.
A idéia é baseada no programa Favela-Bairro. |
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Estado põe famílias em contêineres |
Jornal O
Globo, Coluna Ricardo Boechat, quinta-feira, 21 de
janeiro de 1999
Os encaixotados
Quase 60 pessoas de
nove famílias do Morro Dona Marta completam, este mês, 11
anos vivendo dentro de oito contêineres.
Cada um tem apenas
7m2. Quando
seus barracos desabaram, nas chuvas do verão de 1988
prometeram-lhes casas popu1ares "para breve".
O Palácio da
Cidade, sede da Prefeitura, fica ao lado da favela.
A solução
apresentada pelo Prefeito arquiteto Luis Paulo Conde:
Jornal O Globo,
terça-feira, 2 de março de 1999
PROTESTO NO PALÁCIO
Sete famílias que desde
1988 moram em contêineres no Morro Dona Marta, em Botafogo,
fizeram ontem manifestação em frente ao Palácio da Cidade.
Elas reivindicam lugar para morar porque perderam as casas
numa enchente. O prefeito Luiz Paulo Conde determinou que
três famílias recebam indenizações, no total de
R$ 16.970,00, para comprar
casas ou voltar para o Nordeste.
Jornal O Globo,
Quarta-feira, 31 de março de 1999
CASAS PARA DESABRIGADOS
Na quinta-feira serão
destruídos os contêineres ocupados por famílias do Morro
Dona Marta que ficaram desabrigadas nas
enchentes de 1988. A Prefeitura
liberou os cheques para a compra de novas casas.
Os contêineres serão destruídos para
não sejam mais ocupados.
Jornal O Globo, Rio,
sexta-feira, 2 de março de 2001
Estado põe famílias
em contêineres
Moradores de região
afetada por doença misteriosa serão transferidos
Marcelo Dias
As
famílias que vivem à beira do Rio Quebra-Coco, na divisa
entre Japeri e Queimados, na Baixada Fluminense, devem
começar a deixar as suas casas a partir da próxima semana,
para morar em contêineres de ferro de
15 metros quadrados. A região foi marcada no ano
passado pela morte de nove
pessoas, vítimas de uma doença ainda
misteriosa e investigada pelo Centro de Controle de
Doenças de Atlanta, nos Estados Unidos.
Os
contêineres servirão de moradia por
seis meses, até que sejam construídas casas populares
pelo Governo estadual. Entretanto, outra solução será
negociada pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Chico
Alencar, que esteve ontem no local:
- Os R$
183 mil gastos pelo governo no aluguel de
68 contêineres poderiam ser
usados em uma solução mais viável. Eles são verdadeiros
fornos, que lembram campos de concentração. A temperatura ao
meio-dia de hoje (ontem) foi de 38
graus. Só a pessoa que os alugou está satisfeita - afirmou o
deputado.
Chico
Alencar vai encaminhar hoje um ofício ao governador Anthony
Garotinho. O parlamentar quer saber o resultado dos laudos
da doença e o cronograma de construção das casas populares.
OS CONTÊINERES que servirão de
moradia têm 15 metros quadrados.
|
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O que vem
depois da Barra |
Jornal O
Globo, Morar Bem, domingo, 4 de março de 2001
Luciana Casemiro
Barra da Tijuca não é
mais a mesma. Em breve, o bairro - que vem concentrando
desde 1980 o maior número de lançamentos imobiliários da
cidade - dividirá seu trono com vizinhos como Recreio e
Jacarepaguá. Pesquisa do Sindicato da Construção Civil no
Estado do Rio (Sinduscon-RJ) registrou queda no número de
lançamentos residenciais na Barra: de 99 para 2000, sua
participação no mercado carioca caiu de 31,1% para 29,9%. Já
o Recreio fechou o ano com 11% dos novos projetos (mais 5,4%
sobre 99), em terceiro no ranking. Ao lado de Jacarepaguá (o
segundo, com 15,2%), os três bairros detêm 56%.
- A Barra da Tijuca vive
um momento de maturação dos empreendimentos comerciais.
Agora, os bairros vizinhos trilham o caminho que ela iniciou
há quase duas décadas, com a segunda geração de imóveis
residenciais - avalia Antônio Carlos Mendes Gomes, diretor
do Sinduscon-RJ.
Em abril, Jacarepaguá
ganhará seu primeiro shopping. Com 180 lojas e quatro
cinemas, o Center Shopping Rio, incorporado e construído
pela Ecia Irmãos Araújo, já tem 90% das unidades ocupadas.
- Em setembro último,
lançamos uma superacademia de ginástica em Jacarepaguá, que
já tem mais de três mil alunos. A meta é fazer com que os
moradores do bairro se desloquem cada vez menos para a Barra
- diz a arquiteta Mônica Bittar, da Ecia, informando que a
empresa tem ainda condomínios residenciais previstos para
Freguesia e Taquara.
Mas não são só Recreio e
Jacarepaguá que vêm atraindo o interesse de construtores e
pretensos compradores. Vargem Grande e Vargem Pequena também
vêm conquistando um público interessado em qualidade de vida
e nos preços, mais acessíveis do que os da Barra. Segundo o
arquiteto Afonso Kuernez, que tem mil unidades projetadas
para a região, o que impede o crescimento desta área
específica, que inclui também o Pontal, é a legislação: a
área mínima é de três a dez mil metros quadrados por unidade
residencial, porque é zona agrícola:
- A legislação é do fim
da década de 60 e inviabiliza vários projetos, abrindo
espaço para loteamentos irregulares. O governo precisa agir
para que não se tenha uma ocupação desordenada - diz ele.
Segundo o secretário
municipal de Meio Ambiente, Eduardo Paes, o governo está
agindo:
- Ainda neste primeiro
semestre deve ser encaminhado à Câmara dos Vereadores um
projeto de revisão dessa legislação. Mas os ambientalistas
podem ficar tranqüilos que a qualidade de vida será
preservada.
E, enquanto isso, o
desenvolvimento da região segue em frente. Prova disso é o
Shopping Vargem Grande, primeiro da área, com 147 lojas, que
será inaugurado em julho de 2002.
- As cerca de 50 mil
pessoas que circulam pela região sentem falta de banco,
correio e consultórios médicos e dentários - garante
Francisco Botelho, incorporador do shopping, que está
lançando um empreendimento residencial com 360 apartamentos,
até R$ 80 mil, e um condomínio com 36 casas, de R$ 200 mil,
em Vargem Pequena.
A demanda por casas para
classe média e média alta na região é crescente. A Sebe
Engenharia, por exemplo, tem um projeto em fase de
aprovação, de 46 casas, a partir de R$ 270 mil, numa área de
166 mil metros quadrados, em Vargem Grande.
- A área de crescimento da cidade será ampliada até Campo
Grande, com a construção do Túnel da Grota Funda - diz
Bernardo Svaiter, sócio da Sebe, à espera de que a
prefeitura retome o projeto de realização da obra.
Corrida por preço e
qualidade de vida
Imóveis avaliados por
menos da metade do valor de empreendimentos similares em
Botafogo, áreas verdes preservadas e boa qualidade de vida.
Esses são alguns atrativos de Jacarepaguá, segundo o
presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do
Mercado Imobiliário (Ademi), José Conde Caldas.
- Além disso, com a
Linha Amarela, Jacarepaguá ficou ainda mais atrativa.
Afinal, agora quem mora no bairro está a 25 minutos do
Centro e a dez minutos das praias e dos centros de consumo
da Barra - diz Conde Caldas, informando ainda que a sua
construtora, a Concal, que tem 50% de um empreendimento
residencial vendido na Freguesia, está procurando áreas em
Jacarepaguá e no Recreio para outros lançamentos
residenciais.
Construtora tradicional
da Zona Sul carioca, a RJZ lançou no ano passado um
condomínio de casas, de R$ 180 mil, em Jacarepaguá. A
experiência foi tão boa, que a empresa pretende repetir a
dose: está à procura de terrenos no bairro e também em
Vargem Grande.
Quanto à nova legislação
para a área agrícola de Vargem Grande e Vargem Pequena, o
secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, garante
que nenhuma modificação será feita em detrimento das áreas
de preservação ambiental:
- Há áreas disponíveis
na região, sem vegetação com valor de preservação, para as
quais a legislação propõe um adensamento muito baixo, o que
acaba por estimular a ocupação irregular e descentralizada.
A meta é ordenar essa ocupação, criando áreas de
adensamento.
Voltando a Jacarepaguá,
a João Fortes está finalizando um empreendimento para a
classe média baixa, com unidades de R$ 50 mil, financiadas
pela Caixa Econômica, e desenvolve outros projetos
semelhantes no bairro. Para o Recreio, entretanto, a
construtora vislumbra um outro perfil de investimento.
- O Recreio se parece
com o Jardim Oceânico e exige empreendimentos com
sofisticação como o Nova Barra, totalmente inspirado nos
condomínios do bairro vizinho. Os preços no Recreio, no
entanto, ainda estão entre 10% e 15% mais baratos do que o
da Barra - diz Cláudio Fortes, presidente da construtora.
Marcos Levy, diretor de
incorporações da Brascan, diz que o preço dos terrenos na
Barra estão proibitivos para empreendimentos de casas:
- E hoje a grande
demanda a região é por casas. Por isso, o interesse
crescente, principalmente de jovens casais, entre 25 e 30
anos, por empreendimentos em Recreio, Vargem Grande e Vargem
Pequena. Essas famílias estão crescendo e precisando de mais
espaço. Nesses bairros, os preços são mais acessíveis e há
boa qualidade de vida - diz Levy.
Com forte atuação em
Botafogo, Laranjeiras e Flamengo, a Construtora Brunet
também está investindo firme na região. Em abril, lança um
condomínio de casas no Recreio, de quatro a cinco quartos,
com valores que variam entre R$ 350 mil e R$ 460 mil, além
de 120 unidades de dois quartos, em Jacarepaguá, com preços
até R$ 60 mil, financiados pela Caixa Econômica.
- Estamos estudando
condomínio de casas de R$ 250 mil, em Jacarepaguá. Ainda no
bairro, estamos à procura de um terreno para construção de
prédios, com 280 unidades ao todo, entre R$ 90 mil e R$ 95
mil - diz Edgar Meira Filho, gerente comercial da Brunet.
Meira Filho está
investindo ainda na Vila Valqueire, onde vai lançar unidades
de sala, dois quartos e mais um reversível, com preços entre
R$ 90 mil e R$ 110 mil. A Ecia também aposta no bairro:
inicia este mês a construção de dois prédios, com
apartamentos de dois quartos.
- Vila Valqueire hoje é
como Jacarepaguá era há dez anos. No bairro, teremos a
terceira onda de crescimento residencial de toda aquela
região - avalia a arquiteta Mônica Bittar, da Ecia. |
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Retrato dos Municípios Brasileiros |
Jornal O
globo, O País, quarta-feira, 18 de abril de 2001
O Brasil visto por suas
cidades
Pesquisa inédita do IBGE
mostra que maioria dos municípios tem menos de 20mil
moradores e sofre com falta de infra-estrutura
A distribuição da
população, ainda mais desigual que a divisão de renda, fez
do Brasil um lugar onde as ofertas de lazer, cultura e
serviços públicos que garantem direitos do cidadão
praticamente inexistam em 75% dos 5.506 municípios do país.
Pesquisa inédita feita pelo IBGE, com base em informações
fornecidas pelas prefeituras, revela que apenas 0,4% desses
municípios que concentram 33,9 milhões de pessoas tem
delegacias ou núcleos para o atendimento de mulheres.
Somente 5% contam com comissões de proteção ao consumidor.
Em 98% dos municípios cuja população não ultrapassa 20 mil
habitantes não há uma única sala de cinema.
No outro extremo, os
municípios mais populosos dispõem de todos esses serviços,
mas sofrem mais com a favelização. As favelas estão
presentes em todos os 26 municípios com mais de 500 mil
habitantes e em apenas 20% daqueles que têm até 20 mil
moradoress. No total, 28% dos municípios brasileiros têm
favelas e 10% registram a presença de cortiços.
- Há uma grande
concentração da população em poucos municípios, muito maior
do que a renda, gerando grandes distorções. No Brasil, o
índice Gini, em relação à distribuição de renda, é de 0,57.
No que se refere à concentração da população é 0,69. Quanto
maior esse índice, pior a distribuição populacional - disse
o cientista político do IBGE Antônio Carlos Alkimin, um dos
responsáveis pela elaboração da inédita publicação "Perfil
dos Municípios Brasileiros".
Uma outra conclusão do
estudo é a de que os 1.307 municípios criados a partir da
Constituição de 1988 (23% do total) sofrem mais com a falta
de infra-estrutura e oferta de serviços. Até mesmo a Lei
Orgânica, legislação básica municipal e obrigatória desde a
aprovação da Constituição, inexiste em 12% desses novos
municípios.
Com pouco mais de quatro
anos de existência, o município de Tanguá, a 90 quilômetros
do Rio, reflete essa situação. Apesar dos esforços de seus
administradores para a criação de infraestrutura, a cidade
já nasceu na condição de terceiro lugar mais pobre do Rio.
A diretora de Pesquisas do IBGE, Martha Meyer, explicou
que os dados do perfil foram coletados em 1999. A partir de
agora, ressaltou, a publicação será anual, com dados
atualizados.
Um
continente de habitações irregulares num só país
Carter Anderson, LetíciaLins e Débora Ribeiro
RIO, RECIFE e SÃO PAULO.
A pesquisa do IBGE revela que, apesar dos esforços
municipais, ainda há muito o que fazer para resolver o
problema habitacional. Segundo as prefeituras, há
loteamentos irregulares em 46% dos municípios. Quase metade
dessas prefeituras (49%) sequer cadastraram esses
loteamentos. Nos 1.540 municípios com favelas, o problema é
semelhante: 47% também não cadastraram os moradores.
Os pesquisadores
consideraram expressivo o número de prefeituras (67%) que
desenvolvem programas habitacionais, mas apenas 9% dos
prefeitos se preocuparam em regularizar os loteamentos. A
providência mais comum é a construção de habitações,
iniciativa tomada em 53%, que beneficiaram 340 mil famílias,
informou o IBGE.
São os grandes centros
urbanos os que mais sofrem: a favelização é comum aos 11
maiores, onde vivem 29 milhões de habitantes. Recife, por
exemplo, tem 500 favelas e déficit de 200 mil unidades,
segundo a prefeitura. Cerca de 600 mil pessoas (50% da
população) residem em habitações precárias, em morros ou
alagados, normalmente às margens do Rio Capibaribe ou de
canais.
Em palafitas com paredes
de madeira e telhados de papelão ou zinco, e cômodos que
muitas vezes são invadidos pelas águas da maré alta, moram
aqueles que o poeta João Cabral de Melo Neto chamou de
homens-caranguejos, pois vivem com os pés na lama. É o que
ocorre na Favela dos Coelhos, no Centro. Nos morros, a
situação também preocupa. Segundo a prefeitura, há 10.500
áreas de risco. São casas que podem não resistir a uma
chuva.
- Em Recife, há favelas
onde não há sequer condições de fazer a limpeza pública -
explica a secretária de Planejamento,Tânia Bacelar.
Segundo Tânia, antigas
favelas viraram bairros pobres, como o de Brasília Teimosa.
- As mais novas são as
mais problemáticas, porque precisam de investimento, mas
foram erguidas em lugares não edificantes. Nessas, as
pessoas fizeram palafitas até dentro de canais. São famílias
que precisam ser remanejadas.
Os números não chegam a
surpreender porque 50% da população recebe até dois
salários-mínimos. Segundo a prefeitura, 80% das áreas de
baixa renda são formadas por favelas
Favelas como a Abençoada
por Deus, onde moram José Severino Filho e a mulher,
Edileusa de Lima Severino. Com aposentadoria de R$ 210 e
responsável pelo sustento de dois filhos ainda em casa,
invadiu uma área do bairro da Torre, próxima ao Rio
Capibaribe. Sua casa tem telhas de amianto e madeira que
recolheu no lixo e em demolições. Não há esgoto, saneamento,
água e energia. O banheiro leva os dejetos para o chão e
água e energia são clandestinamente puxados da rua.
São Paulo cresceu
desordenadamente e vive um caos por falta de política de
planejamento urbano. Cerca de dois milhões de pessoas moram
nas 612 favelas. Mais 600 mil dividem um espaço exíguo nos
8.744 cortiços, sobretudo no Centro. Nos 4.600 loteamentos
irregulares, 2,5 milhões de moradores vivem sob a ameaça
constante do despejo. Os números são da Secretaria de
Habitação e da Central dos Movimentos Populares (CMP).
- Falar que é o caos é
pouco. São Paulo está à beira de um colapso. É isso que vai
acontecer se nada for feito, se o estado e o município não
apresentarem políticas efetivas. Medidas tímidas não
adiantam, porque a demanda é gigantesca. Já está tudo
superlotado. Replanejar a cidade é um dos grandes desafios -
disse o diretor da CMP, José Albino de Melo.
Segundo ele, a atual
administração petista faz "um esforço enorme" para organizar
um cadastro de favelas, cortiços e loteamentos clandestinos.
- A prefeitura está
tentando ter um dado real sobre a situação nessas áreas, até
para tentar fazer frente ao problema. Vamos ver o que vai
dar - disse.
Cerca de 25 prédios
públicos no Centro estão ocupados por famílias, que chegam a
dividir, em alguns casos, um mesmo quarto. As ocupações
promovidas pela CMP reúnem sem-teto que vivem nas ruas e
famílias que não suportaram pagar aluguel. Uma vez
instalados, em instalações precárias, dividem-se em turnos
na vigilância para evitar a entrada de estranhos e,
sobretudo, a ação da polícia.
Segurança e cidadania:
divisores de águas entre grandes e pequenos
RIO, JEQUIÁ (AL) e
ARARICÁ (RS) Os serviços públicos de segurança e de defesa
da cidadania são um divisor de águas entre os grandes e os
pequenos municípios brasileiros. As delegacias e núcleos de
atendimento a mulher, que começaram a ser criadas no Brasil
na década de 80, existem em 6% dos municípios, mas podem ser
encontradas em 85% dos municípios com população entre 200 e
500 mil habitantes e em todos aqueles com mais de meio
milhão de moradores. Entre os menos populosos (até 20 mil
habitantes), só 0,4% dispõe desse serviço.
- Esse é um problema
sério. Basta lembrar que os maiores indicadores de violência
contra a mulher no Estado do Rio são registrados no
interior, justamente nos municípios com menor população -
diz o cientista político do IBGE Antônio Carlos Alkimin.
Os habitantes das
cidades menos populosas também não têm como resolver
rapidamente seus pequenos conflitos, revela o estudo do
IBGE. Os juizados de pequenas causas, cuja existência é
registrada em pelo menos 90% dos municípios acima de cem mil
habitantes, só podem ser encontrados em 16% daqueles com até
dez mil moradores.
Já o perfil de
implantação das guardas municipais, existentes em 18% dos
municípios brasileiros, intrigou os pesquisadores. Na Região
Nordeste, 30,8% dos municípios montaram suas guardas, o
dobro do índice registrado na Região Sudeste (15,6%). A
Bahia, segundo Alkimin, é um caso à parte: lá 242 dos 415
municípios dispõem de uma guarda própria.
Nos municípios criados
desde a Constituição de 1988, como Araricá, no Vale dos
Sinos (RS), a presença do poder público é ainda mais
rarefeita. Com cinco mil moradores, o município, emancipado
há seis anos, não tem cinema, delegacia de mulheres, juizado
de pequenas causas, favelas e guarda municipais.
A milhares de
quilômetros de Araricá, em Jequiá da Praia, no litoral norte
de Alagoas, a situação é semelhante: não há guarda
municipal, muito menos outros equipamentos básicos para
garantir a segurança dos seus 12 mil habitantes. A primeira
eleição em Jequiá aconteceu este ano e a primeira prefeita
eleita, Rosa Jatobá Linha (PSDB) tem dois objetivos que
pretende realizar este ano.
- Quero comprar uma
ambulância e uma viatura policial para a nossa comunidade.
