Reportagens 2002
logotipo de: Reinaldo Pinto |
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"O
Brasil produz pessoas que têm que pagar pelo que consomem. São
homens-monetários, mas que não têm dinheiro para isso. Desde a
escravidão, o trabalhador sempre viveu em gueto. Nesse país,
até trabalhador acaba excluído"
Paulo Lins, escritor e roteirista, autor do romance "Cidade de
Deus" |
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Reportagens
( 5ª parte) |
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Reportagens 2002
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Tópico 1 Chuvas castigam Vargem Grande |
Tópico 2 Engarrafamentos chegam aos morros |
Tópico 3
Mais de 800 mil casas irregulares |
Tópico 4
O que é favela? |
Tópico 5
Violência das favelas atinge preço de imóveis |
Tópico 6
Aposentado erra caminho e é morto com tiro no rosto em favela
paulista |
Tópico 7
Polícia enfrenta traficantes |
Tópico 8
Favelas crescem em ritmo quase 4 vezes maior |
Tópico 9
Favelas avançam sobre o asfalto |
Tópico 10
Projeto modifica favela |
Tópico 11
Pobreza avança sobre o Rio |
Tópico 12
Preços altos no mercado imobiliários das favelas |
Tópico 13
Obra para comunidade do Morro da Viúva cria polêmica |
Tópico 14
Protesto contra Política Habitacional |
Tópico 15
O pesadelo da casa própria |
Tópico 16
Favela-Bairro segue a passos lentos |
Tópico 17
Cem favelas em quatro anos |
Tópico 18
Exército sai do caminho do tráfico |
Tópico 19
Bairro partido chega ao seu limite |
Tópico 20
Tráfico criou poder paralelo |
Tópico 21 Melhores, porém mais
violentas |
Tópico 22 Narcoditadura, o poder cada vez menos
paralelo no Rio |
Tópico 23
Casas viram fortalezas com cercas elétricas, alarmes e
blindagem |
Tópico 24
Favelas proibidas aos PMs |
Tópico 25
Sob lata ou papelão, 2,3 milhões de brasileiros |
Tópico 26
Déficit só será suprido com 712 mil moradias ao ano |
Tópico 27
Área de risco na favela |
Tópico 28
Relatório faz retrato da cidade |
Tópico 29 Um
Rio estressante em 2012 |
Tópico 30
O abismo social nos morros |
Tópico 31
Cada vez mais verticais |
Tópico 32
Laje na Rocinha custa 2 terrenos na Zona Oeste |
Tópico 33
A vitória da baderna |
Tópico 34
Lider comunitário é assassinado no Recreio |
Tópico 35
Arquiteta e mendigos fazem protesto no Rio |
Tópico 36
Quando o descaso fala mais alto |
Tópico 37
No meio da favela surge a casa dos sonhos |
Tópico 38
Jacarepaguá será das favelas |
Tópico 39
A Origem das favelas no Rio de Janeiro |
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Topo TÓPICO 1
Chuvas castigam Vargem
Grande |
Jornal O
Globo, Barra, quinta-feira, 3 de janeiro de 2002
Chuvas
castigam Vargem Grande
Fernanda Pontes
As fortes
chuvas que atingiram todo o estado do Rio na semana passada
também castigaram a região da Baixada de Jacarepaguá. Foram
57 ocorrências registradas pela Defesa Civil Municipal em
quatro dias — todas relativas a riscos de deslizamento de
terra e desabamento de casas. Com suas estruturas
comprometidas, grande parte das habitações já foi
interditada pelo órgão.
Em Vargem Grande, cerca de 20 pessoas que moram na
comunidade de Beira-Rio passaram a noite de Natal numa
creche da favela, porque suas casas ficaram alagadas.
Segundo relato de moradores, com a chuva forte o Rio
Sernambetiba, que corta a comunidade, transbordou na
madrugada do dia 24. Durante mais de três horas, seis casas
ficaram inundadas.
Moradores perderam eletrodomésticos, colchões, roupas e
móveis. As ruas de terra viraram um lamaçal e muitas
pessoas, sem ter para onde ir, continuam vivendo às margens
do rio. A presidente da associação de moradores da favela,
Maria Pergentira, diz que já solicitou à prefeitura a
inclusão da comunidade no programa Favela-Bairro, já que é o
quarto ano consecutivo de enchentes no local:
— É sempre a mesma coisa. A população perde quase tudo que
conseguiu comprar durante o ano. Algumas pessoas já sabem
até como agir. Em dias de temporal elas evitam passar por
pontes e ruelas.
Maria conta que não acionou a Defesa Civil durante as chuvas
porque não havia risco de desabamento de construções na
comunidade.
— As casas, por enquanto, não apresentaram problemas em suas
estruturas. Não há rachaduras e não houve deslizamentos
próximo ao Rio Sernambetiba — afirma Maria.
Depois de passarem o Natal tentando salvar os últimos
pertences, os moradores de áreas de risco podem ter mais
problemas no início de 2002. O Instituto Nacional de
Meteorologia (Inmet) prevê que as chuvas vão continuar esta
semana e que poderão ocorrer novos deslizamentos de terra em
todo o estado.
O drama dos
que perderam tudo
A moradora da comunidade de Beira-Rio Terezinha Maria Rocha
passou a última semana tentando recuperar o pouco que restou
de sua casa depois da enchente causada pelas fortes chuvas.
Revoltada, ela reclama da falta de assistência do poder
público.
— Isso aqui é uma tristeza. A prefeitura já havia prometido
fazer obras na favela e nada aconteceu. Perdi quase tudo —
lamentava Terezinha, enquanto lavava toda a roupa da
família.
A casa onde mora foi construída há 20 anos entre dois
canais. Desde 1996 que o terreno vem afundando.
— A casa está muito mais baixa do que o normal e o pior
disso tudo é que os rios transbordam sempre e nós
continuamos sem água potável — conta a moradora.
Fim de ano sem comemorações
Com suas casas alagadas, os moradores da comunidade de
Beira-Rio tiveram de passar a noite de Natal na creche
Cantinho Feliz, dentro da favela. A diretora da creche,
Maria Pergentira, acomodou cerca de 20 pessoas nos
colchonetes doados pela Associação Gesto de Amor, que também
forneceu roupas, sapatos, cobertores e alimentos.
— Telefonamos para o Eduardo Paes (secretário municipal de
Meio Ambiente), para a assessora da Solange Amaral
(secretária municipal de Habitação) e para alguns líderes
comunitários, mas ninguém nos ajudou. Com as doações,
improvisamos uma sopa e acomodamos os desalojados — conta.
Atualmente, a presidente da associação luta para conseguir
mais donativos e atendimento médico para os moradores:
— Depois da tempestade começam a aparecer as doenças. As
crianças contraem hepatite e já houve casos de leptospirose.
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Topo TÓPICO 2
Engarrafamentos
chegam aos morros |
Jornal do
Brasil, Rio, domingo, 13 de dezembro de 2002
As cenas de carros
engarrafados ou estacionados nas portas de residências de
morros e favelas cariocas denunciam que o caos no trânsito
deixou de ser problema enfrentado exclusivamente por quem
mora no asfalto. Ainda não há estatísticas oficiais nem
estudos específicos sobre o número de veículos que
circulam diariamente pelas estreitas ruas que compõem a
deficiente malha viária destes locais. Mas o visível
crescimento do tráfego aponta para um fenômeno que vinha
se anunciando há pelo menos uma década: o da
incompatibilidade entre o aumento do número de transportes
motorizados e a precária infra-estrutura dos morros e
favelas do Rio.
A maioria dos
moradores reclama. Acostumados anteriormente a conviver
com outro tipo de pertubação - o da disputa de pontos por
facções rivais do tráfico - eles são obrigados, agora, a
enfrentar retenções no trânsito e até a brigar com os
motoristas e vizinhos disciplentes que, com freqüencia,
estacionam os carros na porta de suas casas. ''Perdi a
linha. Estava chegando exausto do trabalho e me deparei
com um carro no portão da minha casa. Simplesmente não
pude entrar. Esperei mais de uma hora até o dono do
veículo aparecer'', revolta-se Carlos Américo dos Santos,
morador do morro da Mangueira.
Lá, e em mais três
complexos de morros cariocas - Prazeres-Escondidinho, em
Santa Teresa, Borel-Chácara do Céu-Morro da Cruz-Casa
Branca, na Tijuca, e Andaraí-Jamelão, no Andaraí - a
Prefeitura do Rio investiu na contrução de viadutos e
anéis viários para ligar as comunidades e facilitar o
acesso de caminhões da Comlurb, de ambulâncias e até de
viaturas policiais. Na época, o então prefeito Luiz Paulo
Conde, disse que as vias - apelidadas de Transfavelas -
poderiam ser usadas não só por moradores, mas por qualquer
cidadão carioca. No entanto, por medo das guerras entre
traficantes, a população se recusa a encurtar o itinerário
passando pelas extensas obras viárias, algumas ainda
inacabadas.
Só na Mangueira, a
obra do viaduto, batizado de Cartola e com muretas de
proteção pintadas de verde-e-rosa, custou R$?????. Os
recursos foram liberados pela Secretaria Municipal de
Habitação através do Programa Favela-Bairro. Na verdade, a
maioria dos veículos que cruzam os ??? metros de concreto
é de moradores da própria comunidade. Na maior parte do
tempo, o viaduto serve mesmo de área de lazer para as
crianças do morro. ''O viaduto é legal à beça. O vento é
muito bom para soltar pipa. Além disso, aqui não tem
fio'', festeja Wendel Lúcio de Araújo, de 9 anos, que
diariamente dribla carros e motos para empinar a sua pipa
em meio a uma paisagem contrastante, em que pobreza e
beleza natural estão lado a lado.
Apesar de polêmica e
dos poucos efeitos práticos gerados, há quem defenda a
obra. ''O viaduto e as outras vias melhoraram muito a
circulação na Mangueira. Além do mais, essas obras
estimularam muitos moradores a comprarem os seus
carrinhos'', diz José Roque Ferreira, presidente da
Associação de Moradores do Telégrafo, um dos três morros
que compõem o complexo da Mangueira. Segundo Ferreira, o
número de carros duplicou por causa das melhorias feitas
no sistema viário. Passou de 800 para mais de 1,6 mil em
menos de dois anos.
No complexo
Prazeres-Escondidinho, os engarrafamentos e as disputas
por vagas são constantes. Flávio Minervino, presidente da
Associação de Moradores, conta que já teve de interceder
em brigas de vizinhos por causa de uma vaga de carro.
''Era uma área descoberta que um moradores se intitulou
dono e ninguém mais podia estacionar lá'', lembra
Minervino, para quem a compra de um automóvel representa,
na maioria das vezes, muito mais ostentação do que real
necessidade. ''Tem gente que prefere deixar de comer e
melhorar o barraco para comprar um carro'', comenta.
Vagas
garantem lucro
O crescimento
desenfreado do número de transportes motorizados no Morro da
Rocinha, em São Conrado, traz caos ao cotidiano dos
moradores, mas tem gerado lucros para algumas corretoras de
imóveis. Na última quinta-feira, Jorge Ricardo dos Santos,
gerente da imobiliária Passárgada, contabilizava os lucros
das 25 vagas de carros que aluga para moradores do morro.
''Percebemos que havia uma enorme procura para a locação de
garagens na área. Começamos a investir também na
administração de vagas'', conta.
Somente em uma das
mansões localizadas no pé do morro, Santos mantém 10 vagas.
Por cada uma cobra R$ 100 mensais. A maior parte do aluguel
vai para o proprietário do imóvel e um percentual - que ele
não quis revelar - fica para a administradora.
De acordo com Santos, a
exploração comercial de garagens residenciais na Rocinha
está em expansão desde a implantação do Plano Real, há oito
anos. ''Foi uma verdadeira festa. Todo mundo saiu comprando
carros, mas deixou de pensar onde eles seriam guardados.
Afinal, carro é um patrimônio e precisa ser preservado'',
frisa ele, que está juntando dinheiro para comprar seu
primeiro automóvel.
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Topo TÓPICO 3
Mais de
800 mil casas irregulares |
Jornal O Globo, Rio,
domingo, 13 de janeiro de 2002
Mais de 800 mil casas
irregulares
Selma Schmidt
A cidade informal só faz
crescer. Estudo feito pelo Instituto Pereira Passos (IPP),
da prefeitura, mostra que, em dez anos, os imóveis
residenciais irregulares aumentaram em pelo menos 24%, ou
seja, 163.300 novas unidades sem licença do município
surgiram na cidade a partir de 1991. Para realizar o
trabalho, os técnicos compararam dados de censos do IBGE com
cadastros do IPTU. Os números oficiais dão conta de que no
mínimo 39,47% domicílios no Rio (ou 839.855 casas e
apartamentos) são irregulares. Uma realidade que preocupa o
secretário de Urbanismo e presidente do IPP, Alfredo Sirkis,
e que poderá ser ainda mais dura:
— Agora, estamos confrontando as informações do censo com as
do habite-se. Acredito que o percentual de informalidade
suba para 50%, pois vários imóveis que pagam IPTU não têm
habite-se.
Numa análise bairro a bairro, a situação se revela mais
grave. Em termos percentuais, a Vila Militar chega a ter
88,92% (3.723 domicílios) de seus imóveis residenciais
irregulares. O índice atinge 84,70% (25.700 casas) em
Guaratiba. No entanto, em termos absolutos é Campo Grande
que reúne uma maior quantidade de imóveis construídos sem
licença: 52.488 (53,22% das residências).
Em contrapartida, em Todos os Santos o índice é de 2,17%. Em
Botafogo, na Lagoa, no Maracanã, no Jardim Botânico e no
Flamengo, o índice está abaixo de 7%. No bairro de
Copacabana, há 5.590 imóveis irregulares (7,02% do total).
Problema atinge a classe média
Imóveis irregulares se espalham pela cidade e não se limitam
a favelas, se estendendo para habitações de classe média. É
o caso de um condomínio que está sendo construído sem
licença da prefeitura na Rua do Canal 1.700, paralela à
Estrada do Pontal, no Recreio dos Bandeirantes. Lá, o
proprietário Roberto Fernandes está vendendo um terreno de
360 metros quadrados por R$ 55 mil. Ele mesmo se propõe a
construir a casa do comprador por R$ 500 o metro quadrado, o
que significaria um custo de R$ 50 mil para uma residência
de cem metros quadrados. Quanto à regularização da casa, o
vendedor deixa claro:
— Isso o proprietário terá que resolver com a prefeitura.
Vendo uma fração de terreno e construo.
Mas é impossível legalizar a casa, pelo menos enquanto a
legislação para a região não for alterada. O imóvel ficará
de fora do cadastro do IPTU residencial e o proprietário
pagará apenas o imposto territorial corresponde a sua fração
de terreno (bem mais baixo).
Legislação está sendo revista
Para Sirkis, a informalidade da construção é estimulada pela
legislação fora da realidade e burocrática e por mecanismos
cartoriais ultrapassados. No âmbito da prefeitura, está
sendo elaborado um pacote de projetos, visando a corrigir o
problema. A proposta de acabar com algumas áreas agrícolas,
por exemplo, está em tramitação na Câmara dos Vereadores.
Após o recesso, também serão enviados ao Legislativo outros
projetos, entre eles o de modificação urbanística da região
de Vargem Pequena, Vargem Grande, trecho do Recreio e
Camorim. Outra proposta que chegará ao Legislativo
facilitará o licenciamento de imóveis com até 12 metros de
altura. Uma terceira criará a chamada regularização onerosa
de imóveis, cobrando taxa alta para legalizar e criando
sanções.
— Paralelo à legislação, pretendemos instituir novas formas
de repressão. É preciso criar uma estrutura operacional,
formada por órgãos municipais e interligada com a PM e o
Ministério Público, para descobrimos e derrubarmos
construções irregulares antes que fiquem prontas — diz
Sirkis. — Estamos correndo atrás do prejuízo. Em um ano e
meio, espero estabilizar a situação, para iniciar o processo
de reversão do quadro.
Em Vargem Grande e Vargem Pequena o que não falta são
condomínios de classe média não regularizados. O Reginas,
com entrada pela Estrada dos Bandeirantes, é um deles. Todas
as 16 casas pertencem a um único dono. Segundo a Imobiliária
Anechino, os imóveis têm entre 50 e 60 metros quadrados e
são alugados por cerca de R$ 700. Os inquilinos têm ainda de
pagar uma taxa de R$ 120 para custear as despesas com um
zelador e um ajudante.
Perto dali, o condomínio Ouro Verde, na Rua Zenetildes
Alves, está sendo construído sem licença. Dona de uma das
casas já prontas, Vera Lúcia Silva conta que gastou R$ 120
mil com o terreno e as obras. Apesar de ainda não contar com
infra-estrutura (a rua não é pavimentada e só recentemente a
Light começou a instalar a iluminação pública), Vera não se
arrepende de ter trocado um apartamento na Avenida das
Américas, na Barra, pela casa em Vargem Grande. Mesmo a
legalização do imóvel ela espera pacientemente. E não há
somente a pendência com a prefeitura.
— Ainda não foi feito o desmembramento do terreno, porque a
questão precisa ser resolvida com os herdeiros — explica
Vera.
Segundo dados fornecidos pelo diretor de informações
geográficas do IPP, Paulo Bastos, a Zona Oeste é a região
que mais concentra imóveis irregulares: representam 60% dos
domicílios do lugar. Na Barra, em Jacarepaguá e adjacências,
o índice é de cerca de 40% do total de residências.
Percentual semelhante é encontrado nos subúrbios da Central
e da Leopoldina, mas é nessa região que a quantidade dos
domicílios informais é a maior da cidade, ultrapassando os
325 mil.
Sem surpresa, nas favelas transformadas em Regiões
Administrativas a quantidade encontrada de casas licenciadas
é ínfima. Na Rocinha, por exemplo, 97,49% dos domicílios não
estão cadastrados no IPTU. No Jacarezinho, o percentual é de
91,06% e no Complexo do Alemão, 88,65%. |
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Topo TÓPICO 4
O que é
favela? |
Vivafavela, domingo,
13 de janeiro de 2002
Todo
mundo sabe o que é favela. A 'invenção' não é exclusiva do
Brasil - basta ver as 'poblaciones' do Chile, as 'barriadas'
do Peru, as 'villas miseria' da Argentina, os 'caniços' de
Moçambique. Aqui, porém, favela tem um significado especial.
Com prédios erguidos pela especulação imobiliária, agências
bancárias e videolocadoras, além de melhorias que sepultaram
de vez o fantasma das remoções, elas se tornaram um conceito
difícil de definir. E não adianta correr para o dicionário.
Ele não ajuda nem um pouco.
As definições simplistas do velho Aurélio e do novíssimo
Houaiss - os dicionários mais consagrados do país - não
refletem por inteiro a imagem da favela brasileira. Descrita
como lugar tosco, de higiene precária e de mau aspecto - a
favela que salta desses dicionários é, para muitos, um
retrato parcial, ultrapassado e incapaz de sintetizar a nova
realidade.
O
recém-lançado Houaiss, por exemplo, traz mais informações
históricas que os concorrentes. Mas poderia ter se
preocupado em dar uma visão "menos preconceituosa" da
favela, segundo o doutor em Língua Portuguesa pela USP e
escritor Marcos Bagno. "Não ficaria surpreso se descobrisse
que os autores do verbete nunca puseram os pés numa favela",
espeta o filólogo.
O novo
Houaiss não é o único a cometer o pecado de olhar a favela
de binóculo. O Aurélio e o Michaelis também se referem à ela
como se fosse "um corpo estranho" na cidade, uma "espécie de
tumor ou infecção", observa Bagno. Não por acaso, já que "a
origem social" do dicionarista influencia diretamente "seu
modo de definir as palavras" e os "juízos de valor" que faz
sobre elas. "Um dicionário não é uma obra neutra. É reflexo
das crenças, noções e preconceitos da classe social do
indivíduo", lembra Bagno.
Nesse sentido, seria melhor definir a favela logo como um
"bolsão de miséria" destinado a fornecer subempregados. "A
favela é vista como um depósito de mão-de-obra barata, onde
as classes média e alta vão buscar suas babás, cozinheiras,
faxineiras, vigias, lixeiros e zeladores", analisa o
filólogo.
"Lixeiras da sociedade
elitista"
A
estudante Alini dos Santos, de 20 anos, moradora do
Cantagalo, está entre os que rejeitam as definições do
Aurélio e do Houaiss. Para Alini, elas só reforçam a idéia
de favela "como uma forma de se falar das lixeiras da
sociedade elitista". Uma forma que, na verdade, "deprecia os
moradores" e faz com que eles pensem que "o morro é o seu
lugar" e que "o asfalto é só para as madames e os nobres".
Alini carrega nas tintas. Mas faz uma análise bem próxima de
intelectuais como Bagno, quando diz que a favela continua a
ser uma espécie de senzala moderna.
Para o
filólogo, seria mais justo se os dicionários dedicassem ao
menos uma linha para dizer que as favelas são o resultado de
um "processo histórico de exclusão social" no Brasil.
Uma
exclusão que seus moradores sentem tão logo pisam no
asfalto. "Há um tratamento diferenciado em relação à favela
por parte de todos os segmentos da sociedade", observa a
universitária Conceição Moreira da Silva, de 42 anos,
moradora do Morro do Alemão. Conceição não se espantou ao
ler os verbetes do Aurélio ("conjunto de habitações
populares toscamente construídas (...) e com recursos
higiênicos deficientes") e do Houaiss ("lugar de mau
aspecto", com "materiais improvisados em sua construção
tosca e onde residem pessoas de baixa renda"). "Tudo de ruim
e de desorganizado se atribui à favela ou aos favelados",
reclama a universitária.
Estudante do último ano de Pedagogia da UERJ, Conceição é,
ela mesma, representante de um contraste que some na
definição dos dicionários. Mas que poderia estar lá: "Os
dicionários deveriam dizer que na favela também há
"empresários e verdadeiras mansões", diz a estudante. "Mas
rótulo é uma coisa difícil de se tirar. Tanto que mudamos de
século, mas a visão de quem nos desconhece continua a
valer".
Vinte
anos de atraso
O doutor
em História Marcos Alvito, autor do livro "As Cores de Acari
- Uma favela carioca", concorda. Ele acha que as definições
estão defasadas "pelos menos uns vinte anos". Mas acredita
que não se pode crucificar os dicionários. "Eles trabalham
com o senso comum. O dicionário só acompanha essa
percepção".
O
problema, para Alvito, é que não importa quantas melhorias
as favelas façam - e elas foram muitas nos últimos anos - a
idéia sobre elas não muda. "É uma relação historicamente
construída. Por isso, a favela nunca vai poder ser definida
apenas por suas condições materiais, de infra-estrutura, ou
pela sua topografia", diz Alvito. A favela nasce de uma
"relação de dominação" que já existia antes e que toma forma
no morro.
É
preciso não esquecer, lembra o historiador, que a imagem da
favela é construída pelos que têm "voz na sociedade" e
"idéias que repercutem". Como professores e jornalistas.
Assim, rua é sempre viela, mesmo que larga e asfaltada. E
casa é casebre, mesmo que seja de alvenaria: "É uma
construção simbólica feita por quem as vê de fora", diz o
escritor, que para fazer sua tese de doutorado mergulhou no
universo de Acari.
De fora,
é impossível saber, por exemplo, porque as casas começaram a
ser feitas de materiais baratos. "A elite nunca soube que os
moradores viviam com tanta humildade porque temiam as
remoções", diz o eletricista Feliciano da Silva Pinto, de 70
anos, morador do Cantagalo, na Zona Sul do Rio. "De que
valia gastar um dinheiro sacrificado, se podíamos ser
despejados a qualquer momento?", diz Feliciano. "Nesse país,
todo lugar que pobre pisa tem dono", espanta-se ainda hoje o
eletricista, lembrando que "os únicos lugares livres" eram
os morros da cidade.
Enquanto
a favela crescia, seu morador também alargava sua idéia
sobre a comunidade. Em parte, por conta de iniciativas
sociais que investiam em cidadania, e profissionalizavam os
moradores ajudando-os a entrar no mercado de trabalho. Tudo
isso gerou uma mudança na auto-estima, que aparece na
descrição de Vânia Miranda, moradora da Rocinha. Vânia acha
que favela é uma área de classe baixa ou média baixa, onde
as pessoas "vivenciam a busca de desenvolvimento através da
solidariedade". Tudo para transformar a área em bairro, com
"infra-estrutura, título de propriedade do solo e acesso a
princípios básicos de cidadania". Favela, diz Vânia, é um
termo rejeitado pela Rocinha porque está associado ao
"desleixo, abandono e relaxamento": "Comunidade é um termo
muito mais simpático", diz.
O escritor e roteirista Paulo Lins, autor do romance "Cidade
de Deus", está entre os que contribuíram para uma reflexão
menos estereotipada sobre a favela. Lins não discorda da
definição dos dicionários. Mas acha que elas "estão paradas
no tempo e só refletem parte da realidade". É difícil para
quem não conhece essa realidade, diz Lins, entender o
fenômeno de expansão das favelas nas últimas duas décadas,
como o surgimento dos complexos - espécie de
megafavelas. Mais difícil ainda é perceber porque elas
continuam a ser um gueto, onde a população de trabalhadores
de baixa renda é obrigada a morar. "O Brasil produz pessoas
que têm que pagar pelo que consomem. São homens-monetários,
mas que não têm dinheiro para isso. Desde a escravidão, o
trabalhador sempre viveu em gueto. Nesse país, até
trabalhador acaba excluído", diz Lins.
