Reportagens 2003

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“As políticas para as favelas devem estar integradas com políticas de redução da pobreza urbana mais amplas, focadas nas pessoas, que lidem com aspectos como emprego e renda, abrigo, comida, saúde, educação e acesso a infra-estrutura e serviços urbanos básicos”. Relatório do Programa de Assentamentos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU-Habitat)

Reportagens ( 6ª parte)

Reportagens 2003

Tópico 1  O Rio pedirá regularização de imóveis da União
Tópico 2  Favelização e especulação imobiliária
Tópico 3  Estudo aponta mais 49 favelas na Cidade
Tópico 4  Uma maquete das favelas cariocas
Tópico 5   Jovens de classe média imitam os bandidos
Tópico 6  Ocupação contra favelização
Tópico 7  Problemas variados cercam o Programa Favela-Bairro 
Tópico 8  Encostas da Tijuca podem ganhar prédios
Tópico 9 Prefeitura quer deter favelas com casas de classe média
Tópico 10 Vargem Grande sob a lama
Tópico 11 Alto-falantes incomodam no Recreio
Tópico 12 Discriminação contra favelas atinge salários
Tópico 13 São Januário está fora do RIO-2012
Tópico 14 Tem casa de menos
Tópico 15 Um dique em Rio das Pedras
Tópico 16 Lula quer que prédio público vire casa popular
Tópico 17 Governo Lula lança programa de habitação
Tópico 18 Quando o bairro vira favela
Tópico 19 Violência leva líderes comunitários do bairro a organizar protesto
Tópico 20 Retratos do Brasil
Tópico 21 Conjunto Nova Sepetiba II não será ampliado
Tópico 22 Igrejas se protegem contra a violência
Tópico 23 A favela sobe a serra
Tópico 24 Uma bomba-relógio
Tópico 25 Cidadão do futuro
Tópico 26 Com vista para a Casa Cor

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O Rio pedirá regularização de imóveis da União

O Globo On Line, Quarta-feira, 22 de janeiro de 2003


Tulio Brandão

A secretária municipal de Habitação, Solange Amaral, vai hoje a Brasília para pedir ao governo federal que inicie, por dez conjuntos habitacionais de propriedade da União, a parceria para a concessão de títulos de propriedade em áreas carentes. A regularização beneficiaria, segundo cálculos do município, cerca de 11 mil famílias, moradoras desses conjuntos populares. Solange, que tem reuniões agendadas nos ministérios das Cidades e da Justiça, aproveitará para pedir R$ 160 milhões para dar início aos processos de regularização dos imóveis.

— O governo pode começar pelo que já é dele. Os moradores desses conjuntos, alguns construídos na década de 40, ainda não têm direito à propriedade. São obrigados a vender o imóvel no mercado informal e não podem usá-lo como garantia — argumentou a secretária.

Além dos conjuntos habitacionais, Solange pretende pedir a regularização de moradias em favelas cujos terrenos pertencem à União. A Secretaria de Habitação ainda não divulgou a relação das comunidades, mas informou que Parque Royal, Ladeira dos Funcionários, Parque São Sebastião, Vila Clemente Ferreira e Parque Boa Esperança serão beneficiados.

Favela-Bairro favoreceria liberação de verba federal

A secretária explicou que vai solicitar R$ 160 milhões porque o Rio seria um dos municípios mais adiantados do país em urbanização de comunidades carentes, por meio do programa Favela-Bairro.

— Estamos bem à frente de outros estados na urbanização de favelas, inclusive de São Paulo, o outro escolhido pelo governo para iniciar o programa — disse ela.

A verba seria usada, segundo a secretaria, para ampliar o cadastramento de imóveis e emitir novos certificados. Solange afirmou que, se o dinheiro for liberado, poderá tocar o programa de regularização dos imóveis, em parceria com o governo federal, por pelo menos um ano. A secretária explicou que o Rio já vem executando o trabalho por meio de um programa de regularização fundiária da prefeitura. Já teriam sido reconhecidas por lei 20 mil moradias de loteamentos, assentamentos e conjuntos habitacionais.

— Mas, para facilitar o trabalho dos municípios, a União tem que alterar pontos importantes da legislação, como, por exemplo, a que trata de registro de imóveis, que atualmente não aceita o reconhecimento de posse na regularização — sugeriu a secretária.

Solange acredita que a regularização dos imóveis de comunidades carentes do Rio pode provocar uma transformação no mercado imobiliário:

— Transformar bens de capital morto em patrimônio formal vai gerar oportunidades.


Sob risco de desabamento em Barra de Guaratiba

Cláudio Motta

Os deslizamentos de encosta são as mais comuns e trágicas ocorrências atendidas pela Defesa Civil, segundo o manual de prevenção de acidentes distribuído pelo Núcleo de Defesa Civil (Nudec) na Zona Oeste. As causas são a ocupação irregular, os aterros e o acúmulo de lixo, entre outras. Barra de Guaratiba enfrenta todos estes problemas e ainda outro: as pedras soltas.

Para se ter uma idéia, em novembro (mês mais recente com estatística disponível) houve 144 atendimentos na Zona Oeste, sendo que 116 (80,5%) ligados a desabamentos, deslizamentos e ocorrências do gênero.

No relatório de ocorrências da Defesa Civil na Zona Oeste, a maior incidência é de imóveis com rachaduras. Foram 40 chamados para verificação em outubro e 48 em novembro. Nestes dois meses houve 16 chamados de ameaça de desabamento. Atendimentos em imóveis representam 70,5% dos casos.

A Associação de Moradores de Barra de Guaratiba, a administração regional e o Núcleo de Defesa Civil de Barra de Guaratiba se uniram para fazer uma campanha de esclarecimento e de prevenção.

O mais difícil, segundo o presidente da associação de moradores, Ricardo de Souza Leal, é convencer as pessoas a se mudarem.

— Uma das famílias teve a casa destruída num temporal e já se prepara para a reconstrução dela — diz.


Maior perigo está nas encostas

Basta chover um pouco para que Marcos Antônio Filho de Souza fique preocupado:

— Tenho medo principalmente das pedras menores, que podem ser soltas com mais facilidade. Muitas vezes são os próprios moradores que retiram as pedras.

Ele, como Maria Alves Barcelos, é nascido e criado no bairro. Antônio diz que a ocupação irregular e as pedras soltas são as maiores causas dos acidentes. Mas ambos não pensam em se mudar de lá.

— Quando tem chuva, a água invade a minha casa. As pessoas não construíam no curso de escoamento das águas mas agora não é mais assim — diz Maria.

Ricardo de Souza Leal, presidente da associação de moradores, organiza mutirões de limpeza, mas reconhece que o problema está longe de ser resolvido.

— Ainda falta a consciência nos moradores. O lixo jogado no caminho da água e as construções irregulares são exemplos de perigo — diz.

Para o administrador regional, Valmir de Moraes, conhecido como Billy, é preciso fazer um trabalho de prevenção e educação para só depois notificar as irregularidades.

— Esta é uma área de risco. Priorizamos o trabalho de conscientização dos moradores e prevenção de acidentes.

O trabalho, segundo o coordenador-geral do Nudec, Aloísio Freire, precisa ser priorizado pela prefeitura. Ele diz que a Defesa Civil ainda depende dos voluntários:

— Sem o trabalho voluntário, a ação da Defesa Civil em Barra de Guaratiba seria prejudicada. A prefeitura deveria investir na criação de outros Nudecs.


A relação dos conjuntos

IRAJÁ (IAPM): Estrada Monsenhor Félix, com 373 casas

DEL CASTILHO (IAPC): Av. Dom Hélder Câmara, com 172 casas, 905 aptos e 24 lojas

ROCHA (IAPC): Av. Marechal Rondon, com 79 casas

AREAL (IAPI): Av. Brasil, com 600 aptos

JUSCELINO KUBITSCHEK (IPASE): Rua Cândido Benício, com 740 aptos

COELHO NETO (IAPC): Av. Pastor Martin Luther King Jr., com 711 casas e 186 aptos.

VILA COMARI (IPASE): Rua Comari (Campo Grande), com 22 aptos e 26 lojas

REALENGO (IAPI): Rua Marechal Modestino, com 711 aptos, 36 lojas e 1.636 casas

RUA LINS DE VASCONCELOS: Com 28 aptos e 8 lojas

VILA 3 DE OUTUBRO: Estrada João Vicente, com 778 casas, 772 aptos e 34 lojas


Dados sobre o risco

PREVENÇÃO

METEOROLOGIA: Os moradores devem ficar atentos aos informes da meteorologia.

RACHADURAS: Nas casas que apresentarem rachaduras ou dificuldade de abrir e fechar portas e janelas, os moradores devem chamar a Defesa Civil.

CHUVA: Não andar em áreas alagadas.

OCORRÊNCIAS

IMÓVEL COM RACHADURAS: 48.

AMEAÇA DE QUEDA DE BARREIRA: 14.

CONSTRUÇÃO IRREGULAR: 11.

AMEAÇA DE DESABAMENTO DE IMÓVEL: 8.

PERÍODO: Novembro de 2002.

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Favelização e especulação imobiliária

Jornal do Commercio, domingo, 16 de março de 2003

ZONA OESTE
Muitos problemas, muitas promessas; mas as soluções preenchem páginas, pastas e gavetas

ELIZABETH OLIVEIRA

Enquanto não saem do papel propostas como as do Projeto de Estruturação Urbana (PEU) e do Parque Veneza Carioca, que prometem frear o processo de especulação imobiliária e de favelização em Vargem Grande e Vargem Pequena, na Zona Oeste, a região, ainda caracterizada como agrícola, segue à mercê da própria sorte - apesar de vizinha da valorizada Barra da Tijuca. Especialistas defendem soluções urgentes, antes que a ocupação desordenada se torne irreversível.

Estão previstas no PEU, segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), medidas como proteção ambiental e à paisagem local, com estabelecimento dos critérios de ocupação urbana, contenção do processo de ocupação desordenada com soluções diferenciadas para loteamentos irregulares e invasões, e complementação e
implementação do sistema viário para melhoria do transporte de massa.

Uma das soluções apontadas pela Prefeitura para o problema de drenagem e preservação do meio ambiente local seria a construção de uma bacia, como uma lagoa, entre os canais do Cortado, do Portelo e de Sernambetiba. Por causa da acumulação da água para redistribuição nos canais, o projeto foi batizado de Veneza Carioca.

Uma lagoa com pouca chance de aprovação

O projeto, que prevê a demarcação de áreas não edificáveis em torno da lagoa, destinadas à construção de um parque para lazer da população, ainda está sendo discutido com o Ministério do Meio Ambiente por meio da Agência Nacional das Águas (ANA), e por enquanto, segundo informações da SMU, não há previsão para sua aprovação.

Com a adoção das políticas previstas no PEU, Vargem Pequena ficará dividida em duas subzonas. Uma parte será beneficiada pelo Parque Veneza Carioca e a outra - ocupada principalmente por loteamentos irregulares - poderá receber construções de até três andares.

O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, seccional do Rio de Janeiro (IAB-RJ), Carlos Fernando de Andrade, diz que o crescimento desordenado da região é preocupante, porque toda a área é muito baixa e tem sérios problemas de drenagem.

- A ocupação para fins de moradia lá é desaconselhável, porque o subsolo é frágil e exige investimentos altos em aterros - explica o especialista, que defende maior rigor na fiscalização e implementação de políticas de planejamento de ocupação do solo, como as que estão incluídas no PEU.

A região, de vocação agrícola, diz Andrade, é naturalmente úmida porque as águas que descem pelo Maciço da Pedra Branca - área montanhosa que corta a Zona Oeste - perdem velocidade na baixada e escoam lentamente, provocando alagamentos constantes em diferentes pontos sempre que chove forte.

O problema é sentido pela comunidade carente chamada de Km 30, localizada em Vargem Grande. A dona de casa Francisca Edineuza Lourenço, que mora no local há 12 anos, disse que sempre que chove os moradores têm dificuldade para entrar e sair de casa, porque as ruas ficam alagadas.

Sem fiscalização efetiva, algumas das casas dessa comunidade foram construídas tão próximas às vias mais movimentadas, como a Estrada dos Bandeirantes, que, segundo Edineuza, já chegaram a ser atingidas por carros em alta velocidade.

Moradores da comunidade se arriscam ao caminhar nas ruas onde não existem calçadas, acostamentos, sinalização e outras alternativas que garantam a segurança dos pedestres. Esgotamento sanitário, iluminação e policiamento são outras necessidades não atendidas pelo Poder Público apontadas por Edineuza.

Proliferam os casebres e centros comerciais

Alguns sítios e fazendas ainda sobrevivem na região - distante cerca de 40 quilômetros do Centro da cidade - mas, pouco a pouco, perdem espaço para a proliferação de casebres, quiosques, centros comerciais e condomínios de classe média, muitos em situação irregular. A ocupação desenfreada de terrenos locais salta aos olhos de quem passa pela Estrada dos Bandeirantes, ou pelas pequenas ruas, e atrai cada vez mais comerciantes de materiais de construção e marmorarias de fundo de quintal.

Atento observador e debatedor das questões que envolvem o crescimento urbano no Rio, o vereador Eliomar Coelho (PT) diz ser defensor ardoroso dos PEUs. O parlamentar acredita que os programas de estruturação são fundamentais no envolvimento das comunidades nas discussões dos seus problemas, além de garantirem o crescimento
planejado da cidade.

No caso específico do PEU de Vargem Grande, ele assegurou que a Câmara aguarda o envio do documento, que será avaliado por diversas comissões até ser votado em plenário. O vereador, que acompanhou de perto audiências públicas para discutir o projeto, no ano passado, disse que espera ver as sugestões da população incluídas nas propostas da Prefeitura para a região.

Projeto concluído beneficia quatro bairros

A Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU) informou que debateu o PEU com representantes das comunidades da Zona Oeste. O projeto, já finalizado, vai beneficiar Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim e parte do Recreio dos Bandeirantes.
Segundo a SMU, o projeto considera todas as particularidades geográficas e ambientais, a atividade agrícola remanescente e aspectos da biodiversidade da região.

A SMU reconhece a necessidade de adotar mecanismos de infra-estrutura que protejam o meio ambiente frágil da região, caracterizada como área adversa à ocupação urbana.
Uma das principais mudanças apontadas pela SMU ficará por conta da possibilidade de legalização dos condomínios em situação irregular, desde que não estejam localizados em áreas de risco, logradouro público ou causando impacto ambiental.

Risco de deterioração no Recreio dos Bandeirantes

JOSÉ OLYMPIO MEYER

Embora um pouco mais urbanizado, o Recreio dos Bandeirantes é outra área de expansão do Rio que está enfrentando dificuldades e riscos de deterioração. Os moradores, principalmente de casas no lado direito da Avenida das Américas, convivem com problemas de infra-estrutura, embora paguem um dos IPTUs mais caros da cidade, algo em torno de R$ 8 mil em algumas casas. Ocupação desordenada, falta de saneamento adequado e de rede de coleta de esgoto, estacionamentos de ônibus piratas, ruas sem asfalto e sem iluminação pública fazem parte do cotidiano dos habitantes do bairro.

- Na minha casa, quando chove não passa carro. É um atoleiro. Apenas em setembro do ano passado instalaram iluminação nos postes e já houve até casos de estupro na vizinhança. Parece que nossa área é abandonada pela Prefeitura. A sinalização com o nome das ruas é precária, muitos amigos meus se perdem quando vêm me visitar - disse o funcionário público Marco Aurélio Ramidan, morador do Recreio há seis anos.

Ocupação irregular de áreas e crescimento de favelas

Outro problema grave no Recreio diz respeito à favelização e ocupação irregular de áreas, inclusive para estacionamentos de ônibus piratas, a maioria procedente da Baixada Fluminense, que fazem o transporte de trabalhadores.

O presidente da Associação de Moradores do Recreio (Amara-Civ), Cézar Lipper, afirma que a ocupação desordenada do bairro é um problema que afeta não apenas os moradores, mas também os shoppings da região. Um lojista do Shopping Time Center, no número 15.700 da Avenida das Américas, que não quis se identificar, afirmou que a favela que existe atrás do shopping afasta clientes de sua loja. "Nas favelas, eles vendem de tudo, desde artigos de decoração e alimentos até cerâmica, sem pagar impostos".

O complexo do Terreirão, um dos maiores conjuntos de favelas do Recreio, já atingiu tamanha dimensão que chega à beira da Avenida das Américas, um pouco antes da subida da serra da Grota Funda e em frente ao Shopping Recreio. "Não podemos fazer nada. A cada dia nossas casas ficam mais desvalorizadas", disse Cézar Lipper.

O subprefeito da Barra da Tijuca, Recreio e Jacarepaguá, Alexander Vieira da Costa, afirma que a Prefeitura está atuando de forma rigorosa para demolir as ocupações irregulares. "Não estamos deixando mais os barracos proliferarem, nem nas favelas. Porém, não podemos retirar os moradores da área do complexo do Terreirão, onde, inclusive, já foi cumprido o programa Favela-Bairro, em 1996".

No mês passado, três construções irregulares foram demolidas - dois prédios situados na Rua Francisco Quartarolli, com cinco andares cada, e uma obra na Avenida Jarbas de Carvalho, com três andares e 18 apartamentos. Segundo Alexander, mais 26 prédios devem ser demolidos na região do Recreio dos Bandeirantes.

Quanto aos ônibus piratas, Alexander afirmou que, quando a área é pública, os ônibus são rebocados e multados. "Porém, se o terreno é particular, não podemos fazer nada", disse.

Esgoto contamina raízes e destrói as árvores

Na residência de Cézar Lipper, na Rua Claude Monet, não há rede de esgoto nem fornecimento de água pela Cedae. O esgoto se acumula na área subterrânea de seu quintal e, quando chove, a sujeira emerge. As raízes das árvores de sua casa já estão enfraquecidas por causa do acúmulo de águas contaminadas, o que faz com que elas caiam. As ruas na área de sua residência não são asfaltadas, estão esburacadas e a proliferação de mosquitos é grande.