Jequiá não tem delegacia
policial. Numa casa antiga, trabalha o efetivo da cidade:
seis PMs. Com a falta de ambulância, a prefeita ajuda os
enfermos com um carro particular.
Sem atividade econômica
relevante, municípios como Jequiá são exemplos daqueles
criados desde 1988, com o objetivo primordial de abocanhar
uma parcela do Fundo de Participação dos Municípios (FPP),
segundo Alkimin.
Segundo o IBGE, municípios recém-criados têm uma média de
40% de vias urbanas pavimentadas, abaixo do índice nacional
(60%), outro sintoma de sua falta de infra-estrutura.
Em Alfredo Wagner, êxodo
de 15,6%
FLORIANÓPOLIS. Situada
entre a Serra do Mar e o Planalto catarinense, a cidade de
Alfredo Wagner detém um título emblemático no Brasil atual.
É o município em que houve maior êxodo rural no estado que
lidera o ranking de movimentação de pessoas do campo para as
cidades. Conforme dados do último censo, o êxodo do campo
aumentou 15,6% entre os alfredenses, enquanto o índice geral
chegou a 13,13% em Santa Catarina. A situação foge ao
normal, porque 65% da população de 8.824 habitantes vivem em
42 comunidades rurais. Há dez anos, a população chegava a
9.187 moradores.
Com a economia voltada
para a agricultura, principalmente para as culturas da
cebola e do fumo, o município, a 120 km de Florianópolis,
tem uma vida pacata na qual nem os telefones interferem. Os
celulares simplesmente não funcionam na cidade. As antenas
das operadoras estão a quilômetros da cidade, em alguns
pontos da BR-282, a rodovia que liga a capital a Lages.
Meia dúzia de ruas forma
o núcleo urbano do município, todas calçadas e limpas.
Para o prefeito Sérgio
Blasi Silvestri (PPB), a situação só não está pior porque
este ano o preço da cebola está bom. Dos R$ 210 mil mensais
que o município arrecada em média, 51% estão comprometidos
com a folha de pessoal, 25% com educação e 9% em saúde. O
que sobra, segundo ele, mal dá para manter os dois mil
quilômetros de estradas vicinais.
"Quando nasci a cidade
se chamava Nova Palmeira. Depois virou Vila João Correa e em
1943, voltou a ser Nova Palmeira. Em 1945 passou a ser
definitivamente Araricá. Com um nome ou outro, sempre foi um
lugar sossegado", relembra.
Agitação no passado só
ocorreu no início do século XX, no episódio dos Muckers,
grupo de fanáticos religiosos alemães, que atuavam na área
de colonização alemã e praticavam táticas de guerrilha,
levando medo e insegurança à região. "Quando eles desciam os
morros, roubando e matando, meu pai contava que tinha que
esconder seus porcos e galinhas, nas despensas dentro de
casa, senão eles levavam tudo, Eram eles e os farrapas que
aterrorizam todo mundo", diz Wally carregando no sotaque
alemão.
O soldado da Brigada
Militar, Roberto Claudenir Costa, lotado no destacamento de
seis militares que servem na cidade, confirma a fama de
sossego de Araricá. "O registro policial mais freqüente é de
furto e de pequenas ocorrências como brigas domésticas.
Assalto a mão armada e outras violências comuns a centros
maiores, raramente acontecem. Nos quatro meses que estou na
cidade, nunca houve. Homicídio então, nunca ouvi falar. E
sou daqui da região, essas informações circulam", afirma o
soldado.
Assim, o trabalho mais comum da Brigada Militar é de
controlar o tráfego de veículos na principal rua da cidade,
a única pavimentada com asfalto. " A gente fica atento nos
guris e suas bicicletas. Há muitas na cidade e embora não
haja registro de atropelamentos e acidentes de carro, nós
temos que ficar de olho", conta Costa.
Poucos cinemas, teatros,
museus e livrarias, os males do Brasil são
Arnaldo Bloch
"Muita saúva e pouca
saúde, os males do Brasil são" - era o bordão de Macunaíma,
o herói sem caráter de Mário de Andrade. Se vivo estivesse,
e desse uma olhada na pesquisa Perfil dos Municípios, do
IBGE, o escritor talvez pensasse numa palavra que rimasse
com "pouca cultura", sob o risco de ver Macunaíma (o livro,
a peça, o filme e o samba-enredo) engolidos pelas saúvas da
ignorância. Afinal, revela o IBGE, dos 5.506 municípios
brasileiros, 93% não têm sequer uma sala de cinema;
aproximadamente 85% não têm museus ou teatros; não existem
livrarias nem lojas de CDs e fitas em 65%; um quarto deles
não têm bibliotecas; e 69% têm apenas uma, pública, isso sem
que se esclareça em que estado estão os acervos. Por outro
lado, o Brasil, oitavo maior mercado editorial do mundo, tem
livrarias em apenas 35% dos municípios e, como se sabe, o
que aparece nas vitrines pouco tem a ver com a informação e
a formação do cidadão.
- O problema no Brasil é
que falta demanda. Se o brasileiro fosse viciado em livro
como é em remédio, teríamos uma livraria para cada farmácia.
Talvez com o maior acesso da criança ao ensino fundamental,
tenhamos em alguns anos um quadro melhor - opina o
presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL), Raul
Wasserman.
A posição de lanterninha
das salas de cinema, entretanto, é o dado mais gritante da
pesquisa, até porque é paralela ao crescimento da produção
audiovisual nos últimos anos, associada à chamada retomada
dessa indústria.
- O custo de construção
de uma sala é do exibidor, que prefere áreas de maior poder
aquisitivo. E o Banco do Brasil, agente financeiro do
projeto "Mais Cinema", do Governo federal, não aprova nada.
Falta visão e vontade política. Com isso, uma geração de
brasileiros cresce sem ter o cinema como opção de lazer -
ataca Ugo Sorrentino, presidente da Federação Nacional dos
Exibidores de Cinema (Fenec).
O executivo chama a
atenção para o fato de o público alvo dos Multiplex -
circuitos que vêm substituindo as salas antigas - ficar
superexposto ao cinema americano. O que, segundo ele, faz da
questão um problema social e político.
Dados externos à
pesquisa do IBGE revelam que aproximadamente 32 milhões de
brasileiros jamais entraram num cinema, por razões
geográficas ou orçamentárias. E que o universo de
espectadores hoje não supera os 8 milhões. No ano passado,
67 milhões de ingressos foram vendidos. Na década de 80 este
número ultrapassava os 100 milhões. Por outro lado, o
crescimento das salas de cinema de arte é um alento, ao
menos nos centros urbanos: na década de oitenta, no Rio,
eram menos de cinco; hoje chegam a 29, sem contar as que
proliferam em São Paulo.
- Em Paris, são 49. Quer
dizer, neste particular não estamos tão mal assim. As pontas
estão se ligando, estes dois extremos devem sobreviver, mas
as salas individuais perderam a disputa com as outras mídias
- acrescenta o pesquisador Paulo Sérgio de Almeida, amparado
pelos dados do IBGE, que mostram 65% dos municípios
possuindo pelo menos uma locadora de vídeo.
- O crescimento das
videolocadoras não é um fato negativo. Ao menos, mais
pessoas têm acesso ao produto audiovisual - comenta o
secretário de Audiovisual do Ministério da Cultura, José
Álvaro Moysés. - O índice de uma sala para 100 mil
espectadores, entretanto, é deplorável. Nos EUA, há uma sala
para cada cinco mil. - acrescenta Moysés.
O crescimento do número
de espectadores do cinema nacional - de 1,3 milhão em 1995
para 7,5 milhões em 2000 - é apontado pelo secretário como
contraponto, ao mesmo tempo que ele lembra de fatores como a
deterioração econômica e a política cultural dos anos
Collor.
- O cinema nacional
ganha prestígio, e produções como "Central do Brasil", "Eu
tu eles", "Orfeu" e "O auto da compadecida" mostram esta
nova vitalidade. No dia 25 de abril, o grupo executivo
instituído pelo presidente FH para estudar os desafios da
indústria cinematográfica vai apresentar os primeiros
resultados. - diz o secretário.
Autor de uma tese sobre
a história dos teatros no Brasil, o cenógrafo José Dias
observa com preocupação, por sua vez, a situação das salas
de espetáculos no país.
- A região Sul é
privilegiada em termos de teatro, enquanto no resto do país
o panorama é bastante precário. No Rio, o número de salas de
teatro vem aumentando, mas elas estão se concentrando em
locais inadequados como shoppings-centers, e sendo alugadas
para fins outros, como cultos religiosos.
Ao analisar as
principais vertentes da pesquisa, a recém-empossada
secretária de cultura do Estado do Rio, Helena Severo,
procurou apontar alternativas, sob a ótica de sua plataforma
de projetos:
- Nem todo município tem
que ter um museu se não há acervo. Quanto aos cinemas, em
maio o Estado anunciará o Fundo Estadual de Incentivo,
destinando R$ 12 milhões para produção, exibição e
construção e reforma de salas. Mas no que se refere aos
teatros, parece-me que a questão está na formação de
público. É caro? Certo, mas as pessoas às vezes preferem
gastar R$ 20 com uma bobagem a ir a um espetáculo. Os
centros integrados de cultura que estão sendo planejados
parecem ser uma boa solução. São polivalentes e ampliam a
oferta do produto cultural, aproximando-o das comunidades. |
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Topo TÓPICO 13
Arquitetura dos excluídos |
Revista
ISTO É, 17 de fevereiro de 1999
H A B I T A Ç Ã O
Moradores de rua buscam alternativas diante dos
obstáculos criados nas cidades que os impedem de se abrigar
em espaços públicos
LUÍSA ALCALDE
Fotos:
MANOEL MARQUES -
Infográfico: JOCA/ALFER |
|
HOMEM-TATU
Sebastião Barbosa é paraplégico e escavou sua casa
embaixo da banca em que trabalha
QUARTO-E-SALA
No túnel de cinco metros não há janelas, mas o piso é
recoberto por ladrilhos
ESCADA
Um alçapão dá acesso aos três cômodos. Ele tem que se
arrastar pelos degraus |
A doméstica desempregada
Elizabeth Aparecida Ferreira fez do espaço público sua
morada. Aos 46 anos, ela nunca teve uma casa e acaba de ser
despejada do viaduto em que se abrigava, em São Paulo. O
paulista Sebastião Barbosa dormiu muito ao relento antes de
conseguir cavar e transformar um buraco em residência. As
portas que já se fechavam para essas pessoas estão ainda
mais cerradas desde que nas grandes cidades pontes começaram
a ser protegidas por grades, marquises excluídas de projetos
arquitetônicos, obstáculos pontiagudos instalados em
fachadas, potentes holofotes colocados em prédios para
impedir que qualquer ser humano pegue no sono, enfim tudo
para evitar que moradores de rua façam desses locais um
teto, mesmo que provisório. Denominado por urbanistas como
"arquitetura dos excluídos", esse "movimento" ganha destaque
na paisagem metropolitana a cada dia. Sem que se apresentem
alternativas de habitação, esse arsenal de defesa do
patrimônio serve para empurrar para bem longe de pontos
turísticos e do centro um contingente formado só em São
Paulo por 5.334 pessoas, segundo a defasada contagem da
Secretaria Municipal de Bem-Estar Social, de 1997. "Essas
intervenções não são para expulsá-los, mas para preservar o
espaço público e privado dos vândalos. O problema é que os
moradores de rua vão juntos nesse roldão", diz o secretário
da pasta, Deniz Ferreira Ribeiro.
Foto:
ALAN RODRIGUES |
|
Edno
Santos vive numa árvore em Brasília: "Deus é o dono da
natureza, então eu posso morar aqui" |
Essa "cidade" que cresce
à margem da cidade formal se torna mais evidente porque o
desemprego e a crise econômica ajudam a despejar mais
miseráveis nas calçadas. "Com o desemprego o perfil mudou.
Agora são jovens, mulheres e famílias inteiras na rua",
alerta o vigário do movimento do Povo da Rua, Júlio
Lancelotti. Nos últimos três meses a procura por albergues
cresceu 80%, segundo dados da Pastoral da Rua. Há menos de
um ano a Comunidade São Martinho de Lima, na qual o padre
trabalha, atendia 150 pessoas diariamente. De dezembro para
cá esse número passou para 400. "Não bastam albergues. É
urgente uma política pública para essa área", diz
Lancelotti. No Rio de Janeiro, não há nenhuma estatística
sobre a população de rua, mas uma das preocupações do
prefeito Luís Paulo Conde é desocupar os espaços urbanos.
"Rua não é lugar de moradia", costuma dizer. Em sua gestão,
nove viadutos foram desocupados e devidamente gradeados.
Paredes invisíveis Mesmo
que a segregação seja resultado muitas vezes de uma política
de preservação do patrimônio, a paulista Elizabeth Aparecida
e seus companheiros sabem que cercar o viaduto em que vivem
foi uma solução velada para afastá-los de uma das regiões
mais nobres da cidade, o Ibirapuera. A grade desmontou a
"casa" imaginária de três cômodos com muros invisíveis,
"cozinha" equipada com fogão e armários, "sala" com sofás e
"quarto" com colchões. Fiscais da Prefeitura levaram tudo.
"Perdi as contas de quantas vezes isso aconteceu, mas daqui
não saio", afirma. Os obstáculos à ocupação clandestina não
se limitam às barreiras de ferro. Em São Paulo onde a
iniciativa privada encampou um projeto de revitalização do
Centro, o chão de fachadas comerciais e bancárias se
transformou em camas de faquir e prédios antigos são
iluminados evitando a depredação, mas, ao mesmo tempo, como
ficam acesos à noite, impedem que mendigos se acolham. Na
estação de metrô Parada Inglesa, os paralelepípedos foram
assentados em pé sob o viaduto. Alguns prédios recorrem a
chuveirinhos de água, mecanismos contra incêndio, que jorram
das marquises à menor presença de moradores de rua.
Fotos:
FELIPE GOIFMAN |
|
A
família Paiva descobriu que a pequena porta num elevado
no Rio escondia uma área de 75 m2 |
"Essa profilaxia urbana
é um reflexo mundial e não acontece apenas no Brasil",
afirma Maria Cecília Loschiavo dos Santos, pesquisadora da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Em Nova York,
lembra ela, a operação tolerância zero também tirou os
mendigos de pontos turísticos. Para Oscar Niemeyer, que hoje
vê o Plano Piloto em Brasília ser engolido pela miséria das
cidades satélites, a arquitetura deveria evoluir em função
da técnica e do progresso social. "Está tudo muito ruim.
Teríamos que ser mais humanos. Para retirar os sem-teto das
ruas, é preciso oferecer um lugar a eles. Por que querem
esconder o Brasil?"
Mesmo com todas as
adversidades os moradores de rua encontram maneiras de
resistir à exclusão social. Para Sebastião Barbosa, alçapão
é porta e porta é janela. Paraplégico sem ter onde se
abrigar, escavou durante quatro anos um túnel de cinco
metros de profundidade por três de largura embaixo de sua
modesta banca em que vende gibis usados. O "homem-tatu",
como é conhecido em Sapopemba, bairro da zona leste de São
Paulo, caprichou no acabamento. Colocou lajotas, rebocou as
paredes, fez uma laje, conseguiu instalações clandestinas de
água e luz e equipou a casa com televisão, ventiladores e
chuveiro. Tem dois colchões extras. "É para quando minhas
filhas vierem me visitar", diz. Ele continua escavando, quer
mais um cômodo.
Em Brasília, a dois
quilômetros do Congresso Nacional, próximo ao eixo
Monumental, o eletricista Edno Silva Santos construiu sua
casa numa paineira. Migrante de Porto Seguro que buscava a
sorte no Paraná, ele cochilou na parada feita na capital e
perdeu o ônibus. Ficou desabrigado, com a mulher e a filha,
na época, com seis meses. Por isso, a solução foi morar numa
árvore. Montou o piso a 1,2 metro do chão, ao redor do
tronco, com três folhas de madeirite. As paredes são de
zinco e o teto de madeira. O acesso é feito por uma escada
elevadiça, presa por roldanas e cordas. O material de
construção foi garimpado nas ruas, enquanto ele recolhia
latinhas que vende para reciclagem. "Quando vim morar aqui,
pensei: quem é dono da natureza? Deus. Ora, eu sou filho de
Deus. Então posso morar aqui", explica ele, que já foi
expulso do local pelo governo do Distrito Federal, mas
voltou.
Fotos:
MANOEL MARQUES |
|
Com a
venda das casas de bonecas e de cachorros, a família
Jesus construiu até um playground sob o viaduto |
No Rio, Severino Gomes,
47 anos, improvisou um quarto na fenda de uma pedra, próximo
à pista de cooper Cláudio Coutinho. Morador de rua há 20
anos, ele acredita ter encontrado o lugar certo, já que
dispõe de vista para o mar e está cercado pela mata. Foi
também um vão que Geraldo Francisco de Paiva, a mulher,
Maria, e as duas filhas transformaram em moradia. O espaço
vazio fica debaixo do viaduto e entra-se nele através de uma
abertura retangular de um metro de altura, no elevado da
Perimetral, que liga a avenida Brasil ao Aterro do Flamengo.
Quem passa por ali imagina que a família espreme-se no
buraco. Nada disso. As estruturas da Perimetral escondem uma
área livre de 75 metros quadrados que eles souberam
aproveitar muito bem. Maria Dalva e o marido, José de Jesus,
fizeram de um terreno debaixo do viaduto da cadeia pública,
na marginal do rio Pinheiros, em São Paulo, uma espécie de
chácara. Em frente ao barraco de três cômodos, eles
construíram um playground para os sete filhos com direito a
um balanço e um carrossel. O antigo quartinho onde a família
toda dormia espremida hoje já virou um "closet". As
melhorias são resultado do dinheiro conseguido com a venda
das casinhas de cachorro e de bonecas que eles fazem na
serralheria que montaram ali mesmo.
Sobras da metrópole A
urbanista Suzana Pasternak, professora de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, que estuda há anos o
modo de vida dessa população com a ajuda da psicóloga social
Elaine Rabinovich, analisa essa ação "sanitária" das
administrações e dos comerciantes e as soluções dos
moradores de ruas como mais uma prova do aprofundamento do
abismo entre as classes. "Fazendo suas casas com as sobras
da cidade, eles mostram o lado dramático da apropriação
urbana evidenciando uma distância física cada vez menor
entre pobres e ricos numa distância social cada vez maior."
É como se a cidade fosse se autodigerindo. E esse processo
fere o olhar até dos mais insensíveis. Em um dos canteiros
da marginal Tietê, próximo à ponte da Casa Verde, a
reportagem de ISTOÉ encontrou um homem recolhido em um tubo
de esgoto coberto por um plástico preto. A improvisação, em
casos como esse, fica aquém da dignidade humana.
Colaboraram: Valéria
Propato (RJ) e Raquel Mello (DF) |
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Topo TÓPICO 14
Moradores
têm saudades das favelas |
Jornal do Brasil, Cidade,
domingo, 27 de maio de 2001
Antigos favelados que participaram de uma pesquisa há mais
de 30 anos dizem que viviam em um 'lugar tranqüilo'
ISRAEL TABAK
Quando, em 1968 e 1969, fez uma pesquisa sobre a vida nas
favelas do Rio, a cientista política americana Janice
Perlman ouvia um comentário freqüente: os favelados diziam
estar se sacrificando para que os filhos pudessem ter uma
vida melhor. O que aconteceu com o sonho de 32 anos atrás?
Uma pista é o depoimento recente dado à pesquisadora Joana
Wheeler numa das favelas estudadas por Janice: uma moça de
18 anos, revelou que estava apta, depois de muito esforço, a
fazer vestibular para medicina. Mas a família entrou em
pânico. Se um dia os traficantes soubessem que havia uma
médica na favela, poderiam obrigá-la a tratar em casa os
feridos do movimento. E a recusa, com certeza, significaria
risco de vida.
O aumento generalizado da violência, que chega a níveis
insuportáveis nas comunidades pobres, é uma das principais
queixas que a cientista política (também americana) Joana
Wheeler tem ouvido nas novas entrevistas com as mesmas
pessoas pesquisadas por Janice Perlman na década de 60.