Adolescentes traçam cenário sombrio
O
lanterneiro Marcos Xavier Silva, de 32 anos, admite que a
definição dos dicionários "tem a ver com a realidade". E
pinta um retrato ainda pior: "Vê aí pelo chão ratos dando
mole, barracos de madeira nas margens do rio, pessoas sem
ter o que comer. Miséria total", resume Silva, morador da
Cidade de Deus.
Ainda
mais obscuro e sem retoques é o retrato feito por
adolescentes, que associam o lugar à violência, miséria e
desemprego. Como os estudantes Tiago Alves e Roberto
Jefferson, ambos de 15 anos, moradores da Cidade de Deus:
"Favela é um lugar onde moram pessoas muito pobres e
desempregadas. As pessoas daqui são todas muito tristes",
resumem. A estudante Fernanda Silva, de 14, também da Cidade
de Deus, acha que favela "é um lugar muito ruim de se morar,
porque tem muita violência e brigas".
A questão da higiene
mexe especialmente com os brios dos moradores. "Existem
pessoas que não esquentam a cabeça com a limpeza de suas
casas, mas isso pode acontecer em qualquer lugar. Até mesmo
em bairros chiques. Só pelo aspecto pobre da favela não se
pode dizer que sejamos sujos", reclama Tatiane Soares
Nascimento, de 20 anos, moradora do Parque Vila Nova, na
Zona Oeste.
"Ser
favelado é, antes de tudo, um estado de espírito"
A dona
de casa Marcília Viana da Silva, de 39 anos, moradora do
Morro do Tuiuti, em São Cristóvão, acha que as definições
são corretas, mas não explicam tudo. Nem todo morador de
favela, diz Marcília, têm baixa renda. "Eles podem até não
ser ricos, mas muitos vivem numa situação bem razoável".
Renda familiar, Marcília está convencida, não serve para
definir uma favela. Nem favelado - quase um palavrão para a
dona de casa. Para ela, ser favelado não é ser pobre. É não
ter família, nem educação. "O favelado é uma pessoa de
índole ruim, com manias feias, tipo roubar, e que não sabe
conviver em sociedade. Ser favelado é, antes de tudo, um
estado de espírito".
Um estado de espírito carregado de contradições. Ao mesmo
tempo em que gostaria de mudar uma série de coisas na
comunidade em que vive – a começar pela imagem de violência
e marginalidade – o morador da favela tem orgulho e apego ao
lugar onde mora. Não por acaso, um trabalhador de Acari
disse certa vez ao historiador Marcos Alvito que não saía da
favela por não ter "passaporte" - sinônimo para a carteira
de trabalho, que daria acesso a outros vínculos com a
sociedade. Ali é o lugar onde é possível contar com uma rede
de amigos e biscates.
Para o
secretário da 30ª Região Administrativa da Maré, Marcos
Figueiredo, de 35 anos, "é simples dizer que o favelado é
algo à parte", mas "ninguém percebe que o que tiram dele é o
direito de ser um verdadeiro cidadão". Marcos elogia a
favela como um lugar onde se respeita o outro, porque se
sabe de sua "eterna luta para sobreviver".
Para
Jony Ferreira dos Santos, de 24 anos, morador do Morro do
Tuiuti, em São Cristóvão, estudante do 8º período de
Engenharia da UFRJ, as favelas só se tornaram as regiões
"menos desenvolvidas" da cidade por falta de assistência
pública. Se tivesse que cravar uma definição para favela
numa prova, não teria dúvida: diria que "a característica
mais marcante de uma favela é a ausência do Estado".
Uma
ausência que não impediu que a favela tivesse uma imensa
riqueza cultural. Dali sai boa parte da música brasileira.
E é ali que se preservam tradições religiosas e culinárias
diversas. Como lembra o filólogo Bagno, as favelas são
responsáveis pela preservação e renovação de boa parte "da
cultura legitimamente brasileira e urbana". E nem é preciso
ver de perto para saber disso. |
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Topo TÓPICO 5
Violência
das favelas atinge preço de imóveis |
Jornal O Globo, Rio, 20
de Janeiro de 2002
Selma Schmidt
Proprietários de apartamentos e casas vizinhos a favelas têm
motivo de sobra para preocupações. Análises feitas por
representantes de entidades que congregam administradoras,
imobiliárias e corretoras mostram que, em cinco anos, a
desvalorização desses imóveis se ampliou em relação ao
mercado. Mais que isso: um estoque de unidades encalhadas
passou a se formar na periferia de favelas. Numa mesma rua,
técnicos compararam preços de aluguel e de venda de unidades
afastadas e próximas de áreas violentas. Verificaram que,
hoje, um imóvel na chamada alça de mira pode valer até menos
da metade de outro fora do alcance de balas perdidas.
— O pior é que a liquidez desses imóveis está comprometida.
Mesmo que o preço seja baixo, temos dificuldade para
vendê-los — afirma Rubem Vasconcelos, diretor-presidente da
Patrimóvel e um dos vice-presidentes da Associação
Brasileira de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário
(Ademi).
— As pessoas entendem que não adianta economizar e morrer—
diz César Thomé, presidente da Associação Brasileira das
Administradoras de Imóveis (Abadi) no Rio.
Em 1997, desvalorização não passava de 20%
Nas contas de George Masset, vice-presidente da Abadi e dono
da Administradora Masset, a diferença de aluguel entre
apartamentos na mesma rua com vista para favela ou afastados
dela chegava a 20% em 1997. Hoje, chega a 50%. Já Roland
Jardim Júnior, da diretoria da Ademi e dono da R. Jardins
Imóveis, diz que a variação pode ultrapassar 50%, enquanto
há cinco anos não passava de 30%.
Assim, o metro quadrado para venda de um apartamento na Rua
Barão da Torre, em Ipanema, por exemplo, varia hoje entre R$
4.500 e R$ 6.000 (se o imóvel estiver afastado da favela).
Um imóvel do mesmo tamanho pode valer 55% a menos (entre 2
mil e 2.700 o metro quadrado), caso tenha vista ou esteja
próximo ao Pavão-Pavãozinho.
Construtores, administradores e corretores apontam o aumento
da ousadia dos bandidos, e não propriamente o crescimento
das favelas, como a principal causa do aumento da
depreciação dos imóveis.
— Com o clima de insegurança aumentando, a desvalorização se
amplia — afirma Antônio Rocha, presidente do Conselho
Regional de Corretores de Imóveis (Creci-RJ).
O percentual de desvalorização varia não apenas segundo a
proximidade, mas ainda de acordo com a visão que se tem da
favela. Logo, explica George Masset, um apartamento em andar
alto nas ruas Visconde de Pirajá e Prudente de Morais, de
onde se vê o Pavão-Pavãozinho, também tem seus valores de
venda e locação reduzidos.
Mesmo favelas menos violentas causam impacto no mercado
imobiliário da vizinhança. É o caso de imóveis na Estrada da
Gávea, que corta a Rocinha mas passa também por trechos de
Gávea e São Conrado.
— Quando vim morar aqui, há 25 anos, só havia mata na minha
frente. Agora, no morro há um paredão de casas, que se
expandem na vertical — lamenta a proprietária de um
apartamento de quase 200 metros quadrados na Gávea.
O problema afeta até financiamentos da Caixa Econômica
Federal para empreededores. O diretor comercial da Francisco
Xavier Imóveis, Cristóvam Queiroz, lamenta que há pouco mais
de um ano a construção de um condomínio de baixa renda na
Rua Cândido Benício, próximo à Favela do Mato Alto, tenha
sido inviabilizada.
— A comunidade do Mato Alto não é violenta. Próximo ao
empreendimento projetado, há um posto de gasolina e uma
academia de ginástica. Mas a Caixa não autorizou o
financiamento, alegando que não haveria compradores — conta
Cristóvam Queiroz.
Tijuca é a região mais afetada na cidade
Para Rubem Vasconcelos, a Tijuca tornou-se a região mais
afetada da cidade pelos conflitos nas favelas. O problema,
acrescenta ele, está contagiando todo o bairro:
— É que a Tijuca está cercada por favelas. Em média, leva-se
um ano após a entrega das chaves para se conseguir vender um
prédio de 60 apartamentos no bairro. O mesmo edifício numa
rua da Zona Sul sem vista para favela está todo vendido seis
meses após o lançamento do empreendimento.
Há alguns meses, a Administradora Masset passou por uma
situação inusitada. Um dia depois de ter se mudado para um
apartamento de frente para o Morro do Borel, na Tijuca, uma
inquilina procurou a imobiliária para rescindir o contrato:
— A inquilina dormiu só uma noite no imóvel. O tiroteio foi
tão violento que ela e a filha tiveram de passar a noite no
chão. Disse que não se importava de pagar a multa, mas
queria rescindir o contrato. Tivemos que concordar. O
proprietário ficou chateado conosco e até perdemos o imóvel
— conta Masset.
Já a administradora Acir anuncia há um ano, sem sucesso, um
apartamento de dois quartos e dependências na Rua Conde de
Bonfim, também na Tijuca, em que a sala e um dos dormitórios
dão vista para o Morro da Formiga.
— Primeiro anunciamos por R$ 450. Baixamos o aluguel para R$
350 e não encontramos interessados. Quando as pessoas abrem
as janelas e vêem a favela, desistem — conta um corretor,
que perdeu as contas da quantidade de vezes que mostrou o
mesmo apartamento.
Moradora de Vila Isabel pretende vender imóvel
Há um ano morando num apartamento de quarto e sala na Rua
Luiz Barbosa, de frente para o Morro dos Macacos, em Vila
Isabel, uma psicóloga está pensando seriamente em vender o
imóvel. Nem o IPTU barato — R$ 69,30 à vista este ano — faz
com que mude de idéia. Ela vive no apartamento onde morou
sua mãe por sete anos:
— A situação piorou. Embora há alguns anos a favela já
estivesse na nossa frente, não havia a violência de hoje. É
muito desagradável ver gente armada. Os tiroteios também
passaram a ser constantes.
Moradores de Santa Teresa também enfrentam o problema. Num
prédio da Rua Ocidental, três dos seis apartamentos estão
para alugar há mais de oito meses. Por um apartamento de
dois quartos estão pedindo R$ 300 de aluguel, mas a
vizinhança com o Morro da Coroa apavora. O proprietário,
também desestimulado, não investe nos imóveis, agravando a
situação:
— Já em imóveis perto do Largo do Guimarães, por exemplo, se
consegue R$ 500 facilmente — diz Dóris Oliveira, da Queiroz
Conceição.
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Topo TÓPICO 6
Aposentado erra caminho e é morto com tiro no rosto em
favela paulista |
Jornal O globo,
País, quarta-feira, 30 de janeiro 2002
SÃO PAULO. Um erro no caminho de casa custou a vida ao
aposentado José Rodrigues Dias, de 65 anos. Na noite de
segunda-feira, ele se perdeu na Favela Funerária, na Zona
Norte de São Paulo, quando pegou um atalho para tentar
chegar mais rápido em casa, na Vila Formosa, Zona Leste da
cidade. Dias, que estava acompanhado da mulher, Lourdes
Castilho Rodrigues, de 60, levou um tiro no rosto. Ontem à
tarde, a Polícia Militar prendeu o traficante Luciano Preto,
reconhecido por Lourdes como o assassino de seu marido.
Casal voltava de passeio na cidade de Cafelândia
Dias e Lourdes retornavam de Cafelândia, para onde viajavam
a cada duas semanas, quando se perderam. A viagem já durava
sete horas e, ao tentar encurtar o caminho, acabaram na
favela.
Lourdes contou que, por volta das 22h30m, seu marido pediu
informação a um morador da Favela Funerária que se
encontrava na janela de um barraco e foi alertado para que
se saísse dali o mais rapidamente possível. O homem avisou
ao casal que depois das 22h ninguém podia circular pela
favela e que o toque de recolher na comunidade fora imposto
por traficantes.
Mal o aposentado saía com o carro, um homem, depois
identificado como o traficante Luciano Preto, disparou
contra seu Palio. Atingido no rosto, Dias perdeu o controle
do veículo e bateu em um poste.
Lourdes tentou socorrer o marido, mas não conseguiu: uma
moradora a avisou que, se alguém da favela a ajudasse,
poderia sofrer represálias dos bandidos.
O tenente Claudinei Pereira, 5 Batalhão da Polícia Militar,
porém, negou que os traficantes haviam imposto um toque de
recolher na favela.
— Nada disso existe. Nós atuamos na favela e não damos
espaço para esse tipo de coisa — enfatizou.
Dois casos no Rio
Entrar em favela por engano também já resultou em mortes no
Rio. Foi o caso de 11 torcedores do Santos que foram
recebidos a bala por traficantes da Favela Vila do João, no
Complexo da Maré. Eles voltavam para São Paulo na madrugada
de 14 de dezembro de 1995 depois de assistirem ao jogo
Botafogo x Santos, no Maracanã, quando entraram por engano
na favela. Ao verem os carros dos torcedores, os traficantes
atiraram imaginando que se tratava de uma invasão de uma
quadrilha rival. Ronaldo Mattos Ferreira, de 32 anos, foi
morto com um tiro na cabeça. Outros três torcedores ficaram
feridos.
Outro caso semelhante aconteceu na mesma favela em março do
ano passado. O americano Garth Orwin Green, de 51 anos, e
seu filho Bradley, de 21, foram baleados ao entrarem por
engano, à noite, na Vila do João. Eles voltavam de São
Gonçalo e erraram o caminho para o hotel onde estavam
hospedados no Flamengo. Garth ficou ferido no peito e no
ombro e Bradley, no tórax. |
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Topo TÓPICO 7
Polícia
enfrenta traficantes |
Jornal O Globo, Rio,
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2002
Polícia enfrenta
traficantes durante seis horas em favela de Bonsucesso
Policiais civis e traficantes do Terceiro Comando se
enfrentaram ontem de madrugada no Morro do Adeus, em
Bonsucesso, durante seis horas de intenso tiroteio. A
polícia pretendia prender uma quadrilha que tentava
extorquir R$ 250 mil de uma família da Zona Oeste. Dois
bandidos foram baleados e levados para o Hospital Geral de
Bonsucesso, onde morreram. Outras três pessoas foram presas.
Ao fim do confronto, as marcas da violência, que incluiu a
explosão de uma granada, estavam em muros e casas da favela.
Um policial se feriu levemente.
Outra versão, não confirmada pela polícia, é de que os
mesmos policiais estavam tentando recuperar um material
roubado de um oficial PM. Na pasta do policial haveria
documentos e fotografias que poderiam auxiliar na prisão dos
traficantes Paulo César dos Santos, o Linho, e Celso Luís
Rodrigues, o Celsinho da Vila Vintém.
O tiroteio começou por volta de meia-noite. Foram
mobilizados para a operação 60 policiais da Coordenadoria de
Recursos Especiais (Core), da 21 DP(Bonsucesso) e da
Delegacia do Aeroporto Internacional Tom Jobim e do 22BPM
(Benfica).
De acordo com o delegado Marcos Reimão, diretor da Core, o
grupo que estava tentando extorquir os R$ 250 mil agiu com a
permissão de três dos principais traficantes da cidade:
Ernaldo Pinto Medeiros, o Uê; Celso Luiz Rodrigues, o
Celsinho da Vila Vintém; e Paulo César da Silva, o Linho.
Todos do Terceiro Comando. Reimão se feriu levemente na
perna esquerda com um estilhaço de bala de fuzil.
Segundo o delegado, o drama da família começou no domingo.
Oito marginais invadiram a casa na Zona Oeste e levaram R$ 1
milhão em jóias, carros e celulares. Desde então, o bando
vem telefonando para a família, exigindo mais dinheiro e
ameaçando matar as vítimas caso não dessem o dinheiro.
— Nós preparamos essa operação. Eu trouxe o dinheiro para
negociar com eles e tentamos pegá-los — explicou Reimão, com
um saco de dinheiro na mão.
O policial disse ainda que a família está sendo protegida
pela polícia. |
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Topo TÓPICO 8
Favelas
crescem em ritmo quase 4 vezes maior |
Jornal O Globo, Rio,
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2002
Favelas crescem em ritmo
quase 4 vezes maior
Alan Gripp
A banda pobre cidade partida cresceu num ritmo mais
acelerado do que o carioca pôde perceber. Estudo feito pela
prefeitura, com base nos dados do IBGE, revela que, na
década de 90, o número de pessoas que se instalaram em
favelas do Rio cresceu quase quatro vezes mais do que em
toda a cidade. Comparando os resultados dos censos de 1991 e
de 2000, os pesquisadores do Instituto Pereira Passos (IPP)
descobriram que a população aumentou 6,9% durante esse
período, contra uma taxa de crescimento de 23,9% apenas nas
favelas, como informou ontem Ancelmo Gois em sua coluna no
GLOBO. A população dessas comunidades já superou a casa de
um milhão de pessoas (1.092.958).
Crescimento é maior em Barra de Guaratiba
De acordo com o estudo, a explosão demográfica nas favelas
aconteceu, principalmente, em direção às zonas de expansão
da cidade. Barra de Guaratiba teve a maior taxa de
crescimento (195%). Em 1991, o bairro tinha 1.462 moradores
nessas comunidades e, em 2000, o número subiu para 4.313. A
região da Barra da Tijuca e do Recreio não ficou atrás: lá,
o número de pessoas que se instalaram em favelas cresceu
132,7%. Segundo o diretor de informações geográficas do IPP,
Paulo Bastos, neste caso o aumento foi seis vezes maior na
primeira metade da década.
— Na primeira metade da década, as favelas de lá tiveram uma
taxa de crescimento anual de 18,6%. Na segunda metade, a
média anual foi de 3%. É um número assustador, que se deu a
partir de novas invasões — disse Bastos.
Para o prefeito Cesar Maia, o crescimento acelerado é
resultado da combinação entre a crise econômica vivida pelo
país e a falta de políticas habitacionais:
— Os problemas econômicos criaram uma tendência de
esvaziamento do interior e migração para a capital. A ação
medíocre do estado e da prefeitura durante anos agravou a
tendência — disse.
Cesar Maia defendeu a tese de que a política habitacional de
seu primeiro governo (1993-1996) interrompeu,
temporariamente, esse processo:
— A prefeitura criou alternativas, como construção de casas,
urbanização de favelas e obstáculos ao crescimento. A partir
de 1999, as invasões voltaram a ser estimuladas.
Alheios à discussão, os moradores dizem que o adensamento
piora a cada dia as condições de vida. Josinaldo Cruz,
presidente da Associação de Moradores da Favela Rio das
Pedras, em Jacarepaguá, uma das que mais crescem, conta que
pelo menos cinco famílias se instalam no lugar todo mês. A
maioria, segundo ele, vinda do Nordeste.
— Isso só acontece por omissão do poder público. Por
diversas vezes, pedimos à prefeitura que cercasse o entorno
da favela e nunca foi feito — reclama.
Complexo do Alemão ganhará obras do Rio Cidade
Paralelamente ao crescimento na Zona Oeste, as favelas da
Área de Planejamento 1 — Centro, Zona Portuária, Rio
Comprido, São Cristóvão, Paquetá e Santa Teresa —
registraram uma queda populacional de 9,7%. Mais uma vez, o
prefeito atribui o desempenho à sua administração:
— Aconteceram várias remoções para conjuntos construídos
pela prefeitura e programas de urbanização que estabilizaram
a situação.
A prefeitura anunciou ontem que o Complexo do Alemão terá
obras do Rio Cidade. As favelas serão urbanizadas e ganharão
áreas de lazer, creches, novos sistemas de drenagem, água e
esgoto. As obras custarão R$ 1 milhão. |
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Topo TÓPICO 9
Favelas
avançam sobre o asfalto |
Jornal do Brasil,
Cidade, domingo, 24 de fevereiro de 2002
Se ritmo de crescimento for mantido, região de Jacarepaguá
terá, em 2024, mais moradias informais que regulares
Cláudia Amorim
O Rio vive a consagração de uma das diferenças que o fazem
uma cidade partida. Desta vez, uma disparidade que altera a
proporção entre seus dois lados: a cada ano, a população das
favelas cresce seis vezes mais que a do asfalto. E esse
ritmo tem se acelerado. Na última década, a taxa de expansão
anual dos habitantes de comunidades carentes ficou em 2,4%,
enquanto nos anos 80 era de 1,91%. A curva ascendente pode
ser confirmada pela análise dos números dos anos 90: a taxa
anual de crescimento nas áreas mais pobres passou de 1,54%
na primeira metade da década para 3,5% na segunda metade. Na
Barra da Tijuca e Jacarepaguá, o problema é ainda mais
grave. No atual ritmo de crescimento, em 2024 Jacarepaguá
será um bairro majoritariamente ocupado por favelas.
No Rio, atualmente, 18,7% das pessoas moram em comunidades
de baixa renda. Em 1991, esse número era de 16%. Onze anos
antes, eram 14% da população nessa condição. Dos 5.480.778
habitantes registrados na cidade pelo último Censo, mais de
um milhão residem em favelas. A análise desses números foi
feita pelos pesquisadores do Instituto Pereira Passos (IPP),
órgão da Secretaria Municipal de Urbanismo, com base nos
dados do Censo de 2000.
''É uma mazela social e econômica que tem que ser combatida
antes que se instale, devido à complexidade de sua
solução'', avalia o secretário municipal de Urbanismo,
Alfredo Sirkis, que aponta três maneiras de enfrentar o
problema.
A primeira, garante Sirkis, já está sendo posta em prática
pela Secretaria. ''Estamos simplificando a legislação
urbanística para facilitar a construção de pequenas
edificações dentro da lei'', afirma o secretário, que
pretende evitar que a burocracia empurre a população de
baixa renda para a ilegalidade.
O segundo passo é um consenso: a necessidade da criação de
linhas de financiamento que permitam ao pobre o acesso à
habitação. Para Sirkis, o outro dos três fatores que
favorecem a favelização é a ação de ''empresários
informais'' que lucram com a indústria da comunidade de
baixa renda. ''São faveleiros e loteadores clandestinos.
Esses grileiros desmatam e constroem não para morar, mas
para vender'', acusa.
Na discussão de ações de combate à essa prática, sobram
farpas para o governo estadual. ''A repressão inclui demolir
essas construções quando ainda estão sendo erguidas e
acionar criminalmente os responsáveis, o que exige a
participação do governo estadual, que tem poder de polícia.
O problema é que o Estado passa aos grileiros mensagem de
impunidade e estímulo quando constrói conjuntos como Nova
Sepetiba, sem infra-estrutura e em área de preservação'',
alfineta.
Zona Sul - A década de 90 também foi marcada pela expansão
das favelas na Zona Sul. O adensamento populacional fez com
que, enquanto a taxa de crescimento ao ano no asfalto
ficasse negativa (-0,6%), nos morros, ela beirasse 2%. Desde
o Censo anterior, de 1991, houve um aumento de 210 mil
habitantes de comunidades carentes na cidade. Um terço deles
instalados em áreas da Barra e de Jacarepaguá. Na região,
além do crescimento horizontal e vertical de favelas já
existentes, como a Rio das Pedras - que passou nos últimos
dois anos por realocações que retiraram moradores de áreas
de risco -, novas comunidades carentes ocuparam
principalmente áreas de preservação ambiental.
Embora as taxas de crescimento anual da cidade formal também
tenham sido altas nessas áreas, o aumento da população das
favelas se destaca. Em Jacarepaguá, as taxas da década
passada ficaram em 1,7% no asfalto e 7,5% nas favelas. Na
Barra, em 6% e 10%. Na segunda metade dos anos 90, as
favelas cresceram quase 19% ao ano na Barra da Tijuca.
Nessas regiões, o número absoluto de moradores de
comunidades de baixa renda acabou superando o da área do
Centro, que ainda mantém o título de maior porcentagem da
população vivendo em favelas: 28,7%.
Os técnicos do IPP estimam que, onde o Rio mais cresceu, nas
regiões da Barra e Jacarepaguá, o aumento da população tenha
sido dividido ao meio: para cada 100 novos moradores da
cidade formal, 86 habitantes de favelas. |
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Topo TÓPICO 10
Projeto
modifica favela |
Jornal do Brasil,
Cidade, sábado, 09 de março de 2002
Prefeitura transfere
famílias de área de risco para nova área no Chapéu
MangueiraO
cenário que muitos gostariam de ter ao alcance dos olhos,
pelo qual se paga um dos IPTUs mais caros do Rio, não
custará nada para alguns mortais. Mais precisamente para
moradores da favela Chapéu Mangueira, no Leme. O projeto
Bairrinho, da Secretaria Municipal de Habitação, orçado em
R$ 1,2 milhão, está assentando famílias que moram em área
de risco num ponto com uma das vistas mais privilegiadas
do bairro. A construção das casas, num terreno acima do
Leme Tênis Clube, com vista panorâmica para o mar, é
criticada pelos vizinhos do asfalto e também por
representantes da própria comunidade.
Laura Campello,
moradora da rua General Ribeiro da Costa, se assustou ao
ver sinais de ocupação na área verde do bairro. ''Pago um
IPTU caríssimo para morar perto da praia enquanto outras
pessoas sequer pagam impostos. Achava que a ocupação era
ilegal, mas quando soube que a Prefeitura estava
financiando a construção das casas, não entendi a escolha
da localização. Se a questão é a necessidade de moradia,
que coloquem as famílias em outro bairro mais barato sem
estragar a natureza'', indignou-se a moradora.
De acordo com a
secretaria, a construção das novas casas na favela que
ocupa o morro desde 1936 é permitida pela mesma lei em que
se baseou o programa Favela Bairro.