O esgoto, quando não se acumula nas galerias de águas pluviais, vai diretamente para os canais. Nesses canais existem plantas, as jigóias, que crescem com o aumento de substâncias tóxicas.

- Os mosquitos proliferam nessas plantas e a Comlurb não tem o que fazer para eliminar os focos de pernilongos. Várias pessoas da vizinhança já contraíram dengue - disse o presidente da Amara-Civ.

O gerente de obras e conservação de esgoto sanitário da Fundação Rio-Águas, Luis Felipe Verdolin, afirma que as obras de esgotamento sanitário feitas no Recreio atenderão, até o final deste mês, a 90% da população do bairro.

- Realmente, um dos maiores problemas de saneamento na área do Recreio é na subzona A-17, que fica no lado direito da Avenida das Américas, porque a área está abaixo do nível do mar, o que aumenta o risco de enchentes - disse.

Essas obras fazem parte do programa de esgotamento sanitário que a Prefeitura está construindo no Recreio, Vargem Grande, Vargem Pequena e Camorim, em convênio com a Caixa Econômica Federal. Por enquanto, o investimento em obras soma cerca de R$ 13,5 milhões. Foram instalados 100 quilômetros de rede coletora, uma estação de tratamento e quatro estações elevatórias no Recreio, além de 18 quilômetros de rede coletora de esgoto em Vargem Grande.

O gerente de obras da Rio-Águas assegurou que até o final do mês serão concluídas mais três estações elevatórias no Recreio. As obras de esgotamento sanitário estão em andamento há mais de seis anos e seu objetivo principal é despoluir os principais canais dessas regiões.

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ESTUDO APONTA MAIS 49 FAVELAS NA CIDADE

Jornal O Globo, Rio, 20 de abril de 2003
Novo levatamento aerofotogramétrico da prefeitura mostra que o Rio já tem 752 comunidades carentes

Os números voltam a mostrar as dificuldades para frear a expansão das favelas e levar adiante o programa de concessão de títulos de propriedade às famílias de baixa renda. O Instituto Pereira Passos (IPP), da prefeitura, identificou mais 49 favelas, concluindo o novo levantamento de comunidades carentes do Rio. Durante o trabalho, em maio do ano passado, os técnicos do IPP já tinham constatado o surgimento de outras cem áreas favelizadas, conforme foi mostrado pelo GLOBO. O estudo tem por base imagens aerofotogramétricas feitas em 1999 que, naquela ocasião, indicavam a existência de 190 ocupações irregulares. Minuciosa e demorada, a apuração só terminou recentemente, depois de vistoria técnica em cada um dos locais fotografados.

Com a inclusão no cadastro do IPP das 149 comunidades, a quantidade de favelas reconhecidas pela prefeitura saltará de 603 para 752 (mais 24,7%). O gerente sócio-demográfico do instituto, Fernando Cavaliere, estima em 30 mil os moradores dessas 149 áreas, o equivalente a mais de meia Rocinha, que tem 56 mil habitantes, segundo o último censo demográfico do IBGE realizado em 2000.

Entre as favelas que passarão a ser oficiais, há algumas de nomes curiosos. É o caso da Do Orto (sem a letra H), que fica no alto da Rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico. Das 149 novas favelas, 60 ficam na Zona Oeste, como a Batistinha (Pavuna) e a Castor de Andrade (Bangu). Há ainda 34 na Barra da Tijuca e em Jacarepaguá, 46 nos subúrbios da Central e da Leopoldina, três na Tijuca, duas em Paquetá e uma no Rio Comprido.

— A identificação das favelas é o primeiro passo para lidar com o problema da favelização. Serve de base para estratégias e para implementarmos providências — diz o presidente do IPP e secretário de Urbanismo, Alfredo Sirkis.


Surge a incorporação imobiliária informal

Durante a pesquisa, os técnicos do IPP constataram ainda que um novo tipo de ocupação irregular surgiu na cidade: a incorporação imobiliária informal. Ou seja: quase um terço das favelas que estão sendo oficialmente reconhecidas agora foram criadas através da venda de lotes por proprietários legítimos dos terrenos. É o caso do Sítio Santa Isabel, localizado entre o Largo da Pechincha e a Linha Amarela, em Jacarepaguá. Fotos aéreas antigas indicam que o lugar era um sítio. Em 1993, o proprietário começou a demarcar e a vender lotes. Já as fotos de 1999 mostram o local totalmente ocupado.

Mas a invasão de terrenos desocupados, públicos ou particulares, continua sendo a forma mais comum de nascimento de favelas. Sessenta por cento daquelas que estão sendo cadastradas apareceram assim. As invasões podem ser espontâneas ou promovidas por associações de moradores ou, até mesmo, por grupos organizados que ocupam, demarcam e vendem os lotes.

O trabalho do IPP indica também que, em cerca de 10% dos casos, a favela resulta do consentimento ou da permissão de uso de terrenos por parte dos próprios órgãos públicos. Tradicionalmente, as áreas eram cedidas para a moradia de funcionários e de vigias. Passado um período, porém, acabavam sendo feitos acréscimos por filhos de antigos moradores e por pessoas que adquiriam lotes menores desmembrados de posses originais. Um exemplo é o da Comunidade Vale do Ipê, situada dentro dos limites da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. Fotos aéreas de 1984 mostram umas poucas casas de funcionários. Em 1990, continuava pequeno o número de casas

“Segundo entrevistas feitas no local, o processo de ocupação da Vale do Ipê acelerou-se a partir da criação da associação de moradores, em 1992. No final da década, as imagens aéreas já mostravam o padrão inconfundível de uma favela” — relatam num documento os técnicos da prefeitura Paulo Bastos Cezar e Gustavo Peres Lopes.

O número de favelas cadastradas pela prefeitura é bem superior àquele contabilizado pelo IBGE. Pelo censo de 2000, o município teria 513 favelas (classificadas como grupamentos subnormais), onde vivem 1.092.000 pessoas. Só que, conforme a metodologia usada pelo instituto federal, nem todas as favelas entram na estatísticas do IBGE.

O órgão federal só classifica como grupamentos subnormais conjuntos com pelo menos 51 unidades habitacionais, que ocupem terreno alheio (público ou particular), em geral de forma desorganizada e carente da maioria dos serviços públicos. Mesmo assim, no ranking dos municípios, pelo último Censo, o Rio de Janeiro é o segundo colocado em quantidade de favelas, só perdendo para São Paulo (612).

Entre as iniciativas da prefeitura para tentar conter a favelização, o secretário Alfredo Sirkis cita o programa Eco Limites, de delimitação de favelas, que tem por objetivo impedir a expansão da ocupação de áreas verdes. Segundo ele, o município incentiva ainda os mutirões de reflorestamento, saneamento e coleta de lixo:

— Com esse projeto, geramos renda para moradores de comunidades carentes e os transformamos em aliados, que nos ajudam a impedir que as favelas ampliem seu espaço — afirma o secretário de Urbanismo, lembrando ainda que, para ser executado, o projeto Favela-Bairro pressupõe o compromisso da comunidade de que a favela não poderá crescer.

Já uma das estratégias do secretário municipal de Governo, João Pedro Figueira, é alertar subprefeitos e administradores regionais, para que fiquem atentos e façam vistorias rotineiras em suas regiões. Dessa forma, acredita Figueira, é possível detectar o início de uma ocupação irregular, coibindo antes que ela se consolide.

— Recebi uma denúncia de que Cerro-Corá e Guararapes (ambas no Cosme Velho) estariam crescendo. Fui lá hoje (sexta-feira) pessoalmente conferir. O que está acontecendo lá é um crescimento vertical dessas favelas — conta Figueira.

Cesar diz que só há crescimento vertical

Também o prefeito Cesar Maia garante que hoje a expansão das favelas no Rio está sob controle:

— Neste momento, se há crescimento de favelas no Rio ele é vertical ou muito pequeno no limite de algumas grandes comunidades carentes — assegura o prefeito.

Para conter o crescimento vertical, a receita do secretário Alfredo Sirkis é a elaboração de normas urbanísticas específicas para cada comunidade — que incluem gabarito e arruamento — e a disseminação pelas favelas de postos de orientação urbanística para os moradores.

Ao analisar dados do Censo 2000 e da recontagem da população feita pelo IBGE em 1996, Cesar Maia chama a atenção para o crescimento do número de favelas e da população favelada nesse período. O prefeito reconhece que, ao reassumir a prefeitura em 2001, fez uma previsão otimista que acabou não se concretizando:

— Por um lado, a crise explica esse crescimento das favelas entre 1996 e 2000. Mas outro grande problema foi a falta de energia do governo anterior, quando aderiu ao populismo. A remontagem do sistema de controle levou mais tempo do que eu imaginava. Pensei que levaria dez meses e levei um ano e meio. A partir do fim de 2002, o sistema estava de pé de novo — assegura o prefeito.
Loteamento devasta área de floresta

Entre as 149 favelas descobertas recentemente pelo levantamento do Instituto Pereira Passos, a Comunidade Sítio Santa Isabel, em Jacarepaguá, é uma das mais antigas e, assim como outras, surgiu a partir de uma incorporação popular. O loteamento irregular, promovido por Arymaua Leão Feitosa, herdeiro do antigo sítio, fez surgir uma favela que devastou uma extensa área de floresta habitada por animais silvestres.

— Vim morar aqui há 15 anos, quando o lugar ainda tinha micos, pássaros e muitas árvores. Agora olho ao meu redor e só vejo concreto — lamentou o aposentado Silva Brito.

Arymaua morreu há um ano e da família Leão Feitosa resta apenas uma antiga casa, construída no século passado, onde moram parentes do ex-proprietário. A viúva de Arymaua, Regina Lopes, ocupa a casa onde antes funcionava uma fábrica.

— Quando vim morar aqui, há 17 anos, só tinha mato. Meus sogros moravam sozinhos no sítio e meu marido resolveu lotear a área — diz Regina.

Na antiga sede do sítio moram atualmente duas famílias. Lourdes Ferreira da Silva, que é irmã de Regina, divide um único cômodo, o antigo salão de festas, com outras seis pessoas.

— A prefeitura esteve aqui, fez o cadastramento dos moradores, mas não falou em reformar o casarão — diz Lourdes.

A maioria dos moradores comprou um lote para escapar do aluguel. A presença da prefeitura é vista na entrada do loteamento, onde os técnicos estão construindo uma rede coletora, com filtros, para o esgoto doméstico. A obra, já em fase final, é comemorada pelos moradores.

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UMA MAQUETE DAS FAVELAS CARIOCAS

Jornal O Globo, Rio, domingo, 20 de abril de 2003
Trabalho de meninos vai ser exposto em mostra internacional de arquitetura

O que começou, há seis anos, como um jogo de crianças e adolescentes do Morro do Pereirão, em Laranjeiras, será agora uma das estrelas da 1ª Mostra Internacional Rio Arquitetura (Mira), organizada pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e que reunirá durante dois meses, nos principais centros culturais da cidade, 43 trabalhos de arquitetos nacionais e internacionais consagrados. No Parque das Ruínas, em Santa Teresa, o público poderá conhecer a réplica do “Morrinho” — uma maquete de 150 metros quadrados, feita com 1.500 tijolos, que um grupo de garotos do Pereirão construiu numa encosta do morro para retratar o cotidiano de 12 favelas cariocas.

A réplica do “Morrinho” no Parque das Ruínas terá dimensões menores. Barracos em miniatura, feitos de tijolos, ficarão aglomerados numa área de cerca de 75 metros quadrados em forma de encosta. Carrinhos de brinquedo e peças de Lego (que representam os moradores, traficantes e policiais) completam o cenário. A abertura do trabalho dos adolescentes do Pereirão acontece no dia 1º de maio. A obra ficará exposta durante 28 dias.

Na avaliação dos dez jovens do Pereirão que fizeram o “Morrinho”, o convite para participar da Mira é o reconhecimento de um trabalho criativo iniciado em 1997, quando o grupo de meninos começou a montar a maquete numa encosta do morro, como forma de diversão. O “Morrinho”, que já chegou a ter 20 favelas, virou jogo com regras: cada menino ficava responsável por um morro e era obrigado a limpar e a conservar os tijolos e as peças de Lego. Na verdade, José Carlos Pereira, agora com 19 anos, reconhece que a brincadeira tinha como único foco a violência. Os garotos reproduziam com os bonecos as guerras entre traficantes de facções rivais.

Fábio Gavião, diretor de audiovisual, tomou conhecimento há dois anos, por acaso, da maquete dos adolescentes do Pereirão. Resolveu subir o morro para fazer um documentário com eles. Surpreso com a criatividade dos garotos, passou a ajudá-los, principalmente para que a brincadeira deixasse de enfocar apenas cenas de violência. Fábio levou, então, uma câmera para o grupo e o incentivou a filmar o dia a dia do “Morrinho”, ressaltando cenas do cotidiano. Foi assim que a maquete ganhou outros tipos de construção, como associação de moradores, biroscas e creches. As 12 favelas (como Borel, Fogueteiro, Turano, Formiga, Querosene) em miniatura têm, claro, postos policiais, quadra para bailes e até delegacia.

Ano passado, a história da maquete chegou ao conhecimento do dono de uma loja do Rio Design Center da Barra. Ele convidou o grupo a construir uma miniatura de favela com decoração natalina para enfeitar a vitrine da loja.

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JOVENS DE CLASSE MÉDIA IMITAM OS BANDIDOS

Jornal O Globo, Rio, domingo, 11 de maio de 2003


Psicanalista da Uerj diz que adolescentes passaram a admirar o poder dos traficantes

Os adolescentes da classe média estão adotando a estética das favelas - com o uso das roupas, do dialeto e principalmente da violência dos jovens envolvidos com o tráfico - e transformando em heróis e ídolos os personagens bandidos de filmes como "Cidade de Deus", "O invasor" e "Carandiru". Isso está assustando mães e pais de família. Mais grave que isso, porém, é que os adolescentes em geral, tanto da classe média quanto da classe baixa, estão vivendo uma crise de autoridade total, que está levando ao caos toda a sociedade. Esta é a opinião da psicanalista Clara Inen, especialista em atendimento de usuários de drogas na Uerj e no Instituto Pinel, em Botafogo, organizadora de três livros dedicados ao tema ("Toxicomania, uma abordagem clínica", "Toxicomania, uma abordagem múltipla" , da Editora Sete Letras; e "Drogas, uma visão contemporânea", da Editora Imago).


Ela diz que está sob o impacto de uma de suas últimas descobertas: mães pobres, agredidas fisicamente por filhos usuários de drogas, levam os filhos menores aos traficantes para serem castigados, já que a polícia ou o Juizado de Menores não resolve o problema doméstico.

Lucros exorbitantes é que geram a violência

- Isso é mais grave que o jovem de classe média adotar o modelo do bandido, andar armado e se tornar violento. É assustador que o traficante tenha assumido a autoridade do pai e da lei, que, evidentemente, estão ausentes - diz Clara Inen.

Quando as mães levam os filhos para corretivo de um chefe do tráfico e o secretário de Segurança diz que a desordem é total e a segurança está fora de controle - como o fez o secretário Anthony Garotinho na semana passada - a classe média, segundo ela, deveria sair com urgência de seu imobilismo individualista para enfrentar com coragem o mal-estar agudo que está vivendo:

- Não dá para a classe média ficar cuidando só do seu quintal. Ou fica criando adolescentes retardados, que só saem com os pais ou em vans, ou se entorpece com jogos, bebidas, calmantes e até drogas ilegais para suportar a agonia dessa realidade.

As ameaças às universidades, segundo ela, são um exemplo claro da urgência de uma discussão mais ampla de valores, do consumismo, da influência da mídia que não se restrinja a uma visão limitada que alia drogas à violência. Clara diz que a sociedade precisa discutir os valores que permitam que o comércio de drogas se estabeleça entre as populações pobres:

- Esse comércio estabelece uma carreira, que começa como avião, vai para olheiro, passa para fogueteiro, endolador e gerente. Essas crianças ganham mais em uma semana que o pai ou a mãe ganham em um mês.

Ela considera o consumo de drogas um sintoma do mal-estar contemporâneo. Mas, para isso, a classe média precisa sair do "estado de narcose" em que vive:

- A situação mais comum é a do adolescente que fuma maconha ou cheira cocaína e vem acompanhado dos pais. Só que a mãe desse jovem só dorme com psicofármacos há anos e o pai bebe todos os dias, quando chega do trabalho, para relaxar. Ora, a família toda é drogada.

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Ocupação contra favelização

Jornal O Globo, Rio, domingo, 18 de maio de 2003


Luiz Ernesto Magalhães

A ocupação de encostas por condomínios de classe média é a mais nova estratégia da prefeitura para conter a expansão de favelas nas áreas nobres do Rio. A proposta é prevista em projeto encaminhado pelo prefeito Cesar
Maia à Câmara de Vereadores para mudar as regras de edificação no Alto da Boa Vista, onde desde 1976 só é permitido construir uma casa a cada lote de dez mil metros quadrados. Pelo projeto, o Alto será dividido em cinco áreas edificáveis. Em alguns trechos, será possível erguer até 12 casas ou edifícios com dois ou três pavimentos, conforme a localização.

O projeto ainda não entrou em pauta, mas já causa polêmica. No grupo dos que defendem a proposta, a tese é de que as ações atuais, como cercar favelas com marcos (programa Eco-Limites) ou tentar removê-las, se revelaram insuficientes. Já os críticos argumentam que, na prática, o município reconheceu que todas as estratégias adotadas até agora fracassaram, mas isso não impediria a prefeitura de buscar alternativas.

O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, disse que há oito anos se discute uma estratégia específica para o Alto:

- De lá para cá, o processo de favelização só fez aumentar. É preciso melhorar as condições para a construção legal, para desestimular a ilegal. E dar condições para que os proprietários possam aproveitar melhor partes de
terrenos onde não haja área verde. Esses novos parâmetros não comprometem a qualidade de vida, pelo contrário, melhoram as condições de segurança.

Para ONG, há falhas na fiscalização

A tese não convence Canagé Vilhena, assessor da presidência do Conselho Regional de Arquitetura (Crea) e coordenador da ONG Centro de Defesa das Cidades. Segundo ele, os mesmos fiscais que não conseguem conter as favelas também se revelam incapazes de impedir que donos de prédios devidamente licenciados desrespeitem a lei e construam fora das regras. A prova disso é que mais da metade dos imóveis da cidade têm "puxadinhos" irregulares.