Foram localizados cerca de 40% dos 750 entrevistados, ou
seus descendentes. O objetivo da nova pesquisa é simples:
saber o que aconteceu com os favelados: Melhoraram ou
pioraram de vida? Estão mais ou menos felizes?.
Os resultados obtidos com a primeira leva de entrevistados
já permitem algumas conclusões: mais de três décadas depois,
a grande maioria das famílias continua pobre como antes: a
mobilidade social foi diminuta e os salários permanecem
minguados. Mas também é verdade que elas vivem com mais
conforto -com serviços de que não dispunham na época- e o
interior das casas está mais rico: há um número maior de
aparelhos eletrodomésticos, entre outras comodidades.
Discriminados - As queixas? Eis algumas: além da violência,
os entrevistados continuam se sentindo excluídos,
discriminados, sem oportunidades, como antes. E os que
moravam em favelas removidas, como a Catacumba, na Lagoa,
são quase unânimes em lamentar uma perda: a do ambiente de
camaradagem e da intensa cooperação comunitária que garantem
ter existido no tempo dos barracos de madeira e zinco. E
mais sentida é essa lembrança quando se compara o passado
com a atual mistura, como os entrevistados chamam as novas
relações de vizinhança após a remoção da favela.
Nas conclusões do seu trabalho, que depois virou livro (O
mito da marginalidade) publicado no Brasil em 1977, Janice
Perlman critica a concepção de que os favelados constituem
populações marginalizadas, alienadas politicamente e com
tendência ao crime. Afirma, ao contrário, que eles são
socialmente organizados, economicamente produtivos e,
culturalmente, copiam as normas e valores da classe média.
Politicamente, não seriam nem alienados , nem radicais. ''A
pesquisa mostra que eles estavam inseridos na sociedade, mas
de forma assimétrica. Davam muito mais do que recebiam'',
complementa hoje Joana Wheeler. Ela integra a equipe de
Janice e está coordenando a nova etapa da pesquisa.
Melhorias - Em 1968 e 1969 foram ouvidos os moradores da
Catacumba, de Nova Brasília (Complexo da Maré) e das favelas
Vila Operária, Central e Mangue, em Caxias. Os
entrevistadores também ouviram habitantes de cinco bairros
operários, em Caxias. A nova pesquisa começou no início de
maio e deve estar concluída no fim de julho.
''Hoje muita gente, como os que foram removidos de favelas
para conjuntos populares, tem água encanada, esgoto,
construções mais sólidas. Há menos analfabetos. Mas muito
poucos realizaram o sonho de ver o filho cursando uma
universidade. E a maioria continua muito pobre'', observa
Joana, com base nos depoimentos já computados. Algumas
percepções dos entrevistados são curiosas. Como a de uma
moradora do conjunto Guaporé, em Brás de Pina (Leopoldina)
para onde foi removida parte dos moradores da Catacumba. Ela
ganha R$ 450 por mês e se considera ''de classe média. Tem
muita gente em situação muito pior do que a minha, sem
dinheiro para comer'', justificou-se para Joana.
A queixa sobre o aumento da violência é unânime. E a antiga
favela é vista como um lugar tranqüilo: ''Os entrevistados
se queixam que, muito ao contrário do que ocorria
antigamente, hoje vivem enfurnados dentro de casa, presos,
pois é arriscado sair à rua. Sob este aspecto, a qualidade
de vida piorou muito em relação ao período da pesquisa
original'', diz Joana Wheeler.
No tempo em que a 'patroa' subia o morro
Ninguém chegaria ao extremo de dizer que era boa a vida nas
antigas favelas da Zona Sul, removidas nos tempos do regime
militar. Mas quem reencontra, mais de 30 anos depois, alguns
dos antigos moradores da Catacumba, por exemplo, se
impressiona com o clima de nostalgia. A julgar pela maioria
dos relatos, a favela, a exemplo da letra do samba, ainda
mora no coração de quem foi obrigado a abandoná-la.
E é uma nostalgia que leva a extremos, como o das pessoas
que deixaram os conjuntos habitacionais para onde foram
removidas e engordaram outras favelas, como as do Piquiri ou
da Mangueirinha, em Brás de Pina. ''Não saio daqui por
dinheiro nenhum. Me sinto melhor e mais seguro na favela que
no asfalto'', brada Walter Cesário da Conceição, ex-morador
da Catacumba, que fez uma casa de alvenaria na Mangueirinha,
próximo ao conjunto do Quitungo, para onde havia sido
removido.
Não se pense que os antigos e agora novos favelados
desprezam as construções mais seguras com água encanada e
esgoto. A maioria que permanece nos conjuntos valoriza as
melhorias mas se queixa do resto: a localização (cotejada
com o antigo privilégio de morar de frente para a Lagoa) o
tamanho dos apartamentos (uma desculpa para passá-los
adiante e construir casas maiores nas favelas próximas) e o
transtorno que até hoje representa a mudança para lugares
muito distantes dos antigos empregos e patrões da Zona Sul.
''Na época da mudança isso aqui era um deserto. É como se a
gente saísse da cidade e fosse para a roça'', conta o
pedreiro José Clécio Rezende.
Retorno - ''Se fizessem um favela-bairro na Catacumba eu
voltaria para lá correndo'', afirma o agente de portaria
aposentado Ismael dos Santos, 62 anos, que hoje vive no
conjunto Guaporé, em Brás de Pina. Wilson Barros, 53 anos,
que foi jogador profissional do Madureira, concorda com o
vizinho: ''Não há quem não sinta saudades daquela época. Era
um lugar tranqüilo onde todo mundo se conhecia'', diz
Wilson, que começou a carreira de jogador no antigo campo às
margens da Lagoa.
O funcionário público aposentado Hélio Luís Martins, o Hélio
Grande, 73 anos, antigo líder comunitário, conseguiu
melhorar de vida, mora num pequeno apartamento na Glória,
mas está sempre visitando os velhos amigos: ''Naquele tempo
não havia grupos criminosos organizados, nem conflitos com
balas perdidas. E os poucos que faziam coisa errada não
mandavam no morro nem a gente dependia deles para nada''.
Os antigos favelados também se referem a relações familiares
com os patrões, quase todos moradores ou comerciantes dos
bairros mais chiques da Zona Sul. E eram empregos que
apareciam a toda hora, possibilitando uma renda familiar
crescente. Eunice Aparecida Rezende, 61 anos, conta o
episódio de uma patroa que foi à festa de casamento da
empregada, no alto do morro:
Cadillac na favela - ''Ela chegou de cadillac rabo de peixe,
deixou o carro em frente à favela e ficou a noite toda na
festa. Isso era comum. Não havia perigo''.
Se não havia conflito no morro, houve uma guerra que os
favelados não tinham como ganhar: a luta contra a remoção.
Nos tempos da ditadura, a antiga Coordenação de Interesse
Social da Área Metropolitana do Grande Rio (Chisam) foi
criada com um projeto ambicioso: acabar, até 1976, com todas
as favelas do Rio. A justificativa oficial era a
''recuperação econômica, moral, social e higiênica das
famílias faveladas''. Os urbanistas, no entanto, diziam que
os interesses imobiliários estavam por trás da retirada das
favelas, sobretudo nas áreas mais valorizadas.
Os tempos autoritários acabaram, a Chisam foi extinta e hoje
a acentuada favelização da cidade, incluindo áreas em que
este fenômeno era raro -como a Zona Oeste- se transformou
numa das principais dores de cabeça das autoridades.
Urbanista diz que problema se agravou
A favela está hoje ainda mais estigmatizada do que há 30
anos, na opinião do urbanista Luiz Cesar Queiroz Ribeiro,
coordenador do Observatório de Políticas Públicas e Gestão
Municipal, da UFRJ. Vista como um local de disseminação da
marginalidade e do crime, ''é cada vez menos aceita pelas
classes mais abastadas'', diz o especialista.
''Chega a ser dramático o descompromisso das elites com a
relação às medidas que a sociedade deve tomar para minorar o
problema'', afirma Luiz Cesar. ''A tendência é o isolamento,
com a formação de guetos protegidos, como é o caso dos
condomínios da Barra'', analisa. A verdade é que a antiga
cidade cordial está acabando. As relações das comunidades
próximas com a favela se deterioram a cada dia'', afirma
Luiz Cesar Queiroz Ribeiro.
O urbanista enumera alguns fatores que explicam o
alastramento das favelas. Além da disparidade de renda, que
permanece, como há 30 anos, outra causa seria a ''precarização
das relações de trabalho. O desemprego é alto e hoje há
menos empresários assinando carteiras. Estamos na época do
biscate, e é difícil fazer um projeto de vida nessas
circunstâncias''.
Terreno -''Antigamente, se alguém quisesse sair da favela,
comprava um pequeno terreno em suaves prestações na Baixada
Fluminense. Mas isso pressupunha empregos estáveis''. Outro
fator é que as tarifas de ônibus estão crescendo em
proporção bem maior que os salários - acentua o urbanista.
Isso também contribui, segundo ele, para que os pobres
abandonem o antigo projeto de ''comprar um terreninho'' e
invadam áreas um pouco mais próximas, formando novas
favelas.
E morar em favela da Zona Sul já não é para qualquer um:
''Pesquisas mostram que quem está nesses locais tem renda
familiar em média 20% maior do que em outras áreas''.
Conseguir uma moradia nessa região privilegiada ficou caro,
o que também explica o surgimento de novas aglomerações em
áreas mais distantes''. |
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Topo TÓPICO 15
Cidade
incha pelas favelas |
Jornal O
Globo, Rio, terça-feira, 29 de maio de 2001
Selma Schmidt
Um estudo feito pela Diretoria de Informações Geográficas do
Instituto Pereira Passos (IPP), a partir de dados do IBGE,
soou como um alerta para o secretário municipal de
Urbanismo, Alfredo Sirkis. Os técnicos do IPP constataram
uma mudança de tendência no crescimento da população do Rio:
a quantidade de habitantes da cidade aumentou quatro vezes
na segunda metade dos anos 90, em relação ao início da
década. Enquanto entre 1991 e 1996 a população cresceu 1,3%
(de 5,48 milhões para 5,55 milhões, o que significa uma
média anual de 0,26%), de 1996 a 2000 o aumento disparou
para 5,36%, ou 1,31% ao ano. Com a confirmação dos dados do
Censo 2000, que estão sendo checados pelo IBGE, a partir de
1996 o município terá ganhado 300 mil novos moradores, o
equivalente à população total de Petrópolis.
Embora as informações oficiais sobre migração entre 1996 e
2000 só vão estar disponíveis em 2002, o secretário de
Urbanismo, o diretor de Informações Geográficas do IPP,
Paulo Bastos Cezar, e a coordenadora do Comitê do Censo
2000, Alícia Bercovich, encontram nesse fenômeno a hipótese
mais provável para a mudança do perfil de crescimento da
cidade. E eles vão mais longe: creditam o aumento à expansão
de favelas, especialmente as da Baixada de Jacarepaguá, e de
loteamentos irregulares, sobretudo em bairros periféricos da
Zona Oeste.
— Além da migração, especialmente da Baixada
Fluminense, acho que pode ter ocorrido o que chamamos de
baby boom do Plano Real. Ou seja, nessas áreas mais
carentes, as pessoas passaram a ter mais mais filhos
motivadas pela estabilidade da moeda — especula Bastos
Cezar.
Itanhangá inchou mais: 95,84%
Dos 300 mil moradores que a cidade ganhou entre 1996 e 2000,
mais da metade (163 mil) está na Zona Oeste. Um terço do
crescimento total do Rio (105 mil habitantes) ocorreu em
bairros das regiões administrativas de Barra e Jacarepaguá.
Mas foi o Itanhangá o lugar com o maior percentual de
aumento da população, pulando de 11 mil para 21 mil
habitantes (mais 95,84%).
— O que cresceu no Itanhangá foram as favelas, que
ficam cada vez mais inchadas. Pessoas de mão-de-obra não
qualificada se instalam em favelas do Itanhangá (Muzema,
Cambalacho e Tijuquinha, entre outras), estimuladas pela
proximidade da Barra, onde encontram mercado de trabalho —
explica Marco Antônio Candelot, presidente da Associação de
Moradores do Itanhangá.
Bastos Cezar lembra que, desde a década de 60, o percentual
de crescimento da população do Rio vinha diminuindo. Segundo
ele, a mudança de perfil também ocorreu em outras capitais
como São Paulo (de 0,40% ao ano entre 1991 e 1996 e 1,41% ao
ano entre 1996 e 2000) e Belo Horizonte (de 0,70% ao ano
entre 1991 e 1996 e 1,65% ao ano entre 1996 e 2000).
Cosme Velho perde 1/3 de moradores
Nas últimas décadas, Barra, Jacarepaguá e o restante da Zona
Oeste têm liderado o ranking dos bairros com maior aumento
populacional. Na segunda metade da década passada, no
entanto, o crescimento dessas áreas foi tanto (de 18,2% na
Barra e em Jacarepaguá e de 11,7%, na Zona Oeste) que
alterou a tendência da cidade. Em termos percentuais, outros
campeões de crescimento populacional são o Recreio dos
Bandeirantes (84%) e Vargem Pequena (77%). Em Jacarepaguá,
onde está localizada a Favela de Rio das Pedras, o
crescimento foi de 32,53%.
No período 1996/2000, quase todos os bairros da Zona Sul, o
Alto da Boa Vista, o Rio Comprido e o Centro seguiram a
tendência histórica de redução da população. Pelos dados
preliminares do IBGE, Cosme Velho foi o bairro que mais
perdeu população: um em cada três moradores deixou o lugar.
Sirkis e Bastos Cezar, porém, acreditam que essa redução (de
32,18%) pode estar superestimada.
— Moro no Cosme Velho e acho que o número de moradores
diminuiu, mas não em um terço — comenta Sirkis.
Copacabana tem 8.800 habitantes a menos do que tinha em 1996
(menos 5,7%). O Rio Comprido perdeu ainda mais: 15,1% ou
seis mil pessoas. O Alto da Boa Vista ficou 11,3% mais
vazio. Juntos, os bairros da Região Administrativa de
Botafogo (entre Urca e Glória) perderam 11.500 moradores, ou
seja 4,6% da população que tinham em 1996.
Outras 3.123 pessoas deixaram o Centro desde 1996 (menos
7,39% de habitantes). Segundo o estudo do IPP, a população
da RA da Lagoa só ficou estável (redução de 0,21%) por conta
do crescimento do Vidigal (23,72% a mais de 1996 a 2000).
No Leme, a população cresceu 6,12%, o que Sirkis atribui
sobretudo ao aumento do Morro Chapéu Mangueira. O secretário
estima ainda que o crescimento expressivo de Paquetá possa
se dever a favelas.
O IPP ainda não encontra explicação para a redução do número
de moradores da RA do Jacarezinho (menos 5,4%). Em
contrapartida, a Rocinha cresceu 23,53%, o Complexo da Maré
7,3% e o Complexo do Alemão 2,5%.
Pelos dados iniciais do IBGE, a região conhecida como AP-3
(de Ramos à Pavuna) voltou a crescer, em termos
demográficos, a partir de 1996. Só a Ilha do Governador
ganhou 12 mil habitantes (mais 6%). Outro núcleo de expansão
é a RA da Penha (cresceu 4,7%), sendo que mais da metade
desse aumento ocorreu nos bairros de Brás de Pina e Vigário
Geral. O IPP chama a atenção ainda para bairros de classe
média da AP-3, que tiveram queda da população. É o caso de
Lins de Vasconcelos, Sampaio, Vila da Penha e Vaz Lobo.
Secretário defende rigor urbanístico
Tamanho crescimento das favelas do Rio motiva o secretário
de Urbanismo a considerar a questão como um desafio a ser
enfrentado com urgência. Sirkis entende que são fundamentais
programas para conter a expansão das favelas e impedir que
continuem avançando sobre as áreas verdes.
— O problema tem de ser tratado com rigor urbanístico.
Mas é necessário o apoio das comunidades para se conter o
crescimento das favelas — diz Sirkis.
O secretário defende ainda a regularização fundiária e
programas de geração de emprego para as áreas faveladas:
— O projeto Favela-Bairro não pode apenas se limitar a
benfeitorias nos lugares onde é realizado. É preciso fazer
bem mais do que isso.
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Topo TÓPICO 16
Rio
ilegal tem mais de 1 milhão de habitantes |
Jornal O
Globo, domingo, 24 de junho de 2001
Rio ilegal tem mais de
um milhão de habitações
Alba Valéria Mendonça e Selma Schmidt
O Rio real está bem longe de ser um Rio legal. Segundo o
sociólogo Luiz Cesar Ribeiro, professor do Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ,
pelo menos metade das habitações construídas na cidade é
irregular. Seja porque os imóveis foram erguidos em terrenos
invadidos, como acontece com as favelas, seja porque não
foram cumpridas as normas urbanísticas, como o respeito ao
gabarito. Levando-se em consideração que o Censo 2000
contabilizou 2,1 milhões de residências no município, mais
de um milhão de habitações são irregulares.
O quadro pode ser ainda mais negro. As conclusões de Luiz
Cesar se respaldam em pesquisa na qual compara números
anuais de habite-se com os de novas ligações à rede da Light,
observando uma série histórica. O pesquisador, no entanto,
não leva em conta aqueles que duplicaram a cobertura ou
fizeram um “puxadinho” colado à casa licenciada, que não
precisam solicitar ligação elétrica.
No Recreio, o desrespeito à legislação urbanística é
flagrante. Numa área onde o gabarito é de dois pavimentos
mais cobertura, não são poucos aqueles que constroem mais um
andar. Criam uma cobertura dúplex, que muitos já conseguiram
regularizar com a chamada mais-valia — um mecanismo,
suspenso há cerca de dois anos, para legalizar obras
mediante pagamento.
Mesmo sem mais-valia, a construção de coberturas duplas não
parou no Recreio. A do administrador Jorge Ramos, na Rua
Mário Faustino, é uma exceção. Por força de uma liminar,
obtida pelo morador de um prédio vizinho, a obra está parada
desde março.
— Os terrenos no Recreio ficaram caros e não tem sentido
deixar de aproveitar o espaço. Até porque 90% dos prédios já
construídos têm a cobertura dupla — argumentou Ramos.
Além de discutir o assunto na Justiça, Ramos procurou o
Distrito de Licenciamento e Fiscalização da Secretaria de
Urbanismo no Recreio. E o feitiço virou contra o feiticeiro:
seu vizinho denunciante acabou notificado por ampliar sua
cobertura além do que foi pago na mais-valia.
Longe da Justiça e da fiscalização, o proprietário da
cobertura do prédio 165 tem mais sorte: sem serem
importunados, na sexta-feira operários trabalhavam na
conclusão do quarto andar do edifício.
Para tentar pôr ordem na casa, o secretário municipal de
Urbanismo, Alfredo Sirkis, decidiu incluir no pacote de
reforma urbanística que pretende enviar à Câmara dos
Vereadores, em agosto, dispositivos para ao mesmo tempo
regularizar e coibir as construções irregulares. Ele, no
entanto, quer excluir a orla do benefício e limitar a cinco
metros a altura passível de regularização.
O desestímulo às construções irregulares, segundo o
secretário, será o valor cobrado pela legalização, bem
superior ao da mais-valia. Sirkis quer fixar o valor para a
regularização entre 200% e 300% do preço de mercado do
imóvel para construtores e entre 75% e 150%, para
proprietários.
Para favelas e loteamentos, o valor cai. A idéia é os que
tiverem condições pagarem de 25% a 120% sobre o preço de
mercado. Os que comprovarem ser carentes poderiam trocar a
regularização da casa por prestação de serviços às
comunidades nas áreas de saneamento, reflorestamento, coleta
de lixo, urbanização, educação ou saúde.
No seu livro “Donos do Rio, em nome do rei”, a professora
Fania Fridman, coordenadora de pesquisas do Ippur, mostra
que grande parte das favelas do Rio foi erguida em áreas
públicas. É o caso dos morros São Carlos, Vidigal, Chapéu
Mangueira, Pavão-Pavãozinho e Alemão. Ordens religiosas são
donas, por exemplo, de terras invadidas no Morro do Catumbi
e na Vila Santo Amaro. Segundo a professora, na Rocinha há
terras do Banco do Brasil, da prefeitura, do DER e do
Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.