Como a região é cercada
por árvores e mata, vizinhos chegaram a pensar que a área
era de proteção ambiental. A Fundação Estadual de
Engenharia do Meio Ambiente(Feema) informou que o local
não é área de proteção do Estado. O Ibama garantiu não
possuir unidade de conservação no morro.
Segundo o presidente
da Associação de Moradores do Chapéu Mangueira, Gibeon de
Brito Silva, os primeiros a ganhar casas são 13 pessoas
que moram em cabanas numa região do morro conhecida como
Cota 80. Mas ele garante que isto não significa um
crescimento da favela. ''Não nos interessa a expansão do
Chapéu Mangueira. Como o uso capião não garante a posse da
Cota 80, por ser área do governo e de uso militar, as
casas foram construídas na parte mais baixa do morro, no
limite da nossa propriedade'', disse Gibeon.
A associação não está
satisfeita com o projeto que além de assentar as famílias
vai urbanizar áreas comuns da favela e fazer obras de
saneamento e distribuição de água. ''Quem mora no asfalto
e está preocupado com a localização das casas não sabe os
transtornos que o Bairrinho tem gerado à comunidade. Se o
projeto fosse cumprido como foi apresentado, seria
maravilhoso'', reclama Gibeon. De acordo com o presidente,
faltam caminhos de acesso às casa e a creche não foi
ampliada. ''O pessoal da comunidade, que deveria ter sido
contratado, cobra no mínimo R$ 20 por hora. A prefeitura
só queria pagar R$ 15. Os moradores acabam tendo que dar
almoço aos trabalhadores que ficam semanas sem receber o
salário e acabam vendendo o cimento que poderia ser
aproveitado para construir outras casas. Estão colocando
canos onde a associação já havia instalado em um mutirão.
Está havendo um grande desperdício de recursos'',
protesta.
A secretaria negou as
denúncias e informou que o projeto está cumprindo o
previsto.
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Topo TÓPICO 11
Pobreza
avança sobre o Rio |
RJ-TV - Rede Globo,
sexta-feira, 15 de março de 2002
Um milhão de pessoas. Essa é a população que vive hoje nas
favelas do Rio. Um número que cresce em uma proporção quatro
vezes maior do que o de moradores dos bairros da cidade. Um
crescimento desordenado, que acontece quase sempre em áreas
verdes ou em locais com riscos de deslizamento e
desabamento. É o que acontece nas favelas Santo Expedito e
Parque André Rebouças, no Rio Comprido. A ocupação começou
há 24 anos e não pára de crescer. Hoje as casas e barracos
chegam ao topo do morro. Histórias de acidentes são muitas
nessas comunidades.
“Quando a gente morava
mais pra cima, houve um deslizamento que impediu a nossa
passagem pela porta”, conta Vanusa do Nascimento, dona de
casa.
Em 1995, a prefeitura do
Rio chegou a alertar para os riscos da ocupação, que crescia
em direção ao Túnel Rebouças. Segundo engenheiros, o peso
dos imóveis e o esgoto produzido pelos moradores poderia
causar problemas no túnel.
Em 97, algumas casas
chegaram a ser retiradas. Hoje, algumas obras tentam conter
o crescimento. Mas as áreas devastadas mostram que novos
barracos devem surgir rapidamente. Os moradores sabem dos
riscos.
“Com o que ganhamos só
dá para comer, temos que ficar aqui mesmo”, diz Júlia
Moreira, dona de casa.
“De fato, deslizamentos
já aconteceram aqui em cima. Não é a área ideal, mas temos
que superar isso”, declara Ronaldo Pereira, office boy.
O crescimento de
habitações nos morros e nas encostas é tanto que qualquer
lugar está servindo de abrigo para a população. Em um
pequeno espaço aberto em uma parede de contenção foi
encontrado um barraco com móveis, cortinas e até luz. O
morador não estava.
Segundo o subprefeito do
Centro, Breno Arruda, há um controle para cercar a área e
impedir que novos moradores cheguem àquela região.
“A prefeitura faz um
monitoramento constante dessa área. Nesse momento,
realizamos uma obra de contenção física da comunidade, para
impedir a sua expansão”, ele explica.
O subprefeito acredita
que em pouco tempo as famílias sejam retiradas da área.
“O cadastramento dos
moradores já foi feito pela Secretaria de Habitação, e as
famílias serão realocadas a partir do final de abril”,
garante Breno Arruda. |
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Topo TÓPICO 12
Preços
altos no mercado imobiliários das favelas |
Jornal O Globo, Rio,
domingo, 24 de março de 2002
Preços altos no mercado imobiliário das favelas
Selma Schmidt
Tão dinâmico quanto no asfalto, o mercado imobiliário em
favelas também tem seus imóveis de ponta. No topo da lista
das mais cotadas das favelas, está uma casa de três andares
— com quadra de futebol, piscina, sauna, churrasqueira e dez
vagas de garagem — na Rocinha. O imóvel é avaliado pela
associação de moradores e pela administradora Passárgada em
R$ 500 mil — preço médio de um apartamento de luxo com
quatro quartos na Barra e na Gávea.
Preços altos até na Vila Vintém
Imóveis com preços de classe média não se limitam à Rocinha.
Levantamento feito em outras comunidades pelo Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano (Ippur), da UFRJ, em parceria
com o Instituto Pereira Passos, da prefeitura, identificou
valores altos de venda de casas, mesmo em favelas
consideradas violentas. Na Vila Vintém, em Padre Miguel, por
exemplo, uma casa de quatro quartos, terraço e garagem para
três carros é oferecida a R$ 50 mil. Valor igual querem os
donos de um prédio da Rua Noruega 3, na Lagartixa, em
Fazenda Botafogo, com piscina e duas pequenas lojas no
térreo. Pelo mesmo preço é possível comprar um conjugado em
Ipanema, um quarto e sala no Flamengo ou um dois quartos em
Madureira.
— Um dos fatores de valorização de imóveis em favelas é a
rede social que existe em muitas comunidades, ou seja, os
vizinhos colaboram entre si. Outro fator de valorização é a
liberdade urbanística. Os donos podem ampliar a casa e mudar
o seu uso sem as limitações que a lei impõe à sociedade
formal — explica o professor Pedro Abramo, do Ippur,
coordenador da pesquisa.
Em Vigário Geral foi encontrada uma casa à venda por R$ 45
mil. O contraponto dentro da comunidade são os cerca de 15
imóveis à venda na Rua Onze Unidos, limite com a favela
rival de Parada de Lucas. Na área de fogo cruzado, o preço
cai para entre R$ 2 mil e R$ 3 mil.
Numa primeira fase, o trabalho foi concluído em 12
comunidades. Uma segunda etapa atinge mais 15 favelas, cinco
já com os questionários aplicados.
Dona da chamada casa roxa da Rocinha, avaliada em R$ 500
mil, a espanhola Marina Amor da Pia, de 74 anos, não pensa
em vender o imóvel. Ela mora no primeiro andar e o aluguel
do segundo pavimento — o mais caro da favela — lhe rende R$
1.200 por mês. Cada uma das dez vagas também está alugada a
R$ 100 mensais. Já a quadra dá retorno de R$ 350 por aluguel
para festas.
— Quando viemos para cá, em 1961, as casas eram poucas. São
Conrado não tinha tantos prédios e víamos a areia da praia.
Hoje, só conseguimos ver o mar — lamenta Marina.
Assim como a Favela de Rio das Pedras — que teve 30% dos
entrevistados procedentes do asfalto, segundo a pesquisa — a
Rocinha começa a atrair a classe média, sobretudo aqueles
que querem fugir do aluguel, de IPTU e de taxas de
condomínio, luz e gás. É o caso de Solange Carvalho Silva,
que preferiu alugar seu apartamento de dois quartos na Rua
Raimundo Correia, em Copacabana, e pagar R$ 300 por um
quarto e sala na Estrada da Gávea:
— O apartamento em Copacabana é meu, mas só de condomínio
pagava R$ 298.
O mercado de compra, venda e aluguel de imóveis é tão
aquecido na Rocinha que cinco administradoras já se
instalaram na favela. Gerente financeiro da Administradora
Passárgada, Jorge Ricardo Souza conta que de um ano para cá
a Rocinha começou a atrair a classe média:
— Há um grupo sendo massacrado na Rocinha, onde o custo de
vida e a mão de obra são caros. Tem muito nordestino
voltando para sua terra natal. Em compensação, o lugar tem
atraído um outro público — diz Jorge Ricardo.
Dependendo da localização, um cômodo com banheiro na Rocinha
custa entre R$ 150 e R$ 250, para aluguel, e entre R$ 4 mil
e R$ 10 mil, para a compra. Os preços dos conjugados variam
entre R$ 200 e R$ 220, para aluguel, e R$ 7 mil e R$ 9 mil,
para a compra. Um dois quartos custa entre R$ 350 e R$ 600,
para aluguel, e entre R$ 20 mil e R$ 45 mil, para a compra.
O preço de alguns
imóveis
ROCINHA: Casa de três andares na Rua Dionéia 30, com quatro
quartos, duas salas, dois banheiros, duas cozinhas, sauna,
piscina, churrasqueira e quadra de futebol por R$ 500 mil;
prédio de três andares na Estrada da Gávea 213 com
mercadinho no térreo, dois apartamentos de quarto e sala e
um de dois quartos por R$ 200 mil.
VILA VINTÉM: Nessa favela de Padre Miguel, casa na Rua
Mesquita 116a com quatro quartos, cozinha, dois banheiros,
terraço e garagem para três carros por 50 mil; casa de dois
andares na Rua General José Faustino 21, com três quartos,
duas salas, dois banheiros, cozinha,.piscina e três vagas
por R$ 35 mil.
VIGÁRIO GERAL: Casa de dois andares na Rua Vila Nova, com
varanda e fachada em cerâmica e vidro por R$ 45 mil.
LAGARTIXA: Nessa favela da Fazenda Botafogo, prédio de três
andares na Rua Noruega 3, com duas lojas no térreo, garagem
e piscina por R$ 50 mil); casa de dois andares, terraço,
quatro quartos e garagem na Rua Albânia 7 por R$ 30 mil.
VILA CAMPINHO: Casa na Rua Coração de Maria 2, com três
quartos, sala, dois banheiros, cozinha, varanda custa R$ 30
mil.
DIVINÉIA: Nessa favela de Paciência, casa na Rua Joaquim
Augusto 4, com dois quartos, sala, banheiro, cozinha e
varanda por R$ 25 mil.
JACAREZINHO: Na favela, casas de dois quartos com preços
médios são vendidas por cerca de R$ 20 mil.
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Obra para
comunidade do Morro da Viúva cria polêmica |
Jornal O Globo, Rio,
sábado, 30 de março de 2002
Obra para comunidade
do Morro da Viúva cria polêmica
O Ministério Público estadual poderá investigar, nos
próximos dias, se uma outra obra da Secretaria municipal de
Habitação, além da que está sendo feita no Morro Chapéu
Mangueira, no Leme, pode causar danos ao meio ambiente, como
noticiou Ancelmo Góis em sua coluna. O pedido será feito por
moradores de prédios vizinhos ao Morro da Viúva, no
Flamengo, que querem retirar as casas de sete famílias,
alegando que se iniciou ali um processo de favelização. Há
dez dias, a Secretaria de Habitação iniciou no local um
projeto de urbanização. Vai retirar uma cerca de madeira e
erguer no lugar um muro. Também vai capinar o terreno,
reformar a escadaria que dá acesso à área, construir um
corrimão e um parque infantil.
As famílias do Morro da Viúva, todas da mesma descendência,
moram no local há mais de 50 anos sem que tenham
ultrapassado, nesse meio século, o perímetro da primeira
casa construída, em 1950, para um funcionário do antigo
Departamento de Águas e Esgoto (DAE), atual Cedae. O
funcionário era o patriarca da família.
O início das obras gerou uma controvérsia. Em 1997 a
vereadora Leila do Flamengo criou no Morro da Viúva uma Área
de Proteção Ambiental (APA) — bem depois, portanto, de as
famílias habitarem o local. Mesmo assim, Leila encaminhou ao
prefeito Cesar Maia carta protestando contra as obras,
alegando que as famílias é que teriam invadido a APA.
Documentos da Secretaria municipal de Habitação mostram, no
entanto, que todas as famílias estão devidamente
cadastradas. Os moradores do Morro da Viúva se defendem
dizendo que moram no local há 53 anos, bem antes da criação
da APA.
A Secretária de Habitação, Solange Amaral, assegura que a
prefeitura não está permitindo a expansão da área.
— Estamos fazendo apenas melhorias — disse ela.
A história da família no local começou com José Amado, já
falecido. Ele era manobreiro da caixa d’água do antigo DAE
no Morro da Viúva. Aposentado, Amado continuou morando no
local. Nas décadas seguintes, a família de Amado cresceu e
hoje está na quarta geração. Dentro do terreno da primeira
casa foram construídas outras seis, a mais recente há 32
anos. Nem por isso, entretanto, ultrapassaram o terreno da
primeira casa.
— Somos os últimos a querer que isso vire uma favela. Foi
aqui que nascemos e nos criamos. Somos humildes, temos casas
pequenas, mas isso não é uma favela — conta José Amado
Júnior, filho do patriarca.
No caso do Chapéu Mangueira, Solange Amaral afirma que não
há construção de novas casas, mas sim, a substituição,
dentro do programa Favela-Bairro, de seis imóveis que se
estavam em áreas de risco:
— Os moradores estão sendo reassentados dentro da própria
comunidade, como é a orientação do projeto. Não há agressão
ao meio ambiente.
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Protesto
contra Política Habitacional |
Jornal O Globo, Rio,
domingo, 7 de abril de 2002
Protesto contra a política habitacional
Cerca de cem moradores do acampamento Nova Palestina, em
Campo Grande, ligados ao Movimento dos Trabalhadores Urbanos
(MTU), fizeram ontem um protesto contra a política
habitacional do estado. Eles criticaram ainda a dívida de R$
1 bilhão que Benedita da Silva estaria herdando do Governo
Garotinho. O grupo começou a manifestação com um lanche no
Shopping Rio Sul. Ao deixar a praça de alimentação, Eric
Vermelho, um dos líderes do movimento, prometeu que todos
acampariam em frente ao Palácio Guanabara para cobrar da
nova governadora uma política habitacional eficiente. Mas
acabaram desistindo para evitar confronto com simpatizantes
de Garotinho. |
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O
pesadelo da casa própria |
Jornal O Dia, Domingo,
21 de abril de 2002.
Amarga luta do carioca pelo lar, doce lar é repleta de
invasões, loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais
inacabados
Élcio Braga
O Rio parece a casa-da-mãe-joana: a cidade possui 1,5 mil
loteamentos irregulares; cadastramento da Companhia Estadual
de Habitação (Cehab) indica 679 mil pessoas candidatas a uma
moradia, e a área construída para residências caiu 66% em
relação há 18 anos. "Hoje, 80% das unidades habitacionais do
Rio são irregulares ou estão em fase de regularização",
atesta o presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito do
Parcelamento do Solo Urbano, vereador Jerominho (PMDB).
É na esperança de conseguir um lar que a dona-de-casa Maria
Elizângela de Souza Silva da Costa, 19, passa o dia sobre o
alicerce do que deveria ser uma casa, no Conjunto
Habitacional Nova Sepetiba II. "À noite, meu marido fica de
plantão para afastar invasores", diz ela, cadastrada na
Cehab. Com renda familiar de R$ 400, paga R$ 250 de aluguel.
"Esta é a nossa melhor chance de conseguir uma casa", sonha.
As invasões ao inacabado Sepetiba II mostram a árdua briga
pelo lar. Muitos foram expulsos sob ameaça de morte, como a
paraplégica Eunice Corrêa de Almeida e seu neto Wallace de
Almeida, o Pimpolho, 5, conforme o DIA mostrou. Só sete mil
residências populares foram construídas em três anos pelo
estado - 1% da suposta demanda.
Consumidor corre risco de comprar imóvel irregular
No Rio, é cada vez mais comum o pesadelo da casa própria. Os
consumidores correm riscos de entrar em arapucas na compra
de terreno ou residência. Empresários compram posses,
dividem o espaço em lotes e os revendem sem infra-estrutura.
Sem eficiência na fiscalização, a prefeitura pagará caro:
deixará de receber a multa e, cedo ou tarde, arcará com os
custos de saneamento. O Núcleo de Regularização de
Loteamentos da prefeitura possui atualmente 353 condomínios
inscritos. Desde janeiro do ano passado, o Programa Morar
Legal atuou na regularização de 52 loteamentos.
A CPI já identificou mais de 100 empresários responsáveis
por loteamentos e condomínios irregulares. O relatório final
da comissão será encaminhado ao Ministério Público para que
os envolvidos sejam responsabilizados criminalmente, com
penas de um a quatro anos de prisão.
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Favela-Bairro segue a passos lentos |
Jornal do Brasil,
Cidade, domingo, 21 de abril de 2002
LUIZ ERNESTO MAGALHÃES
Instalada há quase três
anos e caindo aos pedaços, uma imensa placa da prefeitura do
Rio na entrada do Jardim Moriçaba, em Santíssimo, informa:
ali está sendo feita a segunda etapa do projeto
Favela-Bairro - carro-chefe dos programas sociais da
prefeitura. Na comunidade, porém, não há sequer um trator em
circulação. Segundo o cronograma original, desde o ano
passado deveria haver operários trabalhando para construir
redes de água, esgoto e áreas de lazer para cerca de 15 mil
pessoas. Só que nada saiu do papel.
Jardim Moriçaba está
longe de ser uma exceção no programa financiado pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Levantamento feito
pela CPI da Câmara de Vereadores que investiga atrasos nas
obras iniciadas no governo de Luiz Paulo Conde e que
deveriam ser concluídas por Cesar Maia não deixa dúvidas. Em
pelo menos 40 das cerca de 70 comunidades beneficiadas pelo
Favela-Bairro 2, as obras não começaram ou seguem em ritmo
lento. Em alguns, a prefeitura decidiu rever os projetos; em
outros, refez as licitações ou teve de substituir
empreiteiras falidas.
Em março, fez dois anos
que o então prefeito Conde assinou contrato de financiamento
com o BID no valor de 180 milhões de dólares para fazer as
obras. Pelo contrato, restam 23 meses para que a prefeitura
termine o trabalho. ''Mas, pelo ritmo atual, o projeto
sofrerá um ano de atraso e a prefeitura será punida com
multas'', denuncia o vereador Argemiro Pimentel (PSB), que
preside a CPI.
O relatório da
investigação será concluído esta semana e entregue ao
Ministério Público do Estado. O documento denunciará atrasos
na reforma de 12 escolas municipais. Em Santa Cruz, o
cronograma elaborado em 1999 previa que a reforma da Escola
Municipal do Dreno seria concluída em fevereiro do ano
passado. A obra foi suspensa e, na sexta-feira, o município
reabriu licitação para concluir o serviço, no qual serão
aplicados R$ 1,2 milhão.
Vazamento - Na Favela do
Jacaré, também em Santíssimo, as obras começaram em novembro
de 2000 para construção das tubulações de água e esgoto. Na
semana passada, estavam sendo refeitas, pois foram
instaladas de forma errada e surgiram vazamentos na rede.
''As casas continuam sem receber água em quantidade
suficiente'', diz o líder comunitário Francisco José Tinoco.
O cronograma original do
Jacaré previa a conclusão das obras no fim do ano passado.
Como o plano urbanístico passou por revisões, a creche
começou a ser construída apenas no mês passado. O
alargamento da Rua da Adutora foi cancelado e, como a obra
no Rio dos Cachorros não foi retomada, barracos começam a
reaparecer em áreas de risco.
Prefeitura culpa
administração anterior
O prefeito Cesar Maia reconhece que o cronograma do
Favela-Bairro 2 sofreu atrasos, mas diz que apenas herdou um
problema. ''A cada mês recuperamos o tempo que eles
perderam. O BID está satisfeito com a redinamização do
programa, que agora foca mais no social'', argumenta. A
Secretaria Municipal de Habitação promete licitar 38 novos
projetos até setembro. Constam na lista os morros do Urubu
(Abolição), São Carlos (Estácio), Vila Rica de Irajá, Parque
Acari e Vila Catiri (Bangu), entre outros.
Sebastião Bruno, gerente
de Obras do Favela-Bairro, diz que quando assumiu o cargo,
em janeiro de 2001, teve de reavaliar projetos e licitações.
Em Jardim Moriçaba, a concorrência foi revista porque, no
fim do ano anterior, foram divulgados dois editais - em
papel e disquete - com valores diferentes. Em outros
lugares, as obras previam intervenções em áreas do governo
federal sem que este tivesse intenção de entregá-las à
prefeitura.
Mudanças
A equipe de Cesar Maia diz que não encontrou projetos
detalhando muitas das obras. ''Tivemos que preparar todas as
plantas. Em outras, refizemos as licitações para substituir
materiais e garantir manutenção mais barata'', diz Bruno.
Segundo ele, a Secretaria de Habitação fechou mês passado
contratos de manutenção para todos os Favela-Bairros.
Os argumentos do
prefeito e de Bruno são rebatidos pelo ex-secretário
municipal de Habitação, Sérgio Magalhães. ''Quando deixei o
cargo, em dezembro de 2000, projetos em 55 comunidades já
haviam sido licitados ou concluídos.'' Segundo ele, não há
motivo para atraso. ''Além do mais, o prefeito está há quase
um ano e meio no cargo. Mesmo se tivesse problema, já dava
para normalizar tudo'', acredita. |
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Cem
favelas em quatro anos |
Jornal O Globo, Rio,
domingo, 19 de maio de 2002
Selma Schmidt
Num período de quatro anos, pelo menos 25 favelas surgiram
na cidade a cada 12 meses. E esse número pode até duplicar.
Estudo que está sendo feito pelo Instituto Pereira Passos
(IPP) identificou cem novas favelas no Rio, que se somarão
às 604 cadastradas pela prefeitura. Outras cem que não
constavam de levantamento aerofotogramétrico realizado em
1996 — mas são vistas nas fotos aéreas feitas em 2000 —
estão sendo visitadas por técnicos do IPP, da prefeitura, e
poderão também ser contabilizadas como favelas.
Além de novas áreas estarem sendo invadidas, as favelas já
existentes não param de crescer. Mesmo à distância, a
Rocinha já é bem visível: as casas do morro se incorporaram
à paisagem de quem vive na Avenida Epitácio Pessoa, na
Lagoa, mesmo próximo à Fonte da Saudade:
— É uma pena que isso tenha acontecido com um cartão-postal
do Rio — desabafa a psiquiatra Ana Simas, ex-presidente da
Associação de Moradores da Fonte da Saudade. — Há alguns
anos, a mata predominava nesse morro.
Enquanto a Rocinha avançou na parte do morro voltada para a
Gávea e a Lagoa, barracos construídos no alto do Vidigal já
se voltam para São Conrado e podem ser vistos da praia.
— A virada do Vidigal para São Conrado começou em 1996. O
Vidigal só não se encontra com a Rocinha porque existe um
paredão rochoso entre as duas favelas — diz o advogado Luiz
Fernando Pena, morador do alto da Gávea, que acompanha o
crescimento das favelas do Vidigal e da Rocinha
Favelas também na Barra e no Recreio
Segundo Paulo Bastos Cézar, diretor de Informações
Geográficas do IPP, as novas favelas surgiram principalmente
em Jacarepaguá, na Barra da Tijuca, no Recreio e em outros
bairros da Zona Oeste. Na Avenida Brasil, entre Bangu e
Campo Grande, estão sendo incluídas cinco áreas favelizadas
no cadastro do município. Junto à pista de descida da
Avenida Brasil, em Bonsucesso, a Favela Sem-Terra passará a
engrossar o banco de dados do IPP.
Outras três invasões recentes estão no terreno da Colônia
Juliano Moreira, em Jacarepaguá. No Recreio, entre a Avenida
das Américas e o Canal do Cortado, também foram
identificadas áreas favelizadas. Já a Rio Grande, perto da
Cidade de Deus, que tinha sido removida, reapareceu.
— Na Zona Sul, nossos técnicos vão vistoriar um trecho no
alto da Rua Dona Castorina, no Jardim Botânico. É um dos
lugares onde o levantamento aerofotogramétrico de 2000
identificou uma mancha — explica Bastos Cézar.
Ao comparar dados dos censos de 1991 e de 2000, feitos pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o
diretor do IPP assinala que a população das favelas aumentou
a uma taxa de 2,4% ao ano, enquanto a do município cresceu
0,38%. Em 1991, as favelas tinham 882 mil moradores. Em
2000, passaram a ter 1,09 milhão.
Sociólogo: falta política habitacional
Diferentemente do IPP, o IBGE só considera como favela os
grupamentos com pelo menos 51 casas. Isso justifica o fato
de o órgão federal ter contado apenas 513 favelas em 2000 e
384 em 1991. Com as novas comunidades localizadas pelo
município, o cadastro do IPP terá entre 704 e 804 áreas
invadidas.
Para o sociólogo Luiz César de Queiroz Ribeiro, professor
titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional (Ippur), da UFRJ, o aumento das favelas existentes
e o aparecimento de outras são reflexo da falta de uma
política habitacional adequada.
— O governo tem que oferecer casas em lugares onde o acesso
ao emprego seja fácil. As casas não precisam ser perto do
mercado de trabalho, mas o morador precisa ter um sistema de
transporte razoável. Fazer um conjunto como o Nova Sepetiba,
por exemplo, é pura demagogia — diz o professor.