- Favela se combate criando uma política habitacional eficaz que evite a invasão dos morros. Há alternativas também para o Alto, como incentivar projetos de ecoturismo - disse Canagé.

Sirkis diz que o projeto para o Alto é uma proposta específica, mas não descartou a possibilidade de a estratégia ser usada em outras áreas. A tese já foi defendida há duas semanas, quando o secretário explicou a concessão
de licenças pela prefeitura para a construção de casas na Rua Casuarina, no Morro da Saudade, na Lagoa. "Tornar a rua não edificável naquele trecho implicaria em desapropriações e risco de favelização. É sempre possível discutir medidas neste sentido. Mas a sociedade terá que discutir seriamente todas as conseqüências disso, as imediatas e aquelas de longo prazo", escreveu.

Estudo mostrou áreas devastadas

Para o arquiteto Rodrigo Azevedo, há casos em que, se há ameaça de favelização, o melhor é liberar a construção de casas na encosta.

- Se a prefeitura não consegue impedir a favelização, que permita construir casas e apartamentos.

A proposta enviada para análise dos vereadores toma como base um estudo feito em 1998 pelo Laboratório GeoHeco do Instituto de Geografia da UFRJ, que mapeou as áreas mais preservadas e as mais devastadas do Maciço da Tijuca. A professora Ana Luíza Coelho Neto, que coordenou o trabalho, assegurou que não tinha o objetivo de estabelecer novas regras de edificação, mas sim dar subsídios para a criação de uma área de proteção ambiental e regularização urbana (Aparu), uma reivindicação dos próprios moradores:

- Numa mesma área podemos ter trechos onde seria mais prudente não autorizar qualquer construção, para garantir a estabilidade dos terrenos. Determiná-los demandaria um novo estudo. Se isso não for feito, a ocupação desordenada pode ter conseqüências graves, como enchentes e deslizamentos, que podem afetar quem mora no bairro, nas vizinhanças da Tijuca e até no Itanhangá.

André Ilha, ex-presidente do Instituto Estadual de Florestas (IEF), acha que as regras atuais devem ser mantidas no Alto. Ele adverte que o projeto pode levar a um adensamento populacional excessivo, ao permitir que cada unidade tenha área mínima de 50 metros quadrados. Nas áreas mais próximas da Usina, por exemplo, o projeto permite loteamentos de 350 metros quadrados.

Por enquanto, o cenário é o inverso. Segundo o IBGE, em uma década, a
população do Alto encolheu 22,1%: eram 10.084 moradores em 1991 contra 8.254 no ano 2000. Nas ruas do bairro, multiplicam-se placas que anunciam a venda de terrenos e mansões abandonadas. Semana passada, uma mansão de 400 metros quadrados na Estrada de Furnas era oferecida por R$ 500 mil.

- Manter uma casa grande ficou caro demais. Por isso, o bairro está repleto de imóveis desocupados - diz o médico Carlos Bacellar, dono de uma casa de 1.500 metros quadrados no bairro.

Há dois anos, ele tentou vendê-la por R$ 2 milhões, mas não encontrou interessados. A exemplo de outros vizinhos, transformou a residência em casa de festas.

- Só de IPTU são R$ 15 mil anuais. Além disso, gasto mensalmente de R$ 6 mil a R$ 8 mil com manutenção - disse.

O vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Rubem Vasconcellos, acha que a legislação deve ser ainda mais flexível. Não só para o Alto, mas para o resto das encostas.

- O setor imobiliário ajuda a preservar a cidade. Atualmente, o Alto da Boa Vista, por exemplo, virou um lugar conhecido principalmente pelos assaltos, a prostituição e a concentração de mansões que viraram casas de festas - argumentou.

Em 98, um projeto semelhante

A proposta para o Alto da Boa Vista guarda semelhanças com outro plano que não saiu do papel. Em 1998, o então prefeito Luiz Paulo Conde encaminhou projeto à Câmara de Vereadores que criava regras para a construção de condomínios nas encostas de 34 bairros. No caso do Maciço da Tijuca, o projeto incluía o Alto e Jacarepaguá.

- A legislação em vigor no Rio impede a aprovação de novos projetos acima da cota 60 (60 metros acima do nível do mar) em áreas ainda não urbanizadas. Isso favoreceu o crescimento de favelas, como a Rocinha. No trecho da Gávea, por exemplo, onde a urbanização é mais antiga, a expansão não foi tão grande - diz Conde, atualmente vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

A preocupação dos ambientalistas, de que a ocupação das encostas também resulte em degradação, tem fundamento histórico. A devastação do Maciço da Tijuca no século XIX por fazendeiros de café pôs em risco o fornecimento de água potável para a população, como lembra o historiador Milton Teixeira. E levou o imperador dom Pedro II a determinar o reflorestamento da área. Já a ocupação com moradias se intensificou no século XX.

O crescimento de favelas no Alto foi controlado pelo projeto Favela-Bairro. Por isso, enquanto na Zona Sul multiplicam-se as reclamações de moradores de classe média contra a ocupação das encostas por favelas, lá as queixas partem da população carente.

- Eu me esforço ao máximo para que não devastem a mata para expandir a comunidade. Será que casa de rico também não pode causar danos ao meio ambiente? - diz a líder comunitária Edna Aparecida Lourenço, da Associação de Moradores da Fazenda.

Entenda as mudanças

COMO É HOJE

LOTE MÍNIMO: O decreto 322/76 permite apenas a construção de uma casa em lotes mínimos de 10 mil metros quadrados, com exceção de terrenos desmembrados antes de o decreto entrar em vigor. É proibido construir nas
reservas ambientais.

O NOVO PROJETO

ÁREAS DE PRESERVAÇÃO: Divide o Alto da Boa Vista em sete áreas, sendo que duas ficam em trechos não-edificáveis: as zonas de Preservação e de Recuperação da Vida Silvestre, que incluem o Maciço da Tijuca. A primeira inclui o trecho e o entorno dos parques da Tijuca; Cidade, Laje e o Jardim Botânico. A segunda compreende trechos que devem ser recuperados e hoje são ocupados por favelas com até cem unidades, cujos moradores terão que ser reassentados.


REGRAS COMUNS: A área mínima de cada imóvel será de 50 metros quadrados e cada lote não terá mais do que doze casas ou edifícios.

GABARITOS: Diferenciados, conforme o perfil das áreas, delimitadas pelas chamadas Zonas de Ocupação Controlada. Em trechos próximos à Usina (ZOC 1) - de maior densidade populacional - seriam permitidos lotes com área mínima de 350 metros quadrados e no máximo seis unidades. O gabarito será de onze metros ou três pavimentos. Em trechos cuja densidade é menor (ZOCs 3 e 4), como estradas da Gávea Pequena e Chapecó, os lotes mínimos continuariam a ser de 10 mil metros quadrados. Mas poderiam ser construídas casas e prédios
com dois pavimentos e gabarito de nove metros.


SERVIÇOS: Além dos condomínios, passam a ser permitidos em alguns trechos: galerias de arte, clubes, pousadas, restaurantes, creches, entre outras atividades. Isto permitirá a legalização das casas de festas. A regra vale, por exemplo, para a Zoc 2, que engloba as áreas próximas à sede do Parque da Tijuca.

FAVELAS: Todas as incluídas nos programas de regularização fundiária da prefeitura, como a Mata Machado, farão parte da ZOC 5. O gabarito irá variar de um a três pavimentos.

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Problemas variados cercam o Programa Favela-Bairro 

Jornal O Globo, Rio, domingo, 18 de maio de 2003


Obras mal feitas, incompletas e até mudadas por traficantes atrapalham projetos de urbanização da prefeitura

Os gastos que já somam R$ 1,3 bilhão não livraram de problemas o programa Favela-Bairro, que começou em 1994. Em algumas comunidades, obras incompletas, malfeitas ou que sequer foram realizadas maculam o projeto de urbanização de favelas da prefeitura.

Na Chácara Del Castilho, a situação é grave: para dificultar a passagem de carros da polícia, traficantes bloquearam as quatro ruas implantadas para interligar a favela com o asfalto. No acesso à Rua Domingos de Magalhães, por exemplo, um trilho obriga os carros a subirem na calçada para seguir em frente. Já a ligação direta com a Rua Luiza Vale foi fechada por um portão de ferro com cadeado.

Responsável pelo programa, a secretária de Habitação, Solange Amaral, alega que as paralisações impostas por traficantes, a falta de segurança e os acessos precários dificultam a realização de obras em favelas.

Relatório da secretaria-executiva do Favela-Bairro afirma que as obras na Chácara Del Castilho estão concluídas. Mas Sergio de Jesus, diretor da associação de moradores, conta que a construção de casas foi interrompida há
cerca de um ano. O lugar foi invadido e os espaços vagos, ocupados.

No projeto para o Complexo Cerro-Corá (Cerro-Corá, Guararapes e Vila Cândido), constava até a construção de um mirante, mas nem a iluminação da maioria das ruas foi ligada, apesar das obras terem sido consideradas
concluídas pela prefeitura.

O posto de saúde e o teatro de arena da Vila Cândido também não saíram do papel. O terreno destinado ao teatro virou depósito de lixo. Nenhuma das áreas de lazer previstas para o complexo foi feita. A única quadra reformada pelo Favela-Bairro no Cerro-Corá é usada para bailes funk e venda de drogas. Tubulação de esgoto estourada em várias ruas e escadarias não concluídas engrossam as queixas. Sem falar no terreno destinado pelo programa a um berçário, que está sendo ocupado por casas.

Obras do projeto piloto estão abandonadas

Até o projeto piloto do programa, no Morro do Andaraí, ficou incompleto. O morro teria até parque das águas, mas as obras foram abandonadas. A água da cachoeira se mistura com o esgoto da tubulação que estourou. O piscinão virou ninho de insetos.

Também para os moradores do Complexo da Mangueira, a rede de esgoto do Favela-Bairro é motivo de dor de cabeça. A infiltração causada pelo esgoto, fez com que a casa de Adriane Prates, no alto do morro, desabasse. O
presidente da associação de moradores, Anderson Monteiro, diz que as obras terminaram há pouco mais de dois anos, mas o esgoto está estourando em vários pontos.

Considerada modelo do Favela-Bairro, o Parque Royal, na Ilha do Governador, tem problemas com o esgoto e com a ciclovia feita junto à Baía de Guanabara: a pista afundou em vários trechos e, quando a maré sobe, a água invade as casas.

UM BOM EXEMPLO NO MORRO DO VIDIGAL


Obras são mostradas a comitivas de estrangeiros e dirigentes de bancos

Nem tudo é dificuldade no programa Favela-Bairro. No Morro do Vidigal, a qualidade das obras é elogiada por moradores. Bianca Régis da Silva Ferreira, presidente da associação de moradores, diz que já perdeu a conta
das comitivas de estrangeiros e de representantes de bancos que recepcionou:

- Sempre que a prefeitura quer conseguir recursos para o Favela-Bairro leva comitivas para visitar o Vidigal.

Entre as obras executadas no Vidigal estão o recapeamento de toda a Avenida Presidente João Goulart (a principal da favela), a construção de vila olímpica, ginásio esportivo e de duas creches e a criação de um mirante. A implantação de um plano inclinado, porém, está adormecida desde o racionamento de energia em 2001:

- Mas em breve vou começar a pedir o plano inclinado de novo - afirma Bianca.

Único problema é a falta de manutenção


O único problema citado pela líder comunitária é a falta de manutenção:

- Sem conservação, os guarda-corpos das escadarias estão enferrujados - diz ela.

A secretária municipal de Habitação, Solange Amaral, alega que as obras do Favela-Bairro ficaram sem manutenção até 2001. Em novembro daquele ano, foram assinados os primeiros contratos de manutenção.

Um deles, de R$ 1,23 milhão, é destinado a 27 comunidades da Zona Sul e parte da Zona Norte, entre elas Vidigal, Mangueira, Borel (Tijuca) e Cerro-Corá (Cosme Velho). Outro, de R$ 2,3 milhões, visa a recuperar obras feitas em 30 comunidades, como Parque Royal (Ilha do Governador), Chácara Del Castilho e Morro da Serrinha (Madureira).

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Encostas da Tijuca podem ganhar prédios

Jornal O Globo, Rio, terça-feira, 20 de Maio de 2003


Encostas da Tijuca podem ganhar prédios
Luiz Ernesto Magalhães

Assim como no Alto da Boa Vista, a prefeitura do Rio tem planos também de permitir a construção de casas e prédios nas encostas da Tijuca para conter a expansão de favelas. Projeto encaminhado em 1999 pelo então prefeito Luiz Paulo Conde e só agora incluído na pauta de votações muda os critérios para construção em ruas próximas a nove favelas do bairro, entre elas Borel, Casa Branca e Salgueiro.


A proposta consta do projeto para a criação do Plano de Estruturação Urbana (PEU) da Tijuca e da Praça da Bandeira, que libera a construção de até 36 casas ou 12 prédios com até três andares em lotes de dez mil metros
quadrados nas áreas próximas às favelas. A construção em encostas nos dois bairros é regulamentada hoje pelo Decreto 322/1976, que permite a construção de uma única casa em lotes com as mesmas dimensões.

Projeto permite construir vilas perto de favelas

Depois de defender no fim de semana a estratégia de combater a favelização das encostas liberando-as para imóveis voltados à população de maior poder aquisitivo, o secretário de Urbanismo, Alfredo Sirkis, não quis se
pronunciar sobre o PEU Tijuca. Ele argumentou, através de sua assessoria, que a proposta sofrerá emendas após o projeto ser votado em primeiro turno, o que pode acontecer esta semana. As alterações sugeridas pelos técnicos para atualizar o PEU seriam encaminhadas no Legislativo pela bancada governista e analisadas em segundo turno.

- Já me reuni com os técnicos para analisar as alterações propostas. Elas irão manter os artigos que tratam da ocupação de encostas. Sou contra aprovarmos isso sem uma análise cuidadosa das conseqüências que esta
flexibilização pode trazer. O desmatamento pode aumentar o risco de deslizamento de encostas e enchentes - diz Eliomar Coelho, presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara dos Vereadores, repetindo argumento que já usara ao criticar o projeto proposto para o Alto da Boa Vista.

Em comparação com a proposta para o Alto, o projeto da Tijuca é mais liberal, já que no bairro vizinho o número máximo de unidades autorizadas por lote de dez mil metros quadrados seria 12. A aposta no caso é pela
construção de casas voltadas para a classe média baixa. Um dispositivo permite ainda que essas casas possam ser construídas em forma de vilas.

Ademi tem dúvidas se proposta surtirá algum efeito

O vice-presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Rubem Vasconcellos, que defende a flexibilização das regras para o Alto da Boa Vista, tem dúvidas se a proposta semelhante seria eficaz para a Tijuca. Na sua opinião, o bairro "já é uma guerra perdida." Nas áreas próximas às favelas, o valor do metro quadrado hoje é R$ 1.800 - cerca de 25% a 30% a menos do que se não houvesse comunidades carentes nas imediações.

- Não adianta mudar as regras pois não haverá no mercado interessados em construir tão próximo de favelas - diz.

Como exemplo, o empresário cita o caso de um prédio concluído há cinco anos nas proximidades do Morro do Borel. Até hoje a construtora não conseguiu vender todos os apartamentos.

Se aprovado, o projeto mudaria, por exemplo, as regras de edificação em boa parte da Rua São Miguel, vizinha ao Morro do Borel. Dono de uma casa e de uma oficina mecânica no número 560, a 200 metros da entrada da favela, o comerciante Henrique Lopes, de 49 anos, também está descrente de que a aprovação da lei mude alguma coisa. Os vizinhos do prédio ao lado, por sua vez, desistiram de conviver com os constantes tiroteios. Há um ano eles venderam o imóvel para uma igreja evangélica.

- O problema das favelas se resolve se o estado investir mais para melhorar as condições de vida dos moradores - disse o comerciante.

Vereadores decidem convocar audiência pública

A proposta para o Alto da Boa Vista, por sua vez, será tema de audiência pública na próxima segunda-feira, na Câmara dos Vereadores. O vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente, Fernando Gusmão, disse que vai
convocar os secretários de Meio Ambiente, Ayrton Xerez; e de Urbanismo, Alfredo Sirkis, para explicarem o projeto em detalhes.

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Prefeitura quer deter favelas com casas de classe média

Jornal O Globo, Rio, domingo, 18 de maio de 2003

Projeto para o Alto da Boa Vista prevê prédios de até três andares

A mais nova estratégia da prefeitura para conter o crescimento de favelas nas encostas do Rio é permitir a ocupação de áreas nobres da cidade com imóveis de classe média. A proposta do prefeito Cesar Maia, já enviada à Câmara de Vereadores, muda as regras para edificações no Alto da Boa Vista, onde desde 1976 o lote mínimo é de dez mil metros quadrados. O projeto prevê em alguns trechos lotes de 350 metros quadrados e a construção de prédios de três andares. "O processo de favelização só fez aumentar. É preciso melhorar as condições para a construção legal, para desestimular a ilegal", diz o secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis.

O programa Favela-Bairro da prefeitura, que já consumiu R$ 1,3 bilhão em nove anos, está cercado de problemas desde obras malfeitas e inacabadas a mudanças impostas pelo tráfico.

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Vargem Grande sob a lama

Jornal O Globo, Barra, quinta-feira, 29 de Maio de 2003


Gabriela Temer


O alarme foi dado. Em Vargem Grande, o crescimento desordenado já temefeitos devastadores sobre a natureza e a economia da região. Mais de 1.500 coqueiros e 6 mil mudas de palmeira, plantados em um terreno de 40 mil
metros quadrados, estão submersos sob um metro de lodo e esgoto. Outras seis casas na Estrada dos Bandeirantes, próximas ao Posto de Saúde Cecília Donnagelo, estão alagadas. Na Rua professor Sílvio Elia, cerca de 20 famílias enfrentam diariamente o mesmo problema. Em todos os casos, as enchentes independem da chuva. Segundo os moradores, que vão pedir a abertura de um inquérito no Ministério Público estadual, os alagamentos foram causados por condomínios clandestinos vizinhos, que aterraram os sistemas de drenagem e elevaram o nível da rua com aterros.