— Mas não podemos pensar que as ocupações de terras se
restringem às favelas — lembra a professora.
O procurador Marcelo Marques, responsável pela área de
patrimônio e desapropriações da Procuradoria Geral do
Município (PGM), conta que, entre as 189 ações judiciais
para desocupar áreas públicas, há algumas visando à retomada
de 20 terrenos às margens da Avenida Armando Lombardi. Na
área, destinada a um parque, existem casas, lojas, um
minimercado e dois templos evangélicos. Uma ação da PGM visa
desocupar logradouros do Mercado São Sebastião, explorados
como estacionamento. A Com decisão favorável para demolir 13
casas na Rua 2 W, no Recreio, a PGM aguarda a ordem de
desocupação para agir.
Para o professor Luiz Cesar, a situação das construções no
Rio se repete nas grande capitais brasileiras, sendo um
reflexo do problema habitacional do país. A saída, segundo
ele, não pode excluir uma política habitacional adequada:
— A maioria das pessoas acaba ficando à margem do mercado
imobiliário, já que os preços dos imóveis são altos —
conclui Luiz Cesar. |
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Topo TÓPICO 17
Favela já nasce com nome e associação de moradores |
Jornal do Brasil, Cidade,
terça-feira, 10 de julho de 2001
RENATA VICTAL
Fugindo da fome, Silma Maria Santos Silva, de 42 anos, saiu
do Maranhão em 1984 rumo ao Rio de Janeiro. Em 1996, uma
enchente levou o que tinha construído. Alugou um quarto por
R$ 180, mas ficou desempregada e teve que entregar o imóvel.
Ontem, com um serrote na mão, colocava de pé seu novo lar.
Silma e outras 5.000 pessoas ocuparam dois terrenos
particulares em Jacarepaguá, com quase 10.000 metros
quadrados cada. Chegaram à meia-noite com lonas, lençóis e
pedaços de madeira. Menos de seis horas depois, estava
criada a mais recente favela carioca. À frente da invasão
está Marco Aurélio França Moreira, o Marcão, mineiro, de 34
anos, que afirma contar com o apoio de pastores evangélicos
para manter o acampamento nos dois terrenos. Em
agradecimento ao Senhor, os moradores da nova favela se
reúnem duas vezes por dia para orar. Sempre acompanhado por
cinco homens, que ora diz serem seguranças, ora de uma
comissão de moradores, Marcão apresenta os barracos com
orgulho e um discurso de político: ''Todos aqui perderam
suas casas na enchente de 1996. Agora temos um pedaço de
chão.'' Declarando-se surpreso com a invasão, o dono dos
terrenos, o engenheiro Paulo Danilo Farina, vai pedir a
reintegração de posse à Justiça.
A ocupação dos terrenos seguiu uma ordem meticulosamente
planejada com oito meses de antecedência. A invasão começou
à meia-noite do último dia 21. Às 6h, cerca de 650 barracos
estavam de pé. Precariamente fincadas no chão com pedaços de
madeira e cobertas com plástico preto e lençóis, as
''construções'' chegam a abrigar famílias de até 11 pessoas.
As mais caprichadas têm telhas. Algumas têm pouco mais de
três metros quadrados, quase o tamanho de uma barraca de
camping para três pessoas. A nova favela já nasceu com nome
- Comunidade Novo Rio -, e com associação de moradores.
O presidente da associação, Marco Aurélio França Moreira,
mais conhecido como Marcão, também é uma espécie de líder
religioso dos invasores, que se reúnem diariamente às 8h e
às 18h para orar. Sempre que ele fala, a comunidade segue,
agradece ao Senhor e aplaude. Cercado por seguranças da
própria favela, Marcão mostra com orgulho e discurso de
político em época de eleição o resultado da invasão que
comandou: ''Todas estas pessoas perderam suas casas na
enchente de 1996. Eu mesmo cheguei a comer rato frito. Elas
moravam de favor na casa de parentes ou pagavam aluguel.
Esta área está largada há mais de 20 anos e acabou virando
um depósito de lixo. Limpamos tudo e construímos barracos.
Agora cada um aqui tem um pedaço de chão''.
Discurso - Foi Marcão quem descobriu, há oito meses, os
terrenos vazios ao lado da granja em que trabalha. De boca
em boca, recrutou as cerca de 650 famílias que, unidas,
ergueram a favela. Ontem, quase 30 homens trabalhavam sob
sol forte para construir uma creche. Tudo na Novo Rio
funciona em regime de mutirão. A cabeleireira Conceição
Aparecida Lourenço, de 43 anos, que se mudou com a família
de cinco pessoas para a favela, é uma das voluntárias.
Durante a semana ela trabalha no ''salão do seu Menezes'',
na Taquara, mas ontem, dia de folga, cortou gratuitamente o
cabelo de adultos e crianças da comunidade. ''Vou cortando
sem parar, é só sentar aqui que eu faço o serviço'', disse.
Na cozinha, o trabalho fica por conta de Vera Lúcia Macedo,
de 47 anos. ''Estou desempregada e por isso dou uma força
para o pessoal'', contou Vera, que mora com a filha e cinco
netos na favela. Ontem, o cardápio tinha peixe cozido,
ensopado de legumes, arroz e feijão. A comida foi
distribuída para a comunidade. Tudo obra de Marcão, que
disse ter conseguido os alimentos com a Ceasa. ''Graças ao
Senhor eles estão ajudando a gente. Pena que a comida que
temos só dá para hoje. Pela manhã tive que implorar para
conseguir 200 pães, mas valeu a pena'', contou.
Carteirinhas - O presidente da associação de moradores da
favela garante que antes da invasão, os terrenos,
localizados na Avenida Isabel Domingues, serviam como
depósito de lixo. ''Todos os comerciantes da redondeza
jogavam lixo aqui. Agora o terreno está limpo e todas as
famílias estão cadastradas'', disse Marcão que providenciou
carteirinhas com fotos 3 por 4 de cada um dos cinco mil
invasores. ''Quando a secretaria de Habitação vier aqui,
todas os moradores já estarão cadastrados, não vai ter
mutreta, nem como colocar parente de ninguém. Temos uma
ficha para cada pessoa''.
Enquanto martela mais um prego no pequeno barraco que está
construindo, a desempregada Silma Maria dos Santos Silva
conta que pretende abrigar naquele espaço exíguo os filhos
que ainda vivem no Nordeste. ''Eles estão passando fome e,
se Deus quiser, vou conseguir trazer os dois para perto de
mim''.
A ocupação passo-a-passo
PLANEJAMENTO: A organização da invasão, segundo Marco
Aurélio França Moreira, o Marcão, começou em novembro do ano
passado. Os dois terrenos, com dez mil metros quadrados
cada, ficam próximos à granja onde Marcão trabalha como
segurança.
COMISSÃO: Um grupo de moradores do bairro de Gardênia Azul,
em Jacarepaguá - de acordo com Marcão, todos eles
desabrigados pelas enchentes de 1996 - cria a associação que
vai promover a ocupação da área.
AÇÃO: Às 23h do dia 21 de junho, cinco mil pessoas se
reuniram em frente aos dois terrenos baldios na Avenida
Isabel Domingues, em Jacarepaguá.
MATERIAL: Cada família tinha que levar o material para a
construção do seu próprio barraco. Uns levaram só lona,
outros já chegaram com placas de madeira.
RAPIDEZ: À meia-noite começou a invasão. Seis horas depois,
650 barracos estavam de pé. Cada família construiu sua casa
como quis ou pôde. Alguns já levaram até móveis e
eletrodomésticos.
Seguranças e pastores
Líder diz ter ajuda de evangélicos e guarda-costas
Solteiro, 34 anos, Marco Aurélio França Moreira, o Marcão,
líder da favela Novo Rio, diz contar com o apoio de pastores
evangélicos para manter o acampamento nos dois terrenos.
''Não temos mais comida para amanhã (hoje), vou ter que
pedir aos comerciantes. Os pastores das igrejas evangélicas
do bairro estão divulgando as nossas dificuldades e pedindo
ajuda. Já recebemos muitas doações'', conta.
Segundo ele, três pastores moram no terreno recém-invadido.
''Eles fazem o culto e por isso não temos boca-de-fumo e
ninguém anda armado por aqui'', garante Marcão. Evangélico,
o mineiro que aos 14 anos veio ganhar a vida no Rio de
Janeiro, diz que trabalha à noite como segurança de uma
granja. De dia, a rotina que descreve consiste em bater de
porta em porta em busca de alimentos, roupas e remédios para
as cinco mil pessoas que estão sob seu comando.
Forte e alto, Marcão chama a atenção em meio às barracas.
Anda sempre acompanhado por cinco homens, a quem ora se
refere como uma comissão do acampamento, ora como ''meus
seguranças''. Como os demais, afirma ter perdido o barraco
que tinha na beira de um rio em Gardênia Azul, Jacarepaguá.
A idéia de invadir os terrenos, segundo ele, surgiu por não
poder mais pagar o aluguel de R$ 350. ''As pessoas perderam
tudo e foi ali que comecei a ajudar todo mundo. Consigo
falar com todos, até mesmo com as pessoas das comunidades
vizinhas. Sou bem conhecido'', afirma.
Paes exonera assessor
Em solidariedade aos invasores, o secretário da Diretoria de
Planejamento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente Mário
Esteves visitou ontem o terreno de Jacarepaguá. Como
político, ele prometeu emprestar um carro e até mesmo levar
material de construção para os que ainda têm barracos de
lona ou cobertos com plástico. Prometeu ainda montar hoje um
posto médico no local para atender as 500 crianças, que pela
proximidade com esgoto a céu aberto e péssimas condições de
higiene estão quase sempre doentes.
Irritado com as declarações de Mário, o secretário municipal
de Meio Ambiente, Eduardo Paes, exonerou no início da noite
de ontem o assessor. ''A prefeitura é contra a invasão.
Estamos tentando tirar aquelas pessoas de lá. Aquilo é um
absurdo, um escândalo. A exoneração do Mário vai estar
amanhã (hoje) no Diário Oficial'', disse o secretário que
completou: ''Aquela turma que invadiu o terreno é
profissional. São todos grileiros que se aproveitam de
pessoas carentes''.
Antes de saber que estaria fora do governo, Mário dizia que
ajudaria os invasores no que pudesse. ''A situação aqui é
irregular, mas já que é difícil remover essa gente, vamos
fazer de tudo para ajudar. Amanhã (hoje) vou dar uma solução
para aquelas crianças, dar um encaminhamento médico'', disse
ele que antes de ir embora levou consigo uma lista com as
principais reivindicações dos moradores. Apesar dos 10 mil
votos que teve nas últimas eleições, Mário Esteves não
conseguiu se eleger vereador pelo PMDB. Filiou-se então ao
PL, quando conseguiu o cargo na Secretaria municipal de Meio
Ambiente.
Proprietário - Os dois terrenos ocupados irregularmente na
Avenida Isabel Domingues, em Jacarepaguá, são de propriedade
do engenheiro Paulo Danilo Farina, de 63 anos. Ele foi
informado da ocupação irregular no fim de semana e, já na
segunda-feira, entrou na Justiça com uma ação de
reintegração de posse. ''Já vi isso acontecer mil vezes,
agora calhou de ser comigo'', lamentou.
O engenheiro preferiu não acionar a polícia para a retirada
das famílias do terreno. ''Não é com polícia que se resolve
esse tipo de coisa. Vou esperar por uma decisão do juiz'',
disse. Farina contou que comprou os dois terrenos - cada um
tem 10 mil metros quadrados - em 1976. ''Na época eu tinha
uma empresa de engenharia e minha idéia era construir
galpões ali para guardar as coisas da firma'', lembrou.
Farina acabou vendendo a empresa e abandonou a idéia da
construção dos galpões. Por precaução, no entanto, cercou os
dois terrenos com muros. O engenheiro não lembra quanto
pagou pelas duas áreas, mas garante que, apesar do tamanho,
elas estão bastante desvalorizadas. ''Há uma favela em
frente, a uma distância de cinco metros dos terrenos'',
disse.
A secretaria municipal de Meio Ambiente tem conhecimento da
ocupação, mas informou que nada pode fazer a respeito, uma
vez que se trata de terreno particular e a prefeitura só
pode agir em áreas públicas. |
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Topo TÓPICO 18
Rio ganha
15.717 casas populares
|
Jornal O
Dia, Sábado, 7 de julho de 2001.
PROGRAMA
Caixa libera
financiamentos este semestre para construção de novas
moradias para baixa renda
Cristiane Campos
O Estado do Rio vai
ganhar 15.717 casas populares para famílias de baixa renda
através do Programa de Arrendamento Residencial (PAR),
anunciou, em entrevista exclusiva ao DIA , o superintendente
da Caixa no Rio, José Domingos Vargas. A prestação inicial
do financiamento é de R$ 140 para imóveis de R$ 20 mil e R$
175 para construções de R$ 25 mil. A mensalidade corresponde
sempre a 0,7% do valor do imóvel. Os candidatos devem ter
renda familiar entre três (R$ 540) e seis salários mínimos
(R$ 1.080).
No PAR, o reajuste das
prestações é anual, pelo índice de correção do Fundo de
Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Para Domingos, o
sucesso do programa está associado às parcerias com
prefeituras e Governo do estado. “As prefeituras fazem uma
pré-seleção entre os interessados na compra da casa própria
e oferecem descontos e até isenções dos impostos, o que
ajuda os construtores a ter fôlego para começar a obra”,
ressalta Vargas.
Outro incentivo é o
Programa Morar Feliz. O estado premia os arrendatários que
pagam as prestações em dia com um bônus mensal de R$ 75, que
pode ser usado na compra de alimentos nos supermercados
credenciados.
Guapimirim, Niterói,
Maricá e Mangaratiba terão o PAR
Instituído pela Medida
Provisória 1.823 de 29 de abril de 1999, o PAR lançou no
Brasil um novo conceito de financiamento de moradias: o
arrendamento residencial, no qual o morador paga, durante 15
anos, uma taxa mensal de arrendamento. Depois desse período,
é que se torna proprietário do imóvel.
“O programa começou nas
regiões metropolitanas do Rio e de São Paulo. Em seguida,
com o sucesso, foi estendido a outros estados e capitais”,
conta Vargas. O candidato não pode ter financiamento no
Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e deve declarar não
ser proprietário de imóvel. É necessário ser maior de 21
anos ou emancipado. Outra exigência é que o imóvel seja
usado somente como residência, e não pode ter o projeto
alterado.
No segundo semestre,
entram na parceria as prefeituras de Guapimirim, Maricá,
Mangaratiba e Niterói para a construção de novos
empreendimentos. Até o momento, já foram entregues 2.127
casas populares. Há mais 3.398 em construção.
As inscrições para
compra da casa própria podem ser feitas nas seguintes
prefeituras:
Rio de Janeiro – Praça
Pio X 119, 3º andar, Cidade Nova.
Belford Roxo – Rua Rocha
Carvalho 1.436, Centro.
Duque de Caxias – Rua
Alameda Dona Esmeralda 206, Jardim Primavera.
Nova Iguaçu – Rua Ataíde
Pimenta de Moraes 495, Centro.
Itaguaí – Rua General
Bocaiúva 636.
Itaboraí – Praça
Prefeito R.P. dos Santos 63, Centro.
Magé – Avenida Simão da
Mota S/N na Secretaria de Ação Social.
São Gonçalo – Rua Sá
Carvalho 35, Centro na Secretaria de Desenvolvimento Social. |
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Topo TÓPICO 19
Rachaduras abalam estruturas de casas |
Jornal O
Globo, Barra, quinta-feira, 26 de julho de 2001
Fernanda Pontes
Pelo menos cinco casas tiveram as suas estruturas abaladas
após a conclusão do Favela-Bairro na comunidade Vila do
Sapê, em Jacarepaguá, em setembro do ano passado, segundo
moradores. Eles dizem ainda que o bate-estacas usado nas
obras teria provocado rachaduras em pisos e paredes das
residências. A Secretaria municipal de Habitação, no
entanto, limita-se a dizer que está analisando a situação.
— Já estive diversas vezes na prefeitura pedindo ajuda, mas
até hoje ninguém apareceu. Essas obras foram eleitoreiras —
conta a moradora Lindarifa Oliveira dos Santos.
A Defesa Civil, a pedido da moradora, vistoriou a sua
residência, no dia 22 de fevereiro deste ano, e constatou
que havia risco de desabamento. No laudo, consta que a casa
está inclinada para o lado direito e que há infiltrações
generalizadas nas paredes.
Desde então, Lindarifa entrou em pânico.
— Qualquer chuva pode derrubá-la. Dez pessoas vivem na casa
nessas condições — queixa-se.
As rachaduras nas paredes, no entanto, não são as únicas
conseqüências do Favela-Bairro, de acordo com os moradores.
As caixas coletoras de esgoto estão completamente entupidas.
A água poluída volta para dentro das casas sujando o chão e
causando mau cheiro.
— Não adianta limpar porque meia hora depois já está tudo
sujo de novo. Já tivemos três casos de hepatite na região —
conta a moradora Ana Cecília dos Santos.
Ela também teve a sua casa vistoriada pela Defesa Civil em
outubro do ano passado. O laudo indica que o imóvel corre
risco de desabamento.
— Quando vamos à prefeitura nos mandam voltar outro dia —
reclama.
Refluxos provocam muitos
transtornos
Moradores da Vila Sapê também responsabilizam o
Favela-Bairro, cujas obras terminaram em setembro do ano
passado, pela precariedade da rede de esgoto. De acordo com
eles, uma estação de tratamento construída na Rua José
Orlando nunca funcionou. O rio que passa ao lado da favela
recebe diariamente esgoto in natura.
Garrafas pet, baldes, restos de comida, pneus e muito esgoto
são lançados no rio, que está assoreado e exala forte mau
cheiro.
— Quando chove o nível das águas do rio sobe. Fico
imaginando o desastre que poderá acontecer se um dia houver
um transbordamento. Mesmo o pequeno refluxo de esgoto já é
suficiente para causar alagamentos em muitas casas,
inclusive na minha — queixa-se a moradora Ana Cecília dos
Santos, que vive no local com três filhos e um neto. |
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Topo TÓPICO 20
Abandono
e preconceito são estigma das favelas |
Jornal do Brasil, Brasil,19 de
agosto de 2001
Entrevista / MARCOS ALVITO
MÁRCIA VIEIRA
Mulheres de Atenas e Esparta. Este seria o tema de tese de
doutorado em antropologia de Marcos Alvito, 40 anos,
historiador carioca de rosto anguloso, fascinado por versos
de Homero. Das ''estratégias de apropriação do corpo
feminino'' na Grécia para o feijão de dona Marlene em Acari,
favelão plano nos confins da Avenida Brasil, foi um enorme
salto. Da harmonia para o caos. Da sabedoria oracular para
Xangô, a quem hoje reverencia sempre que chega em casa. É o
protetor das pedreiras e seu apartamento no Jardim Botânico
dá de cara para uma. Também trocou horas de leitura pela
pelada regada a cerveja nos fins de semana na favela onde
leva o filho de sete anos e joga no ataque, na banheira,
para compensar seus escassos recursos.
A aventura em que Alvito se lançou resultou no livro ''As
cores de Acari - Uma Favela Carioca'', lançado pela Editora
da Fundação Getúlio Vargas, que renova e atualiza em grande
estilo os estudos sobre a favelização no Rio de Janeiro. A
experiência não lhe rendeu apenas amizades entre os 40 mil
habitantes de Acari - ''criei laços fortes com os moradores;
continuo indo lá'' - mas uma compreensão mais aguda do que
são as mais de 600 favelas onde vivem um milhão de cariocas.
Em Acari, viu de perto a brutalidade da polícia, a crueldade
dos traficantes, fervor evangélico, jovens mães viciadas em
cocaína, mas também raros exemplos de sociabilidade, além de
estratégias de sobrevivência de quem já se acostumou com a
orfandade do poder público e cada vez tem menos
oportunidades de melhorar de vida só trabalhando. ''Um
ambiente de injustiça e abandono facilita a penetração de
esquemas criminosos onde jovens são usados como mão de obra
barata'', diz. ''O tráfico é neoliberal, vai onde tem mão de
obra mais barata''.