Luiz César conta que as favelas começaram a proliferar ainda
na década de 80. Um dos motivos, segundo ele, foi o fim dos
financiamentos de lotes urbanizados. A crise econômica e o
aumento dos preços das passagens de ônibus e trens são
outras razões citadas pelo professor para a ampliação das
favelas.
— Nos anos 80, praticamente só as áreas centrais da cidade
eram ocupadas. A novidade que começou na década de 90 e vem
se intensificando é que as pessoas passaram a procurar áreas
periféricas. Isso porque comprar ou alugar uma casa na
Rocinha, por exemplo, passou a ser muito caro e o poder
aquisitivo das pessoas vem caindo — explica Luiz César.
A instalação de delimitadores para evitar que as favelas
ganhem território não é uma medida eficaz, na opinião do
professor do Ippur:
— Os terrenos são de difícil acesso e a fiscalização é
frágil.
Um muro de concreto está conseguindo evitar o encontro da
Rocinha com as casas legalizadas, graças à fiscalização
permanente dos moradores do alto da Gávea. A Rocinha ganhou
ainda cercas (feitas de trilhos interligados por cabos de
aço), mas junto aos limites há casas — várias tinham sido
construídas antes da delimitação e seus moradores aguardam
pelo reassentamento.
— Os delimitadores têm surtido efeito. Eles servem de
obstáculo à expansão da Rocinha para as laterais. O
crescimento da Rocinha se dá com a verticalização e com a
ocupação de espaços no miolo da comunidade, onde são
cortadas árvores para dar lugar a casas — argumenta o
diretor de Obras da GeoRio, Márcio Machado
Baseado nos censos do IBGE, o diretor de Informações
Geográficas do IPP afirma que a Rocinha cresceu 31,3% entre
1991 e 2000. Sua população passou de 42.892 para 56.338,
enquanto o número de domicílios aumentou de 11.948 para
16.999.
Vidigal cresceu 9% entre 1991 e 2000
A presidente da Associação de Moradores de São Conrado,
Kathryn Kinney Ferreira, volta no tempo. Ela se recorda do
fim da década de 60, quando a Rocinha tinha poucas casas e
era possível transitar com tranqüilidade pela Estrada da
Gávea, que corta a comunidade de uma ponta à outra.
— A Estrada da Gávea deveria ser uma alternativa entre a
Zona Sul e São Conrado. Só que ela vive constantemente
engarrafada, por causa do crescimento da Rocinha. Mesmo com
os mototáxis, os ônibus comuns e os escolares passam cheios
por ali — afirma Kathryn.
O Vidigal cresceu bem menos do que a Rocinha. No trecho
considerado como favela, o número de moradores passou de
8.580 para 9.349 (mais 9%), entre 1991 e 2000. O número de
residências aumentou de 2.296 para 3.119 no mesmo período.
— O bairro do Vidigal como um todo aumentou mais do que a
favela: 15,6%. Tinha 13.719 moradores em 2000 — ressalta
Bastos Cézar.
Além do avanço da Rocinha, os moradores do alto da Gávea têm
ainda que conviver com a expansão da Favela Parque da
Cidade. Uma dona-de-casa que mora num apartamento de um
condomínio na Estrada da Gávea, com frente para a Rocinha e
fundos para a Parque da Cidade, só pensa em mudança:
— Esta semana (semana passada) comecei a ver luz
muito perto de janelas do meu apartamento. Depois, ouvi com
nitidez uma discussão. Percebi que construíram uma casa
grudada no terreno do meu prédio. Estou com medo.
Diferenças entre Vidigal
e Rocinha
Apesar de quase
vizinhas, as favelas do Vidigal e da Rocinha guardam
distâncias. O diretor de Informações Geográficas do
Instituto Pereira Passos (IPP), Paulo Bastos Cézar,
constata: a Rocinha é mais pobre do que o Vidigal, que conta
com uma infra-estrutura semelhante à cidade em geral.
— Em relação às ligações de esgoto, a situação do Vidigal é
ainda melhor do que a do município. Setenta e oito por cento
dos domicílios da cidade têm ligações de esgoto, enquanto no
Vidigal esse percentual atinge 94,8% e na Rocinha, 60,5% —
afirma Bastos Cézar, com base em dados do Censo 2000, do
IBGE.
A secretária Rosaly Pereira, que vive no Vidigal há sete
anos, não vê com tanto otimismo o fato de sua casa ter
ligação de esgoto:
— Só que o esgoto cai numa vala, que corta o Vidigal de cima
a baixo.
Mas Bastos Cézar contra-argumenta:
— Esse não é um problema da favela, mas da cidade. Faltam
redes e cabe à Cedae implantá-las.
Em relação à coleta de lixo, o serviço atende a 100% do
Vidigal. Na Rocinha, atende a 99,4% das residências e na
cidade, a 98,9%, segundo o Censo 2000.
No quesito abastecimento de água, o Vidigal e a cidade estão
empatados: 97,8% das casas contam com rede. Na Rocinha, o
percentual é um pouco menor: 97,3%. Quando o assunto passa a
ser domicílio próprio (com certidão no Registro de Imóveis
ou apenas a posse), o Vidigal também sai na frente: 79% das
famílias da comunidade moram em casa própria. Na cidade, o
índice é de 73,8% e na Rocinha, de 72,2%.
No item alfabetização, o Vidigal também está em melhor
situação que a Rocinha: 91,5% contra 87,7% de moradores
acima de 10 anos sabem ler e escrever. Na cidade, o
percentual chega a 95,8%.
— Além disso, o Vidigal é uma favela mais carioca. Na
Rocinha, existem mais pessoas que vêm de outros lugares,
principalmente do Nordeste — complementa Bastos Cézar.
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Exército
sai do caminho do tráfico |
Jornal O Globo, Rio,
terça-feira, 4 de junho de 2002
Prefeitura alargará estrada para evitar que militares tenham
que passar perto da favela
Selma Schmidt e TuIio Brandão
O Exército está fugindo da rota do tráfico no Rio. A pedido
do Comando Militar do Leste (CML), o prefeito Cesar Maia
incluiu o alargamento de um trecho da Estrada do Camboatá no
projeto de criação de um parque recreativo em Deodoro.
Segundo o prefeito, os militares não querem continuar
passando com os seus carros em frente às entradas da Favela
do Muquíço, onde o roubo de veículos é freqüente. A Estrada
do Camboatá, que atualmente dá mão em uma só direção,
passará a funcionar nos dois sentidos. Com isso, quem sai da
Vila Militar para a Avenida Brasil não precisará mais passar
junto à favela.
— O Exército me pediu uma rua de mão e contramão porque há
um risco muito grande. Por quê? Pela ostensividade. Quando
os delinqüentes estavam na “boca-de-fumo” não havia esse
risco. Mas, agora, eles estão em torno das comunidades. E,
como a presença dos militares não é uma presença enquanto
batalhão, mas isolada, claro que há risco. Na verdade, o
Muquiço é o caminho das pessoas quando saem com seus carros
ou a pé da Vila Militar. O pedido do Exército é adequado e
vamos atender — diz Cesar.
O oficial de Comunicação Social do CML, coronel Ivan Cosme
de Oliveira Pinheiro, confirmou a conversa entre o prefeito
e o comandante Militar do Leste, general Luiz Seldon da
Silva Muníz. Segundo, ele, o general solicitou a alteração
na estrada para garantir a segurança não só de militares,
mas principalmente de seus parentes e de outros civis que
passam pela Vila Militar.
Favela é controlada por aliado de Linho
A Favela do Muquiço é controlada pelo traficante Arlei
Azevedo de Araújo, de 25 anos. A Delegacia de Repressão a
Entorpecentes informou que Anel é o “gerente-geral” do
traficante Paulo César Silva dos Santos, o Linho, na favela.
Linho é o bandido mais procurado atualmente pela policia e
controla o tráfico de drogas em grande parte do Complexo da
Maré.
Na Vila Militar, uma ilha de segurança onde as casas têm
muros baixos e não há criminalidade, a população aprovou as
alterações na Estrada do Camboatá:
— Ë a saída mais próxima para os militares e seus parentes
que vão para a Avenida Brasil. Aquele trecho estava muito
perigoso, com roubos de carros quase diários. Só melhorou um
pouco quando a Polícia Militar instalou uma tenda do
Polígono de Segurança, também por um pedido do Exército —
afirma um oficial de alta patente da corporação, morador da
Vila Militar, que prefere não se identificar.
Os civis também comemoraram a decisão do prefeito. O taxista
Edwy Frutuoso de Souza, de 43 anos, faz ponto na Vila
Militar e afirma que só passa pela região quando é obrigado
pelo passageiro:
— Sozinho, prefiro dar a volta por Marechal Hermes ou pelo
caminho que leva a Ricardo de Albuquerque. Antes do início
das obras do parque, o local (uma estação de ônibus
desativada) era ponto de traficantes. Fora os assaltos na
rua, os bandidos se escondiam ali. O lugar virou uma zona de
risco — explica o taxista.
A prefeitura está construindo na área o parque Praias da
Vizinhança, um complexo de piscinas e quadras de areia para
as comunidades próximas a Deodoro. Segundo .o secretário de
Esportes e Lazer, Ruy Cezar de Miranda Reis, o
empreendimento contará com duas piscinas (uma para cinco mil
pessoas e outra para três mil), uma extensa faixa de areia
de praia com arenas de futebol e vôlei e playground, entre
outras atrações. O secretário informa que a obra do parque
deve estar totalmente concluída até janeiro de 2003. Mas ele
acredita que a alteração na via esteja pronta ainda em
outubro deste ano.
—Será um clube nos moldes da Zona Sul para a população
carente. A entrada custará o preço de uma passagem de ônibus
e haverá exame médico para aqueles que quiserem entrar na
piscina. A idéia é que o projeto afaste definitivamente a
violência daquele local _ ressalta o secretário, que diz não
ter conhecimento do pedido do Exército _ A alteração na
estrada foi feita no projeto original porque para chegar à
Avenida Brasil o motorista tinha que dar uma volta enorme
para reformar a Estrada do Camboatá.
Alguns moradores da Vila Militar, no entanto, temem que o
futuro parque de Deodoro sofra com a guerra do tráfico, como
aconteceu com Piscinão de Ramos,.onde houve até mortes na
disputa por território, durante o verão passado. Um militar
que também preferiu não se identificar, teme que haja
confronto com o próprio Exército:
— Não temos autonomia pan atuar naquele parque, mas se os
bandidos pensarem em incomodar a paz da Vila Militar vamos
ter que reagir. E, podem esperar, o tráfico estará presente
nesse clube.
Ruy Cezar descarta essa possibilidade e assegura que o
Praias da Vizinhança será um lugar cercado, ao contrário do
Piscinão de Ramos.
— Não haverá problema de violência. Será um clube fechado,
com roleta na entrada e guarda armada — assegura Ruy Cezar.
Ao voltar a falar das Forças Armadas, o prefeito mostra a
preocupação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica em
garantir que seus quartéis fiquem a salvo de delinqüentes.
Segundo Cesar Maia, as Forças Armadas têm um treinamento
específico de defesa das suas unidades contra assaltos.
O prefeito anunciou ainda uma parceria com o Corpo de
Bombeiros. A prefeitura construirá um quartel para o Corpo
de Bombeiros no Recreio dos Bandeirantes. O ponto foi
escolhido, entre outros motivos, para melhorar a segurança
na área:
-— Vamos ceder o terreno e construir o quartel ao lado do
Terreirão. Enviamos projeto de lei à Câmara e aguardamos que
o estado remeta proposta à Assembléia.
A maior concentração de tropas do país
A Vila Militar é formada por mais de 40 unidades do
Exército, onde servem cerca. de 20 mil homens, e por áreas
residenciais destinadas aos militares e às suas famílias, em
Deodoro e Realengo. É a maior guarnição militar do Brasil.
Apesar do grande efetivo do Exército na área, a Vila Militar
enfrenta problemas de segurança, como assaltos e roubos de
carros. Só em novembro do ano 2000, por exemplo, nas duas
principais delegacias da área, a 30ª DP (Marechal Hermes) e
a 33ª DP (Realengo), o número de roubos de carros chegou a
97.
Problemas de segurança na área também motivaram
desentendimentos entre os moradores da região e os
militares. Em 1997, o general Valdésio de Figueiredo, então
comandante da Vila Militar, tomou uma série de medidas
impopulares, como proibir que as frentistas dos postos do
bairro usassem shorts, além de vetar a circulação de linhas
de ônibus dentro da Vila Militar. Ele também impôs o limite
de velocidade de 40 km/h nas ruas da região. Houve
incidentes com motoristas.
Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano realizado
pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud),
em parceria com a prefeitura e o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), os moradores da Vila Militar têm
o terceiro maior poder aquisitivo da Zona Oeste (excluindo a
área da Barra e Jacarepaguá): média de R$ 312 mensais. Na
região, apenas o Centro de Campo Grande (R$ 333) e Sulacap
(R$ 331) superam a renda per capita da Vila Militar. Tambem
no Índice de Condições de Vida em Habitação (ICV-Habitação
a Vila Militar aparece em terceiro lugar entre os bairros da
região. Seu ICV é de 0,956, superado apenas pelos índices do
jardim Sulacap (0,974) e Vila Valqueire (0,960).
Saiba mais sobre a favela
O nome Favela do Muquiço foi dado informalmente pela
comunidade que se instalou ali há mais 60 anos. Mas o lugar
é conhecido pelos técnicos do Instituto Pereira Passos
(IPP), órgão da prefeitura, como Vila Eugênia. Segundo o
IPP, a Vila Eugênia — ou Favela do Muquiço — surgiu em 1941
num terreno que pertencia à Fazenda Sapopemba, do Exército.
Em 1978, os moradores foram ameaçados de remoção por
advogados de uma família que se dizia proprietária do
terreno. Mas a Fundação Leão XIII provou que a documentação
apresentada era falsa. O último anuário estatístico do IPP
informa que na Vila Eugenia vivem 5.466 pessoas em 1.428
casas.
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Topo TÓPICO 19
Bairro
partido chega ao seu limite |
Jornal O Globo, Barra,
quinta-feira, 13 de junho de 2002
Flávia Rodrigues
Inspirado no modelo urbanístico racional, cujo representante
máximo foi o francês Le Corbusier, o projeto da Barra da
Tijuca, idealizado por Lúcio Costa em 1969, será questionado
pelo professor de arquitetura da UFF e da UnB Wagner Morgan
no livro “Urbanismo, arquitetura e violência — O poder
local”. Também funcionário do Ministério do Planejamento, em
Brasília, Morgan crê que a divisão do bairro em setores,
cortados por avenidas, causou exclusão social e, por
conseqüência, violência.
— O espaço urbano com avenidas, sem esquinas e cheio de
shoppings e condomínios de gabarito alto ficou marcado entre
pobres e ricos. A convivência ficou restrita. Hoje, um tem
medo do outro, embora exista uma relação de
interdependência, conforme dizia o geógrafo Milton Santos.
As classes média e alta aceitaram isso como defesa, por
medo, já que têm dinheiro. A troca promoveria cidadania —
diz Morgan, que considera a Rocinha, em São Conrado, o
modelo ideal da relação favela-asfalto porque os pobres
interagem com a sociedade.
Morgan afirma ainda que a noção de território foi perdida e
que os shoppings reproduzem o desejo de interação humana.
— Só que num gueto — diz.
Discípulo de Lúcio Costa e morador da Barra, o arquiteto
Afonso Kuenerz, que tem cerca de 500 projetos no bairro, diz
que o urbanista previu, sim, setores habitacionais
populares. No entanto, as sucessivas crises econômicas
aumentaram a demanda por moradia barata e formaram-se
bolsões de pobreza e marginalidade.
— A solução para a violência é dar moradia decente às
pessoas, atualizando a legislação urbanística. Fica difícil
com seis Planos de Estruturação Urbana (PEUs), inclusive o
da Taquara, esperando votação na Câmara de Vereadores. As
invasões se proliferam — diz Kuenerz, para quem a Barra
ainda é um bom lugar para se viver.
Mesmo o secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis,
questiona a ocupação da Barra. Segundo ele, esquinas e
calçadas aproximariam moradores de classes sociais
distintas, o que seria bom:
— O espaço público é a base da cidadania.
A não-cidade no livro
Há três anos organizando textos e fotos, o professor de
arquitetura da UFF e da UnB Wagner Morgan espera lançar, no
próximo ano, o livro “Urbanismo, arquitetura e violência — O
poder local”. Em suas páginas, o pesquisador discutirá os
conceitos de exclusão social e também espacial, e tem a
Barra da Tijuca como um dos objetos de estudo. O livro
falaria apenas sobre Brasília, mas, recentemente, o
arquiteto resolveu incluir a Barra em sua tese, pelas
semelhanças entre os dois lugares.
Morgan acredita que, na Barra, os moradores de baixa renda
são excluídos. Isso ficaria evidente em shoppings e
condomínios fechados, onde o acesso dessas pessoas é
restringido primeiro pelo status social, depois pelos
seguranças.
O isolamento das classes sociais com maior poder aquisitivo
fomenta ainda mais a violência, já que não há espaço público
suficiente para os moradores de baixa renda. Sem participar
da vida social, eles não vêem o bairro como seu. Ao
contrário, sentem-se seguros nas vielas e nos becos das
favelas. A Barra teria se transformado, segundo ele, numa
não-cidade. |
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Topo TÓPICO 20
Tráfico
criou poder paralelo |
Jornal do Brasil,
quinta-feira, 13 de junho de 2002
Presidente do Tribunal de Justiça diz que traficantes
criaram um poder paralelo
O presidente do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio,
desembargador Marcus Faver, afirmou que o tráfico instituiu
um poder paralelo no Estado. ''Eles (os traficantes) julgam,
condenam e matam'', admitiu Faver, rebatendo as críticas de
que brechas na Justiça permitiram a liberdade do traficante
Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco. O bandido é acusado
de ter comandado a execução do jornalista Tim Lopes, 51
anos, da Rede Globo, dia 2, na Favela da Grota, no Complexo
do Alemão, em Ramos.
Para o desembargador, que ontem se reuniu com o chefe de
Polícia, Zaqueu Teixeira, ''não há dúvidas de quadrilhas
organizadas agem com poder de Estado. Há lugares em que os
bandidos determinam quem vai fazer o quê'', acrescentou
Faver. Segundo ele, a ausência do Estado nas áreas carentes
acaba sendo preenchida pelos traficantes. O presidente do TJ
lembrou ainda que há falhas no sistema penitenciário que
precisam ser corrigidas.
''Precisamos dar uma basta nessa situação. Acabar com
regalias'', afirmou o desembargador, referindo-se ao uso de
celulares dentro dos presídios pelos chefes do tráfico, para
comandar as ações do crime organizado nas favelas do Rio.
A juíza Fátima Clemente, que preside um processo contra
Elias Maluco, apresentou 19 causas que levaram ao
atrasamento no caso e à concessão do habeas-corpus, há dois
anos. Entre elas, estão o não comparecimento de policiais
como testemunhas e sucessivas faltas de presos às
audiências. ''O habeas-corpus só foi concedido na quinta
tentativa'', ressaltou Faver.
Ontem, o Ministério da Justiça, em nota divulgada pelo
secretário Nacional de Segurança Pública, Cláudio Tucci,
garantiu que não medirá esforços para ajudar a polícia do
Rio a combater o crime organizado. Na nota, Tucci diz ainda
que o assassinato de Tim foi uma agressão à liberdade de
imprensa e que ''a violência cometida atinge não apenas o
Estado do Rio de Janeiro, mas toda a sociedade brasileira''. |
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Melhores, porém mais
violentas |
Jornal O Globo, Rio,
quinta-feira, 13 de junho de 2002
Elenilce Bottari
O tráfico de drogas no Rio não desafia apenas seus
moradores: põe em xeque também a velha máxima de que o
investimento no social é a melhor arma contra a violência.
De 1995 para cá, somente as secretarias de Habitação e de
Esportes do município investiram R$ 1,8 bilhão em projetos
de urbanização, saneamento e lazer nas favelas cariocas.
Isto sem contar os investimentos do estado, do governo
federal, de ONGs e de empresas privadas. No entanto, estudo
feito pela Organização das Nações Unidas para Educação,
Ciência e Cultura (Unesco) sobre as causas da violência no
Rio, mostra que, em dez anos, houve um crescimento de 41,2%
de mortes de jovens entre 15 e 24 anos de idade. Só em 2000,
2.816 adolescentes foram assassinados (107,6 por cem mil
habitantes); em 1991, morriam 76,2 por cem mil.
Para criminalista, investimentos sociais não bastam
Na opinião do criminalista Virgílio Donnici, investimentos
sociais são importantes para a população, mas não reduzem os
índices de criminalidade. Para ele, a principal responsável
pela violência hoje é a própria polícia:
— O sistema policial entrou em crise. Hoje não existe mais
uma polícia eficiente, pronta e rápida no atendimento
social. Não é mais uma instituição social de auxílio ao
povo. Ao contrário, o povo teme a polícia. Este é grande
dilema social que estamos enfrentando. Ou a polícia desperta
e muda sua posição, passando a respeitar a população pobre
que mora na favela, ou o caos virá brutalmente.
Segundo o criminalista, outro problema é a própria miséria.
Donnici lembrou que é cada vez maior a desigualdade social.
— Tem que mudar a consciência. Ou criamos uma sociedade mais
justa com uma polícia gentil, mas rigorosa, ou tudo estará
perdido — sentenciou.
Para o comandante do 9 BPM (Rocha Miranda), Antônio Carlos
Soares David, responsável por uma das áreas mais violentas
da cidade, os investimentos sociais apenas contribuem para
reduzir a violência:
— Acho que toda obra de cunho social é importante para a
população carente. Mas não sei se necessariamente resolve o
problema da violência. Essa é uma das áreas mais
problemáticas da cidade. O 9 BPM responde por 66 quilômetros
e 55 favelas. E esse número continua crescendo. Isso gera
violência.
A secretária de Habitação do município, Maria José Gomes
Saraiva, hoje a responsável pelo Favela-Bairro — a maior
intervenção social e urbanística realizada nos últimos
tempos em comunidades pobres do Rio — acredita que os
investimentos que vêm sendo feitos criam opções para uma
população que durante anos não teve escolhas:
— Estamos criando atividades na favelas como esportes,
teatro e frentes de emprego. Não sei se isso impede um jovem
de entrar para o tráfico. Mas pelo menos lhe dá outras
escolhas — acredita Maria José Gomes Saraiva.
Segundo a secretária, foram investidos na primeira fase do
Favela-Bairro US$ 322 milhões, beneficiando 54 comunidades.
— Em todos os projetos estão previstas creches e áreas de
lazer. Depois que o projeto é implantado, empregamos 500
jovens como agente jovem de conservação. Eles trabalham em
educação sanitária — explicou a secretária.
Mas a presença do governo nas favelas não chegou a intimidar
o tráfico de drogas. Exemplo disso é o projeto das
“transfavelas” — extensas pistas e viadutos de concreto que
abriram caminho entre becos e casebres dos complexos da
Mangueira; do Borel, na Tijuca; dos Prazeres, em Santa
Teresa; e do Caricó, na Penha. O objetivo era a integração
do asfalto com os morros.
“Transfavelas” em morros inimigos vivem vazias
O que o projeto não contava, no entanto, era que a falta de
pontes fosse o único obstáculo entre os morros cariocas: as
quadrilhas de traficantes do Borel e da Casa Branca são
inimigas e a estrada de ligação passa a maior parte do tempo
vazia:
— Ninguém anda por aqui. Era para a polícia poder patrulhar,
mas quem passa por aqui é “bonde” — contou uma moradora do
Borel.
Outro projeto social que precisou de reforço policial para
funcionar foi o Piscinão de Ramos. O governo do estado
investiu ali R$ 18 milhões. Logo depois da inauguração, teve
início a guerra de quadrilhas das favelas Kelson, Roquete
Pinto:
— Na época, fomos impedidos de usar roupas vermelhas pelo
tráfico — relembra um morador. |
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Narcoditadura, o poder cada vez menos paralelo no Rio |
Jornal O globo,
Rio, domingo, 16 de junho de 2002
Dimmi Amora e Vera Araújo
Há um lugar no mundo onde grupos fortemente armados mandam
na população de determinadas áreas. Lá estabeleceram suas
fronteiras e quem é do Estado formal só entra com
autorização. Criaram tribunais com leis próprias. Por medo,
uma população obedece cegamente a esses grupos. Alguns,
contudo, já começam a se considerar como parte deles,
adotando seus símbolos e sua cultura. Este lugar se chama
Colômbia e a diferença para o Rio de Janeiro é que lá o
governo constituído reconheceu que os bandos armados são
mesmo os governantes das áreas por eles dominadas.
O Rio não está longe disso. Nas 605 favelas da cidade,
1.092.783 moradores, 18,6% da população do Rio, têm de
respeitar as leis dos traficantes. Um em cada cinco
moradores do Rio vive sob o domínio do tráfico.
Bandidos delimitam fronteiras de suas áreas
Nos últimos dias, o presidente do Tribunal de Justiça,
Marcus Faver; o ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior; o
secretário Nacional de Segurança, Cláudio Tucci; e o
superintendente da Polícia Federal, Marcelo Itagiba, as
maiores autoridades da área de segurança, admitiram que os
traficantes constituíram à força um estado paralelo nas
comunidades carentes do Rio, onde duas facções disputam o
poder impondo o terror tanto no asfalto quanto nos morros.