- Os cursos d'água foram aterrados e os condomínios clandestinos, erguidos acima do nível da rua, funcionam como uma barreira. Com isso, a água avança como pode, e acaba enchendo os terrenos mais baixos - explica o cineasta Sérgio Bernardes, que mora em uma das casas na Estrada dos Bandeirantes.

As irregularidades foram confirmadas por uma equipe da Secretaria municipal de Meio Ambiente que, a pedido do GLOBO-Barra, vistoriou a área na semana passada. O órgão embargou e multou quatro loteamentos na Rua Professor Sílvio Elia e anunciou que fará uma nova vistoria na próxima semana, em conjunto com a Fundação Rio Águas, para buscar uma solução para o problema de drenagem. A Secretaria municipal de Urbanismo, entretanto, disse desconhecer as irregularidades.

O prejuízo causado pelos alagamentos é alto. O restaurante Barreado, por exemplo, teve de fechar as portas por quatro dias porque foi invadido pela água. Depois disso, o proprietário José Maurício Dias ergueu um muro de
contenção, escavou três poços e instalou quatro bombas para secar a área e evitar novas enchentes:

- Gastei cerca de R$ 15 mil e, mesmo assim, quase mil metros continuam cheios de lodo e esgoto.

O terreno localizado nos fundos da casa de José Maurício Dias, no entanto, não teve salvação. Com 40 mil metros quadrados, a área antes ocupada por coqueiros transformou-se em uma lagoa, com cheiro de esgoto, e onde somente é possível entrar de canoa. Orlando Avelino Drummond, que plantou as plantas na antiga chácara, lamenta o estrago:

- Eu tinha bois e cavalos, que vendi às pressas para que não morressem afogados. Havia ainda 6 mil palmeiras e outros 1.500 coqueiros, hoje mortos.

A água também invadiu a casa onde Orlando Drummond trabalha hoje como caseiro, na Estrada dos Bandeirantes. De acordo com ele, 70% do terreno chegaram a ficar submersos. Para contornar o problema, foram despejados o equivalente a cem caminhões de aterro na área. A imagem da chácara hoje é de caos: há barro por praticamente todos os lados, e as marcas das enchentes são visíveis.

- A água invadiu a garagem e a piscina, e acabou com o campo de futebol e o gramado - conta Avelino.


Bernardes: 'minha casa dançou'

O cineasta Sérgio Bernardes vive hoje em um pântano. Cerca de dois terços do seu terreno, com 6 mil metros quadrados, estão comprometidos pela água. Para não perder a propriedade, Bernardes terá de colocar 2.600 metros cúbicos de aterro sobre a área encharcada, o que equivale a 200 caminhões de entulho e R$ 30 mil. Na área vizinha, também de sua propriedade e com 5.700 metros quadrados, o cineasta teve de gastar outros R$ 7.500 para colocar 650 metros cúbicos de aterro. Revoltado, ele acusa o município de omissão:

- Estava cercado pela violência e, agora, pela água. As secretarias empurram o problema umas para as outras, e nada acontece. Minha casa dançou. Para se ter idéia do caos, no meu terreno, chegou a dar peixe. É a Veneza Carioca - ironiza ele. - A especulação é inerente ao homem, mas deve-se dizer por 'aqui não'. O problema é que não existe uma política de urbanismo na cidade. O Projeto de Estruturação Urbana (PEU) de Vargem Grande, por exemplo, é um desastre!

Moradores que compraram casas nos loteamentos irregulares também são vítimas das enchentes. Ricardo Dias, administrador do condomínio Monteserrat, conta que rotineiramente tem a casa invadida pela lama, e que os bueiros do condomínio estão sempre cheios de água:

- Já comprei até botas de borracha - diz ele.

Elizabeth Ferbanks, que comprou uma casa em outro condomínio irregular da Rua professor Sílvio Elia, também é vítima dos alagamentos:

- Ando com a água do esgoto pelo meio das pernas. Tenho medo de contrair leptospirose e hepatite.

Vende-se lotes alagados

As enchentes, entretanto, não frearam a indústria imobiliária clandestina de Vargem Grande. Embora admitam que estão comprometendo a drenagem da região, os infratores seguem aterrando e comercializando irregularmente lotes em áreas alagadas. Na Rua Professor Sílvio Elia, uma placa da J.B. Andrade anuncia terrenos supostamente legalizados, de 360 metros quadrados e com RGI individual. O construtor do condomínio, Raimundo Netto, admitiu, no entanto, ter aterrado um valão de esgoto em frente à propriedade. Netto também disse que elevou o nível da rua ao construir o loteamento, prejudicando ainda mais a drenagem da via:

- O canal foi feito para escoar o esgoto de um outro condomínio, mas eu tive que fechar. Como ia vender os meus terrenos com o valão passando na porta das casas?

Luís Francisco Gomes, responsável pela construção do condomínio Monteserrat, também admitiu ter elevado o nível da rua com aterros. Ele reconhece que a ação comprometeu o escoamento das águas, mas defende-se dizendo que realizou obras de escoamento na rua:

- Nós colocamos manilhas para canalizar o valão e a saída de água das residências. O problema é que os outros condomínios não tiveram esta preocupação.

O Monteserrat foi multado e embargado pela Secretaria municipal de Meio Ambiente. Mesmo assim, há casas em construção no local.

A lista dos irregulares

COND. MONTESERRAT: Fica no lote 3 da quadra 2. Foi multado em R$ 11 mil e está embargado desde dezembro de 2000. No entanto, há famílias morando no local, e casas sendo construídas. Todas as unidades habitacionais têm fossa e sumidouro.

COND. PEDRA BONITA: Fica no lote 4 da quadra 1. Embargado e multado em 1.879 Ufir por aterro sem licença.

LOTE 5 DA QUADRA 2: Embargado e multado em R$ 6 mil por loteamento sem licença.

LOTE 3 DA QUADRA 1: Embargado e multado em 2.508 Ufir por aterro sem licença.

LOTE 2 DA QUADRA 1: Embargado e multado em R$ 15 mil por loteamento sem licença.

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Alto-falantes incomodam no Recreio

Jornal O Globo, Rio, 18 de maio de 2003

Dormir virou uma tarefa quase impossível para os moradores do Recreio, desde a instalação de um alto-falante na Rua Guiomar de Novaes, que dá acesso à Favela do Terreirão. Segundo uma moradora, que não quis se identificar, a música produzida pela rádio comunitária é tocada nas caixas de som até de madrugada:

- Quem é que agüenta ouvir funk todos os dias?

Ela conta que já pediu providências à Secretaria de Meio Ambiente, que nada fez:

- Os alto-falantes estão instalados ao longo da rua e, mesmo quem não gosta, é obrigado a ouvir a programação da comunidade. É um absurdo!

A Secretaria municipal de Meio Ambiente informou que não vistoria esse tipo de atividade, pois propagandas voltadas para logradouro público são proibidas. De acordo com o órgão, cabe à Secretaria municipal de Governo a retirada do equipamento. A Secretaria de Governo, por sua vez, disse que quem pode retirar as caixas de som da rua é Ministério de Comunicações.
DECRETO Nº 13.102, DE 29 DE JULHO DE 1994
  Regulamenta a Lei nº 2.069, de 23 de dezembro de 1993, e dá outras providências.
 
 O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições e tendo em vista o disposto no artigo 9º da Lei nº 2.069, de 23 de dezembro de 1993.
 
 CONSIDERANDO que compete ao Município exercer seu poder de polícia urbanística quanto à utilização de bens imóveis de uso comum do povo;
 
 CONSIDERANDO que compete ao Município a fixação de normas e padrões como condição para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras;
 
 CONSIDERANDO a necessidade de fiscalizar permanentemente o cumprimento das normas e padrões ambientais estabelecidos na legislação federal, estadual e municipal;
 
 CONSIDERANDO a atribuição de o Poder Público manter os ruídos urbanos em níveis condizentes com a tranqüilidade pública,
 
 DECRETA:

Art. 1º Fica regulamentado, nos termos deste decreto, o funcionamento de serviço de som por sistema de alto-falante nos centros de concentração comercial e comunidades, previstos no art. 1º da Lei nº 2.069, de 23 de dezembro de 1993.

Art. 2º A autorização para o funcionamento da prestação de serviço de que trata o art. 1º não será concedida para os logradouros definidos como CB-1, CB-2, CB-3, ZT-1,   ZT-2, ZR-1, ZR-2, ZR-3, ZR-4, ZR-5, ZR-6, ZE-1, ZE-2, ZE-3, ZE-4, ZE-5, ZE-6, ZE-7, ZE-8, ZE-9 e ZE-10 pelo Decreto nº 322, de 03 de março de 1976, ou como áreas de zoneamento análogas, pelos Projetos de Estruturação Urbana (PEUs).
 
 Parágrafo único. Excluem-se da autorização a que se refere o caput os logradouros onde se verifique a existência de hospital ou escola, ou grande concentração de unidades residenciais.

Art. 3º A autorização a que se refere o art. 2º deste decreto será concedida pela Secretaria Municipal de Fazenda, por meio das Inspetorias Regionais de Licenciamento e Fiscalização (IRLFs), da Coordenação de Licenciamento e Fiscalização.

Art. 4º A autorização será concedida mediante a apresentação dos seguintes documentos:
 I – Requerimento padronizado (REC)*;
 II – Documento de Informações de Cadastro (DICA)*;

III – Documento de Informações de Sócios (DIS)*;
 (*OBS. Os formulários REC, DICA e DIS foram extintos pelo Decreto nº 16833, de 10/7/1998. Em substituição, foi criado o formulário RUCCA–Requerimento Único de Concessão e Cadastro.)

 
 IV – Cópia do Alvará de Licença para Estabelecimento para a atividade de promoção e divulgação ou associação de amigos de bairro;
 
 V – Projeto de instalação dos equipamentos, contendo as seguintes informações:
  a) planta de localização;
  b) quantidade de alto-falantes a serem instalados;
  c) qualidade do material utilizado.
 
 VI – Comprovante de pagamento da taxa de Licença para Estabelecimento, devida pela concessão da autorização prevista neste decreto;
 
 VII – Anuência da associação de moradores do bairro.
 
 Parágrafo único. O processo de requerimento será enviado, antes do deferimento pela Secretaria Municipal de Fazenda, para o pronunciamento da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e da RIO-LUZ.

Art. 5º O exercício da atividade deverá observar as seguintes condições:
 
 I – destinação de 30 (trinta) minutos diários, igualmente divididos, à divulgação das atividades dos Poderes Executivo e Legislativo, de acordo com o disposto no art. 4º da Lei nº 2.069/93;
 
 II – o repertório musical será composto exclusivamente de música popular brasileira;
 
 III – o horário de funcionamento dos alto-falantes será entre 9:00 e 18:00h, de segunda-feira à sexta-feira, e entre 9:00 e 13:00h, no sábado, sendo expressamente proibida a atividade aos domingos;
 
 IV – o volume do som não poderá ser superior a 70dB (setenta decibéis), observados os parâmetros contidos no art. 3º e no anexo do Decreto nº 5.412, de 24 de outubro de 1985;
 
 V – colocação de placa identificadora ao lado de cada alto-falante instalado, contendo a razão social, o endereço e o nº de inscrição municipal do particular.
 
Art. 6º O descumprimento do disposto no artigo anterior sujeitará o infrator às seguintes sanções:
 I – interdição da atividade, em caso de inobservância das obrigações contidas nos incisos I e II;
 
 II – aplicação dos procedimentos previstos nos artigos 9º, 10 e 11 do Decreto nº 5.412, de 24 de outubro de 1985, em caso de inobservância das obrigações contidas nos incisos III e IV;
 
 III – apreensão dos equipamentos utilizados, em caso de descumprimento da obrigação prevista no inciso V ou em caso de inobservância reincidente das obrigações contidas nos incisos III e IV.
 
 Parágrafo único. Para averiguar o volume de som dos equipamentos, será obrigatória a execução de medição pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, com a expedição de laudo técnico.

Art. 7º A autorização será concedida após o deferimento do requerimento e o pagamento da Taxa de Licença para Estabelecimento, nos termos do Código Tributário do Município.
 
 Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica aos serviços prestados por associações de moradores de bairro, que não veiculem propaganda.
 
Art. 8º A autorização será concedida sempre a título precário, podendo ser revogada a qualquer tempo mediante despacho fundamentado.
 
Art. 9º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
  Rio de Janeiro, 29 de julho de 1994 - 430º de Fundação da Cidade
  CESAR MAIA
 
LEI Nº 2069, DE 23 DE DEZEMBRO DE 1993

 Autoriza o funcionamento de Serviço de Som por sistema de alto-falantes em Centros Comerciais e Comunidades.
 
 Autora : Vereadora Laura Carneiro
 
Art. 1º Fica autorizado o funcionamento de serviço de som por sistema de alto-falantes nos centros de concentração comercial e comunidades.
 
 Parágrafo único.  Excluem-se da autorização a que se refere o caput os logradouros onde se verifique a existência de hospital ou de escola ou grande concentração de unidades residenciais.

Art. 2º Os serviços referidos nesta Lei sujeitar-se-ão à legislação tributária municipal.
 
 Parágrafo único.  Excetuam-se da regra contida no caput  os serviços prestados por associações de moradores, que não veiculem propaganda.

Art. 3º  Fica limitado a setenta decibéis o volume para operação desse serviço.
 
Art. 4º  Os serviços de alto-falantes destinarão trinta minutos diários de seu programa à divulgação das atividades dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais.
 
 §1º O tempo referido neste artigo será igualmente dividido entre os dois Poderes.
 
 §2º As atividades a serem divulgadas serão encaminhadas pelas assessorias de comunicação dos dois Poderes à Associação de Serviço de Som Comunitário do Estado do Rio de Janeiro, que se encarregará de distribuir o programa aos serviços de som situados no Município.
 
 §3º A difusão das atividades obedecerá, rigorosamente, à legislação eleitoral pertinente.
 
Art. 5º  O repertório musical a ser veiculado pelos serviços de som será composto, exclusivamente, de música popular brasileira.
 
Art. 6º  A não observância do contido nos artigos anteriores subordinará o prestador do serviço às sanções previstas no regulamento desta Lei.
 
 Parágrafo único.  Em caso de reincidência, poderá a autoridade fazendária apreender o equipamento.
 
Art. 7º O cumprimento desta Lei não elide o prestador do serviço das demais obrigações legais existentes.
 
Art. 8º Os prestadores desses serviços terão o prazo de trinta dias, após a regulamentação desta Lei, para se ajustarem às suas disposições.

Art. 9º  O Poder Executivo regulamentará esta Lei em prazo não superior a sessenta dias, a partir de sua publicação.
 
Art. 10  Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 23 de dezembro de 1993.
 
SAMI JORGE HADDAD ABDULMACIH
Presidente

     

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Discriminação contra favelas atinge salários

Jornal O Globo, Rio, 8 de Junho de 2003


Chico Otavio

Morar em áreas carentes nas grandes cidades brasileiras faz do trabalhador uma vítima da discriminação salarial. Pesquisa recém-concluída pelo Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal mostra que o mercado de trabalho vê as favelas como fornecedoras de mão-de-obra barata. Em Aracaju, por exemplo, um morador de comunidade pobre com mais de 15 anos de estudo (correspondente ao nível universitário) ganha 18% do salário do morador de um bairro tradicional nas mesmas condições.

As diferenças de renda, chamadas pelos pesquisadores de distância social, aparecem em praticamente todas as capitais brasileiras. Com base nos dados do Censo 2000, o trabalho mostra que a renda pessoal na favela é
sistematicamente menor que a renda fora da favela, mesmo comparando pessoas com os mesmos níveis sócio-demográficos (grau de instrução, idade, sexo ou raça). Em lugares como São Paulo, a renda média de um morador de favela chega a ser um terço da renda do cidadão com as mesmas características que mora fora de áreas carentes.

- A favela pode ser tanto causa como conseqüência de ganhar menos. As pessoas ganham menos porque existe discriminação no mercado do trabalho. Quem mora favela só vai encontrar trabalho que pague menos. Por outro lado, quem já está inferiorizado no mercado porque ganha menos só encontra moradia na favela. - diz o sociólogo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (Ippur) e coordenador da pesquisa.

Moradores usam outro endereço

Os pesquisadores mediram a distância social nas 27 capitais e todas as cidades brasileiras com mais de 50 mil habitantes. No Rio, a renda média dos trabalhadores do sexo masculino que moram em favelas corresponde a 35% dos chamados moradores do asfalto. No sexo feminino, a proporção é de 32%. Na comparação por raça, brancos de favela ganham 28% dos que vivem no asfalto, enquanto a proporção para negros e pardos é de 22%.

Essa segregação social pela renda não apenas contribui para a desigualdade, mas atinge em cheio a auto-estima do morador de áreas carentes. O professor de história José Luiz de Souza Lima, que viveu 38 dos seus 40 anos na Rocinha, disse que conhece casos de vizinhos que nem conseguem emprego quando dizem que são moradoras do local:

- O descarte já começa no processo de seleção. Quem vai pela primeira vez, inocente, sente o impacto mais forte. Por isso, várias vezes, quando se procura emprego, não se adota o endereço da favela. Usa-se outra referência, normalmente de um parente.

Na relação favela-asfalto pelo grau de instrução, a pesquisa mostra que, quanto mais anos de estudo, maior é a distância de renda. Na faixa dos trabalhadores com mais de 15 anos de estudos, em oito capitais a diferença é superior a 30%. Já da faixa dos sem instrução, as diferenças são mínimas em  quase todas as capitais.

- Seria de supor que o sujeito com mais escolaridade ganharia a mesma coisa. Não é isso. Há uma tendência a se igualar a situação nos mais inferiores - explica o professor Luiz Cesar Queiroz.