Vista na intimidade a favela derruba suas lendas. Ali
funciona o varejo da droga para alimentar o viciado da Zona
Sul. Meia verdade. Cada vez mais os pobres estão se viciando
em cocaína, numa proporção alarmante, depõe Alvito. Favelado
não gosta de polícia, prefere os traficantes. Falso. Acari
viveu dias de esplendor com uma ocupação da polícia civil. A
educação é a única saída para se melhorar de vida. Outra
meia verdade. Favelados fazem um imenso esforço para educar
os filhos, mas mesmo com segundo grau eles não encontram
emprego decente e acabam, como os pais, caixeiros na Ceasa.
Não há simplificação que ajude a entender a complexidade da
favela.
A vida de Alvito mudou completamente. Hoje dá aulas de
História da Sexualidade. Aprendeu a tocar pandeiro. Anda até
freqüentando shows de samba. Nesta entrevista para o Jornal
do Brasil falou sobre o mundo das favelas, um fenômeno
inexorável da vida carioca, para dizer que só é possível
entendê-las, como são, jogando fora a pesada carga de
preconceitos e estereótipos que desviam a atenção dos
problemas reais.
Esta semana discutiu-se muito a atuação da polícia no
combate ao tráfico de drogas nas favelas cariocas. Os
moradores das favelas preferem a ocupação policial à
presença do tráfico?
Claro. Mas existem vários tipos de ocupação policial. A
ocupação feita em Acari, em 1996, foi uma ocupação de
exceção. Foi a polícia civil, na gestão do Hélio Luz (Chefe
da Polícia Civil), com ordens claras de ocupar a favela
respeitando os moradores. Os policiais estavam ali para
desmantelar o tráfico. Sem tocar na comunidade. E nos poucos
meses em que a polícia civil ficou lá, pacificamente, o
tráfico acabou. Mesmo. Em dois, três meses, os policiais
conseguiram achar mais armas e drogas do que a polícia
militar, que entrava três vezes por dia em Acari, durante 10
anos. Os traficantes foram embora. Quem era aviãozinho, quem
era endolador, quem não era conhecido pela polícia ficou
ali, procurou outro emprego, mudou de vida. O resto fugiu. A
polícia desmontou também a possibilidade do tráfico voltar.
Os moradores me diziam que a favela estava uma maravilha,
que a polícia estava respeitando todo mundo. E isto é muito
importante. Os moradores diziam que enquanto a polícia civil
estivesse lá, agindo corretamente, não haviacondição moral
para o tráfico voltar. A favela estava melhor sem ele. Os
moradores têm idéia de justiça e reciprocidade muito forte.
Se a polícia respeita os moradores, eles também respeitam a
polícia. E aí eles não dão apoio para nenhum traficante.
Pode ser um menino que eles viram crescer. Os moradores
diziam na época: ''a favela está maravilhosa, está uma uva,
a polícia deveria ficar aqui um milhão de anos.''
O que aconteceu quando a polícia civil foi embora?
Entrou a polícia militar. No início, eram policiais de
batalhões diferentes. Portanto não dava para o traficante
saber qual policial aceitava propina. Ficava difícil o
acerto, o esquema da corrupção. Depois houve a entrada do
batalhão de choque. Os soldados usaram Acari para treinar.
Ficavam correndo pela favela de fuzil na mão, com crianças
brincando na rua. Eu ficava alucinado vendo aquilo. E depois
finalmente veio o 9° Batalhão da Polícia Militar. Aí todo
mundo se arrepiou e os moradores prenunciaram que o tráfico
ia voltar. A violência é irmã da corrupção e a corrupção é a
irmã do tráfico. A linguagem da violência é a linguagem do
tráfico. Quando ficou apenas o posto policial comunitário,
com um número muito menor de policiais, de um único
batalhão, que já tinha todo um acerto com os traficantes. Aí
é óbvio que o tráfico voltou. Voltou em outras modalidades,
menos ostensivo. Mas voltou.
O primeiro passo para acabar com o tráfico no Rio é ocupar
as favelas nos moldes que a Polícia Civil fez em Acari?
Não, isto não é solução. Primeiro porque não tem tropa
policial suficiente para ocupar todas as comunidades. Não há
homens preparados para fazer este tipo de ocupação feita
pela polícia civil de desmantelamento e de inteligência. E
quando você ocupa uma série de favelas, as facções correm
para outras. O tráfico é rápido, móvel, adaptável. Portanto
não é nessa esfera do varejinho que vai se conseguir
combater o tráfico. Hoje em Acari tem tráfico de drogas e
corrupção policial. Onde tem corrupção tem morte porque se o
traficante não paga a polícia mata. É o que o Caio Ferraz
(sociólogo que dirigiu a Casa da Paz em Vigário Geral)
chamava de chacina a prestação. Todo mundo se choca quando
morrem 21 pessoas de uma só vez, mas na verdade toda semana
morre um, dois três. E não se acaba com o poder do tráfico
de uma hora para outra. A turma que tem 15 anos já nasceu na
favela com a percepção de que a autoridade máxima ali é o
líder do tráfico. Portanto, mesmo no momento em que a
polícia tinha desmantelado o tráfico em Acari, pairava ainda
nas mentes e nos corpos dos moradores o medo da volta do
tráfico. Eles estavam o tempo todo pensando na possibilidade
de um dia o tráfico voltar. Um dia quem não agisse
corretamente teria que prestar contas. E isso é uma verdade.
Portanto não são momentos de presença policial que vão
apagar esta certeza. A população pobre jamais teve
segurança. Ela sempre esteve abandonada à própria sorte
tendo que criar seus mecanismos de sobrevivência.
Como se poderia atacar o tráfico, eliminá-lo de vez das
favelas?
Para resolver a violência, tem que pensar em resolver o
problema da injustiça. Tem que pensar em resolver o problema
do desemprego, do preconceito racial, da desigualdade ao
acesso à educação, à assistência médica. Um ambiente de
injustiça, de abandono facilita a penetração de esquemas
criminosos, que usam estes jovens como mão-de-obra barata. O
tráfico é neoliberal. Ele vai onde tem mão-de-obra mais
barata, de fácil reposição. Onde tem jovem de 15 anos
disposto a arriscar a própria vida em troca daquele
dinheiro, ele se instala. O dia em que a classe média
empobrecer o suficiente para aceitar este dinheiro, ele
também vai empregar gente de classe média. É possível
desmantelar o tráfico indo ao Fórum. Quem são esses
advogados que defendem os traficantes? Tem que investigar
daí pra cima.
Este poder que o tráfico tem na favela se estende às
associações de moradores? Até que ponto o tráfico domina
estas associações nas favelas cariocas?
Em cada favela há uma relação diferente. O que pesa nesta
diferença é a relação da favela com o restante da sociedade.
Ela é determinante na possibilidade da associação de
moradores construir alianças que permitam a ela
contrabalançar o poder do tráfico. Isso aconteceu em Vigário
Geral, depois da chacina de 21 pessoas que chamou atenção de
todo mundo para a favela. E acontece na Mangueira, por causa
da visibilidade da escola de samba. Nesta favelas fica mais
fácil para a associação de moradores construir uma relação
diferente com o tráfico. Acari nunca teve nada disso. Fica
muito longe da Zona Sul, lá no fundo da Avenida Brasil. Em
Acari não vai ninguém. O líder comunitário fica sem aliança
possível. Mas mesmo em Acari houve uma resistência ao
tráfico por parte da associação de moradores. Teve até um
presidente que chegou a criar uma cela dentro da sede da
associação para prender traficante e entregar para a
polícia. É claro que depois ele teve que sair fugido para
não morrer. Em Acari existem várias associações. Umas mais
outras menos ligadas ao tráfico. Em uma delas a influência
do tráfico era tão grande que a sede foi construída pelo
Cy(ex-chefe do tráfico, já morto). Era uma baita duma sede,
com dois andares.
Nestes seis anos frequentando Acari e outras favelas, o
Sr.percebe um aumento do número de pessoas pobres consumindo
drogas?
Em todos os lugares que fui isso me chamou muito atenção.
Tinha muita esta idéia de que a favela é o lugar do varejo e
que a classe média e os ricos é que consomem a droga.
Infelizmente não é verdade. Eu vi coisas assustadoras. Mãe
entrando com filho de 12 anos na boca-de-fumo. Mãe
carregando filho recém-nascido para consumir droga. Tudo
gente pobre. Vi grupos de senhores de 50 anos cheirando
cocaína numa birosca. O problema da droga e da dependência
química dentro das comunidades pobres é muito mais amplo do
que a gente pode avaliar. A quantidade de dependentes
químicos em favela hoje é enorme. Em Parada de Lucas eu via
entrar uma multidão, tinha até trocador de ônibus. É claro
que tinha gente que ia revender, mas a quantidade é
impressionte. O próprio tráfico tem preocupação com isso. No
caso do viciado que vem de fora para comprar droga, o
traficante estabelece as normas disciplinares. Proíbe que
ele cheire ou fume no meio da rua (no livro, Alvito revela a
existência de um ''Cheiródromo'' em Acari) e até quanto
tempo ele pode ficar na favela. Mas o morador não. É mais
complicado. O morador fica o tempo todo olhando a
boca-de-fumo, vendo onde os caras malocam as coisas. Ouvi
muitas histórias em Acari sobre estas pessoas. Gente que se
aproveitava das entradas da polícia na favela para roubar a
drogas que os traficantes escondiam. É claro que depois eram
assassinados pelos traficantes. Sem discussão.
O uso de drogas hoje é maior do que o consumo de álcool nas
comunidades carentes?
Depende da geração. Na turma que hoje está com 40/50 anos o
grande problema ainda é o alcoolismo. Nas igrejas
evangélicas é assim: as mulheres desta idade vão lá porque
têm um marido alcoólatra ou um filho viciado em drogas. Já
as mulheres de 30 é meio a meio. O marido pode ser viciado
ou alcoólatra. Às vezes, os dois vícios caminham juntos.
O que leva os jovens a trabalharem para o tráfico? É o
desemprego, a miséria?
Não dá para fazer a associação miséria/criminalidade. Senão
a India seria o país com maior índice de criminalidade no
mundo. E não é. Senão o Nordeste, que é mais miserável que
Rio e São Paulo, seria mais violento. E não é. Quando este
jovem escolhe o rumo que vai dar na vida, ele tem opções. As
opções hoje estão muito restritas, o mercado de trabalho
está mais fechado, mais exigente. Antes não precisava ter
segundo grau para conseguir alguma coisa. Hoje precisa e o
diploma não te garante mais nada. Na favela isto é
impressionante. A primeira geração que se instalou em Acari
viveu uma ascensão social. Ele passou do barraco de madeira
para a casa de alvenaria de dois andares. Mas a geração
seguinte não avançou muito. Tirando um ou outro caso a
ascensão social do pobre está barrada. O sujeito bancou o
filho no segundo grau, no curso de inglês, esperando que ele
conseguisse uma profissão melhor. Mas o filho hoje está
carregando caixote no Ceasa. E o que é pior, o filho nunca
teve a expectativa de ser carregador no Ceasa. Ele esperava
mais. Isso para ele é descer na vida, ao contrário do pai,
que tem orgulho do que conseguiu carregando caixote. Estudar
pra quê? Estudando na escola pública, ele sabe que não vai
passar para faculdade pública. Quando consegue passar, entra
para carreiras menos disputadas. Vai ser assistente social,
porque já é negro, favelado, então vai trabalhar com negro e
favelado. Por que um morador de favela não pode ser físico
nuclear ou médico? O campo de possibilidades é mínimo. Não é
a miséria que leva ao tráfico. Em contato com estas
expectativas insatisfeitas, o adolescente vê um outro mundo
com chance de ganhar dinheiro. Traficante gosta de lasanha,
gosta de pizza. Traficante gosta de uísque. Não bebe
cerveja. Por que? Ele gosta de coisas que a classe média
gosta. Como aquela mãe que conta no livro que tem um filho
que trabalhava no tráfico. Ela diz ''até os filhos dele são
metidos. São diferentes dos meus outros netos. Só comem
biscoito recheado''. Mesmo entre os biscoitos há uma
divisão. A sociedade brasileira é hierárquica. De repente,
você tem um jovem com uma explosão de testosterona com
aquela coisa de se sentir imortal, querendo inverter o
sistema hierárquico em que ele é mandado. Você dá uma
oportunidade para ele ganhar dinheiro, ele vai, ele entra
para o tráfico. Mas os que vão são minoria. A maioria rala,
sofre e se submete.
No livro, o senhor diz que o Comando Vermelho e o Terceiro
Comando existem mais nos discursos da polícia e nas
reportagens do jornal, do que na realidade da favela. O
tráfico não é então tão organizado quanto se imagina?
Esta divisão existe na cadeia e existe principalmente como
divisão simbólica, na construção da identidade dos meninos.
Em escolas hoje no Rio o recreio tem que ser dividido. Os
meninos que são de favela do Comando Vermelho e os que são
de favela do Terceiro Comando não se misturam. Os meninos
estão acostumados a esse universo dividido, maniqueísta. Do
ponto de vista simbólico é assim. Agora do ponto de vista de
estruturação, dos traficantes serem organizados efetivamente
é uma piada. É para não se ver o que está acima deles. O que
existe de fato é um conjunto de alianças que o chefe do
tráfico de uma área faz com o chefe de uma outra área. São
alianças localizadas, não existe um comando que determina as
ações de todas as favelas filiadas.
O senhor destaca no livro a importância da religião dentro
de Acari. Por que as igrejas evangélicas de um modo geral, e
as pentecostais em particular, conseguiram se firmar com
toda força em Acari e nas outras favelas cariocas?
Estas religiões são de salvação individual. O indivíduo dá o
testemunho, ele vai se batizar, se converter, se
transformar, renascer. As pessoas passam também a dispor de
uma alavanca para entender o mundo em que vivem. Como
analisar um mundo em que se corta a cabeça dos inimigos? Um
mundo onde as pessoas são esquartejadas, colocadas dentro de
um saco e jogadas para o porco comer? Como é que você vai
explicar o significado do terror, do indizível, daquilo que
você não consegue imaginar e que você vê ali na sua frente?
As pessoas convivem com o mal absoluto. E aí entram essas
religões. Elas fazem uma oposição entre o bem e o mal. Os
moradores têm cotidianamente a exemplificação do mal. O mal
é o crime, a droga, a arma. E aí a igreja acrescenta: o mal
é a macumba, é o feitiço, são os espíritos, são os Exus.
Está muito difícil praticar o candomblé nas favelas hoje em
dia. De início, quando o tráfico se implantou, as religiões
afro-brasileiras eram hegemônicas e tinham uma força muito
grande. Então os chefes do tráfico também era das religiões
afro-brasileiras. Porque ela é a mais democrática que tem.
Na festa do candomblé, a porta fica aberta. Ninguém precisa
se converter, nem acreditar, nem pagar o dízimo. As igrejas
pentecostais colocam as religiões afro-brasileiras na conta
do mal. Dizem que o traficante que matou, que estuprou, que
cortou a cabeça, estava possuído por Exu. Este mesmo
traficante quando se converte, diz isso: ''Não fui eu. Eu
era apenas um instrumento do demônio, do diabo''. Aí ele
renasce. O morador da favela identifica logo o traficante,
que mata, que rouba, que destrói. Ele olha para a droga, que
é motivo de morte, de destruição, de desestruturação
familiar - a droga acaba sendo chamada de diabo ralado.
E por que o tráfico não impede a entrada destas igrejas na
favela?
Porque como esse pensamento já se tornou hegemônico, o
próprio tráfico se vê como um mal. Ele não nega que ele seja
o mal. Aí ele assume e anuncia que ele não é só o mal. Ele é
o terror. Aí ele tem que ser mais maligno do que o outro
para levar mais pânico, mais medo, e vencer o inimigo. É a
violência absoluta.
A maioria da população de Acari frequenta as igrejas
evangélicas?
Não fiz nenhum trabalho estatístico. Mas em Acari são cerca
de 40 mil pessoas. Existem lá 37 templos religiosos, sendo
que 31 são evangélicos. Dá uma média de 1 200 pessoas por
templo. E destes centros evangélicos, 80% são pentecostais.
A religião que domina as conversas em Acari é a pentecostal.
Do ponto de vista individual, este mecanismo é muito
poderoso para reconstituir um significado do mundo. A
religião ajuda a reconstruir o mundo que está diante de
você. E o mundo é um garoto de 14 anos matando outro garoto
de 14 anos. É o filho de 13 anos batendo no próprio pai. É
um chefe de 18 anos tendo não sei quantas meninas. É a droga
rolando solta. É o marido que volta em casa bêbado e espanca
a mulher. É o desemprego. É a escola e o hospital que não
fucionam. Enfim, é o caos absoluto. Mas você não consegue
viver no caos absoluto, do ponto de vista simbólico. Quando
o mundo não faz mais sentido, você enlouquece. Quando você
percebe que não tem saída, você entra para a religião. Ela
te dá um sistema simbólico que é muito apropriado para a
situação que você está vivendo. O do candomblé é muito mais
complexo de entender. Para o indivíduo, a fé é uma coisa
belíssima. Individualmente faz bem. Mas para o coletivo não.
O convertido se isola. Ele não pode beber, não pode ir a
festas. Depois não podem nem jogar futebol com quem não é da
religião, que eles chamam de ímpios. Porque se o ímpio faz
uma falta mais dura é porque ele é um agente do mal que está
te testando. Ele vai se isolando e passando a conviver só
com quem é da igreja.
A favela tem o estereótipo de ser um lugar caótico e
violento. É só preconceito?
O que é característico da favela não é a violência. É a
sociabilidade, é a amizade. É este vínculo pessoal, o calor
humano. Isto é marcante. A violência é uma visitante
indesejada e que está presente em toda a sociedade
brasileira. A favela tem uma ética comportamental que não
existe no resto da cidade. Etiqueta na favela é importante.
Mulher casada só pode ser chamada de ''dona''. Todo mundo
fala bom dia, boa tarde, boa noite. As pessoas precisam
desta relação para sobreviver. A vizinha precisa da outra
para tomar conta do filho enquanto vai trabalhar. O outro
precisa do vizinho para fazer um serviço de pedreiro. E
assim por diante. Há outros estereótipos errados. A própria
idéia de favela é uma mentira. O contexto de cada favela
muda tanto que praticamente a única coisa que une as favelas
é o preconceito que os moradores do asfalto têm em relação
às favelas. Elas são completamente diferentes entre si. É
claro que existem algumas coisas semelhantes: os moradores
não tem título de propriedade, eles são todos pobres. Mas
não é aquele negócio de que você viu uma favela e já conhece
todas. Só é assim quando você lida com estereótipos. Cada
uma tem uma dinâmica, uma riqueza. Aquilo que se acusa a
favela, de ser violenta, suja, irracional, mas marcada por
uma alegria excessiva, é um resumo do que se acha do negro.
É a mesma visão. O negro é sujo, violento, é alegre, está
sempre sorrindo, gosta de festa. O estereótipo é o mesmo.
O que estas comunidades, como Acari, precisam para se tornar
lugares melhores para os seus moradores?
O grande problema da favela hoje está no asfalto. É a
sociedade inteira achar que a favela é um problema. Ela não
é um problema. Ela foi uma solução que a população pobre
encontrou para sobreviver. A favela cheira mal porque o
lixeiro não passa lá para recolher o lixo. Não é como no
asfalto que a Comlurb passa três vezes por semana pela rua.
Não há ajuda nenhuma de infra-estrutura urbana, e aí se diz
que as ruas são caóticas.
Então a chegada do favela-bairro é boa para estas
comunidades?
O morador de favela geralmente quer que chegue o
favela-bairro porque ele fica feliz com qualquer coisa que
ele possa ganhar. Mas a gente tem que perceber o seguinte:
80% da urbanização das favelas foi feita pelos próprios
moradores. Isso é fundamental. Se isso fosse contado
economicamente, imagina quanto valeria? Acari era
inabitável. Era um pântano. Foi devidamente aterrado e
aplainado e se tornou área habitável. Os moradores colocaram
um sistema de água. Colocaram um sistema de luz, muito antes
da Light entrar. A favela tem esta imagem de coisa atrasada.