Um dos sinais dessa narcoditadura é delimitação de suas
fronteiras: os bandidos criam barreiras improvisadas para
impedir a entrada de estranhos e, principalmente, da polícia
do Estado constituído. As autoridades chamam essas regiões
de áreas conflagradas e só entram lá em operações
previamente planejadas.
Para entrar nos territórios ocupados é preciso um
salvo-conduto do representante “legal” da comunidade, o
presidente da associação de moradores. Mesmo aqueles que
negam envolvimento com os bandidos não conseguem se manter
no cargo sem a cumplicidade do tráfico.
No cruel poder judiciário, o chefe do tráfico exerce os
papéis de polícia, promotor, juiz e carrasco. Está em suas
mãos a decisão sobre quem vai morrer. A pena de morte é a
sentença para quem não cumpre as leis impostas. Não são
permitidos roubos e estupros na favela. Quem transgride as
normas passa por um julgamento e a sentença nunca tem
recurso. Assim, o transgressor pode ser condenado a levar um
tiro na mão por ter assaltado um ônibus, por exemplo, ou ser
brutalmente assassinado, como o jornalista Tim Lopes, que
fazia uma reportagem sobre o baile funk na Vila Cruzeiro, na
Penha.
Traficante é o primeiro a violar a própria lei
Mas as leis nem sempre são para todos: os bandidos são os
primeiros a estuprar a adolescente mais bonita da favela e a
praticar assaltos no asfalto quando há queda na venda das
drogas. Assim como no Estado formal, o alistamento é
obrigatório para o exército do tráfico. Segundo a inspetora
Marina Maggessi, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE),
os traficantes recrutam “soldados” cada vez mais jovens.
— Como são muito imaturos, acabam se tornando mais
sanguinários e desprezam a vida — disse a policial.
Os jovens também vão atrás de dinheiro mais fácil. Um
“soldado” chega a ganhar R$ 500 por semana para defender, às
vezes com a própria vida, o seu território. A moeda nesse
mercado pode ser a maconha ou a cocaína, usadas como
salário. Em outros tempos, os traficantes adotavam uma
política assistencialista para conquistar a confiança dos
moradores. Hoje promovem bailes funk sob o pretexto de levar
diversão às favelas.
— Esses bailes têm o objetivo de chamar novos clientes. Eles
só visam ao lucro — disse Marina Maggessi.
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Topo TÓPICO 23
Casas
viram fortalezas com cercas elétricas, alarmes e blindagem |
Jornal O Globo,
Especial, domingo, 16 de junho de 2002
Paulo Marqueiro
Há dois anos, o economista e advogado Ib Teixeira resolveu
equipar sua casa com portas blindadas. A residência,
localizada num dos bairros que sofrem as conseqüências da
guerra do tráfico, já tinha sido alvejada durante um
tiroteio. A decisão de Ib, seguida por vários vizinhos,
representa uma nova fase no violento cotidiano do Rio.
Segundo ele, que é pesquisador social, a primeira etapa foi
iniciada nos anos 80, com o gradeamento de prédios, casas e
praças. Na segunda, que começou no fim dos anos 90,
moradores passaram a adotar soluções mais drásticas.
— Por causa da blindagem, nós perdemos uma parte da vista da
cidade — conta Ib Teixeira. — Em compensação, quando começa
o tiroteio temos uma espécie de bunker onde nos protegemos.
Instalação de uma porta blindada pode custar o valor de um
carro
De acordo com o pesquisador, cerca de 80% dos edifícios e
casas da cidade estão cercados com grades de ferro.
O empresário Hélio Cudek, de uma firma de equipamentos de
segurança, confirma essa tendência. Ele conta que tem
aumentado o número de portas blindadas instaladas na cidade.
Segundo Cudek, uma porta blindada com resistência balística,
como é chamada, custa em média R$ 4,5 mil, mas dependendo do
tipo de equipamento, pode sair até por US$ 12 mil (R$ 32
mil), quantia que dá para comprar um carro.
— A procura tem sido crescente, não só para escritórios, mas
também para residências — diz o empresário.
Às portas blindadas se juntam equipamentos como cercas
eletrificadas ou de choque, alarmes monitorados a distância
(ligados a centrais de segurança, que recebem a informação e
a passam para a polícia) e câmeras.
Édison Augusto dos Reis, dono de uma firma de equipamentos
de segurança, conta que quando abriu seu negócio, no início
dos anos 80, havia apenas oito concorrentes. Hoje, ele
disputa o mercado com quase 180 empresas. Um dos
equipamentos mais solicitados são as cercas eletrificadas.
Segundo Édison, em média são instaladas dez cercas de choque
por mês no Rio. O equipamento para uma residência custa em
torno de R$ 2 mil.
— Essa preocupação com a segurança e a necessidade de
instalar equipamentos de proteção começaram a surgir
principalmente nos anos 80, mas recentemente têm aumentado —
diz Édison.
Um morador construiu um muro de quase dois metros de altura
em volta de sua casa, instalou alarmes que, se disparados,
fazem barulho semelhante ao de um carro do Corpo de
Bombeiros e sensores de raios infravermelhos que acusam se
alguém invadir o lugar. Os parentes — os poucos que sabem
detalhes do equipamento de segurança — apelidaram a
residência de Alcatraz.
Em condomínio da Barra, boneco faz papel de segurança armado
Às vezes, as soluções adotadas têm mais criatividade do que
sofisticação tecnológica. Num condomínio da Barra, moradores
puseram um boneco vestido de segurança no portão. Quem está
a média distância do lugar pensa que realmente há um guarda
de plantão. O boneco tem colete à prova de bala e segura uma
arma. Em outra versão, o segurança está com um cachorro de
mentira.
A preocupação não atinge apenas os moradores. Os
helicópteros da própria polícia apagam as luzes quando
sobrevoam à noite os morros da cidade.
Para o sociólogo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, professor do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur),
da UFRJ, esse não é um fenômeno que acontece só no Rio, mas
em qualquer grande cidade do mundo.
— O mais preocupante é que esse tipo de comportamento
reforça a chamada cultura do medo — disse ele.
Medo no morro e no
asfalto
“Quando eu era criança, há 20 anos, havia mais respeito e
menos agressividade na favela. Até para ver traficantes era
difícil. Eles se escondiam das crianças. E, quando a gente
passava, não deixavam armas à mostra. Hoje, está todo mundo
de fuzil circulando ao lado dos moradores, mostrando as
armas para todos. Isso influencia o pensamento de qualquer
criança. Se você não tiver personalidade, vai entrar no
tráfico. Eles estão ao seu lado, crescem contigo. É muito
fácil porque você pode comprar roupas, andar bonito,
conquistar as mulheres e ter poder. Mas nunca me convenci de
que essa é uma boa saída. Prefiro continuar humilde, mas ser
totalmente livre”.
X. Morador do Vidigal, estudante e resistiu aos apelos do
tráfico de drogas
“O tráfico participou da minha vida quando vi uma marca de
tiro dentro do meu apartamento. Mas sei que o morro não é
isso. Quem sustenta essa violência somos nós, da classe
média. Enquanto o garotão sobe o morro às 5h da manhã para
cheirar cocaína, a empregada dele desce para trabalhar”.
MAGNO AZEVEDO Diretor de teatro, 30 anos, morou em prédios
na entrada dos morros do Vidigal e do Cantagalo
“Pensando em como vivia no passado e como vivo hoje, percebo
que perdi muito em qualidade de vida. Hoje, evito sair à
noite. Praticamente, só circulo de táxi por achar mais
seguro. Caminhar quando escurece, nem pensar. Sempre que
saio tarde, uso celular para informar que estou bem”.
VALÉRIA MEDEIROS RIBEIRO Moradora da Tijuca, mudou seus
hábitos depois de três assaltos nos últimos quatro anos
“De uns tempos para cá, passei a ter medo de tudo. Se paro
num sinal de trânsito, fico morrendo de medo de ser abordada
por um pivete ou assaltante, o que já me aconteceu. Com um
caco de vidro, um garoto levou meu relógio e dinheiro. Estou
cansada de viver numa cidade na qual não posso ter uma vida
social normal, porque não sei se vou sair e voltar para casa
sã e salva”.
LIDIANE SILVA GOMES Moradora da Barra da Tijuca, quer se
mudar do Rio por causa da violência
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Topo TÓPICO 24
Favelas
proibidas aos PMs |
Jornal O Globo, Rio,
domingo, 23 de junho de 2002
Vera Araújo
Apolícia é, na maioria das vezes, a única presença do estado
em comunidades pobres. Quando ela consegue chegar lá.
Atualmente a PM não consegue entrar em pelo menos 15 favelas
do Rio, consideradas por policiais civis e militares como as
mais perigosas da cidade. Uma ordem do comando-geral da PM
proíbe a entrada de seus homens naquelas áreas de risco,
salvo com o apoio de forças de elite como o Batalhão de
Operações Especiais (Bope), da PM, e a Coordenadoria de
Recursos Especiais (Core), da Polícia Civil. Depois que o
sol se põe, a polícia continua a deixar nas mãos de
traficantes os moradores de todas as 604 favelas do Rio: o
Boletim da PM já determinou que os policiais não entrem nas
favelas à noite.
A orientação da PM segue uma política do governo estadual,
com o objetivo de evitar que moradores sejam feridos por
balas perdidas durante confrontos. Uma amostra dessa
política já tinha sido dada em 29 de abril pelo comandante
da PM, coronel Francisco Braz, quando esteve no Complexo do
Alemão, em Ramos, e ficou na linha de tiro de traficantes.
Na ocasião, ele determinou que a PM não ocupasse a favela.
A PM não quis se pronunciar sobre o assunto. Já o secretário
de Segurança, Roberto Aguiar, admitiu que a polícia só entra
em favelas com apoio do Bope e em ações planejadas pelo
serviço de inteligência:
— A PM entra em qualquer morro, a qualquer hora, sempre que
houver necessidade ou qualquer ação agressiva contra a
comunidade. O que não podemos fazer são operações que ponham
em risco a vida dos moradores e dos policiais — justificou o
secretário, lembrando que a determinação de não entrar nas
favelas à noite já existia na administração anterior.
Líder dos soldados confirma proibição
As 15 favelas proibidas aos PMs representam 2,5% do total de
comunidades carentes do Rio. O presidente da Associação de
Cabos e Soldados da PM, Vanderlei Ribeiro, confirmou a norma
do comando da PM, apoiando a determinação, já que não há
segurança para os policiais nos morros:
— O policial não entrou na PM para morrer. O que observamos
é que a polícia não tem o armamento adequado, nem o efetivo
necessário para manter o patrulhamento numa favela. Se o PM
não tem como proteger sua vida, como vai garantir a vida dos
outros? — questiona Vanderlei.
A lista das favelas onde a polícia não entra à noite e, de
dia, só com o apoio do Bope foi elaborada pelo presidente da
Associação de Cabos e Soldados da PM e por uma das
delegacias especializadas da Polícia Civil. São elas: Morro
do Chapadão (Costa Barros), Vila Cruzeiro (Penha), Complexo
do Alemão (Ramos), São Carlos (Estácio), Adeus (Bonsucesso),
Andaraí, Rocinha (São Conrado), Turano (Tijuca), Antares
(Santa Cruz), Dendê (Ilha do Governador), Furkim Mendes
(Duque de Caxias), Pedreira (Acari), Caixa D’Água, Lagartixa
(Costa Barros) e Dique (Jardim América).
Essas favelas perigosas têm em comum a topografia
acidentada, barricadas e quebra-molas e exércitos de
traficantes bem armados. Nessas áreas, os bandidos impõem o
terror, julgando e executando quem desobedece às suas leis.
“Vacilou, dançou” é a máxima.
O prefeito Cesar Maia observa que a polícia só tem
mobilidade nessas áreas de risco em grupo e fortemente
armada, organizada e em operações planejadas.
— O Estado moderno tem três monopólios: uso da força,
aplicação das leis e cobrança de impostos. Os dois primeiros
não são mais monopólio do Estado nessas áreas — afirmou o
prefeito.
Mas não é só a polícia que evita entrar em favelas. O
presidente da Associação de Oficiais de Justiça do Estado do
Rio, André Moreno, informou que, desde outubro, seis
oficiais de Justiça foram agredidos em favelas. Num dos
casos, os bandidos quase executaram o funcionário.
— Ver crianças e adolescentes armados já faz parte da
rotina. Há favelas onde não podemos entrar. A própria
Justiça já não nos cobra mais quando temos dificuldade na
entrega de uma citação — disse André.
Para o presidente do Tribunal de Justiça, Marcus Faver, a
situação nas favelas é grave:
— Os oficiais de Justiça vão precisar de auxílio militar
para cumprir diligências. A própria Justiça sofre com as
ordens do tráfico. No mês passado, deram uma ordem para que
o Fórum de Niterói fechasse.
Serviços como os dos Correios e da Light também são
prejudicados, mas a tática é recorrer às associações de
moradores. O diretor dos Correios no Rio, Celso Carvalho,
conta que nunca muda os carteiros das favelas. Já a Light
amarga prejuízos da ordem de R$ 500 mil por mês com a
destruição de transformadores pelo tráfico. São de 30 a 40
casos mensais.
A presença da polícia fica restrita hoje aos postos de
policiamento comunitário (PPC). Em média, seis policiais
ficam nos postos, mas há alguns com apenas três homens.
Segundo o cientista político Gláucio Ary Dillon Soares, do
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj),
o reduzido efetivo dos PPCs fortalece o poder do tráfico.
— Os policiais não querem ser heróis, nem devem. O estado
tem que manter presença permanente, mas com grande número de
policiais.
Um policial que trabalha no PPC de uma favela diz que as
rondas noturnas no morro são proibidas:
— Estamos de mãos atadas. Traficantes passam em “bondes” e
não podemos fazer nada. Eles vendem drogas livremente. Temos
que fazer vista grossa, senão pagamos com a vida — contou o
PM.
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Topo TÓPICO 25
Sob lata
ou papelão, 2,3 milhões de brasileiros |
Jornal O Globo, País,
domingo, 07 de julho de 2002
Geralda Doca
BRASÍLIA. Cerca de 2,34 milhões de brasileiros moram em
condições degradantes nas cidades. Essa é a população que
vive em habitações improvisadas feitas de plástico, papelão
e lata, embaixo de pontes ou em carros abandonados. Mais 9,5
milhões vivem amontoados em 3,3 milhões de unidades
habitacionais com duas ou mais famílias, muitas vezes em
condições semelhantes às de uma cela de presídio com
superlotação. Este é o retrato das condições de moradia do
brasileiro, segundo estudo feito pelo Banco Mundial com
diversas outras instituições.
Segundo a pesquisa, 339.300 brasileiros correm risco de vida
sob o teto em que vivem, morando em 117 mil habitações com
mais de 30 anos, que estão condenadas pelas autoridades, em
péssimo estado de conservação.
Quase uma Bahia vive na penúria
São mais de 12 milhões em 4,2 milhões de unidades
habitacionais urbanas consideradas impróprias. É como se
praticamente toda a população da Bahia — estimada no Censo
2000 do IBGE em pouco mais de 13 milhões — morasse em casas
inadequadas.
Dos 37,3 milhões de unidades habitacionais urbanas, 14,5%,
ou 5,4 milhões, não oferecem condições mínimas de dignidade
a seus moradores.
O diagnóstico consta do estudo inédito feito em parceria
pelo Banco Mundial (Bird), pela Fundação de Empreendimentos
Científicos e Tecnológicos (Finatec), da Universidade de
Brasília (UnB), pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea), pela Caixa Econômica Federal e pela
Secretaria de Desenvolvimento Urbano. O trabalho levou oito
meses para ser concluído e envolveu 35 especialistas em
habitação do governo e do setor privado.
O estudo usou como base dados da Fundação João Pinheiro,
Centro de Estatística e Informações e resultou num documento
de dois volumes com mais de 800 páginas, intitulado “Nova
política habitacional brasileira”.
Descrevem os pesquisadores: “Pode-se observar, atualmente, a
coincidência entre o agravamento da carência habitacional e
o reaparecimento de epidemias de doenças há muito
erradicadas do país. Esta associação é um retrocesso,
levando-nos de volta a meados do século 19, quando se
deduziu que a insalubridade de certas moradias era foco de
epidemias”.
O estudo mostra que 84% dos problemas de moradia estão
presentes em famílias com rendimentos inferiores a três
salários-mínimos. Segundo o levantamento, quando a renda
sobe para a faixa de três a cinco salários-mínimos, o
percentual dessas famílias na crise de moradia é de 8,4%,
enquanto a renda entre cinco a dez salários-mínimos
representa apenas 5,4%. A conclusão dos pesquisadores é que
97,8% dos problemas de habitação afetam famílias que ganham
menos de dez salários-mínimos.
“Conclui-se que, nos últimos anos, as famílias de menor
poder aquisitivo foram gradativamente afastadas do acesso ao
financiamento habitacional”, diz o estudo.
Mas o levantamento também inclui na categoria de déficit
habitacional as famílias que ganham até três
salários-mínimos e que comprometem mais de 30% de sua renda
com o pagamento de aluguel. A estimativa é que 3,6 milhões
estejam nessa situação. Com isso, o número de atingidos pela
crise habitacional, segundo o estudo, subiria para 15,6
milhões.
A maior carência de moradia está na Região Sudeste. Ela
concentra 2,25 milhões de moradias consideradas inadequadas.
Em segundo lugar está a Região Nordeste, com 1,72 milhão de
unidades consideradas impróprias. Em seguida, aparecem a
Região Sul, com 589.100 unidades, a Região Centro-Oeste, com
488.400 e a Região Norte, com 411.600.
Quando são computados os problemas habitacionais também nas
áreas rurais, a crise é mais presente no Nordeste e em
segundo lugar no Sudeste.
“Parece que hoje a crise habitacional é visível de qualquer
ponto em que se esteja nas cidades. Aí estão, em número cada
vez maior, os moradores de rua e os cortiços, os loteamentos
clandestinos e as favelas, invadindo inclusive áreas de
risco e de preservação ambiental”, afirmam os pesquisadores.
No Rio, 505 mil casas precárias
O estudo identificou que nas áreas urbanas do Estado do Rio
existem 505 mil habitações precárias, onde moram sem um
padrão de dignidade 1,46 milhão de pessoas. Desse total,
77.720 pessoas vivem em condições subumanas. Elas moram em
26.800 moradias consideradas improvisadas, feitas de
papelão, de lata ou de restos de caixotes, sob pontes ou
dentro de carros e barcos abandonados.
Em outras 338.200 unidades, cômodos cedidos ou alugados e
cortiços, existe mais de uma família morando juntas, numa
população calculada pelo estudo em 980.780 pessoas.
Já 91.350 moradores do Estado do Rio estão em 31.500
unidades em péssimo estado de conservação e que deveriam ser
demolidas.
O comprometimento excessivo da renda, já baixa, com aluguel
atinge 314.940 pessoas, com renda de até três
salários-mínimos, que ocupam 108.600 unidades habitacionais.
Construindo a casa a
cada dia
Adauri Antunes Barbosa
SÃO PAULO. Alheio ao intenso movimento do Minhocão, no
bairro de Santa Cecília, no Centro de São Paulo, Aceves
Antonio Barros Pereira senta-se no sofá de visitas do lugar
onde mora e brinca com seus três cachorros. Há um ano e meio
ele vive embaixo do viaduto. O local é sempre o mesmo, ao
lado de centenas de outros moradores de rua, mas todo dia
ele faz e refaz sua casa com papelão. Cata papel do fim da
tarde até a madrugada nas ruas da capital e, quando vai
dormir, monta a casa de acordo com o material recolhido no
dia.
— Faço a casa conforme a necessidade. Se está frio, uso mais
papelão. No calor, preciso de menos proteção — conta o
imigrante paraguaio, de 41 anos.
Aceves chegou a São Paulo em 1970, quando havia oferta de
emprego na cidade, e foi trabalhar como ajudante de cozinha
num grande hotel. Há cerca de cinco anos, segundo ele, foi
demitido depois de ter uma tuberculose. Nunca mais conseguiu
emprego.
— O dinheiro sempre foi pouco. No começo eu consegui me
ajeitar, morava num quarto alugado. Mas depois não deu mais
e tive que ficar na rua — diz.
Na Zona Oeste, o baiano Denílson Borges vive o drama de
construir casas e não ter onde morar. Aos 21 anos, há sete
em São Paulo, ele aprendeu rápido que era preciso sobreviver
e que a vida, fora de Feira de Santana, não era tão melhor
quanto diziam os irmãos que já tinham migrado. Usando restos
de madeira de embalagens descartadas, começou a construir
casinhas de cachorro. Foi aperfeiçoando a técnica e hoje faz
também casas de boneca.
— Morei aqui debaixo do viaduto um bom tempo. Tinha um
barraco de madeirite. Agora a prefeitura tirou a gente daqui
e botou ali no alojamento do Centro Têxtil — relata
Denílson.
Até novembro, segundo ele, as 32 pessoas que estão no
alojamento e trabalham na Marginal Pinheiros como ambulantes
deverão voltar para a rua.
— Aqui, onde botaram a gente, ninguém pára para comprar —
reclama. |
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Topo TÓPICO 26
Déficit
só será suprido com 712 mil moradias ao ano |
Jornal O Globo, País,
domingo, 07 de julho de 2002
BRASÍLIA. Para enfrentar a crise habitacional são
necessárias pelo menos 712.700 novas unidades por ano nas
cidades. Mesmo assim, o problema só seria resolvido em dez
anos. Na última década, pelo Sistema Financeiro da Habitação
(SFH), o governo abasteceu o mercado anualmente, em média,
com 154 mil unidades.
O estudo “Nova política habitacional brasileira” concluiu
que todas as políticas públicas para o setor, adotadas entre
1991 e 2000, fracassaram porque deixaram de atender
justamente às pessoas mais necessitadas. Segundo os
pesquisadores, o número de moradias inadequadas neste
período aumentou em 41,5%.
O trabalho denuncia que o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), que, originalmente, tinha 60% dos seus
recursos aplicados para dar condições mais dignas de moradia
às populações mais pobres, foi desvirtuado. Em 2000, apenas
11% do dinheiro chegou às famílias com renda de até três
salários-mínimos.
Além da redução dos recursos destinados a programas de
habitação de interesse social, eles ainda ficaram mais
caros. Enquanto em 1989 a taxa de juros cobrada nos
financiamentos do FGTS para a população de baixa renda era
de 3% ao ano, a partir de 1998 o custo para essas famílias
dobrou, passando a ser de 6% ao ano.
— A produção de moradia para a baixa renda é o foco do
governo nesse estudo. Esse trabalho, além da oferta de
moradia, procurou identificar as fontes de recursos e as
classes de renda a serem priorizadas — afirmou o secretário
de Desenvolvimento Urbano, Ovídio de Angelis.
“Financiamento com base na renda está defasado”
O trabalho faz duras críticas ao critério atual de concessão
de crédito. Segundo os pesquisadores, a distribuição de
financiamentos com base na renda familiar está defasada e é
inadequada.
“As normas de distribuição de recursos do FGTS foram
evoluindo numa direção contrária aos interesses das famílias
mais carentes”, afirma o estudo.
Consultor da Fundação de Empreendimentos Científicos e
Tecnológicos (Finatec), da Universidade de Brasília (UnB),
Lair Krahenbuhl, que participou do estudo, afirma que a
situação financeira de duas famílias com renda de mil reais
cada, uma com cinco filhos e outra com apenas um, é
totalmente diferente e ambas recebem o mesmo tratamento.
Especialista em habitação de interesse social, Krahenbuhl
diz que outro erro é a falta de articulação entre as
políticas públicas, com União, estados e municípios indo em
direções diferentes, desperdiçando os poucos recursos
disponíveis e fazendo programas concorrentes entre si.
— Isso acaba afetando a qualidade dos programas. Existem
situações em que uma mesma família é atendida por dois
programas diferentes, tirando a vez de outra — diz.
Além da falta de moradia, o estudo aborda outros problemas
que afetam diretamente a qualidade de habitação,
principalmente nas regiões metropolitanas. O trabalho
destaca a inexistência de linhas de financiamento
apropriadas para planejamento urbano, programas de aquisição
de terrenos, produção de lotes urbanizados, regularização
fundiária e execução de obras de infra-estrutura básica e
urbanização de favelas. A falta de atenção com esses
aspectos, conclui o estudo, compromete os serviços de
infra-estrutura urbana (água, esgoto, energia elétrica e
coleta de lixo).
Para enfrentar esses problemas, estados e municípios estão
limitados atualmente a recorrerem a empréstimos de
organismos internacionais, como o Banco Mundial (Bird) e o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), feitos em
dólar e com taxas de juros superiores às que poderiam ser
oferecidas caso fossem usados recursos do FGTS.
— Essa é uma proposta técnica desvinculada de interesses
políticos e que poderia ser executada por qualquer governo —
afirma a coordenadora dos grupos de trabalho que elaboraram
o estudo, Rachel Altino Machado, consultora da Finatec.
Estudo sugere programa tipo Bolsa-Escola para o setor
O estudo propõe a inclusão da habitação para famílias que
não têm condições de arcar com custos de moradia e a criação
do aluguel social entre as políticas compensatórias do
governo federal, a exemplo dos programas Bolsa-Alimentação,
Vale-Gás e Bolsa-Escola. Essa política envolveria recursos
da União e contrapartidas dos estados e dos municípios, que
deveriam, por exemplo, executar programas para remoção de
favelas, retirada dos moradores de áreas de risco e de
preservação ambiental.