A cor da pele, combinada com o endereço do trabalhador, também é um forte fator de discriminação. Trabalhadores negros que vivem em áreas carentes de 11 capitais ganham até 50% de negros do asfalto. Em Brasília, por exemplo, a diferença é de 40%.

O professor José Luiz de Souza Lima, da Rocinha, diz que sente a discriminação desde a primeira tentativa de emprego, aos 17 anos, quando disputou uma vaga de contínuo numa agência de empregos, e foi descartado quando declarou o endereço. Mais tarde, já como funcionário de um banco de grande porte, voltou a sofrer o problema:

- Enfrentei discriminação por morar em favela, principalmente porque trabalhava diariamente com dinheiro. Acham que todo favelado é um marginal em potencial. Que em algum momento, esta condição vai se revelar, como se fosse um DNA.

A distância social entre os trabalhadores da favela e do asfalto é um dos produtos do "Metrópoles, Desigualdades e governança", pesquisa nacional coordenada pelo Observatório, com 22 instituições em 11 cidades. O projeto também mediu o déficit habitacional nas capitais brasileiras (corresponde à necessidade de reposição de unidades precárias, como domicílios improvisados, domicílios rústicos e coabitação familiar).

Somente 16% do que é ofertado em termos de moradia no Brasil decorre de forma mais organizada (mercado formal, como o sistema financeiro de habitação ou por empresas). O restante vem das mais diversas combinações de informalidade (da autoconstrução à construção por encomenda do proprietário).

ENTREVISTA

JAÍLSON DE SOUZA E SILVA -  'Uma violência simbólica'

O geógrafo Jaílson de Souza e Silva, coordenador do Observatório de Favelas do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) e e ex-morador do Complexo da Maré, alerta que a segregação salarial, mostrada pela pesquisa sobre a renda média dos brasileiros, ajuda na construção de uma cidade marcada pela solidão, onde as pessoas não se vêem como iguais.

Como o senhor avalia o resultado do estudo?

JAÍLSON DE SOUZA E SILVA: A classe média continua precisando da lavadeira, do porteiro e do pedreiro, mas há um sentimento ambíguo com relação à favela. É clientelista, piedoso, paternalista e, por outro lado, trabalha
numa relação de forte preconceito, vendo a favela como fornecedora de mão-de-obra barata.

Que conseqüências esta situação traz para as cidades?

JAÍLSON: O mercado já está discriminando no acesso ao trabalho menos qualificado. O preconceito está crescendo tanto que os jovens estão sendo afastados até das funções mais subalternas. Isso acaba de vez com a
possibilidade de oferecer alternativas econômicas à esta parte da cidade, criando novas possibilidades. E aumenta a violência na cidade como um todo.

O que acontece com o jovem da favela que esconde o seu endereço para conseguir um emprego?

JAÍLSON: Se ele não esconder, não é contratado. Quando o jovem da favela está numa perspectiva subalterna, gera-se com isso todo um sentimento de crise profunda de identidade. Esta é a principal característica desses
adolescentes. Eles têm vergonha de onde moram, do que são. Dificilmente, alguém da favela tem orgulho de sua origem. Há uma profunda violência simbólica que contribui para a violência física. Jovens sem esperança acabam
engrossando as fileiras da criminalidade.

A visão do mercado de trabalho expressa a visão da cidade sobre a favela?

JAÍLSON: Existe a cidade formal, dos cidadãos, e a não-cidade. O espaço da favela é o espaço da não-cidade. Um espaço à margem. Toda a formulação caminha no sentido de ver a favela como algo que ela não é. Reconhece a
urbanidade destes locais, mas não a sua condição de espaço constituinte da cidade. Existem diferentes níveis de relações, tecidos a partir de uma lógica profundamente preconceituosa.

A segregação salarial agrava o problema?

JAÍLSON: A cidade é um espaço de encontro. Entre o asfalto e a favela, existem vínculos dos mais variados níveis. Porém, quando se gera este tipo de discriminação, interdita-se o espaço de contato. Isso gera um sentimento de intolerância e animosidade. Como diz uma música do Pink Floyd, mata-se o que não se conhece. Constrói-se uma cidade marcada pela solidão, pela dor, porque as pessoas não se vêem como iguais, parceiros de um projeto comum.

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São Januário está fora do RIO-2012

Jornal O Globo, Rio, quarta-feira, 16 de julho de 2003
Coordenador da campanha diz que proximidade com favela prejudica estádio

São Januário está fora do projeto das Olimpíadas do Rio, em 2012. A Prefeitura da cidade, que organiza a campanha, sequer pediu ao Vasco a cessão do estádio, segundo maior do Estado do Rio de Janeiro, para 30 mil pessoas — ou 18 mil, como afirma o presidente do clube, Eurico Miranda. A revelação foi feita por Carlos Alberto Lancetta, coordenador técnico do projeto da Secretaria Municipal de Esportes.

— O diálogo com o Vasco é muito difícil. Precisávamos de autorização para os locais no projeto, e a gente nem tentou, para não ter desgaste — disse Lancetta, acrescentando que os estádios de futebol serão o Maracanã, o do Engenho de Dentro, o do Flamengo e o do CFZ (com arquibancadas tubulares).

Segundo Lancetta, o Vasco é ruim nos ítens acesso e segurança. Quando perguntado se dizia isso pelo fato de o clube ser vizinho a uma favela, ele respondeu:

— Também por isso. As ruas lá são estreitas. No estádio do Engenho de Dentro, casas ao redor serão desapropriadas, o que não poderemos fazer em São Januário. Eurico Miranda assegurou que jamais foi procurado pela Prefeitura:

— É estranho, porque temos estádio e o parque aquático. Vou procurar o prefeito César Maia para pôr São Januário, a Lagoa (sede náutica) e o Vasco-Barra, à disposição.

Eurico ficou irritado ao saber dos comentários sobre a proximidade com a favela Barreira do Vasco:

— Não é inseguro só porque fica próximo a uma favela. Dá a impressão de que querem encobrir a realidade do Rio. A localização e acesso do estádio do Engenho de Dentro são melhores? Nosso estádio fica a 100m da Avenida Brasil.

Eurico achou mais estranho o fato de o estádio do Flamengo ter sido incluído no projeto:

— Estádio do Flamengo? Aí é brincadeira. É mais grave. Se há um estádio disponível, por que investir em outro?

O jornalista Sérgio Cabral, tradicional vascaíno e membro do Tribunal de Contas do Município, protestou:

— O Vasco está sendo discriminado, pela origem lusitana e por seu estádio ficar próximo a uma favela. É um estádio que tem uma belíssima arquitetura, um bom acesso e uma história ligada ao povo vascaíno, que se uniu para construí-lo.

Uma recente pesquisa do canal de TV por assinatura Travel Channel considerou São Januário o sétimo melhor estádio do mundo, em visibilidade para o público.

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Tem casa de menos

Jornal O Globo, Rio, domingo, 27 de julho de 2003

Déficit habitacional é de 6,6 milhões no país. Brasileiros mais ricos têm menos residências que média dos argentinos


O Brasil não tem sequer uma casa por família. Estão faltando 6,656 milhões de moradias, o que significa que na média só existe 0,92 de uma casa (ou 92%) para cada família. E se engana quem pensa que só os mais pobres são público alvo para a construção civil. Os brasileiros mais ricos, por exemplo, têm um menor número de domicílios do que a média dos argentinos. Ou seja, as segundas residências são mais comuns na Argentina do que no Brasil: aqui, mostram as estatísticas, na faixa dos que ganham acima de 20 salários-mínimos há uma casa por família (1,02), o que está abaixo da média dos nossos vizinhos (1,12).


Esses e outros números são analisados no livro "Financiamento à habitação e instabilidade econômica", dos economistas Dionísio Carneiro e Marcus Vinícius Valpassos, que acaba de ser lançado pela Fundação Getúlio Vargas. O estudo, que faz um mapeamento completo do déficit habitacional brasileiro, conclui que a inadimplência é o principal entrave ao desenvolvimento da construção civil e sugere que o governo crie e banque um seguro de crédito para proteger os investidores dos maus pagadores.

Déficit no Sul é de 10% do total do país

No Brasil da República de Ipanema - região da Zona Sul carioca que tem um dos metros quadrados mais caros do mundo - quem ganha até um salário-mínimo têm o equivalente a 0,79 de uma casa. Segundo a Fundação João Pinheiro, do governo de Minas Gerais, faltam mais residências no Nordeste (2,631 milhões ou 39,53% do déficit nacional) e no Sudeste (36,24%). A carência é maior na faixa de renda das famílias que vivem com até três salários-mínimos (83,2%).


Mas nas regiões mais prósperas também faltam moradias. Como no Sul, onde o déficit equivale a 10,3% do total do país. Ao comparar o que acontece na faixa mais rica da população com a situação em outros países, os dois economistas concluíram que o governo precisa não só subsidiar o crédito para os mais pobres, como dar garantias para que o sistema de financiamento de todas as classes de renda se desenvolva.
- O déficit habitacional não é um problema só de renda. É de falta de organização institucional também - afirma o professor Dionísio, acrescentando que as políticas de incentivo do governo federal nunca foram eficientes. - São políticas perversas porque criam mais dependência do que solução. Quando o governo pára de injetar dinheiro, o mercado não anda por si só.
Por isso, a proposta dos dois economistas é que, no caso das classes média e alta, o governo entre no mercado como uma espécie de seguradora de crédito. Em vez de financiar diretamente o mutuário. A estrutura funcionaria como um complemento ao Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), que foi criado em 1997 e não consegue deslanchar por causa dos juros altos e da inadimplência. O governo compraria letras hipotecárias referentes a 10% do valor total do imóvel, e o restante seria obtido no mercado pelo setor privado - com investidores de longo prazo, como os fundos de pensão.
- Se o governo quer dar alguma ajuda ao SFI, deve criar o seguro contra inadimplência, que geraria liquidez para todo o sistema - diz Valpassos, acrescentando que, por essa fórmula, R$ 1 bilhão do governo se transformaria em R$ 10 bilhões em créditos.
Prazo de pagamento subiria para 30 anos
Os 10% do valor corresponderiam a 20% dos títulos: o governo teria direito a um deságio, já que seria o primeiro a sofrer os efeitos da inadimplência - se o mutuário atrasasse, ele teria de bancar as prestações em até 20% do total.
Entre os benefícios que esse sistema traria para o mutuário, dizem os economistas, estão um crédito mais barato (as taxas de juros tenderiam a cair com o risco da inadimplência) e com prazo de financiamento maior (a média de financiamento passaria dos atuais 12 para 30 anos).
QUEDA DE JUROS CONTINUA A SER DECISIVA

Para a baixa renda, estudo sugere adoção de subsídio que mantenha prestação em 20% do salário
É claro que as taxas de juros, na altura em que estão hoje, prejudicam qualquer sistema de financiamento para o setor produtivo. Afinal, grande parte dos investidores prefere deslocar seus recursos para o mercado financeiro. E, no caso do setor imobiliário, ainda há outra desvantagem: juros altos, em tempos de salários estáveis, acabam dando força à inadimplência.

No cenário traçado por Dionísio Carneiro e Marcus Vinícius Valpassos - e por todo o mercado - os juros continuarão caindo. E para que o SFI se viabilize, acreditam eles, é preciso que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) desça dos atuais 10,5% ao ano para algo entre 6% e 8%.
- Esses são os juros necessários para que a taxa a cobrada dos mutuários fique entre 10% e 12% ao ano, o que lhes daria condições mais favoráveis para pagar as prestações - acredita Valpassos.
Para alguns especialistas, entretanto, a queda dos juros é tão fundamental que nada mais importa. Caso de Anésio Abdala, presidente da Companhia Brasileira de Securitização (Cibrasec), entidade criada para intermediar as transações do SFI. Ele acha que o seguro de crédito funcionaria só como acessório para o desenvolvimento do sistema.
- O seguro é mais uma ferramenta. O fundamental para atrair investidores é a
redução dos juros. Afinal, além de desviar investimentos para outros títulos, a alta taxa de juros é responsável pelo desequilíbrio dos contratos, o que acaba por impulsionar a inadimplência - diz Abdala.
Segundo Dionísio e Valpassos, entretanto, a criação do seguro de crédito permitiria que o SFI se desenvolvesse sem que fosse necessária uma drástica queda dos juros que remuneram outros investimentos. Isto porque o investidor de longo prazo, frisam, se sentiria seguro.
Quanto ao financiamento à baixa renda, a proposta dos economistas é que a
garantia contra a inadimplência venha em forma de um subsídio, que não permita que o valor das prestações ultrapassasse 20% da renda mensal das famílias. Ainda nesse caso, eles sugerem a adoção de um sistema de prestações variáveis para os mutuários que têm seus rendimentos sujeitos à sazonalidade. Afinal, como também mostra o estudo, no Rio, por exemplo, a renda média costuma subir 6,92% nos meses de dezembro e cair 4,13% em janeiro (na comparação com a média anual).
- Em geral, a renda de todas as classes oscila em torno de uma média. Mas, entre os muito pobres, a oscilação é bem maior - acentua o professor Dionísio.
Ao analisar as propostas dos economistas, o superintendente da Caixa Econômica Federal (CEF) no Rio de Janeiro, José Domingos Vargas, diz que o governo deve dar prioridade à população com renda até cinco salários-mínimos, faixa em que se concentra a maior parte do déficit habitacional. Inicialmente, frisa Domingos, os recursos para financiar a classe média devem vir do mercado, sem interferências do governo:
- De qualquer forma, o Ministério das Cidades tem recebido diferentes sugestões e está analisando todas elas.
Ademi aprova proposta, com uma ressalva

O presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi/RJ), Márcio Fortes, por sua vez, se diz entusiasmado com o estudo. Mas faz uma ressalva:
- Sou amplamente favorável à criação de um seguro de crédito. Mas desde que ele não afete os recursos referentes à caderneta de poupança, que devem continuar sendo aplicados diretamente em financiamentos da casa própria.
A idéia da proposta é deslocar os riscos do setor privado para o público. Mas por que o governo federal é que teria de assumi-los? Para o professor Dionísio, este é o ônus a ser pago pelo responsável pela política macroeconômica:
- A maior parte da inadimplência está ligada a fatores macroeconômicos, que são uma decorrência da política econômica. Por isso, acreditamos que o governo é quem melhor pode dar preço ao seguro de crédito.

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Um dique em Rio das Pedras

Jornal O Globo, Rio, segunda-feira, 04 de agosto de 2003
Estado vai usar toras de eucalipto para cercar a favela e conter novas construções

Numa tentativa de conter o crescimento da Favela Rio das Pedras, a maior que há nas vizinhanças da Barra da Tijuca, o governo do estado decidiu cercar com marcos feitos de toras de eucalipto os terrenos da comunidade próximos à Lagoa da Tijuca. O plano de demarcação deve ser feito ainda este ano. O presidente da Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla), Ícaro Moreno Júnior, explica que o objetivo é conter a degradação ambiental da lagoa. O biólogo Mário Moscatelli calcula que, sozinha, Rio das Pedras seja responsável pelo despejo de 10% do esgoto que polui as lagoas de Jacarepaguá e da Barra.

-— Com a demarcação, será mais fácil identificar a construção de barracos e agir antes que a família se estabeleça. Serão instalados pelo menos 300 marcos, a intervalos de cem metros, nas lagoas da Tijuca e de Jacarepaguá, onde outras favelas menores ameaçam o espelho d’água — diz Ícaro.

A dimensão exata do problema ambiental é desconhecida, uma vez que a favela cresce sem controle. A prefeitura estima em 59 mil o total de habitantes. Para a Associação de Moradores de Rio das Pedras, já seriam quase 85 mil. Destes, apenas 15 mil já dispõem de tratamento de esgotos, por redes instaladas pelo Favela-Bairro. Isso indica que, pelos números mais conservadores, 44 mil pessoas descartam na lagoa 2,6 milhões de litros de esgoto por dia sem qualquer tratamento, que acabam chegando à Praia da Barra.

— É como se cobrissem um campo de futebol com uma camada de 40 centímetros de esgotos por dia — compara Moscatelli.

Aterros reduziram o espelho d’água

As invasões que não param também encolheram a lagoa.

— Devido aos aterros, o espelho d'água recuou pelo menos 300 metros nos últimos oito anos. A faixa de proteção original nem existe mais — diz a ambientalista Vera Chevalier, da ONG Eco-Marapendi.

Segundo o diretor da Associação de Moradores de Rio das Pedras, Jorge Cordovil, a iniciativa da Serla é válida, mas de nada adiantará se não houver fiscalização nas áreas demarcadas. Numa visita, feita sábado à tarde a Rio das Pedras, repórteres do GLOBO contaram nove casas e um supermercado em construção em áreas impróprias para edificações, próximo à lagoa. Há oito meses, a associação de moradores fez uma contagem apenas dos pontos comerciais na favela: encontrou quatro mil. A lista inclui biroscas, auto-escolas e até uma casa de jogos eletrônicos disputados pela Internet.

O presidente da Serla reconhece que a solução é paliativa e precisará ser complementada por outros programas. O estado estuda a construção de estações na própria Lagoa da Tijuca para tratar os efluentes. Já a secretária municipal de Habitação, Solange Amaral, diz que está em licitação um projeto para ampliar a rede coletora de esgotos. As obras, porém, não devem resolver o problema. Cerca de 25 mil pessoas, segundo cálculo das lideranças comunitárias, vivem nas áreas conhecidas como Areal I, Areal II, Areinha e Pantanal, que foram aterradas. Os terrenos são instáveis e, por isso, após algum tempo as casas afundam.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Ayrton Xerez, lembra que a remoção destes moradores e a recuperação ambiental da área degradada dependem da autorização do governo federal para que a prefeitura contraia um empréstimo de US$ 150 milhões do Japan Bank for International Cooperation (JBIC). O empréstimo foi aprovado em 1998, mas a liberação do dinheiro depende de autorização da União. O pedido foi reforçado nas últimas semanas com o argumento de que a resolução dos problemas ambientais das lagoas da Barra ajudará na candidatura às Olimpíadas de 2012.

Xerez defende ainda a retomada pelo governo federal de financiamentos pela Caixa Econômica Federal (CEF) de casas populares para a classe média-baixa, com recursos do FGTS.