Mas não é verdade. Ela é antenada. Outro dia, lá em Acari,
vi um bar: o Internet Beer Show. Não tem computador, mas tem
o nome. O cara sabe que internet está na moda. Tem aula de
aeróbica na favela. Favelado é um cara progressista. Ele é
ligadão nas novidades. Ele compra o tênis da última moda, é
bem verdade que o dele é o falsificado, mas ele sabe o que a
Zona Sul está usando. O favela-bairro é visto como um
benefício, mas ele não resolve o problema da favela porque
não existe um problema arquitetônico naquele espaço. O
problema é a inserção na sociedade destas pessoas que vivem
em favelas. O favela-bairro aproveita o que os moradores já
fizeram, coloca uma rampinha, bota a placa. Mas e o problema
do emprego, da capacitação da juventude? E o problema da
escola, do hospital, do tráfico? O favela-bairro tem um
outro problema a médio e longo prazo. A prefeitura urbaniza,
melhora a aparência. A casa valoriza. Mas se o morador
continua na mesma pindaíba, uma classe média empobrecida
pode querer ir morar lá, pode querer comprar a casa. Se o
morador da favela está numa situação difícil, porque ele
continua sem chances de emprego, ele vende a casa e vai
construir um barraco lá em outro lugar. Aí é uma remoção
branca. E tem outro problema. Se legalizar tudo na favela,
der o título de propriedade, o Estado vai querer cobrar
imposto. Vai querer regularizar a situação do comércio,
exigir alvará. Então todo este projeto favela-bairro, além
dos dividendos políticos, também é uma forma de a médio
prazo começar a cobrança de impostos. Se os moradores de
favela jamais foram incorporados como cidadãos, eles vão ser
incorporados como contribuintes.
Acari foi marcado também pelo projeto Fábrica da Esperança,
do pastor evangélico Caio Fábio. O projeto ficou
desacreditado depois que polícia encontrou cocaína escondida
no prédio. A Fábrica da Esperança era boa para os moradores?
Eu não conheci a Fábrica. Só posso dizer que ela não tinha
nenhum enraizamento comunitário. Ela atendia as pessoas de
Acari, mas todo o seu staff era de fora. As psicólogas que
trabalhavam lá vieram me perguntar como é que eu fazia para
entrar na favela porque elas nunca tinham entrado.
O Sr.passou três anos frequentando Acari e hoje mantém
amigos por lá. Esta convivência com a favela mudou a sua
vida de alguma forma?
Muito. Eu era ateu convicto. Achava religião uma coisa
estúpida, alienada, fruto da ignorância. Mas vi que a
religião é apenas uma forma de pensar o mundo. Rezar o pai
nosso não significa que você acredite exatamente naquelas
palavras. O mais importante na religião é a prática. É a
demonstração de que você é humilde suficiente para pedir
ajuda, para não se sentir todo-poderoso. Eu agora abraço
todos os deuses. Os deuses gregos, os deuses do candomblé, o
deus dos evangélicos, que é o deus da Dona Marlene, a
matriarca de uma família que eu conheci lá e que acabei me
tornando amigo. Aprendi mais coisas na favela. Aprendi que a
sinceridade lá é fundamental. Ao contrário do mundo
acadêmico que é hipócrita, cínico, político, na favela o que
conta é manter a palavra. O principal patrimônio de quem
vive na favela é a honestidade, o caráter. |
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Linha
vermelha cede e pára a cidade
|
Jornal do
Brasil, Cidade, sexta-feira, 7 de setembro de 2001
Linha Vermelha cede e
pára a cidade
Incêndio mata duas
crianças e abala viga de sustentação da via. Engarrafamento,
na saída do feriado, chega a São Conrado
Por volta das 14h de
ontem, um incêndio precedido de várias explosões destruiu
150 barracos construídos embaixo da Linha Vermelha e
provocou a envergadura, em 50 centímetros, das vigas de
sustentação de um trecho de 50 metros da via expressa, no
sentido Baixada-Centro, na altura do Caju. A pista cedeu,
formando um enorme vão.
O incêndio, que matou
duas crianças, mexeu com a cidade inteira - não só pela
tragédia, mas pelas conseqüências no trânsito já
congestionado na véspera do feriado do Dia da Independência.
A interdição das quatro pistas da Linha Vermelha num ponto
estratégico de chegada e saída paralisou o Rio. Na
Auto-Estrada Lagoa-Barra, no Túnel São Conrado, na Lagoa
Rodrigo de Freitas, na Zona Sul; em todas pistas da Avenida
Brasil rumo à Zona Oeste, entre o Caju e a Ilha do
Governador, na Zona Norte, se formaram longos
engarrafamentos. O caos também se estendeu da Avenida
Atlântica, em Copacabana, até o Túnel Santa Bárbara. Até as
20h30m, o trânsito continuava congestionado nos elevados da
Perimetral e Paulo de Frontin, no Aterro do Flamengo e na
Linha Amarela.
O fogo, que chegou a
atingir 15 metros de altura, matou pelo menos duas crianças.
Uma delas, Mayara Gomes Ribeiro, 2 anos, estava sentada num
carrinho de bebê, quando as chamas consumiam os barracos da
favela Parque Boa Esperança. Até o início da noite, outras
três crianças e dois adultos ainda estavam desaparecidos.
''Queria tirar a minha filha dali. Eu tinha ido lavar roupa
quando percebi a fumaça. Quando voltei para salvar Mayara já
era tarde demais.
"O fogo já tinha tomado
tudo'', disse em prantos Rose Gomes Ribeiro, mãe da menina.
Durante toda a tarde
equipes do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil estiveram no
local. Mas até o final da noite, não se havia chegado a uma
conclusão sobre as causas do incêndio e da conseqüente
envergadura do trecho da Linha Vermelha.
Alguns moradores
contavam versões que iam de um curto-circuito à explosão de
uma panela de pressão. Outros narravam uma história
envolvendo explosões de botijões de gás. Até a história de
que traficantes teriam recebido a polícia e equipes de
socorro à bala circulou de boca em boca. ''Ouvimos vários
estrondos. Depois disso, vimos várias pessoas jogando
botijões no rio. Estava todo mundo desesperado e com medo
que outras explosões ocorressem'', contou Fábio de Souza, 14
anos, morador da Vila Tiradentes, loteamento vizinho ao
Parque Boa Esperança.
Panela de pressão - A
tese de Fábio e de outros moradores é reforçada por provas
concretas como os estilhaços de telhas para cobertura que,
com a explosão, teriam sido lançados em vários pontos da
pista. ''Não podemos afirmar nada antes do laudo, que só
será concluído daqui a 30 dias. O que me informaram é que a
mãe da Mayara havia deixado uma panela de pressão no fogo e
isso teria ocasionado o incêndio'', contou o coronel João
Carlos Mariano, coordenador da Defesa Civil do município.
O trágico acidente na
via expressa mobilizou o governador Anthony Garotinho, que
chegou de helicóptero ao local. Ele participava da cerimônia
de inauguração de uma Delegacia Legal, em Porto Real, quando
soube do problema. ''Corri para cá assim que soube da
gravidade do caso. A gente já conhecia essa ocupação e já
havíamos oferecido novas casas. Só que os moradores não
aceitaram'', disse o governador. Segundo o presidente da
Associação de Moradores do Parque Boa Esperança, Carlos
Roberto Pascoal de Lima, há cerca de dois anos ele vem
tentando convencer as autoridades do município e do estado
da necessidade de remoção da favela. Mas até ontem, não
havia obtido sucesso. ''Estávamos em negociação com a
subprefeitura do Centro. Fizemos várias reuniões, eles
prometiam e diziam que estavam estudando o caso'', disse
Carlos Roberto.
Segundo ele, a área da
tragédia já foi ocupada anteriormente por outro grupo de
moradores. ''Essa é a segunda ocupação. Os que moravam aqui
antes foram transferidos para moradias mais seguras do outro
lado da via'', comentou.
Ainda ontem, a Defesa
Civil fez uma avaliação preliminar dos estragos na Linha
Vermelha. Durante a inspeção, os dois sentidos da via
ficaram fechados por mais de cinco horas. Para não
prejudicar ainda mais o fluxo viário da cidade, a Defesa
Civil liberou duas faixas, no sentido Centro-Baixada. Canagé
Vilhena, vice-presidente do Conselho Regional de Engenharia
do Rio (CREA), condenou a liberação. ''Não poderiam fazer
isso sem um estudo mais preciso sobre a área afetada'',
alertou.
Boa Esperança vira pó
A maioria dos 150
barracos da Favela Parque Boa Esperança virou pó meia-hora
depois do incêndio que dilatou as vigas de sustentação do
trecho da Linha Vermelha. No local, onde moram cerca de 300
pessoas, o cenário era de tristeza e muita revolta. Mais de
80 homens do Corpo de Bombeiros e outros 200 das Polícias
Civil e Militar, Bope e Getam, tentavam sem muito sucesso
conter os ânimos dos moradores. As crianças, assustadas e
sem compreender muito o que estava acontecendo, procuravam
se proteger da confusão se agarrando aos pais. ''Eu nunca
imaginei que uma coisa dessa pudesse acontecer. Eu e minha
filha estamos traumatizadas'', disse Célia de Souza que, com
a menina Karina no colo, tentava se esconder em meio às
cenas de destruição.
Os moradores xingavam a
polícia, debochavam das autoridades, culpavam o estado. O
sargento Wilson Correia, do grupamento do Corpo de Bombeiros
do Caju, tentava com tranqüilidade acalmar crianças e
adultos com explicações repletas de conforto. ''Neném, não
fica aí. Você pode se machucar'', dizia às crianças. ''Calma
meu amigo, a gente vai salvar as suas coisas'', falava a um
pai de família desesperado. Em determinado momento, a frieza
imposta pela farda sucumbiu diante da tragédia. Emocionado
só conseguiu fazer um único comentário: ''Não dá, né. É
terrível ver uma criança carbonizada num carrinho. Não dá'',
desabafou.
O vendedor ambulante
Robson Viana de Oliveira, 32 anos, não conseguia acreditar
que o seu barraco não havia sido atingido pelo fogo. Apesar
de não esconder uma certa alegria por não ter perdido
aparelhos domésticos e as ''poucas roupas'' guardadas em um
antigo armário, ele se solidarizava com os companheiros
vizinhos. ''Fui o terceiro morador daqui. Conheço a todos e,
quando soube, vim correndo para ajudar os meus amigos'',
disse. Ele também contou que, por causa das más condições de
vida que enfrentavam, um grupo de moradores foi ontem até um
shopping na Barra para um protesto conjunto com o Movimento
dos Trabalhadores Urbanos (MTU). ''Pode ter sido
coincidência, mas também pode não ter sido'', ressaltou.
Fogo deformou a viga
O projetista da Linha
Vermelha, engenheiro José Carlos Sussekind, disse ontem que,
de acordo com os primeiros dados sobre o acidente, o que
provavelmente ocorreu foi ''a confirmação de uma lei da
física: o aço, submetido a altas temperaturas, se deforma e
perde resistência''. No trecho do acidente, as vigas da
estrutura da Linha Vermelha são metálicas.
Sussekind, 54 anos, é
calculista de Oscar Niemeyer há cerca de 30 anos. ''As
estruturas são feitas para aguentar cargas e não para serem
submetidas a um caldeirão'', afirmou. Segundo ele, para a
construção da Linha Vermelha, mais de mil famílias tiveram
que ser desalojadas. ''E isso foi necessário justamente com
o objetivo de evitar situações como a que acaba de ocorrer.
A Linha não pode ter favelas grudadas ou debaixo das
pistas'', disse. Para o engenheiro ''o episódio mostra com
clareza que quem é tolerante com a invasão, na realidade não
está se empenhando o suficiente para evitar a perda de vidas
humanas''. A ação do gás
O pesquisador Moacyr
Duarte, que trabalha na área de risco tecnológico da
Coordenação de Programas de Pós-Graduação em Engenharia
(Coppe), da UFRJ, explica como a ação do gás pode ter
contribuído para provocar o acidente: ''Quando os botijões
estão totalmente envolvidos pelas chamas, ativam
dispositivos de proteção que evitam a explosão. Mas o
resultado é a formação de um jato de fogo, que tem a
temperatura bem mais alta do que a de um incêndio comum. A
altura das chamas seria suficiente para atingir as vigas e
os pontos de apoio dos pilares'', assegura. Outra hipótese,
segundo o especialista, é que a onda de choque das explosões
de gás, causadas pela destruição das mangueiras e
conseqüente vazamento, pode ter provocado um abalo na
estrutura metálica, deslocando os pontos de equilíbrio da
viga e gerando o afundamento da pista.
''O fato é muito grave
porque evidencia alguns problemas de segurança causados pelo
próprio crescimento desordenado das cidades. Assim como uma
favela não pode ficar embaixo da Linha Vermelha, trens
transportando combustível não podem passar no meio de Caxias
e Magé, como ocorre hoje'', alerta o especialista.
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Topo TÓPICO 22
Cidades
criam barreiras contra a migração |
Jornal O
Globo, Rio, domingo, 30 de setembro de 2001
Objetivo de municípios da Região dos Lagos é tentar
evitar favelização e agressões ao meio ambiente
Paula Autran e Paulo Roberto Araújo
De um lado, o empobrecimento do Noroeste Fluminense e a
violência do Grande Rio. Do outro, cidades que despontam
como oásis de prosperidade graças ao crescimento do turismo
e ao desenvolvimento propiciado pelos royalties do petróleo
e pela indústria automobilística. No caminho, migrantes em
busca do dinheiro que não esperam mais encontrar na capital
do estado. Para contê-los — temendo males de cidades grandes
como a favelização, que vem se intensificando nos últimos
anos, e problemas ambientais causados pela ocupação de áreas
de proteção — pelo menos na Região dos Lagos já há prefeitos
instalando barreiras nas rodoviárias e nas estradas e
criando patrulhas para evitar invasões.
Rio das Ostras foi a cidade que mais cresceu no estado
Os números preliminares do Censo 2000 do IBGE dão o tom da
preocupação das autoridades desses municípios que atraem
migrantes: enquanto a taxa média de crescimento anual da
população do Rio foi de 0,74% de 1991 a 2000, a taxa de Rio
das Ostras chegou a 8,19%, a de Iguaba Grande a 8,08%, a de
Búzios a 6,3% e a de Cabo Frio a 6,1%. A taxa do estado no
mesmo período ficou em 1,30%.
Os números de Rio das Ostras e Iguaba são reflexos da
explosão demográfica em Macaé e Cabo Frio, cidades vizinhas
e já não tão atraentes em termos de qualidade de vida. Em
Porto Real (5,12% de crescimento populacional anual) e
Itatiaia (4,95%), as fábricas da Peugeot-Citroën e da
Volkswagen também são chamarizes.
Os migrantes do Noroeste são lavradores humildes e os do
Grande Rio aposentados ou famílias que transformaram casas
de veraneio em residência fixa.
— Não é difícil identificar famílias que vêm para cá sem ter
onde morar. Elas trazem muita bagagem e ficam vagando na
rodoviária. A maioria vem nos fins de semana do verão. Todas
são mandadas para a assistente social, que depois as devolve
à cidade de origem — conta o fiscal Divaldo José da Silva,
que comanda as barreiras instaladas na rodoviária e nas
estradas de acesso a Cabo Frio.
Em Rio das Ostras, vizinho a Macaé, o prefeito Alcebíades
Sabino adotou estratégia diferente da de Cabo Frio, mas com
o mesmo objetivo. Ele comprou seis motos e mantém patrulhas
de fiscais circulando pelas áreas mais pobres da cidade nos
sábados, domingos e feriados para evitar invasões. Quem não
apresentar o título de propriedade tem o barraco destruído.
Sabino não acha nada bom a sua cidade se manter à frente do
ranking do IBGE:
— O cerco não é uma medida simpática politicamente, mas é a
única alternativa para evitar invasões, nosso grande
problema. Esperamos que o Estatuto das Cidades acabe com a
especulação imobiliária e, em conseqüência, com as invasões.
O sociólogo Luiz Cesar Queiroz Ribeiro, professor do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
(Ippur/UFRJ), destaca uma máxima da expansão urbana que
resume a situação.
— Para onde vai a riqueza, vai a pobreza — diz ele. — Mas a
melhor forma de resolver o problema não é fazer barreiras de
controle do espaço migratório, pois não se pode cercear o
direito de ir e vir das pessoas. Além disso, se um prefeito
age assim ele resolve o problema na sua cidade, mas as
pessoas se deslocam para o município vizinho. Precisamos de
um planejamento não só local, mas também regional.
O prefeito de Cabo Frio, Alair Corrêa, concorda. Para ele, o
crescimento demográfico de Iguaba Grande é reflexo do
controle exercido em Cabo Frio para evitar a chegada de
famílias que não têm onde morar.
— A invasão é resultado da falta de empregos no Noroeste e
no Espírito Santo. Os desempregados vêm para vender picolé
na praia ou trabalhar na construção civil. Por outro lado,
tem chegado muita gente do Rio em busca de tranqüilidade
para viver numa cidade de praias limpas e com uma boa oferta
de serviços — diz o prefeito.
Diretor de fundação alerta para risco de discriminação
O diretor-executivo da Fundação Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro (Cide), Epitácio Brunet, alerta que
os critérios usados para se escolher quem pode ou não ficar
na cidade tendem a ser discriminatórios. E acrescenta que
tanto as prefeituras e o governo do estado quanto a
iniciativa privada devem se preocupar em ordenar esta
ocupação urbana.
Em busca de qualidade de vida
Todo os dias, o advogado Adilson Mendes sai de Iguaba
Grande, a quase cem quilômetros da capital, para trabalhar
no Centro do Rio, onde divide um escritório com a filha. A
pedido da mulher e da filha, também advogadas, há três anos
ele trocou o corre-corre da Tijuca pela tranqüilidade da
casa de veraneio em Iguaba. E não está arrependido.
— Além da beleza natural e da tranqüilidade, aqui temos uma
vida social diferente. Você não é mais um, mas uma pessoa
integrada à sociedade. Tenho muitos amigos que querem fazer
o mesmo, mas não conseguem por causa do trabalho ou de
problemas financeiros.
Os moradores de Iguaba Grande se orgulham de a cidade ainda
não ter uma delegacia de polícia. Segundo colocado no
ranking de crescimento populacional nos últimos dez anos, o
antigo distrito de Araruama tem um perfil populacional
diferente dos demais municípios da Região dos Lagos. A
maioria dos novos moradores é de aposentados ou cariocas que
continuam trabalhando na capital, mas decidiram morar na
cidade, que é banhada pela Lagoa de Araruama e fica a 70
minutos de carro do Centro do Rio.
—- Dependendo do trânsito, é mais rápido chegar à Iguaba do
que à Barra. Além da tranqüilidade do lugar, o custo de vida
aqui é muito mais baixo. Conheço cariocas que fazem compras
no comércio daqui nos fins de semana para levar para o Rio
—- diz a secretária municipal de Turismo, Iná Siqueira
Gomes, que é hoteleira e trocou o Rio por Iguaba há 20 anos.
Produtores de petróleo
querem conter migração
Paulo Roberto Araújo
Os nove municípios fluminenses que recebem royalties do
petróleo poderão ajudar a conter o êxodo rural do Noroeste
fluminense em direção ao Norte Fluminense e à Região dos
Lagos, onde alguns municípios montaram barreiras para
impedir a entrada de pessoas que não têm moradia ou
trabalho. Os municípios, que receberão este ano R$ 450
milhões em royalties do petróleo, pretendem criar um
programa de desenvolvimento semelhante ao adotado com
sucesso na cidade de Aberdeen, na Escócia, também
beneficiada com royalties.