(Geralda Doca)
Recife, Ponte Limoeiro
Letícia Lins e Carter Anderson
RECIFE e RIO. Sob uma das cabeceiras da Ponte Limoeiro, que
liga os bairros de Boa Vista e Santo Antônio, em Recife,
mora Regina Gomes Rodrigues, de 29 anos, com as filhas
Rejane, de 5, e Raiane, de 7. O quarto era dividido com o
companheiro até 1998, quando ele foi assassinado. Para
chegar em casa, usa um barco e uma escada. Lá dentro, o
mínimo: um fogão de duas bocas, um aparelho de som, um
tambor com água.
— A vida aqui é um sufoco, no verão o calor quase estoura a
cabeça da gente — diz.
Maria das Graças Gomes da Silva, de 42 anos, faz biscate,
faxina, lava roupa. Também mora num quartinho sob a ponte,
que comprou por R$ 100 e tem como único eletrodoméstico uma
geladeira velha. Ela acredita que nunca vai ter condições de
sair de debaixo da ponte. Paraibano, Elias Macolino da
Silva, de 24 anos, está sem emprego, vive de pesca e há 11
mora sob a ponte.
—- Meu banheiro é o mato, o calor do asfalto em dia de sol é
como uma sauna. Vejo a toda hora as crianças morrerem. Ficam
com o corpo cheio de bolinhas — conta.
João Domingos Paes, de 56 anos, ficou sem casa desde que se
separou da mulher:
— Não teve jeito. Fiquei sem nada, juntei R$ 100 e comprei
um barraco debaixo da ponte.
Interditado há três anos pela Secretaria de Urbanismo, o
prédio centenário de cinco andares da Rua Visconde de
Maranguape, na Lapa, no Rio, é o abrigo de 74 famílias que
se amontoam nos quartos do antigo Hotel Bragança. Os
moradores vivem entre o medo de ser despejados e a esperança
de conseguir um local menos insalubre para viver. No prédio,
considerado uma área crítica pela secretaria, os sinais de
abandono (infiltrações, janelas quebradas, paredes com
tijolos aparentes e um cheiro de mofo constante) são
facilmente notados.
— Há seis anos foi feito um cadastramento e ficamos
esperando. Aqui não tem ninguém bem de vida, senão a gente
não morava nesse casarão — diz Tânia, de 44 anos, que mora
desde 1990 num quarto com o filho de 9 anos e a filha de 26.
Marli Douglas Melo, de 41 anos, também encontrou num dos
quartos do antigo hotel o refúgio para a família, após o
incêndio que destruiu há quatro anos a casa onde morava,
numa vila do Centro. Alan, de 11 anos, cuida dos irmãos
Mateus e Gabriel, de 4 e 5 anos, quando a mãe vira a
madrugada trabalhando numa carrocinha de cachorro-quente.
Três Marias e um
destino: oito pessoas em três quartos
RECIFE. Viúva há quase 20 anos e sobrevivendo da pensão e do
trabalho de empregada doméstica, Maria Áurea da Silva, de 50
anos, passou quase uma década para levantar sua casa,
próxima ao Rio Capibaribe. Conseguiu tijolos, barro, cimento
e fez uma sala, três quartos e um puxadinho onde funciona a
cozinha. O sossego sonhado na casa própria, no entanto, não
durou muito: pouco a pouco, parentes foram se agregando e
hoje, em vez de morar só com o único filho ainda solteiro,
divide a casa com mais duas famílias, todas chefiadas por
mulheres.
Maria Josineida da Silva separou-se do marido, mora com um
filho e não conseguiu emprego. A outra agregada, Maria José,
tem três filhos e também é separada. Vive de faxina e de
lavagem de roupa, mas não consegue mais de R$ 150 por mês.
Ajuda nas despesas de alimentação mas e não tem dinheiro
para pagar aluguel.
(L.L)
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Topo TÓPICO 27
Área de
risco na favela |
Jornal do Brasil, Cidade,
quarta-feira, 17 de julho de 2002
Lotes irregulares ampliam enchentes e desabamentos
Consideradas questões prioritárias no relatório Geo-Cidades
do Rio, a ocupação das encostas e a formação de favelas
agravam o diagnóstico ambiental do município. As
conseqüências são aumento da degradação ambiental, das
enchentes e dos escorregamentos. As conclusões, baseadas em
dados do Centro de Informações e Dados do Estado, foram
apresentadas no encontro do Rio+10, no mês passado.
De acordo com o relatório, Santa Teresa e Tijuca são bairros
em que ocorre a maioria dos pontos de escorregamento,
relacionado a loteamentos irregulares ou favelas. Segundo o
Geo-Cidades, as cerca de 600 favelas ocupam 3,03% do
município e 155 hectares de área de conservação. Também foi
detectado que a degradação do solo corresponde hoje a 62% da
cidade, subtraídas áreas urbanas e de alerta. Como um todo,
a área em processo de degradação corresponde a 31% do Rio.
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Topo TÓPICO 28
Relatório
faz retrato da cidade |
Jornal do Brasil, Cidade,
quarta-feira, 17 de julho de 2002
Dados urbanos, ambientais e econômicos - cruzados a partir
de recursos naturais como água, solo, ar - resultaram num
retrato da situação ecológica do Rio, um dos dois municípios
brasileiros escolhidos pelo Programa de Meio Ambiente da ONU
para fazer parte do projeto ambiental Geo-Cidades - o outro
foi Manaus. ''O objetivo é dar um diagnóstico, com temas
prioritários, e recomendações'', diz a coordenadora do
estudo, Ana Lucia Nadalutti Larovere, que apresentou os
resultados no encontro do Rio+10, em junho. ''Uma prioridade
para o Rio é trabalhar políticas de habitação ou
redirecionar programas a áreas específicas'', exemplifica.
O material, encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente,
ficou pronto em junho e será divulgado no site do ministério
e publicado em livro e CD-Rom no mês que vem.
O Consórcio Parceria 21, formado pelos Instituto Brasileiro
de Administração Municipal (Ibam), Instituto de Estudos da
Religião e Rede de Desenvolvimento Humano, foi contratado
para realizar o levantamento. ''Fizemos uma revisão da
literatura de indicadores urbanos e um levantamento dos
programas de gestão urbana. Definimos os indicadores mais
importantes para o município'', explica Ana Lucia, que é
tamém superintendente de Desenvolvimento Urbano e Meio
Ambiente do Ibam.
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Topo TÓPICO 29
Um Rio
estressante em 2012 |
Jornal do Brasil,
domingo, 21 de julho de 2002
A convite do 'Jornal do Brasil', especialistas de várias
áreas projetam o futuro da cidade e de seus habitantes
Daniela Dariano
Trânsito caótico, crescimento acelerado das favelas e
aumento da violência estão entre os desafios que o Rio terá
pela frente. A convite do Jornal do Brasil, especialistas de
diversas áreas traçaram um panorama da cidade na próxima
década, com base em informações do IBGE. Em 2012, seremos
6,3 milhões de habitantes - contra os 5,8 milhões de hoje -
e a concentração de automóveis será semelhante à de São
Paulo hoje. Com um agravante, a falta de vagas de garagem em
favelas, o que desafiará os urbanistas. De acordo com a
projeção de técnicos em saneamento, os investimentos
recentes no setor serão anulados pela expansão das favelas -
que hoje crescem seis vezes mais rápido que a cidade formal
e já abrigam 20% da população do Rio. A expansão das
comunidades pobres, nas quais impera o mercado informal, vai
gerar despesas para o poder público sem produzir receita e,
assim, ameaçar o equilíbrio econômico do município. O
desemprego também criará dificuldades para os cariocas. Mas,
neste aspecto, a cidade ainda estará em vantagem, segundo
analistas, em relação ao resto do país.
Daqui a 10 anos, o carioca vai precisar de muita paciência
para enfrentar um trânsito semelhante ao da capital
paulista, com cerca de 500 carros para cada mil habitantes -
hoje a relação é de 300. O tempo gasto para se chegar ao
trabalho vai ser ainda maior, aumentando o estresse. Isso se
você não estiver engordando a fila do desemprego, que será
maior. A população do Rio de Janeiro caminha para a Zona
Oeste, onde as famílias terão apenas um ou dois filhos. E
serão chefiadas por mulheres. ''A tendência é de mais
famílias sem pai'', prevê a antropóloga especialista em
gêneros, Mirian Goldenberg, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).
Estudiosos de diversas áreas e instituições, a convite do
Jornal do Brasil, projetaram o Rio do futuro, de tendências
nada animadoras. Se continuar com a mesma variação
populacional da última década, em 2012, a capital
fluminense vai abrigar cerca de 6,3 milhões de habitantes.
As favelas, que crescem em velocidade seis vezes maior do
que o asfalto, serão responsáveis por 20% desse número. A
previsão assusta e deixa uma dúvida: a economia da cidade
vai resistir ao crescimento desordenado? Especialistas
afirmam que a disputa entre formação de domicílios informais
e formalização de moradias irregulares decidirá a
viabilidade da cidade, que terá mais crimes
violentos, como seqüestros, estupros, e homicídios. A favela
verá tubulações recém-instaladas por programas de
urbanização sucumbirem à pressão de uma
população inchada.
Carros cada vez mais numerosos em todas as classes sociais
trarão um novo desafio: faltará estacionamento nos morros.
''A favela não tem garagem por definição. Este problema terá
de ser equacionado'', adianta o pesquisador de Engenharia do
Tráfego da Coordenação dos Programas de Pós-graduação da
UFRJ (Coppe) Paulo Cezar Ribeiro.
Mulheres vão chefiar as famílias
A antropóloga da UFRJ Mirian Goldenberg prevê uma mudança
radical no perfil da família carioca: em vez de homens,
serão as mulheres chefiando o maior número de famílias, uma
tendência nas favelas, áreas de maior crescimento
populacional no Rio. ''Os homens circulam, não ficam muito
tempo numa família e não são os provedores dos lares. Haverá
mais famílias sem pai'', conclui.
O historiador Marcos
Alvito, da UFF, acrescenta que a favela não foge a uma
tendência geral de diminuição da natalidade. ''Já tem muita
gente querendo ter um filho ou um casal. Houve uma mudança
drástica na mentalidade'', explica. Para os especialistas, a
melhora no padrão de vida fará, cada vez mais, que a favela
deixe de ser um mundo à parte.
Mas urbanistas acreditam que essa infra-estrutura não vai
durar. Se o poder público não contiver o crescimento das
favelas, obras recentes de saneamento não suportarão à
pressão populacional. ''O crescimento pressiona obras de
urbanização, que não agüentarão mais 10 anos'', prevê o
economista urbano do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da UFRJ Pedro Abramo. Segundo ele, as
favelas tendem a se adensar e crescer em direção à Zona
Oeste.
O aumento da população de baixa renda expandiu na periferia
- áreas
distantes do Centro. ''As novas localizações dos pobres
geram um custo de transporte para o trabalho. Então, a
tendência é de retorno ao centro, indo para as favelas'',
explica Abramo. Segundo ele, a população de alta renda tende
a ir para a orla do Recreio e de Vargem Grande, em direção à
Zona Oeste. Também Jacarepaguá se consolidará como bairro de
classe média baixa.
Crimes violentos vão crescer
Daqui a uma década, o Rio vai assistir ao aumento de roubos,
latrocínios, lesões corporais dolosas, extorsões seguidas de
seqüestros, homicídios dolosos, estupros, encontros de
ossadas e de cadáver. Os crimes violentos continuarão
subindo. ''Quando caem, a queda não ultrapassa três anos.
Uma curva para baixo com mais de três anos só será possível
com grandes interferências'', garante um dos responsáveis
pelos Estudos da Violência do Instituto de Filosofia e
Comunicação Social da UFRJ, professor Michel Misse. Segundo
ele, sem mudanças na estrutura da polícia e da Justiça, a
cidade será muito mais violenta em 10 anos. Para Misse, o
aumento da criminalidade está ligado à impunidade. Fim da
corrupção, melhores condições para presos, integração entre
polícias civil e militar, investimento humano nas polícias
técnica e investigativa, além de mudanças no código penal.
Sem o atendimento a estas condições, o especialista diz é
impossível impedir o aumento da violência.
De acordo com Misse e outros estudiosos, o aumento do crime
não têm relação direta com o crescimento da favela. O
historiador Marcos Alvito, da UFF, concorda que a violência
não surge na favela. ''Houve um enorme crescimento da
violência quando as favelas estavam estagnadas, na década de
80'', argumenta. ''A favela é um ponto de contato da rede de
crimes, sempre foi o lugar mais estigmatizado porque ninguém
pode se proteger, usando a internet para encobrir crimes,
por exemplo''.
Moradias informais ameaçam recursos
''As favelas não poderão ficar informais'', alerta o
professor de Economia do Departamento de economia da UFF,
Victor Hugo Klagsbrunn. Caso contrário, acredita ele, o
município entrará em colapso, já que a arrecadação de
impostos não será suficiente para manter os serviços
públicos. Essa parcela da população - que não paga taxas por
crescer em moradias sem controle do poder público,
esgotamento sanitário, rede de água ou iluminação pública -
é a maior usuária dos serviços públicos. Pela necessidade de
arrecadar mais, segundo o economista, o governo se interessa
por urbanizá-las. ''Também as empresas privadas estão
arrecadando mais'', acrescenta, mantendo uma dúvida: ''A
formação de moradias informais e o processo de formalização
das favelas. Qual das duas tendências vai aumentar mais?
Isso vai determinar o futuro do Rio''.
Mesmo considerando que as contagens populacionais do IBGE
anteriores a 2000 não foram fiéis à realidade, Klagsbrunn
admite que houve crescimento da população favelada. ''Há uma
provável subcontagem nos anos anteriores. O crescimento
existe mas é menor do que revelam as estatísticas'',
acredita.
Klagsbrunn afirma que, em 10 anos, apesar de o desemprego
aumentar, não será tanto quanto no resto do país. ''Não vejo
o futuro com pessimismo porque o município mostra dinamismo
em setores considerados ultrapassados. Mas o
sistema capitalista sempre cria desemprego''.
Um fenômeno ainda em estudo por especialistas é o aumento do
emprego com carteira assinada no Rio, que deve persistir.
''O movimento perdurou mesmo com a crise econômica do
passado. Isso quer dizer que o emprego está sendo
dinamizado, não sei o que está por trás disso. Crescimento
industrial? Desenvolvimento nos serviços e comércio? Ainda
estou estudando'', disse. O certo é que a visão de que
cresceria o número de autônomos não se confirma.
Outra ameaça do futuro é a perda de espaço do turismo de
lazer para o de negócio, que surge como uma alternativa mais
estável. ''O setor hoteleiro investiu nisso, e o Rio já é a
sexta cidade de congressos no mundo. Já tem congresso
marcado para os próximos três anos'', anuncia Klagsbrunn.
Cidade congestionada
Até as favelas vão sofrer com a falta de estacionamento
Daqui a 10 anos, trafegar na capital fluminense será um
desafio, segundo o pesquisador de Engenharia de Tráfego da
Coordenação dos Programas de Pós-Graduação da UFRJ (Coppe)
Paulo Cezar Ribeiro. ''A taxa de motorização está crescendo
e os investimentos em transporte público são pequenos''. A
tendência é que a população, inclusive na favela, use cada
vez mais o carro, aumentando poluição e congestionamentos na
cidade.
Enquanto a população de alta renda troca de carro uma vez ao
ano, os veículos velhos são comprados por classes mais
baixas. ''Este será um problema daqui a 10 anos. Hoje em
dia, na Rocinha, que está cheia de carros, já é. Como favela
não tem garagem, as pessoas param onde podem.
Segundo ele, o número de automóveis aumenta mais do que a
população. ''Não sei se a cidade vai ficar inviável, mas,
daqui a 10 anos, será como São Paulo, que investe pesado em
transporte público e onde existem mas tem mais de 500 carros
por mil habitantes''. O Rio já está com o índice em 300. Em
1999, tinha média de 250 carros por mil habitantes. ''Há
áreas na Barra que têm taxa de 850'', afirma.
A taxa de motorização aumentará no Rio todo, com exceção da
Zona Sul e da Barra da Tijuca, que já atingiram o máximo de
700 carros para cada mil habitantes. Santa Cruz, na Zona
Oeste, que tem taxa de 75, deve aumentar muito o índice.
Além do aumento populacional, a explicação do especialista é
a falta de um sistema de transporte público eficiente. Para
ele, esse cenário caótico só seria evitado com investimento
em melhoria nas vias e transporte público, pistas exclusivas
para ônibus e duplicação de avenidas na orla.
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Topo TÓPICO 30
O abismo
social nos morros |
Jornal O Globo,
Rio, domingo, 28 de julho de 2002
Elenilce Bottari
A distância social entre favela e asfalto no Rio é cinco
vezes maior do que a proximidade física faz parecer. Segundo
dados do Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), os chefes de família nas favelas ganham
em média apenas 23% do rendimento registrado no resto da
cidade. Enquanto, em média, o morador do asfalto recebe R$
1.533,74, na favela esse rendimento é de R$ 352,41. No caso
de muitos bairros, no entanto, essa distância é ainda maior.
Enquanto a média salarial de um chefe de família na Barra da
Tijuca é de R$ 5.175.50, na Favela do Angu Duro, na Estrada
do Itanhangá, esse rendimento cai para R$ 382,46.
Com base no programa Estatcart — Sistema de Recuperação de
Informações Georreferenciadas do IBGE, O GLOBO calculou o
rendimento médio em várias favelas do Rio e constatou o
tamanho da desigualdade social. A distância entre favela e
asfalto só cai à medida que os bairros se aproximam da
periferia. É o caso da Penha, onde o rendimento médio de um
chefe de família é de R$ 828,75, enquanto na favela Vila
Cruzeiro, no mesmo bairro, esse valor é de R$ 358,94.
Segundo o chefe em exercício da Unidade Estadual do IBGE,
José Roberto Scorza, o Rio tem 514 favelas. Para a
realização do Censo foram contratadas 7.589 pessoas dessas
comunidades:
— Escolhemos moradores para facilitar a apuração dos dados.
Morando há 40 anos na Favela do Angu Duro, na Barra, às
margens da Lagoa da Tijuca, a dona-de-casa Maria da Guia da
Silva Braga, de 51 anos, provavelmente nunca conhecerá o
shopping Città America, que fica em frente. Ela cuida de
seis filhos, enquanto o mais velho, de 20 anos, trabalha
como carroceiro para reunir os R$ 200 mensais que alimentam
oito bocas.
— As crianças dormem no chão e o frio entra porque não tenho
dinheiro para fechar a parede (de compensado). Eu já tentei
me inscrever no Cheque-Cidadão, mas não consegui. Os
vizinhos tentam ajudar a gente, mas a situação é muito
difícil — diz Maria da Guia.
São muito remotas as chances de ela conhecer uma vizinha de
bairro, a escrevente Ana Cecília Nogueira, que vive com o
filho Carlos Frederico, de 11 anos, no Jardim Oceânico. A
renda mensal da família é de R$ 7 mil, 35 vezes a da casa de
Maria da Guia:
— Eu não consigo imaginar como essas pessoas conseguem
sobreviver com tão pouco. Isto é absurdo. A desigualdade
social no Rio é com certeza um dos principais fatores de
violência da cidade — afirma Ana Cecília.
No Borel, renda média é de R$ 290
O rendimento médio na Tijuca é de R$ 2.412,80, mas o chefe
de família no Borel ganha muito menos: R$ 290,80. O marido
de Lúcia de Jesus Pereira da Silva recebe, líquido, um pouco
mais que isso:
— O salário é de R$ 380, mas com descontos fica na média de
R$ 320. Aqui somos quatro. Dá para comer. O que salva é o
vale-alimentação que meu marido traz para casa. Diversão é
assistir ao culto da igreja, que fica aqui mesmo no morro.
Morando na entrada do Borel, de frente para a Rua São
Miguel, a situação da auxiliar de enfermagem Leni Diamantes
é melhor. Além da pensão do ex-marido, ela conta com R$ 400
para sustentar os três filhos:
— Juntando o que o pai dá para eles, tem sido possível
sustentar a casa. Mas, se tivesse que pagar aluguel, já
ficaria complicado.
Na Rocinha (que está entre os morros considerados em melhor
situação socioeconômica, juntamente com o Vidigal), o chefe
de família ganha em média R$ 451. Com status de bairro, o
morro tem uma mistura de classes sociais. O fotógrafo
Jerônimo Batista Ramos, de 50 anos, veio de João Pessoa com
a mãe ainda bebê. Apesar das dificuldades, a lavadeira
conseguiu criar o filho, que aprendeu uma profissão, tem uma
loja de fotografia e outros três imóveis na Rocinha:
— Eu tiro por mês cerca de R$ 3 mil. Vivo com minha mulher e
meu filho e ajudo minha mãe. Somos uma das famílias mais
antigas do bairro. Nos anos 70 a vida aqui era boa, mas, com
a crise econômica, as pessoas começaram a pensar que aqui
era o Eldorado e a migração acabou por inchar a região. A
situação está difícil outra vez — diz.
Na Favela Fé Em Deus, em Anchieta, a renda média é de R$
328,43. Mas o lugar é tão esquecido que nem os moradores
sabem direito o nome da favela:
— Fé em Deus? Eu nem sei mais. Tem gente que chama de Parque
Aroeira, outros de Favela do Cocô. Mas eu prefiro dizer que
é Parque Anchieta — conta a moradora Maria da Conceição
Santana.
Morando com o marido e os filhos e com uma renda média de R$
350, Maria lembra que foi sua barraca que deu nome à favela:
— Quando os homens da prefeitura chegaram, a única coisa que
tinha nome aqui era a minha barraca de venda.
Professor titular de planejamento urbano e regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o sociólogo
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro analisou os dados do Censo
2000. Segundo ele, os dados demonstram discriminação entre
moradores de baixa renda do asfalto e da favela:
— A renda pessoal na favela é sistematicamente menor que a
renda fora da favela, mesmo comparando pessoas com as mesmas
condições de instrução, idade, sexo ou raça — explica Luiz
Cesar.
Entregas em domicílio
passam longe das favelas
Michel Alecrim
Um consumidor entra numa loja para comprar um fogão. Um
vendedor simpático oferece vários produtos, com pagamento
facilitado. Mas quando o comprador informa o endereço de
entrega no Morro do Borel, na Tijuca, a expressão do
funcionário se transforma e vem a resposta negativa:
— Nesse lugar, nós infelizmente não entregamos.
A cena, que ocorreu com um repórter do GLOBO que se passou
por um morador da favela na Tele-Rio da Tijuca, acontece
constantemente com trabalhadores de comunidades dominadas
por traficantes. A violência que assusta os entregadores
transforma moradores de favelas em consumidores de segunda
classe.
No teste feito em seis favelas (Borel, Jacarezinho, Grota,
Providência, Vidigal e Cabritos), em quatro delas pelo menos
uma loja de eletrodomésticos não entregava no endereço
perguntado, sempre um local com acesso a veículos. Quando o
assunto é entrega de remédio, a restrição às favelas é mais
grave. Em duas delas, Grota e Borel, o serviço simplesmente
não existe. Na Providência, há entrega somente no horário
comercial. Nas demais, os moradores só teriam uma ou duas
opções.
Moradores às vezes pagam carreto extra
Quando há restrições, os moradores das favelas acabam tendo
despesas a mais. Ana Gomes Santana, de 56 anos, que mora no
alto do Borel, teve que pagar R$ 20 para levarem sua
geladeira da associação até sua casa:
— Para quem mora na favela, tudo acaba saindo mais caro —
diz.
O diretor de Marketing da Tele-Rio, Mário Roberto de Arruda,
admitiu que nem em todas as favelas do Rio o caminhão da
rede de eletrodomésticos entra. Depois de sofrer muitos
assaltos, a loja tomou várias medidas de segurança, como o
uso de escolta nas ruas, e deixou de entregar em algumas
comunidades.
— Podemos estar perdendo clientes, mas fazemos o possível
para atender os consumidores, como entregas nas associação
de moradores — afirmou.
As Casas Bahia informaram que entregam no Morro da
Providência, ao contrário do que informou um vendedor da
loja da Rua Uruguaiana. Segundo a assessoria da rede, a
entrega só não é feita na favela de Manguinhos. O Carrefour
informou que no Jacarezinho — onde um funcionário do setor
de eletrodomésticos da loja do NorteShopping disse que não
há entrega — os moradores recebem os produtos na associação
de moradores.
Distribuidoras negociariam com traficantes
Um funcionário de uma rede de eletrodomésticos disse que
para ser feita a entrega nas favelas é necessário um esquema
especial. Além de escolta armada no asfalto, a entrada dos
caminhões é negociada com os traficantes.
Segundo o delegado Reginaldo Félix, da Delegacia de Roubos e
Furtos de Cargas (DRFC), os assaltos a transportadores de
eletrodomésticos são comuns nas proximidades da favela
Kelson's, na Penha, e das favelas do Jacarezinho e de
Manguinhos.
— Os traficantes querem fazer o papel de Robin Hood. Roubam
os eletrodomésticos para distribuírem na favela — explica o
delegado.
A entrega de pizza em casa é grande um filão comercial, mas
em algumas favelas o medo da violência faz com as motos nem
entrem. É o caso do Borel, do Morro dos Cabritos e do
Jacarezinho. A Grota e a Providência não têm o serviço nas
proximidades e somente o morador do Vidigal, dos morros
pesquisados pelo jornal, pode receber pizza em casa.