— Isso poderia ajudar a reduzir o ritmo de invasões — diz ele.

O presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vereadores, Rodrigo Bethlem (PV), por sua vez, vai discutir uma solução conjunta com a equipe de meio ambiente do Ministério Público. Ele lembra que, em 1998, a prefeitura chegou a remover 800 famílias da localidade de Pantanal para um conjunto popular em Vargem Pequena, que acabou dominado pelo tráfico. Muitos decidiram voltar para Rio das Pedras, que não é controlada por facções criminosas.
UM LOTE CUSTA R$ 1.500, PAGOS EM 4 PARCELAS
A construção de barracos em Rio das Pedras não pára na localidade de Pantanal, a mais carente da favela. Ali, um lote a menos de 50 metros da margem da Lagoa da Tijuca custa R$ 1.500, parcelados em quatro vezes. Quem optar por alugar um barraco paga R$ 100 ao proprietário. Em compensação, argumentam os moradores, as casas não alagam mais quando a maré sobe. A água não consegue vencer os aterros que foram feitos ao longo dos últimos anos.

— Prefiro viver na minha própria casa do que morar de aluguel. Virei para cá, pois foi o melhor lugar que encontrei — explica o servente Wagner Machado, de 23 anos, que no último sábado, com a ajuda de amigos, construía um barraco na Rua Espada de São Jorge.

Em Itaguaí, onde mora, ele paga R$ 220 de aluguel. Os R$ 1.500 do terreno foram parcelados em quatro vezes.

Rio das Pedras começou a crescer há cerca de 30 anos. Os primeiros moradores eram operários que trabalhavam em obras da Barra da Tijuca — que vivia uma explosão imobiliária — e invadiram os terrenos. O impacto ambiental foi imediato: além do esgoto, a Lagoa da Tijuca sofre com o lixo jogado por moradores.

A favela é uma espécie de reduto nordestino no Rio: calcula-se que pelo menos 40% da população tenham migrado daquela região. Um show de forró com o grupo Calcinha Preta levou seis mil pessoas na semana passada a uma das boates existentes na favela.

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Lula quer que prédio público vire casa popular

Jornal O Globo, Economia, sexta-feira, 24/10/2003
Em discurso exaltado, presidente se desculpa por ter anunciado R$ 1,4 bi para saneamento que não foi liberado

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem que vai usar os prédios públicos desativados, principalmente em áreas centrais degradadas, para oferecer moradia à população mais pobre. Num discurso exaltado durante a 1ª Conferência Nacional das Cidades, Lula se desculpou por ter prometido R$ 1,4 bilhão para a área de saneamento no início do ano e não ter liberado a quantia.

— Descobri que esse era um dinheiro que habitualmente se anunciava e não se liberava. Depois que anunciei, fiquei sabendo das dificuldades de liberar esse dinheiro.

Presidente da Caixa não teme aumento de invasões

Lula disse que prefere não anunciar coisa alguma:

— O que eu não posso é anunciar e não sair. Hoje, posso dizer que, até o fim do ano, o R$ 1,4 bilhão já estará totalmente contratado para fazer o saneamento básico.

Um grupo de trabalho para fazer um levantamento de todos os prédios públicos federais desocupados. Para Lula, será mais fácil utilizar esses prédios porque os grandes centros têm infra-estrutura.

O presidente da Caixa, Jorge Mattoso, disse não temer que o programa estimule invasões:

— Muitos prédios públicos já estão ocupados. Falta negociar com os proprietários, que é o poder público.

Lula traçou um quadro realista da situação do saneamento e da habitação no país. Segundo ele, as regiões metropolitanas cresceram de forma caótica e sem planejamento e concentram hoje 80% dos brasileiros. O presidente lembrou que mais de sete milhões de brasileiros não têm moradia, 83 milhões moram em locais sem saneamento e 16 milhões vivem em locais sem coleta de lixo.

— As pessoas estão no fio da navalha, entre a sobrevida e a desgraça. Não adianta, quando chove, dizer que essas pessoas estão correndo risco, que têm que sair — disse Lula.

O presidente afirmou que a intenção do governo é unificar os programas de política habitacional, a exemplo da área social. Ele disse que seu compromisso com a moradia não é só programático, mas de vida.

Lula critica uso político
de programas sociais

Lula voltou a dizer que estuda a possibilidade de usar recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a reforma da casa própria. Mas ressaltou que o dinheiro do fundo deve ser aplicado com critério para evitar prejuízos aos trabalhadores:

— O FGTS não é um pote de água benta, que não acaba. Não podemos esvaziar de forma irresponsável o fundo.

Lula disse que em um mês serão anunciadas medidas emergenciais para a habitação. Os recursos virão dos fundos em extinção, administrados pela Caixa Econômica, e serão destinados a cooperativas, associações e grupos de mutirões que ganhem até três salários-mínimos. Ele acrescentou que será criado um grupo interministerial para, em 90 dias, apresentar uma nova política e um novo marco regulatório para o saneamento ambiental.

Na solenidade, Lula criticou governadores e prefeitos que insistem em manter marcas de suas administrações em programas sociais e usam estes projetos como instrumento político. Ele disse que os especialistas da União discutiram sete meses com estados e municípios para unificar os programas e que a solução foi colocar as bandeiras dos três.

— Não é possível que se utilize a miséria das pessoas para dizer: essa aqui é a minha marca. Ou seja, não precisa de marca, precisa de casa, precisa de saneamento básico, precisa de água. É disso que as pessoas precisam.

Para ele, o importante é não deixar que as disputas políticas atrapalhem a vida das pessoas:

— Não precisa colocar a cara do presidente, do governador ou do prefeito. O nosso prazer é saber que fizemos alguma coisa que possa ter melhorado a vida de um ser humano neste país.
Jornal O Globo, Economia, sábado, 25/10/2003
ESPECIALISTAS APÓIAM COM RESSALVAS PRÉDIO PÚBLICO COMO CASA POPULAR
Mercado sugere leilão de imóveis ou linha de crédito para construção

Especialistas do setor de habitação apóiam com ressalvas a proposta apresentada anteontem pelo presidente Lula, durante a 1ª Conferência Nacional das Cidades, de transformar prédios públicos em habitações populares. Para o economista Marcus Valpassos, com a atual situação de escassez de moradias qualquer acréscimo ao estoque é bem-vindo.

— O importante é que se construa um modelo permanente, com ajuda do governo, capaz de atrair outras fontes de recursos. Vejo o PSH (Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social) como uma real possibilidade de se caminhar nesta direção. E esta parece ser a intenção do governo atual — disse Valpassos.

Para o presidente da Associação dos Dirigentes das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Márcio Fortes, a manifestação do governo é positiva. Por outro lado, ele acredita que pode sair mais caro adaptar um prédio público para moradia do que construir casas populares.

— O governo poderia leiloar os prédios públicos e usar o dinheiro em habitações populares — disse Fortes.

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon/RJ), Roberto Kauffmann, defende que, além de imóveis públicos, prédios privados também sejam revitalizados.

— Apresentamos ao governo uma proposta para linha de crédito com recursos do FGTS destinada aos empresários do setor, para adquirir e transformar prédios abandonados. Os moradores teriam um prazo longo para pagar pelos imóveis, com juros subsidiados. Apenas no Centro do Rio existem cinco mil casarões abandonados, entre imóveis públicos e privados, que poderiam ser transformados em cerca de 30 mil moradias —- disse Kauffmann.

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Governo Lula lança programa de habitação

Jornal O Globo, país, sábado, 25 de outubro de 2003
Linha de financiamento terá R$ 400 milhões e beneficiará famílias que ganham até três salários-mínimos

BRASÍLIA. O governo baixou ontem uma medida provisória (MP) com as linhas gerais do Programa Especial de Habitação Popular (Pehp). A medida vai beneficiar famílias com renda de até três salários-mínimos, que poderão usar os recursos para financiar a compra, construir ou reformar. O financiamento poderá ser usado ainda na compra de lotes e de material de construção e urbanização de áreas degradadas e assentamentos.

A linha especial de financiamento terá R$ 400 milhões até dezembro de 2004 — recursos dos fundos em extinção administrados pela Caixa Econômica Federal: Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) e Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS). Este ano, o governo pretende aplicar R$ 50 milhões e atender a oito mil famílias. Para que o programa comece a funcionar, o Ministério das Cidades precisa detalhar os valores máximos do imóvel e do subsídio, o que deverá ocorrer em duas semanas.

Programa prevê regras específicas para cada região

Segundo o secretário Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, Jorge Hereda, o programa será executado em parceria com governos estaduais e prefeituras. Ele disse que até o fim deste ano serão implantados projetos-piloto em grandes centros urbanos.

Ele disse que o programa será bastante flexível, com regras diferentes segundo as características de cada região. No locais onde a terra custar mais caro, por exemplo, os valores máximos do imóvel e do subsídio poderão ser maiores.

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Quando o bairro vira favela

Jornal O globo, Rio, 10 de novembro de 2003

Maria Elisa Alves

Quando se mudou para o bairro Sampaio, para um confortável apartamento de dois quartos, num prédio de classe média, o barbeiro Pedro Motta avistava de sua janela, casas e edifícios de no máximo quatro andares. Essa paisagem, porém, é coisa do passado: hoje Pedro só enxerga na Rua Paim Pamplona os barracos da favela Dois de Maio, que surgiu há três décadas. Enquanto a prefeitura investe parte dos R$ 300 milhões, que gastará na segunda etapa do Favela-Bairro, para urbanizar a comunidade vizinha ao apartamento de Pedro, a Dois de Maio, o barbeiro só vê a expansão de construções irregulares: há dois anos, mais 40 barracos foram erguidos quase na frente do prédio dele, debaixo do Viaduto Noel Rosa.

— A região está sendo cada vez mais favelizada. Fazem obras na comunidade, mas não impedem o surgimento de outros barracos nas ruas próximas, que acabam ficando parecidas com as favelas. Nem penso mais em sair daqui porque sei que ninguém vai querer comprar meu apartamento. Tenho vizinhos que tentam vender o imóvel por R$ 40 mil e não conseguem — lamenta Pedro.

Barracos colados ao muro do metrô

A favelização de áreas que já foram de classe média baixa é uma queixa de moradores de pelo menos sete bairros da Zona Norte percorridos pela equipe do GLOBO. O jornal publicou ontem uma reportagem sobre a degradação de parte dos subúrbios da Leopoldina e da Central e as reclamações de moradores.

Trechos urbanizados da cidade, como ruas de grande movimento na Zona Norte, têm abrigado cada vez mais barracos, que nem sempre aparecem nas estatísticas oficiais. Na Avenida Pastor Martin Luther King Jr., por exemplo, foram construídas nos últimos três meses mais 40 casas, perto do portão da Ceasa, numa expansão da favela Pára-Pedro. No outro lado da via, sete barracos foram erguidos junto ao muro do metrô.

No caso da favela Dois de Maio, a prefeitura cadastrou no ano passado os moradores dos novos barracos, que voltaram a ocupar a área embaixo do viaduto, mas ainda não retirou ninguém, garante Pedro. A Dois de Maio, segundo dados do Anuário Estatístico do Rio de Janeiro, cresceu 23%, de 1991 até 1996. Hoje, Pedro não duvida que tenha muito mais do que os 681 domicílios encontrados no último levantamento. Na região administrativa onde ele mora, a do Méier, há 37 favelas.

O crescimento das favelas em direção ao asfalto tem sido tão rápido que chega a confundir José Eduardo Rangel, subprefeito da Grande Irajá, região que contabiliza oito favelas, segundo o Anuário:

— Na altura da Ceasa não tem mais barracos junto ao muro do metrô. Apenas uma casa, autorizada pela própria companhia. Tiramos oito famílias há cerca de três meses — afirmou, antes de ser informado pela repórter do GLOBO que há mais barracos. — Já tem de novo? Vou lá olhar — disse.

Perto da estação do metrô de Irajá, cerca de 50 casas surgiram nos últimos anos na Avenida Martin Luther King Jr. Em Coelho Neto, a cem metros da Praça Virgínia Cidade, dez famílias construíram barracos embaixo de um viaduto, prática que vinha sendo coibida pela prefeitura nos últimos anos, mas que começa a reaparecer.

— A favelinha começou com uma barraquinha de bebidas. Quando vi, já tinha gente morando — conta Manoel Ferreira, dono de uma padaria próxima à nova favela.

Na Rua Leopoldo Bulhões, em Benfica, o problema é antigo: as casas da Favela de Manguinhos ocupam parte da via. Na Rua São Francisco Xavier, em frente à uma concessionária de carros, a Favela do Metrô não tem tido aumento no número de casas, mas sim no número de pavimentos.

Na Penha, cuja RA tem registradas 27 favelas, moradores da Rua José Rucas, que tem imóveis de classe média, contam que a Favela Vila Cruzeiro agora toma conta do asfalto.

— Meu avô construiu três casas para a família quando o morro era bem menor. Agora, a Rua José Rucas dá acesso à Vila Cruzeiro e sofremos todos os problemas da favela. Não fico até tarde na rua porque tem sempre gente armada passando. Enquanto a prefeitura faz o Favela-Bairro, a gente vira o Bairro-Favela — protesta o morador Cláudio Júnior.

Já são 752 favelas no Rio, segundo IPP

Na Ilha do Governador, há 22 favelas espalhadas por 15 bairros. Essas comunidades não dominam apenas poucas áreas, como o Jardim Guanabara e Quebra-Coco. O presidente da Associação Comercial da Ilha, José Richard, calcula que metade da população da Ilha more em favelas. A outra metade, que vive no asfalto, sofre os revezes da proximidade.

Na Rua Pereira Alves, no Cocotá, por exemplo, prédios e casas de classe média se confundem com o Morro do Dendê, que tem uma das entradas voltada para a via. A comunidade do Dendê, também contemplada pelo Favela-Bairro (que até hoje já implantou, num programa elogiado internacionalmente, 500 quilômetros de rede de água e pavimentou 1,7 milhões de metros quadrados de rua, em várias áreas, num total de US$ 600 milhões) estende os problemas das vielas para o asfalto: no prédio de número 118 da Rua Pereira Alves há mais de 30 marcas de bala na fachada. A lei do silêncio impera, igualzinho ao Dendê:

— Só vim aqui visitar uma amiga. Não sei se o morro está maior — desconversa uma moradora do prédio.

Pelo último levantamento do Instituto Pereira Passos, há 752 favelas na cidade (149 delas identificadas nos últimos quatro anos). Segundo Sérgio Magalhães, ex-secretário municipal de Habitação, o crescimento das favelas não se deve apenas à falta de política habitacional e de crédito para a população mais pobre:

— Mesmo com desemprego, as pessoas querem construir quando se casam, quando se separam, quando os filhos crescem. Esses fatores são mais fortes do que as situações adversas — diz Sérgio, que calcula que, a cada ano, sete mil casas sejam erguidas em favelas no Rio, o que equivale a 20% das construções feitas na cidade.

Mesmo sem estatísticas, Deuzimar da Costa, presidente da Federação de Favelas do Rio (Faf-Rio), diz que o crescimento das favelas para áreas urbanizadas é evidente. Para ela, não adianta a prefeitura cuidar de certas áreas e esquecer outras:

— Antes, as comunidades cresciam nas encostas. Agora, a gente vê um terreno ao lado e ocupa. Onde tem lugar para crescer, a gente arruma espaço e constrói. A prefeitura não tem uma política de habitação. Às vezes, o Favela-Bairro realoca as pessoas para lugares piores do que os que elas estavam antes.

Pedro José de Castro, da Famerj, a outra entidade comunitária, diz que nos últimos dez anos a quantidade de favelas cresceu muito:

— No Dendê, na Ilha, construíram tanto que os becos estão estreitinhos. As pessoas não têm onde morar. Em Manguinhos, as pessoas estão quase dentro do rio, no meio da rua. Não adianta só fazer o Favela-Bairro porque se urbaniza de um lado e a comunidade cresce para outro.

De acordo com a secretária municipal de Habitação, Solange Amaral, a prefeitura investiu US$ 300 milhões na primeira etapa do Favela-Bairro, que beneficiou 62 comunidades (sendo 54 favelas e oito loteamentos). A prefeitura, diz ela, não “enxuga gelo” ao urbanizar as favelas já existentes, mesmo sabendo que a expansão de barracos para áreas já urbanizadas não pára de crescer:

— A oferta de moradia formal é competência do governo federal. O programa Favela-Bairro leva às comunidades a qualidade de vida. Mas há razões estruturais para o crescimento das comunidades, como a falta de moradia e crédito para quem ganha até quatro salários-mínimos. O que seria se não houvesse nossos investimentos no Favela-Bairro?
Rio, 10 de novembro de 2003
Zona Norte precisa de mais investimentos


O secretário de Segurança, Anthony Garotinho, afirmou que os bairros da Zona Norte carecem de investimento em todos os setores, que deixaram de ser feitos pelos governos estadual e municipal. Ele fez a declaração, ao comentar a reportagem do GLOBO de ontem, mostrando que a degradação da região ameaça investimentos públicos em infra-estrutura estimados entre R$ 3 bilhões e R$ 20 bilhões:

—- Esse não é um quadro característico de abandono apenas por causa da violência. A área carece de investimentos em infra-estrutura, urbanização, saneamento e segurança. Há um pedaço do Rio, muito bem retratado na reportagem, que está degradado e precisa ser olhado pelas autoridades estaduais e municipais. Mas é verdade que, quando a cidade se degrada do ponto de vista urbanístico, a violência se amplia.
Rio, 10 de novembro de 2003
O Favela-Bairro


O Favela-Bairro foi criado, em 1994, com o objetivo de integrar as favelas à cidade, oferecendo infra-estrutura urbana, serviços públicos e políticas sociais. Cerca de 446 mil moradores já foram beneficiados pelas ações do programa, que incluem abertura e pavimentação de ruas; implantação de redes de água e esgoto; construção de creches, praças, áreas de esporte e lazer; contenção e reflorestamento de encostas e construção de marcos limítrofes para evitar a expansão.