A proposta de assistência social aos municípios do Noroeste
será apresentada pelo presidente da Organização dos
Municípios Produtores de Petróleo (Ompetro), Arnaldo Vianna,
na próxima reunião da entidade, neste mês, em Barra de São
João, distrito de Casimiro de Abreu, um dos municípios que
recebem royalties juntamente com Campos, Quissamã, São João
da Barra, Carapebus, Macaé, Búzios, Rio das Ostras e Cabo
Frio.
Dos seis municípios fluminenses que perderam população nos
últimos dez anos, segundo o IBGE, cinco estão no Noroeste. O
sexto é Nilópolis, na Baixada Fluminense:
—- A migração é ruim para o município que perde a população
e para aqueles que recebem os migrantes, que não têm onde
morar e se tornam um grave problema social. A solução é
fixar o homem no campo e o programa Frutificar, que estimula
a produção de frutas, é um bom começo – disse o presidente
da Ompetro.
O ambientalista Aristides Soffiati Netto, professor da
Universidade Federal Fluminense, disse que o êxodo
populacional no Noroeste é conseqüência do esvaziamento
econômico e da devastação da vegetação na região, onde a
agropecuária é a atividade principal. |
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Topo TÓPICO 23
CPI apura
desvios no projeto Favela-Bairro |
Jornal O Globo, 2 de
outubro de 2001
CPI apura desvios no
projeto Favela-Bairro
RIO - Os vereadores que integram a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) do projeto Favela-Bairro estão visitando o
Morro do Borel, na Tijuca. A CPI investiga casos de
descaracterização, morosidade e paralisação do projeto em
algumas comunidades.
O presidente da Associação dos Moradores do Borel, José Ivan
Dias, denunciou que, dos 21 serviços previstos para o local,
apenas quatro foram feitos.
Segundo o presidente da CPI, vereador Argemiro Pimentel,
serão cobradas explicações da Secretaria de Habitação, uma
vez que a Prefeitura já recebeu do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) US$ 300 milhões destinados à segunda
etapa do Favela-Bairro.
CPI quer informações
sobre obras inacabadas
RIO - A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) montada para
investigar a situação de obras inacabadas no município,
principalmente do Programa Favela Bairro, está colhendo
informações sobre projetos que não foram executados.
Informações podem ser dadas pelos telefones 3814-2047 e
3814-2046, no gabinete do vereador Argemiro Pimentel (PSB).
Hoje, membros da comissão visitaram o Morro do Borel, na
Tijuca, e verificaram que uma série de itens do Favela
Bairro não foi cumprida. Nesta quinta-feira, a CPI espera
receber a presença da secretária municipal de Habitação,
Solange Amaral, às 10h, em audiência pública, para
esclarecer o abandono das obras no Borel.
Leticia Matheus, do jornal O Globo |
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Puxadinho
muda de cores na Rocinha |
Jornal O
Globo, Rio, quarta-feira, 10 de outubro de 2001
‘Puxadinho’ muda cores na Rocinha
A mania do “puxadinho” não poupou nem as casas coloridas da
Favela da Rocinha, em São Conrado. Em apenas quatro meses,
desde que a Secretaria municipal de Habitação pintou 25
imóveis da favela, já é possível encontrar três paredes de
tijolos à mostra formando um terceiro andar no prédio azul
da esquina da Via Ápia com a Estrada da Gávea. A obra,
porém, foi embargada sexta-feira pela Defesa Civil
municipal. O problema, porém, não foi a descaracterização do
edifício, mas o risco de desabamento. No edifício funciona
uma creche 24 horas, com 25 crianças.
Obra só recomeça com laudo de engenheiro
Segundo a Secretaria de Habitação, a obra só poderá ser
reiniciada quando o laudo de um engenheiro for aprovado,
garantindo a segurança da ampliação. O proprietário, o
advogado Edvaldo Cozzi, disse que já deu entrada num
recurso, para reiniciar a obra.
A reforma da prefeitura, porém, não agradou a todos os
moradores, que criticaram as cores fortes que foram usadas.
O próprio Cozzi confessou que preferia o creme de antes,
embora estivesse sujo.
— Mas a cavalo dado não se olha os dentes — brincou Cozzi,
que jura que vai pintar o “puxadinho”, mantendo o azulão do
resto do prédio.
Segundo a secretaria, os proprietários não assumiram nenhum
compromisso de manter as cores originais do projeto, nem os
imóveis inalterados. A secretaria informou que a pintura foi
uma maneira de incentivar a preservação e aumentar a
auto-estima da comunidade.
A secretaria informou que está em estudo a ampliação do
projeto de pintura de casas às margens de outras favelas.
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Topo TÓPICO 25
Moradores
de favelas podem requerer título |
Jornal O
Globo, Rio, quarta-feira, 10 de outubro de 2001
Luciana Conti
A partir de agora os moradores de favelas e loteamentos que
ocupam terrenos particulares há mais de cinco anos poderão
reclamar na Justiça o direito de terem a propriedade dos
imóveis onde moram. O direito é um dos dois únicos previstos
no Estatuto da Cidade, em vigor desde segunda-feira, que não
precisa de regulamentação. Os outros, como o Estudo de
Impacto de Vizinhança, dependem ainda de leis municipais
para regulamentar sua aplicação.
O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis,
pretende enviar até o fim do mês à Câmara dos Vereadores um
projeto de lei para iniciar o processo de regulamentação das
normas previstas no estatuto.
Projeto do Plano Diretor foi enviado sexta-feira à Câmara
Segundo o secretário, com a aprovação desta lei bastaria um
decreto do prefeito criando normas para a aplicação de
instrumentos como a outorga onerosa de construir (a cobrança
pela autorização de se construir um prédio com área maior do
que a do terreno, verticalizando a construção).
O projeto de Sirkis seria o segundo de autoria do Executivo
a tratar de questões do estatuto. O primeiro deles, o
projeto do novo Plano Diretor, que trata da política urbana
para a cidade, foi enviado na sexta-feira pelo prefeito
Cesar Maia à Câmara.
— A discussão sobre o Plano Diretor só vai se esgotar no
próximo ano. Estes instrumentos precisam ser aplicados
imediatamente — disse Sirkis, explicando porque quer enviar
novo projeto.
Nem todos os mecanismos de política urbana previstos no
estatuto serão aplicados. Sirkis adianta que, por ordem do
prefeito, o projeto não prevê o IPTU progressivo, criado
para punir com impostos mais altos donos de terrenos
ociosos.
— O Estatuto da Cidade não obriga os municípios a aplicar os
instrumentos que prevê — disse o advogado Francisco Teles,
assessor do vereador Eliomar Coelho (PT).
O advogado cobrou da prefeitura garantia da participação
popular na elaboração de políticas urbanas prevista no
estatuto. Ele explicou que apenas os artigos que tratam de
direito fundiário, uma atribuição federal, são
auto-aplicáveis.
Terceiros podem ser indenizados por melhorias
Desta forma, é auto-aplicável também o direito de superfície
previsto no estatuto. O instrumento, a ser firmado por
contrato entre particulares, permite que terrenos sejam
usados por terceiros, que poderiam ser indenizados por
benfeitorias.
O usucapião coletivo para loteamentos e favelas em áreas
públicas também independe da vontade do poder municipal, diz
Teles. Inicialmente previsto no Estatuto da Cidade e vetado
pelo presidente Fernando Henrique, o mecanismo que permite a
legalização de favelas foi criado por medida provisória do
presidente em 6 de setembro. Pela MP, moradores há mais de
cinco anos de áreas públicas não reclamadas até 30 de junho
deste ano poderão requerer o direito à propriedade.
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Topo TÓPICO 26
Casa
própria a R$ 5.500 |
Jornal O Dia, Economia,
quarta-feira, 24 de outubro de 2001
Residência popular
construída em regime de cooperativa prova que o sonho é
possível, quando há iniciativa independente do poder público
Leila
Souza Lima
M esmo quem ganha menos
de dois salários mínimos por mês (R$ 360), como a auxiliar
de escritório Gilda da Silva Rebelo, 51 anos, pode acalentar
o sonho da casa própria. Ela compromete 10% do que ganha (R$
340) com prestações de sua residência – abaixo do teto de
30% exigido no Sistema Financeiro de Habitação (SFH). A
unidade (dois quartos e dependências) foi construída em
regime de mutirão pelos moradores da cooperativa Shangri-lá,
na Taquara, e custou R$ 3.300.
A experiência de Gilda e
de outras famílias de Jacarepaguá (Zona Oeste do Rio) e de
São Gonçalo mostra que a casa própria não é uma realidade
impossível quando se juntam bom projeto, gestão séria e
vontade política.
“Eu vivia em condições
muito ruins nesse mesmo bairro onde moro hoje. Quando
chovia, era obrigada a sair por causa das goteiras”, conta
Gilda. “Ajudei a levantar a casa. Ela tem valor sentimental.
Temos até um centro comunitário”, orgulha-se. A casa foi
erguida com material convencional. Para tornar a proposta
viável, a Shangri-lá foi assessorada pela Fundação Bento
Rubião – organização não-governamental voltada para terra,
infância, habitação e regularização fundiária. As casas são
financiadas com dinheiro de uma entidade americana e de um
fundo da Bento Rubião.
Objetivo é oferecer
solução e provocar as autoridades
Apesar de bem-sucedida,
sozinha a iniciativa não tem força e abrangência para
resolver o problema de moradia das 360.703 pessoas que
compõem o déficit habitacional no Estado do Rio. “Não há
como socorrer tanta gente. Nosso objetivo é provocar o poder
público. É mais uma ação política que pode levar o Governo a
liberar recursos e a criar subsídios para projetos que
atendam à população pobre”, explica o arquiteto Ricardo
Gouvêa, coordenador-executivo da Fundação Bento Rubião.
Lucro impede avanço de
programas
Para o presidente do
Sindicato dos Arquitetos e vice do Conselho Regional de
Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ), Canagé Vilhena, os
programas populares de financiamento da casa própria não dão
certo porque as margens de lucro do mercado são muito altas.
“É preciso diminuir o custo da administração técnica,
utilizando-se a mão-de-obra dos moradores. No entanto,
quando criam um projeto mais barato, degradam o material.
Isso não é vantagem. Os conjuntos mais parecem campos de
refugiados”, critica. Ele chama atenção para a falta de
extensão dos programas de habitação para a baixa renda
oferecidos pelo Governo. “Resolvem problemas em pequena
escala. Da forma como são gerenciados, apenas levam soluções
políticas”, conclui.
Experiência já gerou
dois filhotes
A experiência da
cooperativa Shangri-lá, em Jacarepaguá, deu frutos: outras
duas associações, Herbert de Souza, também na Taquara, e
Ipiíba, em São Gonçalo, foram montadas no mesmo formato. O
preço da casa de dois quartos passou de R$ 3.300 para R$
5.500, devido ao aumento de preço do material de construção.
O prazo de financiamento é de oito anos.
Para dar certo, o
sistema de ajuda mútua deve ter assessoria técnica, que pode
ser de engenheiro, arquiteto ou outro profissional do setor
da construção. “Os cooperados precisam de orientação para
buscar recursos. Não é uma tarefa simples”, explica o
arquiteto Ricardo Gouvêa.
As casas propostas pela
Fundação Bento Rubião são erguidas com material
convencional. Mas esquadrias e lajes são produzidas em
pequenas usinas, montadas no canteiro de obras. As unidades
podem ter um ou dois quartos. Há também a opção quitinete. A
casa de dois quartos tem 46 metros quadrados – um ringue e
meio de boxe.
O sucesso desse tipo de
empreendimento se deve ao controle rígido. Em muito casos, é
necessária a presença de um assistente social, que orienta
os moradores sobre problemas como o alcoolismo e
desentendimentos. É preciso seguir à risca os traços do
projeto e cumprir prazos. Não raro, mulheres constroem as
próprias casas. |
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Sonho da
casa própria é caro e tem alto risco
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Jornal O Dia, domingo,
28 de outubro de 2001
Sonho da casa própria é
caro e tem alto risco
Juros de 12% ao ano
fazem com que um imóvel de R$ 100 mil saia por R$ 960 mil em
20 anos
Lúcio
Santos
Os financiamentos
imobiliários oferecidos à classe média são caros e uma
aposta de alto risco, segundo avaliação do professor de
Finanças Mauro Halfeld. Para ele, os planos da Caixa com
recursos do FGTS, que cobram juros de 8% ao ano mais TR,
ainda são aceitáveis, mas o Sistema Financeiro da Habitação
(SFH), com juros de 12% ao ano mais TR, pode se tornar
impagável. Ele fez as contas e concluiu que o mutuário que
financia R$ 100 mil, ao fim de 20 anos, paga R$ 960 mil.
Isso, diz Halfeld,
desfaz o mito de que pagar aluguel é jogar dinheiro fora.
Muitas vezes, comprar um imóvel é muito pior, principalmente
se a prestação for superior a 20% da renda. Ele aconselha
aos interessados a compra à vista. "Os juros no Brasil são
muito altos, e é preciso fazer com que eles trabalhem a
favor. O melhor é alugar um imóvel barato e poupar o
suficiente para comprar uma casa à vista", diz.
Tirando a Caixa, que
financia em 20 anos, os bancos privados encurtam os prazos
para 10 anos, como o Itaú, ou até cinco, como o Bradesco.
Isso faz com que as prestações fiquem altas.
No caso do Bradesco,
para o candidato comprar um imóvel de R$ 100 mil, precisa
ter R$ 50 mil na mão, já que o banco só financia a metade.
Além disso, o mutuário deve ganhar R$ 8.916,13 por mês, para
pagar R$ 1.355,42 mensais.
Mesmo com essas
condições, o consultor técnico da Associação Brasileira das
Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), José
Pereira Gonçalves, garante que, este ano, os bancos estão
financiando mais imóveis do que no ano passado.
Em 2000, foram 27.880
unidades, de janeiro a setembro. Este ano, os bancos já
financiaram 28.880 unidades. Muito pouco se comparado com o
início da década de 80, quando o SFH financiava 260 mil
imóveis por ano, com 15 anos para pagar. |
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Topo TÓPICO 28
Paraíso e
inferno são vizinhos na Barra |
Jornal do
Brasil, Cidade, domingo, 3 de novembro de 2001
Renda média três vezes
maior do que a do município e coberturas de R$ 6 milhões
convivem com crescimento de favelas
Prédios de arquitetura
pós-moderna, shopping centers repletos de grifes famosas e
letreiros poliglotas cercam uma maioria de ricos. A renda
média mensal da população de 175 mil habitantes da Barra, de
acordo com as estatísticas do Instituto Pereira Passos, é de
18 salários mínimos, três vezes maior do que a do município.
Mas a réplica da Estátua da Liberdade, fincada na entrada do
New York City Center convive com as mazelas decorrentes do
progresso. Trânsito caótico, aumento da população de rua,
favelização, empreendimentos imobiliários falidos e poluição
ambiental são alguns dos problemas.
Apesar
de o bairro, com 175 mil habitantes, ainda estar
engatinhando em termos de ocupação - com 8% da população
prevista de 2 milhões de pessoas - são crescentes as
preocupações com crescimento desordenado. O arquiteto
Rodrigo Azevedo critica o desrespeito à legislação
ambiental. ''Não era isso o que Lúcio Costa previa'',
afirma, ressaltando que a filosofia do plano de ocupação do
urbanista - datado de 1969 - tinha como meta harmonizar
crescimento e preservação da natureza.
O
arquiteto Marcelo Santiago, professor de Técnicas da
Construção da Universidade Estácio de Sá, discorda. ''O
fundamental é para não agravar a já precária infra-estrutura
sanitária do bairro. Não vejo problemas na construção de
edifícios e hotéis'', diza, julgando que a cidade não tem
outras opções de espaço para crescer. O vice-presidente da
Câmara Comunitária da Barra, David Zee, é ainda mais
otimista.''Enquanto o crescimento do resto da cidade foi
muito desordenado, estamos empenhados em projetar, aqui, um
bairro com qualidade de vida bem melhor. A idéia é não
repetir os erros de Copacabana'', diz,
Erros já
há muitos e tenta-se evitar outros. Os moradores do
condomínio Malibu estão há sete anos travando uma guerra
judicial para impedir que a empresa Comércio Importação e
Exportação Três Irmãos leve adiante a construção de um clube
recreativo às margens da Lagoa de Marapendi. Eles
conseguiram embargar a obra, mas aguardam um parecer
definitivo da justiça.''Não permitiremos que a especulação
imobiliária destrua o local em que moramos'', revolta-se
Paulo Carraro, engenheiro civil e morador do condomínio. Ele
lembra que o Malibu é um dos poucos condomínios da Barra que
tem estação de tratamento de esgoto.
Do outro
lado do bairro, moradores dos condomínios Itália Fausta,
Village e Engenheiro Neves da Rocha, na área do Itanhangá,
também tentam preservar o verde. Eles estão preocupados com
o crescimento de construções irregulares do Morro do Banco,
que já foi beneficiado pelo Programa Favela-Bairro. ''Se o
próprio poder público legalizou o que era irregular, fica
complicado fazermos alguma coisa'', censura a publicitária
Mariana Rocha Penna, moradora do Village. A menos de sete
quilômetros, outra expansão - a da favela de Rio das Pedras
- vai encaminhando-se em direção a região central da Barra.
O subprefeito Alexander Vieira da Costa garante que está
atento ao fenômeno. ''Estamos monitorando estas ocorrências.
O controle da ordem urbana é fundamental para o progresso da
cidade'', afirma.
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Divergências atrasam Favela-Bairro |
Jornal
do Brasil, Cidade, quinta-feira, 6 de dezembro de 2001
Divergências atrasam Favela-Bairro
Carro-chefe dos projetos
sociais da Prefeitura do Rio, o projeto Favela-Bairro vem
enfrentado dificuldades nos últimos meses. A Secretaria
Municipal de Habitação teve que interromper, semana passada,
as obras em quatro comunidades, por problemas com a
construtora. As obras em outras sete comunidades sofreram
atrasos recentemente, porque a empreiteira responsável
faliu. E o início das intervenções em outras áreas
programadas foi retardado por problemas, como a necessidade
de reformulação dos projetos urbanísticos e novas invasões.
''Os
problemas existem. Mas o Favela-Bairro passa por uma
transição para resgatar sua proposta original. O de ser um
empreendimento preocupado principalmente com a integração
social'', justificou o prefeito Cesar Maia.
Semana
passada, a prefeitura declarou a construtora OAS inidônea,
devido divergências em relação ao valor do pedágio da Linha
Amarela. Com a decisão, todos os contratos da empreiteira
foram suspensos, incluindo dois projetos recém-iniciados:
Morro do Juramento (orçado em R$ 8,9 milhões) e Parque Vila
Isabel (R$ 5,6 milhões). E mais Vila do Céu (Kosmos) e
Parque Proletário (Vigário Geral), que estavam na fase
final. A retomada depende de negociações com as demais
empreiteiras que participaram das concorrências.
Realizado com recursos da prefeitura e financiamento do
Banco Interamericano de Desenvolvimento (Bid), o
Favela-Bairro teve início há cinco anos, com a urbanização
de cerca de 60 favelas de médio porte, incluindo o Morro da
Mangueira. Neles, foram investidos cerca de 300 milhões de
dólares (R$ 750 milhões). Ano passado, a prefeitura assinou
um novo financiamento com o Bid, para estender as obras para
cerca de 70 comunidades, no valor de 326 milhões de dólares
(R$ 815 milhões). Em 26 favelas as obras já começaram. Todas
têm que terminar até março de 2004.
Os
atrasos de execução vêm sendo constatados pela CPI da Câmara
de Vereadores que apura supostas irregularidades no
programa. Ontem, os vereadores ouviram a gerente do Favela
Bairro 2, Márcia Garrido; e o coordenador do programa,
Aderbal Curvelo. Eles confirmaram problemas, como no Morro
do Borel (Tijuca). Lá, a desocupação das áreas de risco
surtiu pouco efeito. Os moradores foram indenizados, mas
logo depois aconteceram novas invasões.
Favela atrai classe média
da Zona Sul
Rocinha tem aumento na
procura de imóveis por gente que busca economia em
aluguel, impostos e transportes
DANIELA DARIANO
Mansão de três andares,
cinco quartos, sala, copa, três banheiros, sala de
musculação, quadra de futebol, piscina e vaga para carro.