A entrega de remédios é uma comodidade às vezes
imprescindível quando surge um problema inesperado como
febre ou dor-de-cabeça. Entretanto, para muitas favelas
ainda é um sonho literalmente distante.
Numa drogaria perto da Providência, um funcionário atribuiu
a recusa da entrega à violência. O entregador da loja foi
revistado por traficantes no morro e o acompanharam até a
casa do cliente.
— Ele ficou traumatizado e jurou que nunca mais entregaria
no morro — contou.
Contratar moradores de favelas pode ser uma vantagem para os
serviços de entregas. É assim que duas farmácias de
Copacabana conseguem manter o serviço no Morro dos Cabritos.
A favela, entretanto, não recebe pizza. A alegação de uma
pizzaria é que um entregador chegou a ser roubado no lugar.
O Vidigal não pode contar com os serviços do vizinho rico
Leblon por causa do medo da violência. Farmácias e pizzaria
se recusam a entregar no lugar. Mas a favela é uma das
poucas que têm alternativas. A pizzaria Guanabara diz ter
contratado um morador do morro só para atender aos pedidos
da comunidade. A Rocinha é outra favela da Zona Sul que
sofre menos com o isolamento.
O presidente da Associação Nacional de Assistência ao
Consumidor e Trabalhador (Anacont), José Roberto de
Oliveira, disse que nenhuma loja pode se recusar a vender
algo que é oferecido e as recusas poderiam parar na Justiça.
Já a promotora Léa Freire disse que a loja só comete erro
quando não avisa ao consumidor antes da compra.
Vendedores dizem não
“Aí na Grota o caminhão entra cheio, mas sai vazio”.
FUNCIONÁRIO DE LOJA DE ELETRODOMÉSTICOS
“O senhor parece ser uma pessoa boa, mas por causa de
algumas pessoas ruins aí do Morro dos Cabritos todos os
moradores pagam”.
FUNCIONÁRIO DE FARMÁCIA DE COPACABANA
“Não entregamos, mas não é preconceito. Cansamos de receber
cheques sem fundos ou roubados aí no Morro do Vidigal”.
ATENDENTE DE UMA PIZZARIA DO LEBLON
“Se a gente fizer a entrega aí no Jacarezinho, a gente corre
o risco de perder as pizzas, a moto e até o motoqueiro”.
ATENDENTE DE UMA PIZZARIA DE VILA ISABEL
‘Esta desigualdade gera
a violência’
A discriminação das favelas por causa da violência pode
acirrar ainda mais as diferenças sociais e agravar o
problema da segurança no Rio. O alerta é do sociólogo Luiz
Cesar de Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório de
Políticas Urbanas e Gestão Municipal do Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da UFRJ.
Segundo ele, a comparação dos dados do Censo 2000 com os de
1991 confirma a exclusão social enfrentada pelos moradores
de favelas. Luiz Cesar — que participa do seminário
“Metrópoles: entre a coesão e a fragmentação, a cooperação e
o conflito”, que será realizado de 5 a 9 de agosto, no Hotel
Novo Mundo — afirma que no Rio há uma divisão social
marcante entre a favela e o asfalto.
Elenilce Bottari
As favelas cariocas já podem ser consideradas guetos?
LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO: Não, mas podem vir a se
constituir se continuarem sendo vistas apenas pela ótica da
violência. Gueto é um lugar homogêneo em termos sociais e
abandonado pela sociedade, do ponto de vista social,
simbólico, cultural. As favelas ainda têm interação com o
asfalto e com o poder público. No Rio, elas estão
organizadas, com associações, escolas. Já os guetos são
desertos cívicos. Não são capazes de se associar em nada.
O poder paralelo do tráfico e sua violência podem
transformar favelas em guetos?
LUIZ CESAR: A falta de política de segurança pode levar a
esse processo. Esse caso recente do dirigente da Associação
de Moradores da Serrinha e diretor de bateria da escola de
samba, o Macarrão, assassinado pelo tráfico por tentar
estabelecer limites, é um exemplo disso. A desmobilização de
associações devido à violência do tráfico pode levar à
desertificação cívica.
De acordo com o censo do IBGE, a população de favela
aumentou. Por quê?
LUIZ CESAR: Com certeza, por causa da falta de uma política
habitacional, dos baixos rendimentos e também da falta de
transportes. As favelas seguem o fluxo da renda. Sem
dinheiro para se transportar, sem condições de pagar aluguel
e à procura de oportunidades de trabalho, as pessoas vão
subir para o alto dos morros para ficar perto dos grandes
centros urbanos. Daí a aproximação.
O que poderia ser feito para reverter o processo de
favelização da cidade?
LUIZ CESAR: Precisaria uma política habitacional voltada
para a ocupação de vazios urbanos. No lugar de enormes
conjuntos habitacionais fora da cidade, que não deixam
qualquer alternativa para seus moradores, o estado e os
empresários do setor deveriam fazer pequenos conjuntos nos
espaços vazios. Mas os empresários querem investir em
grandes obras de baixo custo.
A existência de realidades tão distantes entre favela e
asfalto não é prova de que vivemos em uma cidade partida?
LUIZ CESAR: A imagem da cidade partida é interessante, mas
acaba reforçando as diferenças. As pessoas que vivem em
favela já sofrem preconceitos. Os próprios nomes estão cada
vez mais depreciativos, como Rato Molhado, Favela da
Lacraia. Se a situação já é violenta, imagine quando eles
passarem a discriminar o asfalto.
Mas aumentou a diferença entre favela e asfalto?
LUIZ CESAR: Não tenho dados para afirmar, mas acredito que
sim. Creio que aumentou a frustração. Antes predominava em
nossa sociedade uma cultura hierárquica, com diferenças de
direitos entre ricos e pobres, brancos e não brancos. Uma
cultura de subordinação, onde o pobre só poderia crescer até
um ponto e o patrão, em contrapartida, era paternalista. O
pensamento mudou, mas as condições para que os pobres possam
ter as mesmas oportunidades ainda não mudaram. A estrutura é
a mesma, ou seja, a justiça é para quem pode pagar, o estado
é clientelista e o rico deixou de ser paternalista e passou
a pensar mais em si, se isolando em condomínios fechados e
contratando seguranças particulares. Isso aumentou a
frustração, principalmente no caso dos jovens. Esta
desigualdade gera a violência.
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Topo TÓPICO 31
Cada vez
mais verticais |
Jornal O Globo, Rio,
sexta-feira, 9 de agosto de 2002
Dimmi Amora
Delimitadas com cercas
pelo poder público, as favelas cariocas entraram num
ritmo de crescimento vertical mais acentuado. Já é comum ver
prédios de mais de quatro andares nas favelas,
principalmente nas zonas Norte e Sul. Sem as rígidas leis
urbanísticas que regulam obras em imóveis e terrenos no
asfalto, a expansão vertical desordenada prejudica os
próprios moradores das favelas, com aumento dos problemas de
saúde e de falta de infraestrutura.
À falta de espaço físico, muitas vezes imposta também por
limites naturais, junta-se o rápido ritmo de crescimento
populacional das favelas. Segundo o IBGE, na década de 90
esse índice foi de 2,4% nas áreas informais, contra 0,38%
das áreas formais da cidade. Neste início de nova década
isso não mudou. Na Rocinha, onde a prefeitura demarcou
limites, a administradora regional Valquíria de Souza Dias
conta que a Light fez um recadastramento e contabilizou, no
início de 2001, aproximadamente 25 mil moradias. Hoje ela
acredita que haja pelo menos mais mil novas moradias.
A Rocinha já tem imóveis de sete pavimentos, mais de 20
metros de altura. O limite máximo para o bairro vizinho de
São Conrado é 19 metros de altura, com um detalhe: se o
imóvel estiver acima da chamada cota cem (na encosta, cem
metros acima do nível do mar), as casas só podem ter, no
máximo, dois pavimentos. Mas, de acordo com a Secretaria de
Urbanismo, a Rocinha não foi incluída na lei de zoneamento
da região.
A expansão vertical chegou a tal ponto que a administradora
regional da Rocinha conta que reações contrárias a novas
obras vêm partindo dos próprios vizinhos - algo que
dificilmente acontecia antigamente. Eles vão à ADR para
reclamar quando a construção passa de uma determinada altura
ou é feita muito próxima a outra casa. Mas, sem legislação,
o trabalho tem que ser de convencimento mesmo.
- Muitas vezes nós não conseguimos e as pessoas fazem a
obra. Ainda existe um comércio de laje aqui. A pessoa vende
o direito a outra para construir sobre a casa dela - conta
Valquíria.
Falta de infra-estrutura acompanha o problema
Mas não é só na Rocinha que o problema se agrava. Nas
favelas em torno do Itanhangá - bairro nobre da cidade
formal onde a maioria casas têm até dois pavimentos - já
existem vários prédios com mais de três andares. Na Favela
dos Tabajaras, em Copacabana, já é possível ver prédios de
quatro andares, embora a favela tivesse, em 1996, apenas 822
habitantes, segundo o senso do IBGE.
O professor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF
Gerônimo Leitão afirma que a tendência de verticalização vem
se verificando desde a década passada, devido à falta de
áreas para a expansão das favelas. Ele lembra o caso da Vila
do João, no Complexo da Maré, cuja população já aumentou
cinco vezes desde o surgimento da favela, na década de 80,
sem que a sua área tenha aumentado. Segundo ele, o efeito
mais imediato desse crescimento é o agravamento da falta de
infraestrutura, já que os serviços públicos são
dimensionados para uma população menor, além da piora dos
índices de saúde pública.
- Fizemos uma pesquisa no posto de saúde da Rocinha e
constatamos que lá as doenças que aparecem com mais
freqüência são as pulmonares. Com o crescimento vertical, as
casas ficam sem ventilação e sem iluminação suficientes -
explica Leitão.
Além dos problemas para a coletividade, uma construção fora
dos padrões pode comprometer a sua própria estrutura. De
acordo com Jerônimo de Moraes, coordenador do Programa de
Melhorias Habitacionais do Instituto de Arquitetos do Brasil
(IAB), na maioria das casas de favela não é feito qualquer
estudo para saber se o solo resiste à construção de mais
pavimentos.
- Nós fazemos um trabalho em cinco favelas para orientar
quem está construindo. Quando vemos que o imóvel já está
alto demais, alertamos que é melhor não fazer, mas é difícil
porque não há poder para impedir. Se o estado já não
consegue fazer valer o Código Penal nessas áreas, imagine o
Código de Obras - diz Jerônimo.
Só duas favelas têm padrão urbanístico
Quase a totalidade das favelas do Rio não tem qualquer
parâmetro urbanístico de construção, segundo a Secretaria de
Urbanismo. Apenas duas, a Fernão Cardim e a Quinta do Caju,
das 61 comunidades onde as obras do Programa Favela-Bairro
terminaram, ganharam legislação específica para definir os
tipos de construção permitidos, em ambas limitados a três
pavimentos. Na Rocinha está sendo realizado um estudo para
criar parâmetros para dois sub-bairros. A Secretaria de
Urbanismo informou que estão sendo feitos estudos na
legislação que regulamenta o Estatuto da Cidade para que as
áreas favelizadas ganhem parâmetros urbanísticos de
construção.
- Os instrumentos existentes hoje para regulamentar as áreas
de favelas são ultrapassados e isso dificulta o trabalho -
diz Márcia Garrido, coordenadora do Favela-Bairro.
De acordo com Gerônimo Leitão, o ideal é que se discuta com
cada comunidade os parâmetros adequados e se façam
legislações específicas para as comunidades.
- Os instrumentos de controle da cidade formal são
ineficazes na favela - afirma.
As cercas do Programa Eco-Limites da Secretaria municipal de
Meio Ambiente já chegaram a 27 áreas próximas a matas. A
medida visa a impedir a expansão das construções em direção
à vegetação. Ao todo já foram estendidos 16.800 metros de
cabos de aço ou de alambrados para cercar as áreas. Seis
locais ainda estão com a delimitação em andamento. |
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Topo TÓPICO 32
Laje na
Rocinha custa 2 terrenos na Zona Oeste |
Jornal O Globo, Rio,
sábado, 10 de agosto de 2002
Venda do direito de
construir sobre o teto das casas, a R$ 100,00 o metro
quadrado, estimula verticalização de favelas
Dimmi Amora
Troca-se uma laje na Rocinha por dois terrenos, cada um do
mesmo tamanho da laje, em Campo Grande. Pode parecer
absurdo, mas quem oferece a laje para construção — oferta
cada vez mais comum nas favelas das zonas Sul e Norte da
cidade — pode estar fazendo um mau negócio. Na Rocinha, a
maior favela do Rio, o direito de construir sobre o teto de
uma casa é vendido, no mínimo, a cem reais o metro quadrado,
enquanto em Campo Grande é possível encontrar terrenos bem
localizados e com valor de mercado por, no máximo, R$ 45 o
metro quadrado.
A falta de áreas livres para construir fez crescer a
tendência nos últimos anos de verticalização das favelas,
conforme O GLOBO mostrou em reportagem ontem. Com isso, as
próprias lajes das casas acabaram virando objeto de negócio.
O contrário da cidade formal, onde a lógica é inversa:
construtoras estão comprando o espaço aéreo para garantir
vista eterna, impedindo a construção de prédios altos em
terrenos vizinhos.
Na cidade formal, laje é vendida para não construir
A história do motorista Lourival Calixto da Silva, de 49
anos, explica bem a distorção criada pelo mercado
imobiliário das favelas. Pai de dois filhos, ele chegou há
seis anos da Paraíba para trabalhar como vigilante e foi
morar na Rocinha pagando R$ 300 de aluguel. Demitido
recentemente, usou R$ 4.500 de indenização para comprar o
direito a construir nos 45 metros quadrados da segunda laje
de uma casa na favela. Nem procurou em outros bairros preço
menor ou semelhante ao que pagou.
— Na Zona Oeste e na Baixada não tem trabalho. E os patrões
daqui não contratam quem mora longe porque não querem dar
vale-transporte — justificou Lourival.
Como Lourival não é o único a pensar assim, o comércio de
lajes vai aumentando junto com seus preços e a altura das
favelas. Os riscos para a saúde, já que as construções
diminuem a ventilação e a luminosidade das casas, e para as
próprias construções crescem na mesma proporção. A
administradora Regional da Rocinha, Valquíria de Souza Rosa,
conta que o número de chamados para a Defesa Civil é cada
vez maior. Em média, um por dia na favela.
— O pior é que a laje é vendida, mas a escada para chegar à
casa de cima tem que ser feita pelo lado de fora, ocupando
um espaço público. É preciso fazer a legislação daqui com
urgência — disse Valquíria.
Como não há regulamentação, o direito de comprar a laje
inclui o direito de vender a laje depois de construída a
casa. Isto, é claro, até o limite que a construção agüentar,
o que nem sempre é avisado a quem compra.
— Muitas vezes isso gera confusão porque a pessoa não se
conforma em não pode vender a laje que ela fez — diz o
professor da Escola de Arquitetura da UFF, Gerônimo Leitão,
especialista no estudo urbanísticos de favelas.
Vice-presidente da Ademi acha valor surpreendente
O vice-presidente da Associação de Dirigentes do Mercado
Imobiliário (Ademi), Rubem Vasconcelos, mostrou-se surpreso
ao saber o preço do direito de construir sobre uma laje na
Rocinha. Segundo ele, o preço já começa a se aproximar de
áreas da Zona Norte, onde o metro quadrado varia de R$ 150 a
R$ 300. No Jardim Botânico, uma das áreas mais caras do Rio,
o metro quadrado de um terreno custa, em média, R$ 350.
— É mais surpreendente ainda porque a pessoa não está
comprando uma propriedade, e sim um direito, o que torna o
negócio ainda mais caro — comentou Rubem.
Na cidade formal, uma laje tem valor pelo inverso da lógica
da favela. Este ano o incorporador Marcus Cavalcanti comprou
o espaço aéreo da Clínica Beramendi, que fica na Rua Joana
Angélica, em Ipanema, para garantir a vista para a rua dos
futuros moradores do prédio que está construindo no bairro.
A compra do direito de superfície passou a ser prevista no
Estatuto da Cidade, aprovado no Congresso Nacional. Em Nova
York, o cineasta Wood Allen chegou a fazer um filme contra a
construção de um prédio de 17 andares que seria construído
na sua vizinhança.
Mais 5 favelas ganham
regras urbanísticas
O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis,
anunciou que nos próximos dias cinco favelas da cidade, que
já foram beneficiadas pelo programa Favela-Bairro, vão
ganhar parâmetros urbanos para as construções: Ladeira dos
Funcionários, Parque São Sebastião e Vila Clemente, no Caju,
Parque Royal, na Ilha do Governador, e Três Pontes, em
Paciência. Além dessas cinco, dois sub-bairros da Rocinha,
Vila Cruzeiro e Laboreau, também estão em fase final de
estudos para terem suas regras definidas. Duas favelas,
Quinta do Caju e Fernão Cardim, já têm parâmetros definidos
por lei.
De acordo com o secretário, as leis, que serão definidas por
decreto, foram discutidas com as comunidades e limitam, em
média, em dois e três pavimentos as construções nesta
regiões. Segundo Sirkis, pelo menos 40% das habitações do
Rio estão nas áreas das cerca de 400 favelas do Rio, que não
têm qualquer parâmetro urbanístico.
— São 40 anos sem política habitacional que tornaram o
problema assustador. Estamos começando, mas é preciso
começar. O difícil será a fiscalização desses parâmetros, já
que nestas áreas o estado não consegue nem manter o
monopólio da força armada. Mas não é por isso que não
faremos as leis — disse Sirkis.
OPINIÃO
Para o alto
NÃO PARECIA possível que a situação apresentasse problemas
mais graves do que os já conhecidos. Mas, como mostrou
reportagem do GLOBO, as favelas do Rio descobriram nova
forma de crescimento perigoso.
É A expansão para o alto. Sem licença e sem controle, muitas
comunidades, ante a impossibilidade de avançar sobre novas
áreas, estão construindo verdadeiros edifícios, de até sete
andares.
APENAS EM duas favelas da cidade, ambas beneficiadas pelo
Favela-Bairro, há parâmetros urbanísticos oficiais. Nas
demais, constrói quem pode e quer.
MÁ NOTÍCIA, portanto. Para acompanhar o crescimento das
favelas, será preciso aferir área e área construída. E os
prédios improvisados exigem fiscalização pela Defesa Civil,
antes que algum temporal os transformem em causas de
tragédias.
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Topo TÓPICO 33
A vitória
da baderna |
retirado do
site: http://www.nominimo.com.br
Sexta-feira, 06 de
setembro de 2002
Xico Vargas
06.Set.2002 |
Na próxima semana, quando acampar na porta do prefeito
Cesar Maia, a arquiteta Maria Lúcia Massot espera fazê-lo
sentir um pouco do que tem experimentado nos últimos oito
anos, desde que ele plantou-lhe diante de casa uma favela
que lhe tornou a vida um inferno e a expulsou do lugar
onde decidira viver. “Se ele pode fazer isso comigo, por
que não posso fazer com ele?”, questiona Maria Lúcia, com
a disposição de quem já despejou uma caçamba de entulho ao
lado da casa do então prefeito Luiz Paulo Conde, só para
lembrá-lo de que a porta da sua não era vazadouro de lixo.
Vem de longe a história dessa mulher de 58 anos, mais de
100 quilos e fôlego de maratonista. Há 18 anos, quando o
Recreio dos Bandeirantes era uma terra inóspita na cidade
e a imobiliária Litorânea uma companhia saudável, ela
comprou um terreno. A ocupação da região havia sido
planejada por Lúcio Costa, respeitado urbanista que
produziu obra aplaudida por sábios do assunto em
congressos internacionais. Quando Maria Lúcia empilhou os
primeiros tijolos no terreno de pouco mais de 600m2, em
volta era tudo mato. Mas nos planos de Lúcio, a área em
frente, de 7 mil m2, estava destinada a um condomínio de
25 casas. Era 1984 e de sua terra se podiam ver alguns
casebres de pescadores, a meio caminho da praia, distante
algo como 500 metros.
Os 10 anos seguintes, Maria Lúcia gastou em cimento e
lágrimas. Inflação alta, dinheiro curto, o lugar era
longe. Nas suas contas, porém, o resultado seria positivo.
Afinal, já havia percorrido um pedaço do mundo. Trabalhara
nas embaixadas do Brasil em Paris e Atenas, no escritório
da Petrobras em Paris. Os dólares do cofrinho estavam
virando paredes, enquanto à volta, aqui e ali, brotavam
construções de boa qualidade. Eram os pioneiros da
valorizada gleba C, região absolutamente plana no Km 19 da
avenida das Américas. De longe, ainda, dava para ver os
primeiros sinais da baderna urbana que viria: a cada
semana mais barracos se enfileiravam na margem do canal da
Taxas.
Quando deu-se por satisfeita com sua obra, uma construção
simples, porém sólida, Maria Lúcia resolveu transformar a
calçada em jardim. Plantou grama, árvores, flores, olhou
para tudo aquilo e concluiu que tinha valido a pena. Era
1995. A cidade vivia a primeira encarnação de Cesar Maia
na prefeitura e em seis meses o prefeito plantou-lhe uma
favela à porta da casa. “Foi uma selvageria, um
desrespeito. Eles removeram 66 barracos do canal e, não
sei como, juntaram mais gente e botaram 81 casas aqui.
Fizeram esse monstrengo”, revolta-se a arquiteta. Não é
para menos.
O prefeito não só empilhou 81 casas no espaço destinado a
25, como passou batido por quase todas as posturas
municipais que regem as construções. Portas, janelas,
altura de prédios, muros, afastamentos, tudo ali está em
desacordo. É a mais clara exibição de que, do ponto de
vista do poder público, não são os brasileiros iguais
perante a lei. De um lado da rua, onde está a casa de
Maria Lúcia, o município exige que a calçada tenha três
metros de largura. No lado da favela, o prefeito botou as
casas sobre a calçada e deixou 1,5 metro para as pessoas
andarem.
Esse regime de absurdos bateu um dia à porta da arquiteta
para dizer-lhe que não poderia construir nos fundos de
casa um canil com mais de 1,5 m2, sem pagar a licença de
obra à prefeitura. Ela pagou. No outro lado da rua, desde
que foram entregues, várias casas já tiveram as fachadas
transformadas para instalar biroscas, açougues e lojas de
consertos de bicicletas. Na terça-feira, 3, um morador
dessa zona livre de impostos erguia mais um andar em sua
casa. Não tinha projeto, licença ou visitas da prefeitura.
Separa esses dois mundos uma rua com seis metros de
largura. Parece piada. Talvez por isso, ocorra na rua Leon
Eliachar, humorista que publicava uma página semanal na
extinta revista Manchete e, não raro, manifestava
perplexidade diante do exótico.
A prefeitura que exibe nos jornais trabalho contínuo para
conter as favelas é a mesma que ali incentiva o
crescimento. Na continuação da Barra da Tijuca, quando se
chega ao Recreio dos Bandeirantes, por trás dos edifícios
e shoppings alinhados ao longo da avenida das Américas
viceja a ocupação desordenada. Principalmente para o lado
da praia. Na faixa de terra que o Plano Lúcio Costa
destinou ao que seria Barra Bonita, multiplicam-se os
loteamentos clandestinos, a grilagem de terra e as
construções ilegais. A Litorânea, grande proprietária da
área, foi para o ralo e a maior parte de seus terrenos
está inscrita na dívida ativa do município por falta de
pagamento do IPTU. Pelo tamanho da conta, a terra já
pertence à prefeitura, o que só abre a porta à baderna.
A passagem do projeto Favela Bairro pela área – com o
secretário de Habitação, Sérgio Magalhães, caçando votos
de microfone em punho – deitou asfalto das ruas informais
e deixou as ruas previstas do bairro com a mesma lama de
antes. Apenas repetiu o resultado do programa em todos os
lugares: favoreceu a especulação imobiliária. As lajes
estão sendo negociadas por R$ 30 mil, em média. A venda de
lajes é uma modalidade ilegal de negócio produzida pela
pressão imobiliária nas favelas do Rio. Nasce da seguinte
maneira: uma pessoa constrói um barraco de alvenaria e, em
lugar de telhado, cobre-o com uma laje de concreto
pré-moldado. Vende o barraco para um e, para outro, o
direito de construir sua morada sobre a laje.
Mas não só lajes e barracos entraram em alta na área do
Terreirão. Dezenas de edifícios estão em fase de
acabamento. Raros são os licenciados pela prefeitura.
Pertencem a políticos, policiais, pequenos empresários.
Tem de tudo. O deputado Domingos Frazão é dono de um, “mas
botou em nome do tio dele”, informa o vizinho do lado. É
um prédio de seis andares divididos em kitinetes à venda
por R$ 35 mil cada. A expansão acelerada une as favelas à
do Terreirão, maior delas, num complexo. Durante o dia,
oferece comércio como a rua da Alfândega, no Centro da
cidade. À noite, tráfico como o morro do Alemão, na Zona
Norte, e muito funk e forró.
Na música, começaram os desentendimentos entre Maria Lúcia
Massot e seus novos vizinhos. Na terceira madrugada
seguida sem dormir chamou a polícia. Não aguentava mais o
volume do funk que saía dos alto-falantes que o dono de
uma birosca em frente havia posto na calçada. Descobriu,
então, que a lei do silêncio só tinha vigência no seu lado
da rua, mas não desistiu. Queixou-se ao prefeito, à
Polícia Militar, ao Ministério Público e não conseguiu
nada, além da indisposição da vizinhança. Um dia, cansados
daquela mulher que insistia em dormir nas noites de sexta,
sábado e domingo, os vizinhos apedrejaram-lhe a casa e ela
resolveu pular fora enquanto tinha pernas para correr.