O programa conta com U$ 600 milhões, resultantes de dois contratos assinados com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), cada um no valor de U$ 300 milhões — sendo U$ 180 milhões do BID e contrapartida de U$ 120 milhões da prefeitura. Até o final de 2004, a meta é alcançar cerca de 550 mil pessoas em 141 comunidades, o que representa até 2.500 domicílios.

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Violência leva líderes comunitários do bairro a organizar protesto

Jornal O Globo, Rio, terça-feira, 11 de novembro de 2003


Cercada por 22 favelas e com aproximadamente 220 mil habitantes, a Ilha do Governador deixou no passado a fama de bairro tranqüilo. Hoje, os moradores são obrigados a conviver com a violência e tiroteios constantes.

De madrugada, "bondes" circulam pelas ruas e não é raro, em plena luz do dia, ver bandidos armados de fuzis atravessarem a Avenida Paranapuan, no Tauá, próxima ao Morro do Dendê. A insegurança da região levou os moradores a organizarem um protesto, que está marcado para o próximo dia 29.

Para convocar para a manifestação, líderes comunitários da Ilha estenderam na semana passada uma faixa numa passarela da Estrada do Galeão, com os dizeres "A Ilha está sangrando, basta de violência, queremos paz".

Um dos sinais de que a Ilha está bem longe da tranqüilidade que exibia décadas atrás é visível nas janelas: basta percorrer as ruas do bairro para se deparar com uma grande quantidade de placas anunciando a venda ou aluguel de imóveis. Em determinadas áreas, o valor dos imóveis caiu 50%. Moradores também fazem uma migração interna: quem mora no Tauá e no Cocotá, áreas mais atingidas pela violência, procura se mudar para o Jardim Guanabara, que não tem favelas.

Dados da Secretaria de Segurança mostram que os moradores têm razão ao se queixarem do aumento da violência. Em setembro do ano passado, foram roubados 55 veículos na Ilha. No mesmo período deste ano, foram roubados 109. O número de assaltos a pedestres mais que dobrou: 28 pessoas foram atacadas no mês passado, contra 13 no mesmo período em 2002. Os homicídios passaram de dois para quatro.

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Retratos do Brasil

Jornal O Globo, quinta-feira, 13 de novembro de 2003

Milhares de favelas para pouco planejamento

Pesquisa do IBGE revela que 47% das prefeituras do país não têm programas para combater déficit habitacional

RIO, SÃO LUÍS e BRASÍLIA. Num país onde um em cada quatro municípios tem moradores vivendo em favelas ou em loteamentos clandestinos, 47% das prefeituras declaram não ter qualquer programa ou ação habitacional, de acordo com o "Perfil dos municípios brasileiros/2001", divulgado ontem pelo IBGE. A pesquisa se baseou em informações repassadas pelas administrações municipais e registrou aumento de domicílios cadastrados em favelas: de 1999 para 2001, esse número passou de 921 mil para 2,36 milhões, um crescimento de 156%. Segundo as prefeituras, o país tem 16.433 favelas, mocambos, palafitas ou outras residências em precárias condições.

Os pesquisadores do IBGE acreditam que o número de residências em favelas deve ser maior, porque algumas prefeituras não repassaram dados. Entre as 32 cidades com mais de 500 mil habitantes, São Luís e Manaus informaram não ter cadastros de suas favelas.

- A prefeitura de Belém informou ter cadastro, mas não passou os dados - disse a pesquisadora Sônia Oliveira, uma das coordenadoras do estudo.
Governo crê em número maior

A secretária-executiva do Ministério das Cidades, Hermínia Maricato, também disse acreditar que deve haver mais pessoas morando em favelas do que o constatado na pesquisa.

- O crescimento está certo, mas os números absolutos acredito que estão ainda subestimados - afirmou Hermínia.

Os pesquisadores do IBGE ainda buscam explicações para alguns dados da pesquisa. Embora o número de domicílios cadastrados em favelas tenha aumentado, o de municípios que declaram ter favelas caiu de 1.519 para 1.269, entre 1999 e 2001. Hoje, há favelas em pelo menos 23% dos 5.560 municípios brasileiros. No mesmo período, também caiu o número de municípios que cadastram suas favelas: 802 para 704. Apenas 12,9% dos municípios têm registros de suas favelas.

Para o coordenador de População e Indicadores Sociais do IBGE, Luiz Antônio Oliveira, o fenômeno das favelas pode estar se concentrando cada vez mais nos grandes centros urbanos. Há favelas em todos os municípios com mais de 500 mil habitantes e em 93% deles há cadastro dessas moradias. Mas apenas 18% dos municípios com até 20 mil moradores declaram ter favelas. Apenas 8,9% têm cadastros.
Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, o número de domicílios cadastrados em favelas passou de 351 mil para 1,65 milhão, enquanto em municípios na faixa de cinco mil a 20 mil habitantes o número de residências em favelas caiu de 76 mil para 39 mil. Já nos municípios com até cinco mil moradores, o número desses domicílios despencou de 5.905 para 2.021.

A existência de loteamentos clandestinos, que descumprem totalmente a legislação, foi declarada por 24% das prefeituras, enquanto 87% dos municípios com mais de 500 mil habitantes registram o problema. Ainda assim, duas das 32 prefeituras dos municípios mais populosos declararam não ter programas na área habitacional: São Gonçalo e Nova Iguaçu.

Subsecretário de Urbanismo de Nova Iguaçu, Giovani Guidone disse ontem que, graças a um convênio com a Caixa Econômica Federal, desde 2001 foram entregues 631 unidades habitacionais a famílias com renda até seis salários mínimos. Mas o déficit habitacional no município, segundo ele, é de 19 mil unidades.

Prefeito de São Luís culpa IBGE

Em São Luís, famílias vivem há gerações em palafitas, sem perspectivas.

Moradora da comunidade Palafitas da Câmboa, Iris Brito Dias divide o barraco com quatro filhos.

- Minha mãe viveu nesta mesma situação com os nove filhos. É duro desabafa.

O prefeito de São Luís, Tadeu Palácio (PDT), admite o problema.

- Quem deveria fazer esse levantamento é o IBGE e não a prefeitura de São Luís. Mandamos fazer uma carta fotográfica da cidade que vai nos permitir localizar os pontos para podermos agir - diz.
COLABORARAM: Lizandra Paraguassú e Raimundo Garrone

ENTREVISTA

LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO

'A favelização se associa à crise do transporte'

O coordenador do Observatório das Metrópoles da UFRJ diz que muitas prefeituras, pressionadas pela população, buscam soluções locais principalmente para os problemas na área da habitação. Boas experiências têm surgido, mas não se sustentam. "As mudanças de prefeito acabam levando-as ao colapso".
Os municípios têm condições de dar conta das crescentes responsabilidades?

LUIZ CESAR DE QUEIROZ RIBEIRO: A situação de fragilidade histórica dos municípios se tornou ainda mais complicada com as novas responsabilidades. As cidades não estão aparelhadas, tanto do ponto de vista da capacitação do quadro funcional das prefeituras como pela inexistência de mecanismos de planejamento, como cadastros.

Qual a saída a curto prazo?

RIBEIRO: Muito municípios, sob pressão da população, estão adotando práticas
inovadoras de política habitacional. Isso ficou claro numa pesquisa recente
que fizemos, na qual se mapeou essas novidades. São Bernardo do Campo e Santo André, em São Paulo, e municípios do Sul, a começar por Porto Alegre, são alguns dos que têm experiências interessantes de regularização fundiária. Na Região Metropolitana de Recife destacam-se os bancos de material de construção, e há bons exemplos também em Belo Horizonte. Mas essas experiências não têm sustentabilidade, as mudanças de prefeito acabam levando-as ao colapso. Recife tem uma certa estabilidade porque há ações em parceria com entidades da sociedade civil.

A urbanização de favelas também é um bom exemplo?

RIBEIRO: O programa de urbanização de favelas, moda que o Rio exportou e que muitos municípios têm adotado, é um exemplo de ação setorial, e não de uma ação de planejamento urbano. É importante, mas não resolve o problema sem uma política habitacional: a favela urbanizada aqui reaparece lá adiante, porque há escassez de moradia.

Como conter a favelização?

RIBEIRO: No plano municipal, apenas, o problema da habitação é impossível de ser resolvido. A população que está fora do mercado imobiliário é muito grande. Apenas cerca de 16% das moradias produzidas no Brasil destinam-se a quem pode pagar. O resto se vira das mais variadas formas. A favelização se associa à crise do transporte público. A população busca moradia em áreas mais centrais. O sistema de transporte está cada vez mais caro e precário. É um dos serviços que mais sobem no Brasil, muito além da inflação.

Jornal O Globo, sexta-feira, 14 de novembro de 2003

Olívio: 85% dos municípios já têm favelas

Para o ministro das Cidades, crise habitacional só será resolvida com investimento de R$ 260 bilhões em 20 anos

Ao comentar os resultados da pesquisa "Perfil dos municípios brasileiros/2001", o ministro das Cidades, Olívio Dutra, divulgou ontem dados demonstrando que a crise habitacional no país é ainda pior do que a retratada no estudo, divulgado anteontem pelo IBGE. Segundo a pesquisa, que se baseou em dados fornecidos pelas prefeituras, 23% dos municípios informaram ter favelas em 2001. Mas, segundo Olívio, 85% dos 5.560 municípios brasileiros já têm favelas ou outras moradias em condições igualmente precárias.

- Temos hoje um bilhão de pessoas morando em favelas no mundo. E há países onde esta situação é aguda. Um deles é o Brasil: 85% dos municípios brasileiros têm pessoas morando em favelas. Algumas vivendo em situações mais violentas, que são as palafitas - disse o ministro.

Déficit habitacional no país é de 6,6 milhões de unidades


De acordo com a assessoria do ministro, os dados citados por Olívio são resultado de estudos sobre o Censo 2000, realizado pelo próprio IBGE. Para zerar o déficit habitacional no Brasil, que hoje é de 6,6 milhões de unidades, e garantir condições dignas de moradia para todos os brasileiros, Olívio afirmou que será preciso investir R$ 13 bilhões anualmente nos próximos 20 anos. Isso representa um investimento total de R$ 260 bilhões.

Segundo Olívio, o governo federal sozinho não tem condições de garantir esses recursos, o que torna necessário a realização de parcerias com governos estaduais, prefeituras, organismos internacionais de financiamento e a iniciativa privada. O ministro disse que este ano o governo federal está investindo R$ 5,4 bilhões em programas habitacionais e afirmou que, no Orçamento do próximo ano, estão previstos R$ 5,6 bilhões.

- Nunca vai haver recurso suficiente num orçamento, nem da União nem de estados e nem de municípios. Então é preciso somar os recursos dos três orçamentos. A esses recursos tem que se somar financiamentos como do BNDES, recursos externos e da iniciativa privada, mas dentro de um marco regulatório, para garantir o interesse social - disse o ministro.

Além dos R$ 5,4 bilhões, o ministro acrescentou outros investimentos federais não incluídos nesse montante: R$ 600 milhões destinados ao financiamento de compra de material de construção e de arrendamento residencial, uma nova modalidade de aquisição de imóveis de baixa renda executado pela Caixa Econômica Federal (CEF).
O ministro citou ainda o programa de concessão de títulos de propriedade a moradores de favelas, anunciado no início do governo Lula como uma de suas prioridades. Segundo o ministério, o programa de regularização fundiária já atendeu a 270 mil famílias. Uma das comunidades beneficiadas é a de Parque Royal, no Caju.

- O programa procura atender às demandas de moradores que vivem há mais de cinco anos numa determinada área, que não seja área de risco, de preservação ambiental ou alagadiço É dever garantir que elas não serão expulsas, dar-lhes a titulação, e mais do que a titulação, a urbanização básica - disse Olívio.

Ministro diz que famílias de baixa renda são prioritárias
Olívio explicou que a falta de moradias no país atinge principalmente a população de baixa renda que, segundo ele, será o alvo prioritário do governo. Entre as 6,6 milhões de unidades que precisam ser construídas, 94% devem ser destinadas às famílias que ganham até cinco salários mínimos.

Olívio criticou ainda o modelo de urbanização que levou ao inchaço dos grandes centros urbanos que, de acordo com a pesquisa do IBGE, registraram um crescimento de até 370% no número de domicílios cadastrados em favelas, entre 1999 e 2001. Esse foi o caso dos municípios com população superior a 500 mil habitantes. No mesmo período, o número de domicílios registrados em favelas caiu nos municípios menos populosos (até cem mil habitantes), segundo os dados fornecidos pelas prefeituras ao IBGE.

- Há que se mudar a lógica que formou as cidades. Essa lógica esvaziou os pequenos e médios municípios brasileiros e inchou as regiões metropolitanas.

Não trouxe nenhum benefício nem para lá e nem para cá. É uma lógica perversa - disse Olívio.

BARRACOS, VALAS E LIXÕES NO MUNICÍPIO SEM FAVELAS


Para Seropédica, é um loteamento

De acordo com os dados repassados ao IBGE pela prefeitura de Seropédica em 2001, o município é o único entre os 19 que integram a Região Metropolitana do Rio de Janeiro a não ter favelas. Mas essa não é a impressão que se tem ao se chegar ao município, emancipado há sete anos. Cerca de 500 metros após a divisa com Nova Iguaçu, no quilômetro 40 da antiga rodovia Rio-São Paulo, lá estão os barracos de compensado e outros materiais. Entre as moradias
precárias, valas negras e montes de lixo, onde crianças descalças, algumas nuas, brincam com o que encontram.

Num desses barracos vive Francisco das Chagas Alves, 32 anos, com a mulher e
cinco filhos. Desempregado, Francisco passa o dia virando a terra que será
usado na construção de mais uma casa no terreno, invadido por dezenas de famílias. Pelo serviço, ganha R$ 15 por dia.

- Vivo aqui há anos. A luz é "gato" e a água a gente puxa de um cano da Cedae. A prefeitura nem vem aqui porque diz que a gente invadiu. Tentei conseguir esse tal de "cheque-cidadão", mas não tenho conta de luz para dar como comprovante de residência - diz Francisco.

A comunidade de Campo Lindo, onde Francisco vive, encaixa-se na descrição de favela feita pelo IBGE : habitações instaladas em áreas que não pertencem aos moradores, ocupadas de maneira desordenada, com domicílios construídos com diversos materiais e infra-estrutura precária. Ao GLOBO, a prefeitura, por meio de sua assessoria de imprensa, informou que o local é um loteamento de baixa renda, cuja ocupação desordenada começou há seis meses. (C.A.)


Jornal O globo, sábado, 27 de dezembro de 2003

Casas impróprias

Censo do IBGE mostra que mais da metade das moradias do país não tem
serviços básicos


Mais da metade dos 42,7 milhões de domicílios dos brasileiros não tem plenas condições de moradia digna, segundo dados do Censo 2000 divulgados ontem pelo IBGE. O instituto dividiu os domicílios nas categorias adequado, semi-adequado e inadequado. A soma dos percentuais de inadequado e semi-adequado é maior do que o percentual da primeira categoria: são 49% de semi-adequados e 5,1% de inadequados - sem as condições básicas de moradia - contra 43,9% de adequados.


Melhora grande na década de 90

O IBGE considerou adequadas as moradias que têm até duas pessoas por
dormitório, acesso à rede geral de abastecimento de água, coleta direta ou indireta de lixo e acesso à rede de esgoto ou fossa séptica. Semi-adequadas são aquelas que têm de uma a três destas quatro condições; e inadequadas são as que não têm qualquer uma das quatro condições.

Em relação ao Censo de 1991, porém, o índice é bastante positivo. O percentual de domicílios inadequados caiu 53,6%. O índice correspondia a 11%
do total dos domicílios no penúltimo censo, quando apenas 32,8% eram adequados. O maior percentual está na região Sudeste, com quase 60% de moradias adequadas.

- A melhora no país é uma combinação de investimentos de diferentes níveis de governo. Mas a própria comunidade aprende, ao longo dos anos, a pressionar para ter serviços. E existem iniciativas oficiais, como o Favela Bairro, no Rio, que trouxeram melhorias à habitação - diz Elisa Caillaux, técnica da coordenadoria da pesquisa sobre domicílios do IBGE.

Elisa diz que seriam necessárias mais variáveis ainda para um retrato
completo das condições de moradia do brasileiro:

- Usávamos material de construção também, mas deixamos de perguntar sobre o material porque ele é quase sempre durável. Nas favelas da Zona Sul do Rio,
por exemplo, quase tudo é material durável. Estamos pensando em outros formas de diferenciação.

A maioria dos brasileiros mora em residência própria. São 75% de domicílios próprios, sendo 68,1% já quitados e 6,9% em aquisição. Este seria um indicador de evolução, não fossem levadas em conta as realidades regionais.
Os maiores índices de propriedade estão, justamente, nas regiões em que há
mais domicílios inadequados: Norte e Nordeste, situação semelhante nas favelas urbanas. Não basta a residência ser própria para ser digna.

Brancos têm mais lares adequados

Em termos de raça, brancos têm melhores condições de moradia: 53,9% deles vivem em domicílios adequados, 43,3% em semi-adequadas e 2,8%, em inadequados. Mestiços dividem-se em 61,5% vivendo em moradias
semi-adequadas, 30,4%, em adequadas e 8,1%, em inadequadas. Já os negros têm 58,7% de sua população em moradias semi-adequadas, 34% em adequadas e 7,3%, em inadequadas.

No Censo 2000, pela primeira vez o IBGE aferiu condições de infra-estrutura no entorno dos domicílios, verificando existência de iluminação pública (83,5%), pavimentação (56,2%) e identificação da rua (57,9%).

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Conjunto Nova Sepetiba II não será ampliado

Jornal O Globo, Rio, quarta-feira, 31 de dezembro de 2003

Rosinha pretende investir em pequenos condomínios

A governadora Rosinha Matheus anunciou ontem que não vai fazer as dez mil casas dos conjuntos habitacionais de Nova Sepetiba prometidas pelo ex-governador Anthony Garotinho. O governo vai terminar as obras de infra-estrutura urbana para as cerca de quatro mil casas que já estão prontas e encerrar a construção de 800 unidades que estavam semi-prontas:

- Vamos fazer conjuntos pequenos. Estamos levantando terrenos no estado inteiro. Vou concluir toda a infra-estrutura do Sepetiba I e terminar o Nova Sepetiba II do jeito que está mas não temos intenção de ampliar mais ali - disse Rosinha.