Tudo isso por R$ 1.100 mensais, incluindo aluguel e taxas.
Esse anúncio chamou a atenção do comerciante que há oito
meses assinou contrato de aluguel com a imobiliária
Passárgada, da Rocinha. O inquilino encontrou conforto,
economia e quase nenhuma burocracia na hora de alugar um
imóvel. Tantas vantagens atraem um número crescente de
interessados em se mudar para morros como a Rocinha.
O
gerente financeiro da imobiliária,Jorge Ricardo Souza dos
Santos, destaca que por mês entre 10 e 15 pessoas o
procuram interessadas em alugar imóveis na Rocinha.
''Cerca de 30% são de moradores de outros bairros do Rio.
Vem gente de Jacarepaguá, Gávea e, principalmente, de
Botafogo. Só nos últimos dois meses, aprovamos fichas de
15 locatários vindos de Copacabana'', disse o gerente
financeiro.
A
exigência de fiador e o valor das taxas afastam locatários
das áreas tradicionais.Com isso, o morro ganha a
preferência dos inquilinos. Na Rocinha, o interessado
precisa entregar à imobiliária cópias da carteira de
identidade, do CIC e do comprovante de renda, além de
fazer depósito no valor de um mês de aluguel.
Eduardo Soares Cavalcanti morou 35 anos no Leblon e há
seis meses mudou-se para a Rocinha. ''Nunca pensei em
morar aqui. Mas a situação apertou e estou numa casa muito
boa por R$ 320 ao mês'', conta, descrevendo uma residência
com sala, dois quartos, cozinha, banheiro e área de
serviço.
A
imobiliária Passárgada estima que a procura de imóveis por
nordestinos tenha diminuído em 90% nos últimos meses.
''Eles estão voltando para casa porque os novos moradores
têm mais poder de compra'', avalia Santos.
No
Morro Dona Marta, o anúncio de obras do governo do Estado
aqueceu o mercado imobiliário da área. Mas o
diretor-executivo da associação de moradores local, João
Batista de Aragão, acredita que a valorização só se aplica
à compra de imóveis, não ao aluguel.
Deu no New York Times
O New York Times de
domingo publicou matéria sobre favelas brasileiras. A
reportagem parte da história de um casal de caseiros
paulistano, demitido uma mansão no Morumbi, que se muda
para Paraisópolis. Marli Roseno, de 54 anos, comprou por
US$ 4.400 (R$ 10.687,00) um barraco de alvenaria, onde
passou a viver com o marido e quatro filhos menores. Os
barracos mais caros atingem até US$ 16.000, quase R$ 40
mil. A matéria mostra como, para os norte-americanos,
acostumados com bom sistema de transporte, surpreende o
que é óbvio no Brasil - a tendência de os mais pobres
preferirem morar próximo ao centro, mesmo que em favelas.
Em Paraisópolis vivem 66 mil pessoas e 40% trabalham na
própria comunidade. A jornalista Jennifer L. Rich destaca
ainda outra economia: o não pagamento de imposto algum. E
se surpreende com o fato de compras e vendas não serem
documentadas, registrando que a do barraco dos Roseno foi
selada com um aperto de mão.
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Topo TÓPICO 30
Brazilians flock to shantytowns |
BBC
NEWS, sexta-feira, 14 de dezembro de 2001
Brazilians flock to
shantytowns
By Isabel Murray
Low prices, proximity to
work, very little in the way of bureaucracy and zero
property taxes.
These are the factors
that are causing an ever-increasing number of Brazilians to
buy homes in the favelas, or shantytowns, of Sao Paulo.
According to a census
carried out two years ago, 30,000 people live in the
Paraisopolis favela - the largest one in the city of Sao
Paulo. However, the local residents association puts this
number nearer to 60,000.
Situated within the
upper-class neighbourhood of Morumbi, the Paraisopolis
favela is like a small town inside the mega-city of Sao
Paulo.
Normally, the houses are
made of wood, but here they are made of bricks. Even so,
there is no proper sewage system.
Cash buyers
For 17 years Helena
Santos has worked as the local estate agent. She explains
how the sort of people buying a home in the favela has
changed a lot in recent years:
"I can't tell exactly
which class these people come from," she says.
"I know they come from
the nice parts of town and come to live here instead. They
buy their houses across the whole range of prices and they
pay cash."
A normal arrangement
would be a two-bedroom house with a lounge, kitchen,
bathroom, and utility room, with or without a garage.
Often the buyers add on
an extra floor, giving the house a total floor space of up
to 100 square metres (1,000 square feet).
According to Ms Santos
this would cost something in the region of 35-40,000 reals
($15 -17,000).
In any other
neighbourhood within the city that has basic urban services,
such as paved streets, sewage and street lighting, this
could cost as much as 90,000 reals ($38,000).
Adapting
Rita Silva moved from
the city centre with her family of five.
She explains how she
adapted to life in the shantytown:
"At the beginning I was
a bit scared of the place. Back in 1993 there were loads of
murders in this area."
"It's the people who
make the neighbourhood," she added. "We don't get involved
in anything dubious. We avoid getting involved in all the
gossip. That's what's important."
Necessity
Silva is just part of a
growing trend, one that's becoming so noticeable that Nelson
Baltrusis, an urban planner and sociologist, has studied the
property market in the favela.
In his opinion lack of
choice is forcing a growing number people to live in the
favelas. He explains:
"People come here to
live because it is closer to where they work. This is
because there are no housing projects for the lower income
classes here in Brazil."
"The few housing
projects that there are," Baltrusis explains, "are focused
on providing accommodation for the working classes and are
centred on the outskirts of the big cities.
"Living in the favelas
translates into a better salary for these people because
they spend less time commuting."
Upheaval
Despite the fact that
the residents are squatting on the land, Baltrusis believes
that this trend is happening all over Brazil.
"They don't have legal
title to the land", says the sociologist. "But in large
favelas like Paraisopolis it's very unlikely that the land's
legal owners will go to the courts and formally request
their land back."
"It would cause social
upheaval on a huge scale. In the city of Sao Paulo alone you
have more than two million people living in shantytowns and
this represents almost 20% of the city population."
"Can you imagine
throwing 20% of a city's population out onto the streets?
This would be unthinkable in any city anywhere across the
world." |
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Topo TÓPICO 31
Líderes
das favelas pregam luta racial |
Jornal O
Globo, Rio, 23 de dezembro de 2001
Cidadania a ferro e fogo
nas favelas do Rio
Vera Araújo
O radicalismo e o inconformismo crescem nas favelas do Rio.
Embalados pelo som do hip-hop e pelo resgate de valores da
cultura negra como meio de se adquirir auto-estima e
cidadania, movimentos comunitários saem em defesa de uma
união entre favelas para pressionar os setores públicos e a
iniciativa privada e, assim, forçar uma melhor distribuição
de renda. Não são as carências de infra-estrutura que mais
preocupam estes grupos, mas a falta de obras sociais que
estimulem a educação e a cultura nas favelas.
Com um discurso que não descarta nem uma aliança com o
tráfico de drogas para impor sua vontade a ferro e fogo, a
Central Única de Favelas (Cufa) chegou a criar um partido —
o PPPomar (Partido Popular de Poder pela Maioria), em
processo de regulamentação pelo Tribunal Superior Eleitoral
— em que o primeiro pré-requisito para integrá-lo é ser
negro. Um dos coordenadores da Cufa, o produtor Celso
Athayde, defende a idéia de bloquear a entrada de caminhões
de cerveja e de cigarros nas favelas, começando pela Cidade
de Deus, berço do movimento:
— Se eles lucrarem R$ 10, têm que dar R$ 1 para a
comunidade. Eles têm que devolver o dinheiro, revertendo em
obras sociais.
Ameaça de recorrer a traficantes de drogas
Segundo Athayde, se houver resistência por parte das
empresas, que serão chamadas para um acordo, os integrantes
do movimento vão buscar a força do tráfico:
— A comunidade é formada por bandidos, santos, donas de
casa, prostitutas. Todos são moradores da favela. Se eles
(bandidos) têm a capacidade de proibir a entrada de
concessionárias, podem nos ajudar nesta luta .
Atualmente, 107 favelas ou correntes, denominação dada pela
Cufa, fazem parte da central. Ela é formada por artistas,
acadêmicos, comerciantes, produtores, pessoas que moram ou
viveram em comunidades carentes e que falam a mesma
linguagem. O movimento hip-hop é o principal instrumento
para o resgate da cultura negra.
Outro integrante da Cufa é o rapper MV Bill, que no Natal do
ano passado causou rebuliço ao exibir na Cidade de Deus o
clipe “Soldado do morro”. As imagens do clipe mostravam
garotos, recrutados pelo tráfico, desfilando com armas na
favela. Neste Natal, promete mais barulho com a música “O
som da guerra”, na qual defende a deflagração desta guerra
surda nas favelas. Ele mostrará sua criação durante o
projeto Conexões Urbanas, no dia 25, na Cidade de Deus, onde
a Cufa passará por sua prova de fogo.
— Não é a filosofia do Bill. É a filosofia de quem quer paz,
mas não quer virar refém do medo. Temos que mudar esta
realidade. Acabar com a exclusão do negro. Todo mundo tem
que se unir para mudar, incorporar o espírito de
guerrilheiro — prega Bill.
Para o rapper, é hora de unir as correntes. Ele é contra as
disputas do tráfico, que proíbe a entrada de moradores de
favelas rivais em seu território.
— Ninguém é bandido e nem tem que agir como bandido. Não há
rivalidades entre as correntes, como há no tráfico. Se a
gente quer soluções tem que se unir. Esta história de que
não posso entrar numa favela porque é de uma facção rival
não deve existir.
O rapper sabe que de nada adianta a comunidade ter uma
biblioteca, se não houver estímulo à leitura. Há pelo menos
dois milhões de negros morando em favelas do Rio. Bill faz
críticas à mídia:
— As nossas músicas não tocam nas rádios. Não existe
mercado. A melhor propaganda é a feita boca a boca. Temos a
vantagem de entrar em lugares em que políticos não entram,
juntar a massa e falar de política, sem sermos chatos.
Doutor em antropologia pela Universidade do Texas, Julio
Cesar Tavares é membro da Cufa e dá aula de artes marciais
para negros.
— A Cufa tem que ser radical para construir um movimento
sólido e com raízes negras. O negro está perdendo o medo —
disse o antropólogo.
Julio disse que as favelas estão passando por uma revolução
silenciosa. O cientista social Jailson de Souza e Silva, do
Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm), já
havia previsto este fenômeno:
— Tem muita coisa acontecendo nas favelas que as pessoas de
fora nem têm idéia. As bandeiras das comunidades vão além
das expectativas. Há pelo menos 150 movimentos comunitários
no Rio. A Cufa é uma grande idéia.
Para Jailson, quando a Cufa diz não descartar a ajuda até de
bandidos está, na verdade, criando uma frase de efeito e,
assim, dando uma demonstração de força.
Para o presidente do Centro de Articulação de Populações
Marginalizadas (Ceap), Ivanir dos Santos, o inconformismo
dos negros pode ter origem no fato de a sociedade não
reconhece o racismo.
— A nossa luta é por uma reparação — disse Ivanir.
Grupos conservadores
recebem críticas
Movimentos mais conservadores, como a Federação de Favelas
do Estado do Rio (Faferj) e a Federação Municipal das
Associações de Favelas do Rio (FAV-Rio), ainda têm o seu
papel, mas recebem críticas de que se perderam em disputas
políticas, priorizando pequenas obras e projetos sociais
como escolinhas de futebol para a comunidade. A Faferj, por
exemplo, é presidida por uma junta governativa, mas é do
ex-presidente João Passos que vem a última palavra.
Rumba Gabriel, presidente da Associação de Moradores do
Jacarezinho, que lidera o Movimento Popular das Favelas
(MPF), defende o surgimento de novos líderes:
— Estas federações se aliam a políticos. Os moradores das
comunidades estão cansados dessas lideranças viciadas.
O líder do MPF desenvolve projetos com os alemães da ONG
Bauhaus e com os americanos do grupo Panteras Negras. Rumba
quer criar um núcleo de estudos acadêmicos no Jacarezinho e
já fez parcerias com a Uerj e a UFRJ.
O Favelania é outro movimento que se destacou ao longo dos
últimos dez anos e tem na liderança o presidente da
Associação de Moradores do Morro Dona Marta, André
Fernandes, jovem de classe média da Tijuca:
— Não queremos levar nada pronto para as comunidades. Elas
mesmas têm que se conscientizar de suas necessidades.
João Passos, ex-presidente da Faferj, afirma que as críticas
ao seu trabalho partem de pessoas que têm ligação com o
tráfico.
— Eu não tenho medo de dizer que tenho um bom relacionamento
com a PM. A polícia sempre nos apoiou.
O presidente da FAV-Rio, Antônio Tito, acha que há lugar
para todos os movimentos nas 600 favelas do município.
Principais organizações
CUFA: Central Única de Favelas, formada por moradores de 107
favelas, entre os quais artistas, produtores e pessoas
ligadas a associações de moradores. Objetivo: união entre
favelas, despertando a consciência dos moradores.
MOVIMENTO POPULAR DE FAVELAS: Destaca-se pelos projetos de
transformar favelas em centros de estudos, aliando-se a
organizações não-governamentais alemã e americana.
FAV: Federação Municipal das Associações de Favelas do Rio.
Há cerca de 600 favelas no município do Rio e, segundo o
presidente da federação, Antônio Tito, todas são assistidas
pela entidade que orienta os moradores de comunidades
carentes a regularizar as associações na prefeitura.
FAVELANIA: O movimento objetiva despertar a consciência da
cidadania nos moradores das comunidades carentes, sejam
brancos ou negros, estimulando a educação.
FAFERJ: Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro,
criada há 40 anos, está sendo presidida por uma junta
governativa. Objetivo: integração com as comunidades e com a
PM, programação social e cursos profissionalizantes. Segundo
seu ex-presidente João Passos, há 200 favelas ativas na
Faferj.
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Topo TÓPICO 32
Maioria
da população vive em residência própria |
Jornal O
Globo, Economia, domingo, 23 de dezembro de 2001
Sozinhos ou com uma numerosa família, a maioria dos
brasileiros mora em residência própria, revelou semana
passada o Censo 2000. Do total de 44,79 milhões de
domicílios do Brasil, 33,3 milhões foram declarados próprios
pelos entrevistados, uma proporção de 74,4%. A Região Norte
registra a maior participação de residências próprias do
país, 80,33% do total. No Acre, 83,9% dos domicílios são
próprios, seguido de Maranhão e Amazonas (ambos com 83,5%),
Pará (81,7%) e Amapá (81,4%).
— A Região Norte tem a maior incidência de residências
próprias, pois existe uma tradição muito grande de as casas
serem passadas por herança de geração em geração e de se
construir uma casa no mesmo terreno da família por causa da
pouca tradição de urbanização — explica Luís Antônio Pinto
de Oliveira, chefe do Departamento de População e
Indicadores Sociais do IBGE.
O aluguel — o inimigo número um da classe média dos grandes
centros urbanos — é a condição de ocupação de apenas 14,3%
dos domicílios brasileiros. Segundo Pinto de Oliveira, as
informações recolhidas pelo Censo 2000 também permitiram
concluir que é cada vez mais raro o uso de imóveis cedidos,
que representam 11,3% do total.
A taxa, porém, é puxada para baixo pelas áreas urbanas, uma
vez que nas zonas rurais a proporção sobe para 23,9% das
residências.
— Os dados sobre as condições de ocupação dos imóveis
costumam surpreender porque nos grandes centros urbanos a
ocorrência de aluguéis é muito maior — explica o chefe de
departamento do IBGE.
É o caso da Região Sudeste, em que 17,06% dos imóveis são
alugados. A taxa só não é maior do que a da Região
Centro-Oeste, 17,39%, onde, porém, o indicador é pressionado
pelo Distrito Federal, que ostenta a maior proporção de
residências alugadas do Brasil: 23,51%. No Rio, a relação é
de 16,94% e em São Paulo, de 18,31%. A menor incidência de
domicílios alugados é na Região Norte, com 8,80%.
O Censo 2000, segundo Luís Antônio Pinto de Oliveira, também
confirmou que o tipo de moradia mais comum no Brasil é a
casa, com 40,01 milhões de unidades, ou 89,4% do total,
especialmente nas zonas rurais. A proporção é similar em
todas as regiões do país.
A presença de apartamentos, de acordo com o IBGE, é mais
comum nos bairros de rendimento mais elevado dos grandes
centros urbanos. No Brasil, a média é de 9,6% do total de
residências. A moradia em cômodos representa apenas 1% do
conjunto de domicílios. Os dados do censo revelaram, ainda,
que a média nacional é de 3,8 moradores por residência,
sendo de 4,2 nas zonas rurais e de 3,7 nas áreas urbanas. |
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Topo TÓPICO 33
Medo da
violência cresce nas favelas |
Jornal O
Globo, Rio, segunda-feira, 24 de dezembro de 2001
Alan Gripp e Paulo Marqueiro
As transformações econômicas e sociais dos últimos 30 anos
levaram o progresso para as favelas, mas também reforçaram
as desigualdades e resultaram numa explosão de violência. A
antropóloga americana Janice Perlman, mais do que muitos
brasileiros, pôde comprovar essas mudanças. Em 1969, com o
país mergulhado na ditadura, ela percorreu as vielas da
Favela da Catacumba, na Lagoa - que depois foi removida para
dar lugar ao Parque da Catacumba - para radiografar as vidas
de seus moradores. Entrevistou 750 pessoas. Este ano, Janice
localizou 244 delas, hoje em diferentes favelas, e repetiu
as mesmas perguntas de 32 anos atrás.
Na década de 60, moradores temiam remoção
O melhor indicativo dessa nova realidade aparece quando a
socióloga pergunta qual é o maior temor dos moradores. Em
1969, a maioria tinha medo de ser removida, por conta dos
esforços do governo para erradicar as favelas. Hoje, 60%
dizem que a violência - "da polícia ou do tráfico", observa
Janice - é o maior problema. Mais grave ainda: de todos os
entrevistados na segunda etapa da pesquisa, 20,2% já tiveram
pelo menos um parente assassinado; e 49,6% já foram ou têm
algum parente vítima de furto.
O crescimento desenfreado da violência, segundo Janice, fez
com que os moradores de favelas mudassem o seu
comportamento, saindo cada vez menos de casa e participando
pouco de festas e das decisões das associações comunitárias.
- O medo que as pessoas sentem agora é diferente, elas têm
medo de morrer. O que me impressiona é que esse sentimento é
semelhante àquela sensação que havia nos Estados Unidos após
os atentados de 11 de setembro. Ou seja, o medo de morrer a
qualquer hora. É muito brutal - diz a pesquisadora, que é
presidente do projeto Megacidades. O projeto visa a
encontrar soluções inovadoras para os problemas das grandes
cidades.
Em 1969, não houve esse detalhamento sobre a violência
porque a questão ainda não chamava tanto a atenção, segundo
ela:
- Quando morei seis meses numa favela, em 1969, nunca
tranquei a porta do barraco. Deixava minha bolsa lá
tranqüilamente. Não havia índices altos de violência.
Número de pessoas com TV e geladeira aumentou
A pesquisa, por outro lado, revelou que as pessoas têm mais
bens de consumo individuais e mais serviços urbanos
coletivos, como água, esgoto e luz, embora o progresso tenha
sido menor do que em outros grupos sociais mais
privilegiados. Dos entrevistados, 98% têm geladeira e 95%
têm TV. Em 1969, os percentuais eram de 38% e 33%,
respectivamente. Mesmo assim, frisa Janice, a desigualdade,
a exclusão social e o preconceito cresceram.
- Há mais distância entre ricos e pobres hoje do que havia
em 1969 - diz Janice.
Mesmo antes de concluir a pesquisa, ela diz que a grande
maioria não melhorou e não piorou de vida. E, apesar dos
dados preocupantes, os entrevistados se mostraram otimistas:
54% disseram que a vida é melhor do que antes e só 22%
disseram que ela é bem pior. E mais: 70% deles pensam que
suas vidas estarão melhores daqui a cinco anos.
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