Da Justiça, obteve apenas a redução do IPTU à metade. Paga
agora R$ 1 mil por ano. Pediu indenização por danos
morais, mas perdeu. “E ainda tive de ouvir o advogado da
prefeitura me dizer, na frente do juiz, que eu tinha toda
a razão”. Perito nomeado pela Justiça avaliou sua casa em
147 mil Ufir, hoje R$ 178 mil. Só o terreno, em ruas
próximas sem favela à porta custa R$ 200 mil. Maria Lúcia
sabe que, se insistir, poderá conseguir que a prefeitura
desaproprie sua casa, mas vai receber em precatório, ou
seja, talvez nunca ponha a mão no dinheiro. “Quanto tempo
ainda me resta? É muito difícil recomeçar aos 58 anos”,
conclui.
Hoje ela vive num apartamento alugado e paga o caseiro,
Sílvio, para alimentar e cuidar dos cachorros que ficaram
na casa. Quase todos os dias, ao volante de uma camioneta
empoeirada, percorre o lugar que há 18 anos escolheu para
erguer sua casa. Xinga grileiros e reclama no 31º Batalhão
da PM que as leis de trânsito não estão sendo respeitadas.
A polícia promete-lhe providências, mas os caminhões de
frete continuam estacionados nas esquinas e as vans sobre
as calçadas da praça, na avenida Niomar Bitencourt. Ela
fotografa tudo e mostra na página que um amigo americano a
ajudou a construir na Internet (endereço abaixo).
Notícias, artigos, denúncias sobre a desordem urbana do
Rio de Janeiro ela remete por e-mail para milhares de
destinatários. Sempre lembrando que o prefeito, na
campanha, prometeu um choque de ordem na cidade.
Há alguns meses, Maria Lúcia lembrou que Cesar Maia,
quando mudou para um endereço nobre na praia de São
Conrado, fez calar um trailer que, à noite, tocava música
perto de seu prédio. A idéia não a abandonou mais. Comprou
uma barraca numa lojinha de camping, um lampião, pequenas
tralhas de acampanhamento e já planeja o desembarque. Não
vai abrir o som do funk, porque não gosta do gênero, mas
talvez possa até fazer um churrasquinho. Se o prefeito
desarrumou-lhe completamente a vida, ela está decidida a
perturbar um pouco a dele. É possível que não consiga
nada, mas vai ser divertido.
xicovargas@nominimo.ibest.com.br
Sites relacionados
Favela Bairro
Texto em questão: A vitória da baderna
Sábado, 14 de setembro de 2002
no mínimo - Fala Leitor com Salomão Antunes
De: Gilmar Pacheco Rezende
Para: Xico Vargas
Prezado Xico,
Na maioria das vezes em que a prefeitura se mete, dá nisso,
um prefeito em busca de votos cria um projeto que
literalmente chama a todos de favelados, seres do submundo e
o povão gosta. Favela bairro, francamente.
Mas o pior é que o prefeito tem razão, não poderia dar-lhe
nome diferente. Pagar R$ 35.000,00 (se entendi bem) Para
morar em cima dos outros é coisa de burro, com essa grana eu
compraria um sítio por aqui no ex-distrito São José (...).
O que me deu mais raiva no caso da Sra. Maria Lúcia, foi o
fato de ter sido expulsa de casa por esses macacos, não
negros e nem macaquitos, simplesmente macacos. Sou
inteiramente contra a violência, mas numa hora destas dá
vontade de metralhar todo mundo.(...)
Esse texto não tem qualquer apologia ao preconceito, mas sim
ao conceito real dos fatos. Pobreza, riqueza, cor ou
religião não têm nada a ver com isso. Índole sim.
Salomão comenta:
Gilmar,
Essa sua vontade de metralhar vizinhos inconvenientes não
deixa de ser um sentimento humano. É mais ou menos o que
sentem judeus e árabes na Cisjordânia, com a diferença de
que lá eles não ficaram na intenção.
O problema é que, como se nota na Palestina, depois do
primeiro tiro ou da primeira pedrada fica difícil voltar a
ter um fim de semana tranqüilo na vizinhança. É bem pior que
baile funk.
De: Claudia Aguiar
Para: Xico Vargas
Sou carioca migrada para Petrópolis. Gostaria de
parabenizá-los pela matéria e informar que aqui em
Petrópolis a coisa não é diferente. Lutamos há muito tempo
junto ao poder público por uma real política de habitação
popular sem qualquer êxito.
As invasões são constantes e incontroláveis, o poder público
omisso e as cobranças para licenciamento de obras quase
impossíveis. Por um lado fecham os olhos para as invasões e
por outro erram duplamente ao emitir licenças em locais de
preservação ambiental (...).
A cidade enfrenta problemas sérios como falta d'água,
poluição de nascentes e rios, inundações (vide a calamidade
no Natal ).... e nada de soluções. Coloco-me ao seu dispor
para troca de informações. Sou diretora de Educação
Ambiental do SOS Piabanha Petrópolis e faço parte do
Conselho Gestor da APA Petrópolis.
De: Jorge Geisel
Para: Xico Vargas
Prezado Xico Vargas,
Meus sinceros parabéns pela brava reportagem sobre as
vicissitudes e sofrimentos de Maria Lúcia Massot, um raro
exemplo de resistência à baderna e degradação urbana
instalada no Rio de Janeiro, graças à irresponsabilidade
administrativa movida pelos interesses da corrupção
eleitoreira, durante anos a fio.
Por outro lado, seu empenho jornalístico em pról da
Cidadania e da Verdade, também é um exemplo digno de ser
reconhecido por todos nós, habitantes de uma cidade carente
de amor, de paz e de governo.
Um abraço, Jorge Ernesto Macedo Geisel
jorgegeisel@hotmail.com
Salomão comenta:
Ernesto Geisel,
Você disse tudo: corrupção eleitoreira. Copacabana também já
foi um vazio paradisíaco, transformado em mercado de
interesses imediatos.
O chato é que, nesse negócio de ocupação do solo, a autoria
da esculhambação, com o tempo, fica que nem cabelo em
sabonete: ninguém sabe direito de quem é.
Vitória da
baderna II - O que fazer?
De: Ana Paula
Estou solidária ao caso de Maria Lúcia,
mas vejo que a cada dia que passa a situação fica mais
difícil. Minha pergunta é: O que fazer?
[mailto:apdp24@hotmail.com]
Vitória da
baderna III - Vale de lágrimas
De: Marco Souza
Caro Xico,
Tendo em vista que os políticos continuarão sempre os
mesmos, e, pior, que se desenha no horizonte de nosso
estado uma neo Evita com seu Peronzinho, só resta a Maria
Lucia admitir que este vale não é chamado de lágrimas sem
motivo... . .
abs,
ma
mailto:marcosouza@infolink.com.br]
Vitória da
baderna IV - Realismo
De: Sávio Garcia Pimentel
Prezado Xico Vagas,
Escrevo esta mensagem apenas para parabenizá-lo pelo
brilhante texto relatando o drama vivido pela moradora
Maria Lúcia e o pouco caso de nossa gestão municipal. É
muito difícil encontrarmos alguém que seja tão objetivo,
sério e realista ao abordar esta nossa triste mazela
social.
Parabéns por seu excelente serviço!
saviogarcia@hotmail.com
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TÓPICO 34
Lider
comunitário é assassinado no Recreio |
O Globo On Line, Domingo, 29
de setembro de 2002
Líder comunitário do Recreio é assassinado
O líder comunitário da Favela Coroado, no Recreio dos
Bandeirantes, José Gonçalves Lício, de 51 anos, foi morto a
tiros e teve seu corpo queimado na madrugada de ontem, na
porta de sua casa. Alexander de Oliveira da Silva, conhecido
como Lequinho, foi preso em flagrante por policiais do 31 BPM
(Barra). Ontem à tarde ele foi encaminhado para a carceragem
da Polinter, na Praça Mauá.
De acordo com a polícia, Lício não estaria permitindo a
instalação de uma boca-de-fumo num local da favela e acabou
sendo morto. Segundo depoimentos de testemunhas, seis homens
armados e encapuzados atiraram em Lício na porta de casa. Em
seguida, os bandidos o arrastaram até a rua, onde atearam fogo
em seu corpo.
Dois dos assassinos moram na favela
Lequinho foi preso em flagrante e os outros cinco bandidos
conseguiram fugir. Dois deles foram identificados como
moradores da favela: Ricardo Alves, o Cadinho, e um homem
conhecido apenas como Pará.
Um levantamento feito pela Comissão contra a Violência e a
Impunidade da Alerj, publicado no GLOBO em 20 de junho
passado, identificou 800 líderes de comunidades
po$assassinados, expulsos ou cooptados por traficantes no
Grande Rio, entre 1992 e 2001. Metade deles se associou aos
bandidos. Outros 300 tiveram que abandonar as favelas e cem
foram mortos por não se deixarem intimidar. |
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TÓPICO 35
Arquiteta e
mendigos fazem protesto no Rio |
Terça-feira, 22 de outubro de
2002
|
CIDADES
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O ESTADO DE S.
PAULO
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Arquiteta e mendigos fazem
protesto no Rio
RIO - A arquiteta
Maria Lúcia Massot, de 59 anos, e três mendigos fizeram
ontem um protesto em frente da casa do prefeito Cesar
Maia. Ela queixava-se de um projeto da prefeitura,
Favela-Bairro Canal das Taxas, que teria cercado sua casa
de barracos e a obrigado a se mudar do Recreio dos
Bandeirantes, zona oeste. Os mendigos querem um lugar para
morar. A arquiteta diz que as obras fizeram baixar o preço
dos imóveis e deixaram o lugar violento. Ela exige
indenização. |
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TÓPICO 36
Quando o
descaso fala mais alto |
retirado do site:
http://www.e-recreio.com.br
Quinta-feira, 7 de
Novembro de 2002 12:26
Ruas do Recreio se
transformam em palco de irregularidades
e atestam o abandono da região pelas autoridades.
Atendendo a denúncia de moradores do bairro esta ouvidoria se
dispôs a conhecer de perto os problemas que os moradores da
Rua Leon Eliachar sofrem desde a ocupação do Projeto favela
bairro ali instalado e do crescimento desordenado do local,
que hoje é conhecido como 'terreirão'.
A primeira impressão que
se têm ao chegar no lugar é a de desordem, causada pelas
kombis que adotaram a Av. Guiomar de Novaes como ponto,
atrapalhando o tráfego normal dos veículos que por ali passam
e também das linhas de ônibus que precisam dividir a já
estreita faixa de rua com toda sorte de transporte irregular.
Infelizmente os problemas não param por aí. Como o acesso a
Rua Leon Eliachar é feito justamente pela Av. Guiomar de
Novaes, é preciso antes de entrar na rua, desviar de dois
enormes buracos que contribuem bastante para piorar as
condições do local.
Na sequência de problemas, outro não menos grave está
relacionado as condições de higiene e limpeza, pois a rua
possui dois enormes terrenos desocupados que foram
transformados em depósito de lixo e carros depenados. Apesar
de verificarmos que em um deles havia duas caixas coletoras de
lixo, boa parte do terreno está tomada por entulho, dando a
clara sensação de que a tempos a Comlurb não faz a remoção do
lixo ali despejado.
Como se não bastasse, os moradores se vêem obrigados a dividir
o espaço dessa pequena e antes calma rua residencial com os
ônibus-pirata que adotaram a rua como estacionamento.
Antes de concluir essa visita, fizemos questão de registrar
esses fatos como forma de alertar as autoridades para o
festival de irregularidades e desordem que impera nessas e em
tantas outras ruas do bairro a fim de que a CET-RIO,
juntamente com a polícia, realize a fiscalização do transporte
irregular atuante na região.
|
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TÓPICO 37
No meio da
favela surge a casa dos sonhos |
Jornal O Globo, Rio, 8 de
dezembro de 2002
Ana Cláudia Costa
No meio de ruas mal pavimentadas das favelas cariocas, algumas
belas casas se destacam das demais construções de alvenaria
com paredes de tijolos sem revestimento. Apesar do luxo
aparente dos imóveis, eles perdem valor no mercado imobiliário
por causa da localidade. Os proprietários das " pequenas
mansões"- como moradores das favelas gostam de chamar- se
orgulham de ter construído ao longo de muitos anos um
patrimônio confortável que, em muitos casos, inclui piscina e
gramado.
O ato de investir e construir casarões dentro de favelas,
segundo o economista Pedro Abramo, do Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano (Ippur), tem uma explicação. Segundo ele,
as casas não são construídas em tempo recorde como acontece no
asfalto. Ele chegou a essa conclusão durante uma pesquisa que
fez, em parceria com o Instituto Pereira Passos (IPP), sobre
preços de imóveis em comunidades carentes.
O estudo mostrou que os casarões são feitos ao longo dos anos.
Os moradores optam por construir ou fazer melhorias em imóveis
no local onde possuem amigos e parentes.
Investir no seu bem-estar e morar com conforto, sem sair da
comunidade, foi o motivo que levou o comerciante paraibano,
Ronaldo Gomes, 49 anos, a fazer melhorias em sua casa ao longo
de dez anos. O imóvel tem vista privilegiada para o mar de São
Conrado, o Gávea Golf Club e a Pedra da Gávea. Ele garante que
não troca sua vida na favela Vila das Canoas, na Estrada da
Canoas, por qualquer outro condomínio de luxo no bairro.
No imóvel de três pavimentos e um subsolo estão abrigados sua
casa, uma mercearia e uma delicatessen. A casa, segundo ele,
está avaliada em apenas R$ 30 mil por causa da localização. Um
preço bem abaixo do seu investimento nos dois pavimentos, sala
com vidro espelhado e vista para o mar e pisos em lajotas.
Vaidoso, ele explica que preferiu investir no estilo da casa a
fazer um "caixote com janelas", termo que utiliza para
identificar as edificações em favelas:
-Eu não quero sair daqui. Fui criado na favela e preferi
investir no meu imóvel para ter um maior conforto.
Ainda de acordo com o levantamento do Ippur e IPP, os
proprietários dos casarões em favelas são migrantes de outros
estados e a casa é o seu principal patrimônio, por isso o
grande investimento.
Um outro atrativo, segundo Pedro Abramo, são os impostos que
não são pagos nas favelas. Bem diferente do que acontece no
asfalto.
-Na favela existe também a liberdade de edificação. Não existe
padrão urbanístico e por isso o proprietário pode aumentar a
casa sem licenciamento- disse Pedro Abramo.
O luxo e a isenção dos impostos pode ser observada no imóvel
avaliado em R$ 500 mil, na Rocinha. A casa tem três andares,
quadra de futebol, piscina, sauna, churrasqueira e dez vagas
na garagem. Somente com o aluguel das garagens, a proprietária
ganha em média R$ 1 mil por mês.
Alto padrão na Maré e no Itanhangá
O arquiteto do IPP, Adriano Allen, explicou que o proprietário
desse tipo de edificação normalmente não está preocupado em
vender a casa e prefere investir na melhoria de seu padrão de
vida.
Ele analisa que, em geral, as casas nas favelas não possuem
padrão arquitetônico das demais casas de luxo da cidade. Para
ele, as edificações aumentam aleatoriamente com o decorrer dos
anos, como uma " obra de igreja".
O arquiteto do IPP ressaltou que em diversas favelas do Rio,
principalmente na Maré e nas favelas do Alto da Boa Vista e
Itanhangá, as casas são de alto padrão. No entanto, devido a
sua localização, elas têm baixo valor imobiliário.
-Observamos durante nossa pesquisa que os moradores preferem,
em sua maioria, investir mais no interior para ter conforto.
Muitos evitam ostentar luxo do lado de fora do imóvel.
Comunidade na Barra se destaca pelo luxo
A Favela da Tijuquinha, que há 70 anos começou a surgir na
Estrada do Itanhangá, na Barra da Tijuca, foge dos padrões das
outras comunidades carentes da cidade. Com 1.400 casas e cerca
de cinco mil moradores numa área de 114 mil metros quadrados,
a favela chama a atenção por causa de seus casarões. Alguns
chegam a ter quatro quartos, dois pavimentos, varandões e até
piscina. Tanto luxo, segundo o presidente da Associação de
Moradores da Tijuquinha, Ideraldo Luiz da Silva, se deve ao
fato de os moradores serem muito antigos e investirem bastante
na melhorias dos imóveis.
Casa de dois pavimentos e quintal gramado
Esse é o caso da cabeleireira Maria Lúcia Gouveia, de 37 anos,
moradora da Tijuquinha desde que nasceu. Casada há 15 anos,
ela construiu com o marido, o comerciante Josimar de Almeida,
uma confortável casa de dois pavimentos: os quartos são
amplos, a garagem coberta, a escada de madeira e o quintal
gramado.
Maria Lúcia diz não saber o valor de sua casa. Ela admite, no
entanto, que o preço de um imóvel em favela é sempre baixo
mesmo estando numa área nobre como o Itanhangá. Satisfeita com
a sua casa, onde também funciona seu salão de beleza, Maria
Lúcia disse que não conseguiria morar com tanto conforto em
Jacarepaguá, por exemplo.
- Tenho orgulho da casa que construí com meu marido. Não
queremos saber o valor dela porque fizemos a casa para morar
com conforto. Essa favela é tranqüila - contou.
Uma favela sem tráfico de drogas e violência
Talvez a tranqüilidade da Favela da Tijuquinha, onde segundo o
presidente da Associação de Moradores, não há tráfico de
drogas ou violência, tenha incentivado moradores a ampliar
suas casas. Obras de reurbanização feitas pela prefeitura,
como o projeto Bairrinho que pavimentou algumas ruas e
canalizou o esgoto, também estimularam a ampliação dos
imóveis. Apesar das casas amplas e bem conservadas, a
Tijuquinha mantém características de uma favela com suas
vielas e a falta de infra-estrutura.
- Os moradores da Tijuquinha se orgulham da favela em que
moram. Temos pessoas de classe média que optaram por investir
na comunidade. Acho que por estar próximo da Barra da Tijuca,
o comportamento e a situação econômica dos moradores
incentivaram a construção dessas casas - disse Ideraldo.
A casa de Benedita da Silva
A polêmica sobre a casa da governadora Benedita da Silva no
Morro Chapéu Mangueira, no Leme, começou no mês passado,
quando a Carteira Hipotecária do Clube da Aeronáutica entrou
com uma ação na Justiça, pedindo a desocupação do imóvel onde
a governadora morou até há três anos e que hoje serve como sua
base política. O advogado da Carteira alega que o terreno, de
cinco lotes, com cerca de 480 metros quadrados na subida do
morro, é propriedade do clube e que a governadora teria
recebido indenização - em valores atuais corresponderia a R$
51 mil - em 1977 para deixar a área, mas não saiu.
No entanto, Lúcio Bispo, ex-presidente da Associação de Amigos
do Chapéu Mangueira, defendeu Benedita. Ele afirmou que em
1977 o acordo feito foi para que todos os moradores deixassem
o terreno da entidade no morro, inclusive Benedita, que foi
para um terreno mais acima. Segundo ele, esse terreno não
pertenceria à Carteira.
O processo que vai julgar quem tem razão será julgado pelo
Órgão Especial do Tribunal de Justiça. |
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TÓPICO 38
Jacarepaguá
será das favelas |
Jornal do Brasil, Cidade,
sexta-feira, 20 de dezembro de 200
População nas áreas
irregulares cresce seis vezes mais que a do asfalto
Daniela Dariano
Se a ocupação do Rio
continuar no ritmo em que está, em 2024 os condomínios e
prédios de Jacarepaguá estarão todos cercados por favelas. A
conclusão está em estudo do Instituto Pereira Passos (IPP),
órgão vinculado à Secretaria Municipal de Urbanismo, de
autoria do pesquisador Paulo Bastos Cezar. Hoje, o bairro
tem 113.227 favelados - 22% de um total de 506.760
moradores. Enquanto a população normal cresceu em média 2%
nos últimos quatro anos, a chamada subnormal (favelada)
cresceu 12,53% ao ano, o equivalente a um aumento de 160% no
período.
- No
período anterior (de 1991 a 1996), crescia a 3,72% ao ano.
Houve uma explosão - conclui Paulo.
O
fenômeno também foi observado na Barra da Tijuca, que nos
primeiros cinco anos da década crescia anualmente 3,1% e
passou para 18,89% no período seguinte. Atualmente, 135 mil
pessoas moram na Barra, 2% (31.071) são favelados. Na média
dos dois bairros, a população total cresce 2,9% ao ano; a
subnormal (de favela), 8%, e a população normal (de
asfalto), 2,63%.
- Não é
a taxa mais alta. Na área de Guaratiba, as favelas crescem a
24,62% ao ano, ou seja, a população favelada dobra a cada
três anos. Enquanto isso, a normal cresce 7,8%.
Segundo
o prefeito Cesar Maia, entre 1991 e 1996, em todo o
município, as favelas haviam crescido em torno de 7,8% e,
entre 1996 e 2000, cresceram algo próximo de 20%. O aumento
vertiginoso da população favelada se concentra na Zona Oeste
e é paralelo historicamente à diminuição dos moradores de
favela na Área de Planejamento 1 (Zona Portuária, Centro,
Rio Comprido, São Cristóvão, Paquetá e Santa Teresa). Mas
não se trata de migração interna.
- A
redução no Centro é um fenômeno demográfico ligado
diretamente à educação e à redução do número de filhos. São
menos pessoas vivendo nas casas. Na Zona Oeste, cresceu a
migração da Região Metropolitana e de outros Estados. Mas os
dados de migração do Censo ainda serão liberados - diz.
Quem
passa por Rio Comprido e Santa Teresa pode duvidar. Isso
porque o número de domicílios continua crescendo a taxas
baixas, mas a população favelada caiu, segundo o Censo 2000,
1,13% nesses locais em 10 anos. Zona Sul e Tijuca estão no
mesmo caminho. A Área de Planejamento 2 (Botafogo,
Copacabana, Lagoa, Tijuca, Vila Isabel e Rocinha) cresceram
em uma década apenas 1,54% ao ano, principalmente na Rocinha
e na área da Lagoa - ainda grande diante da retração da
população, que foi de 0,42% ao ano, e da população normal,
que caiu 0,72%.
A origem das favelas da
cidade
Pesquisadora levanta a
história dos morros do Rio
A primeira favela do Rio
de Janeiro a receber essa denominação foi o Morro da
Providência, no fim do século 19. Com a ocupação do morro,
em 1897, pelos militares sobreviventes da Guerra dos
Canudos, os novos moradores passaram a tratar o local como
Morro da Favela, em referência a uma planta nordestina com
o mesmo nome. Essa e outras curiosidades sobre a história
da favelização carioca estão em estudo realizado pela
pesquisadora Adriana Mendes de Pinho Vial, do IPP, no site
da Prefeitura do Rio (www.armazemdedados.rio.rj.gov.br).
No mesmo trabalho, verifica-se que desde 1964 o avanço das
favelas em direção à Zona Oeste e à Baixada Fluminense é
uma tendência.
A
história das favelas acompanha a da cidade. O levantamento
da pesquisadora conta como a extinção dos cortiços, por
medidas que visavam a saúde e a higiene, no fim do século
19, estimulou a ocupação de morros pela população pobre.
De 1900 a 1930, a necessidade de modernizar a configuração
urbana e os operários surgidos com o desenvolvimento
industrial, os morros da Providência, Santo Antônio e
outros até então desabitados são rapidamente ocupados.
Com o
nome de Novas Tendências demográficas da cidade do Rio
de Janeiro, a pesquisa divide a evolução das favelas
em etapas que vão desde a abolição da escravatura até a
legitimação da favela pelo poder público, a partir de
1982, com o encarecimento da terra e ocupação das
periferias.
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TÓPICO 39
A Origem
das favelas no Rio de Janeiro |
Pesquisadora levanta a história dos morros do Rio
Jornal do
Brasil,
20/DEZ/2002
A primeira favela do Rio de Janeiro a receber essa
denominação foi o Morro da Providência, no fim do século 19.
Com a ocupação do morro, em 1897, pelos militares
sobreviventes da Guerra dos Canudos, os novos moradores
passaram a tratar o local como Morro da Favela, em referência
a uma planta nordestina com o mesmo nome. Essa e outras
curiosidades sobre a história da favelização carioca estão em
estudo realizado pela pesquisadora Adriana Mendes de Pinho
Vial, do IPP, no site da Prefeitura do Rio (www.armazemdedados.rio.rj.gov.br).
No mesmo trabalho, verifica-se que desde 1964 o avanço das
favelas em direção à Zona Oeste e à Baixada Fluminense é uma
tendência.
A história das favelas acompanha a da cidade. O
levantamento da pesquisadora conta como a extinção dos
cortiços, por medidas que visavam a saúde e a higiene, no fim
do século 19, estimulou a ocupação de morros pela população
pobre. De 1900 a 1930, a necessidade de modernizar a
configuração urbana e os operários surgidos com o
desenvolvimento industrial, os morros da Providência, Santo
Antônio e outros até então desabitados são rapidamente
ocupados.
Com o nome de Novas Tendências demográficas da cidade do
Rio de Janeiro, a pesquisa divide a evolução das favelas
em etapas que vão desde a abolição da escravatura até a
legitimação da favela pelo poder público, a partir de 1982,
com o encarecimento da terra e ocupação das periferias. |
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