A nova política habitacional, que terá prioridade em 2004, será a de construção de conjuntos habitacionais de 50 a 150 unidades espalhados pelos 92 municípios do estado. A promessa é, até o fim do ano, ter dez mil casas em construção. O governo já iniciou as licitações e as primeiras unidades devem começar a ser entregues no fim de janeiro de 2004.

Alardeado como o maior projeto habitacional da América Latina, os conjuntos Nova Sepetiba I e II foram, na verdade, duas das maiores fontes de problema para o governo. As pequenas casas construídas sem licença ambiental, desrespeitando as leis urbanísticas e sobre um terreno penhorado, foram alvo de dezenas de ações contra o estado. As obras foram paralisadas pela ex-governadora Benedita da Silva em abril de 2002.

Na área do Nova Sepetiba II, onde haveria casas, deverá ser construído um gigantesco parque esportivo, com campos de futebol, piscinas olímpicas e quadras esportivas. O governo também prometeu construir ali escolas e creches.

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Igrejas se protegem contra a violência

Jornal O Globo, Rio, quinta-feira, 18 de dezembro de 2003


Episódios em paróquias da Tijuca obrigam padres a instalar grades e contratar segurança particular

Ter fé não é suficiente na Tijuca. Recentes episódios de violência obrigaram igrejas do bairro a reforçar a segurança, contratando vigias e até removendo árvores do jardim.

A Paróquia Bom Pastor é uma das mais visadas. Segundo padre Anderson, dia 23 de novembro, uma freqüentadora e sua irmã foram assaltadas no estacionamento da igreja, quando chegavam para a missa das 18h30m. Elas foram levadas e deixadas, horas depois, na Avenida Brasil. O carro e os pertences das duas foram roubados.

O padre conta ainda que as salas do Instituto Bom Pastor, que ficam nos fundos da paróquia, são invadidas freqüentemente por pessoas que, muitas vezes, roubam ou coagem as freiras que vivem no local. Para ele, os episódios estão ligados ao crescimento da favela do Salgueiro, próxima à instituição.

- Um dos assaltantes foi reconhecido e é de lá. A área é perigosa e os freqüentadores dizem que têm medo de vir à missa da noite - diz o padre, que contratou um segurança e instalou grades nas janelas e nas portas da paróquia.

No início do ano, um carro já havia sido arrombado no mesmo estacionamento. A secretaria também já foi assaltada.

Na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, além de contratar vigias, padre Ricardo mandou remover as palmeiras que ficavam na entrada. A decisão foi tomada depois que oito homens encapuzados e fortemente armados se esconderam no jardim e invadiram a paróquia no dia 28 de setembro.

- Eu e oito pessoas fomos amordaçados e mantidos como reféns durante mais de três horas. Uma mulher foi despida e só não foi estuprada porque desmaiou. Os homens entraram na igreja por volta das 20h, quando os funcionários fechavam as portas. Eles roubaram peças valiosas, computadores, dinheiro,
alimentos, túnicas e até um kit para missas - conta padre Ricardo, de 58 anos.

Segundo ele, a freqüência na igreja diminuiu:

- As pessoas estão com medo.

Tantos os casos ocorridos na Bom Pastor como o na Nossa Senhora da Conceição foram registrados na 19ª DP.

O comandante do 6º BPM, Weber Collyer, não acredita que haja um problema específico nas igrejas e, por isso, não vê necessidade de reforço policial:

- Elas não são mais vulneráveis por ficarem abertas.

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A favela sobe a serra

Jornal O Globo, domingo, 14 de dezembro de 2003

Estagnação econômica e violência no Rio aumentam número de moradias precárias nas cidades serranas
Israel Tabak

 O pastor Hoton Cortes sofreu vários assaltos no Rio

Jogue na mesma fôrma mais de duas décadas de estagnação econômica; a falta de uma política nacional de habitação desde os tempos da extinção do BNH; a violência crescente nas metrópoles; e a permanência, ao longo dos anos, de um dos maiores índices de desigualdade social do planeta. Estes são os principais ingredientes de uma mistura cada vez mais explosiva: a expansão das favelas para além dos grandes centros.

No Estado do Rio, favelas serpenteiam cidades serranas como Teresópolis, Petrópolis e Friburgo, se espalham e crescem vertiginosamente também nos municípios do Sul, como Angra dos Reis, e nos da Região dos Lagos, ocupando encostas íngremes, margens de rios e qualquer outro ponto proibido, em que ninguém mais ousaria morar. No perfil do favelado recente da Região Serrana, uma constante: gente que foge da violência dos morros e de alguns complexos populares da metrópole, procurando, mesmo na extrema pobreza, um pouco mais de tranqüilidade para a família.

Está delineado o contexto da reforma urbana perversa, na expressão de Luiz César de Queiroz Ribeiro, coordenador do Observatório das Metrópoles, da UFRJ, onde é professor titular. No caldeirão, o especialista joga outros complicadores, constatados em estudos acadêmicos. Um deles é a demagogia de políticos que facilitam e protegem - às vezes fornecendo até material de construção - quem se instala em encostas instáveis, prontas para deslizar. A recompensa são os votos cativos, garantia de reeleições tranqüilas.

- A tolerância absoluta com as ocupações irregulares e perigosas é perversa porque não resolve nenhum problema, cria novas áreas de risco, acaba com áreas de preservação e ameaça os mananciais, provocando a degradação do meio ambiente. A criação de bolsões de miséria, com seus protetores, é uma tônica da história urbana brasileira - ensina Queiroz.

Outro agravante é a crise da mobilidade da área urbana, como relata o professor da UFRJ. O sistema de transporte público se transformou num caos, com uma penalidade adicional, sobretudo para quem mora mal. Os números deixam clara a gravidade do quadro: entre 1994 e 2003, a população mais pobre perdeu 24% da renda, enquanto o custo de transporte subiu 142%, em média.

A saída é morar cada vez mais perto da fonte de renda. Por isso mesmo, as favelas mais bem localizadas, na Zona Sul, se tornaram proibitivas, para quem quer comprar ou alugar um barraco. E também por isso aumentou o número de pessoas que trabalham no Centro e se sujeitam a dormir à noite sob as marquises da Presidente Vargas, para não retornar às suas casas, a mais de 50km de distância, na Zona Oeste.

No desespero, tem gente que tenta vida nova, ou melhor, favela nova, nas cidades mais próximas ao Rio, mesmo à custa de ocupar os piores e mais condenados terrenos, candidatos a deslizamentos e tragédias com mortes, que se repetem todos os anos, a cada verão.

O desenvolvimento urbano perverso criou situações bem características. Enquanto, no campo, a tônica é a expulsão generalizada dos posseiros, com a concentração crescente da propriedade, as grandes cidades produziram em larga escala os proprietários da precariedade. Nas metrópoles, em média, 80% das pessoas se dizem proprietárias do local onde moram - comenta Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro.

A lógica do mercado imobiliário nas áreas urbanas é vender cada vez mais caro, uma mercadoria que se torna a cada dia mais escassa: qualidade de vida, para aqueles que podem pagar.

- É uma lógica especulativa. Uma nova política habitacional deve mudar esse sistema, alterando a política de oferta de moradias, fazendo o mercado atuar em outras faixas de renda - sugere Queiroz.

Quem vai para a favela, ou é obrigado a trocar de favela, simplesmente não tem condições para comprar a moradia legal. Foi o baixíssimo poder aquisitivo da grande maioria da população que fez fracassar o antigo Banco Nacional de Habitação. Nos tempos da ditadura, os técnicos pensavam que qualquer pessoa, mesmo nas faixas de renda mais baixas, poderia comprar casa, seguindo as regras do mercado.

- No Brasil, não dá para pensar em política habitacional sem subsídios para quem tem renda mais baixa. Os constrangimentos financeiros a que o governo está exposto, tornam neste momento mais difícil essa tarefa. Mas não se pode fugir desta constatação - diz Queiroz.

Para o especialista da UFRJ, os programas que o atual governo federal vem formulando para o setor mostram que há consciência dessas dificuldades e das prioridades que devem ser seguidas, quando o caixa se mostrar mais generoso.

Mais gente, menos segurança

O geógrafo Antônio José Teixeira Guerra, professor da UFRJ, avisa que desistiu de pedir auxílio à Prefeitura de Petrópolis para ajudar a universidade a desenvolver um sistema de diagnóstico e alerta sobre
deslizamentos na região. O professor se queixa de que a prefeitura ''não age com rigor'' para evitar que novas áreas de risco sejam ocupadas nas encostas.

- Queríamos fazer um trabalho em conjunto, para prevenir outras catástrofes, mas a prefeitura alega que a população vai ficar assustada e alarmada. Iríamos provocar pânico - diz Guerra, que é coordenador do Laboratório de Geomorfologia Ambiental e Degradação de Solos da UFRJ.

Promotora de Meio Ambiente em Petrópolis, Denise Tarin também se mostra cética. Detecta incapacidade, nas várias esferas de poder, para reverter a situação, ''que perdura há muitos anos''.

A promotora resolveu partir para a ação. Está convocando vários setores da sociedade local, incluindo a área acadêmica, para um trabalho voluntário de monitoramento e prevenção de acidentes.

- Muitas vezes a alegação da prefeitura é de falta de recursos, mas a comunidade questiona certas obras para as quais houve dinheiro e que não seriam prioritárias.

A secretária municipal de Obras, Ana Maria Mundstein, contesta as críticas e diz que nunca a prefeitura esteve tão empenhada na prevenção de novas catástrofes, monitorando e reprimindo severamente ocupações ilegais de
encostas perigosas, além de manter programa de pagamento de aluguéis para quem perdeu suas casas.

- O problema é que a ocupação dessas áreas costuma ser feita do dia para a noite. É muito difícil de coibir.

A secretária confirma que os recursos da prefeitura são ''limitados'' e por isso não dispõe de dinheiro para ajudar o programa de monitoramento da UFRJ.

O secretário de Meio Ambiente e Defesa Civil de Teresópolis, coronel-bombeiro Paulo Roberto Pinheiro, argumenta na mesma linha. Afirma que a prevenção de ocupações irregulares nas encostas da cidade é ''preocupação prioritária'' da prefeitura:

- Não sei o que acontecia antes. Mas hoje é burrice um político tentar proteger uma ocupação ilegal para ganhar votos. Isso gera um desprestígio generalizado, pois toda a comunidade está vigilante.


A paz, bem perto do Dedo de Deus

O pastor Hoton Nelson Cortes perdeu a conta das vezes em que sofreu assaltos no Rio. Sobreviveu a tiroteios em ônibus, mas revela que mesmo nos piores momentos não perdia a serenidade. - Estou preparado espiritualmente para tudo - sintetiza. E mais: a uma palavra sua, os ladrões recuavam:

- Está repreendido, em nome de Jesus, todo o espírito do roubo.

O pastor conta que, ao ouvir a frase, um assaltante, temeroso, desistiu de lhe surrupiar dólares recebidos minutos antes, como oferta. Havia outros dizeres, que provocavam o mesmo efeito:

- Tudo que é meu é consagrado a Deus. Você não vai pegar - disse a quem tentava levar o seu relógio.

Apesar do preparo espiritual e do poder de desestimular assaltantes, Hoton preferiu se mudar para Teresópolis.

Na Favela Fonte Santa está concluindo a construção de um templo, a Igreja Missionária Novo Israel, e continuando um trabalho ao qual já se dedicava no Rio: uma obra social criada para qualificar e profissionalizar adolescentes e jovens, prevenindo e evitando o ''mau caminho''.

- Aqui também existem pessoas que se desviam, mas nada que se compare ao Rio - opina.

O pastor se preocupa com a velocidade da favelização em Teresópolis e outras cidades serranas, mas reconhece que não é fácil resolver uma questão social ''tão complexa''.

- Soube que um empresário desistiu de investir na cidade, quando tomou conhecimento do crescimento das favelas, Isso é triste - avalia.

Não longe dali, na Favela do Vale da Revolta, há mais exemplos de gente que saiu de locais conflagrados do Rio. José Ferreira deixou a Ilha do Governador, bem próximo ao Morro do Dendê, e conseguiu abrir um barzinho, junto à Rio-Bahia. Tadeu Cruz morava em Nova Holanda, no Complexo da Maré, e hoje trabalha em fábrica de tecidos.

Em frente ao bar de José, a imagem de um outro tipo de caos urbano. A Estrada Rio-Bahia, uma das mais importantes do país, se transformou na rua principal da favela, com muitos quebra-molas que evitam atropelamentos e atrasam longas viagens, mas não impedem que os motoristas, contrafeitos, paguem pedágio, alguns quilômetros adiante.

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Uma bomba-relógio

Jornal O Globo, Economia, terça-feira, 07 de outubro de 2003

NAIRÓBI e RIO

O número de pessoas vivendo em favelas vai dobrar até 2030, chegando a dois bilhões de pessoas, em conseqüência da urbanização acelerada e do aumento da pobreza, afirmou o relatório do Programa de Assentamentos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU-Habitat) “O desafio das favelas”, divulgado ontem, para marcar o Dia Mundial do Hábitat. Segundo o ONU-Habitat, com sede em Nairóbi (Quênia), um sexto da população mundial — ou 924 milhões de pessoas — vive em favelas. Na introdução ao relatório, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, lembrou que a população pobre está se movendo do interior para a cidade, um processo chamado “urbanização da pobreza”.

— Até 2050 estimamos que a população mundial seja de nove bilhões de pessoas, seis bilhões das quais viverão nas cidades. Destas, 3,5 bilhões (38%) estarão vivendo em favelas se não fizermos alguma coisa radical para resolver esse problema — disse a diretora-executiva do ONU-Habita, Anna Tibaijuka.

O diretor de Análises de Políticas do ONU-Habitat, Naison Mutizwa-Mangiza, resumiu o problema:

— É uma bomba-relógio.

Apesar de o crescimento acelerado das favelas ser evidente, o relatório ressalta que há pouco ou nenhum planejamento para acomodar a população que se desloca para as cidades em busca de uma vida melhor. A falta de habitação, água, saneamento e emprego abrem caminho para a explosão da criminalidade.

Cidades podem se tornar inabitáveis

Anna criticou, no relatório, a apatia e falta de vontade política dos governos para resolver a questão da pobreza urbana. E lembrou que a extrema pobreza leva a comportamentos anti-sociais, o que faz disso um problema global.

Mutizwa-Mangiza lembrou que o trabalho informal é extremamente importante para melhorar a renda dos habitantes das favelas e deve ser encorajado. E ressaltou que uma medida importante para lidar com o problema das favelas é encarar seus moradores como parte da solução, não do problema.

— É a primeira vez que fazemos um relatório enfocando favelas. Antes, os levantamentos abordavam as cidades como um todo. O assentamento precário é um problema em todos os países e tem crescido mais do que as cidades. Se continuar nesse ritmo, as cidades ficarão inabitáveis em 15 anos, devido à violência e à precariedade — disse Alberto Paranhos, principal representante do ONU-Habitat no Rio.

O relatório do organismo faz um apelo para que se trate do problema do desemprego entre os habitantes das favelas e da população urbana pobre em geral:

“As políticas para as favelas devem estar integradas com políticas de redução da pobreza urbana mais amplas, focadas nas pessoas, que lidem com aspectos como emprego e renda, abrigo, comida, saúde, educação e acesso a infra-estrutura e serviços urbanos básicos”.

— Os assentamentos têm as mesmas características de precariedade em todo o mundo. O que muda são as habitações. No Hemisfério Norte, por exemplo, esses assentamentos surgem em construções velhas e abandonadas. Já no Rio de Janeiro, as favelas surgem em áreas novas, que ainda não eram habitadas — disse Paranhos.

O relatório do ONU-Habitat elogiou o programa Favela-Bairro, do Rio, considerado um exemplo em política habitacional. Segundo o organismo, “a continuidade do programa vai permitir a melhoria de alguns aspectos de gerenciamento e estrutura, consolidando a idéia-chave de integração entre as áreas de exclusão social e as aglomerações formais da cidade”. Mas o relatório observa que a segregação entre áreas ricas e pobres é, hoje, uma característica da cidade.

A diretora do ONU-Habitat esteve no Rio ontem, nas comemorações do Dia Mundial do Hábitat, cujo tema foi “Água e saneamento nas cidades”, com a presença do ministro das Cidades, Olívio Dutra. Segundo Anna, o problema da água na América Latina não é de escassez, como em outras partes do mundo, mas de má administração de recursos e falta de vontade política.

— Eu acredito ser necessário investimento público, mas também da comunidade e do setor privado — disse a diretora do ONU-Habitat.
COLABOROU Fabio Nascimento
ONU: 17% vivem na pobreza no Rio


O crescimento das favelas é um reflexo do processo de industrialização e urbanização do país, atraindo para os grandes centros urbanos famílias em busca de uma oportunidade. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de moradores nessas áreas do Rio cresceu de 882.482 para 1.092.476 (23%), entre 1991 e 2000. O número de domicílios em favelas, por sua vez, passou de 226.141 para 308.581 no mesmo período.

Segundo a Habitat, divisão das Nações Unidas para habitação, ano passado 17% da população do Rio viviam abaixo da linha da pobreza (segundo critério do Banco Mundial, quem vive com menos de US$ 2 por dia). Em São Paulo, essa proporção era de 6,5% em 2002.

No Rio, a Habitat identificou quatro tipos de habitação com problemas de infra-estrutura: favelas, loteamentos, cortiços e invasões. Em São Paulo, apenas dois: favelas e cortiços.

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Cidadão do futuro

JORNAL O GLOBO, sábado, 25 de outubro de 2003

REPORTAGEM PREMIADA

Educação pode ajudar a salvar o  Terreirão

Projeto de conscientização melhoraria condições sanitárias no local, onde esgoto e lixo fazem parte da rotina

Olhando estas fotos podemos notar que na nossa comunidade o saneamento básico ainda é tratado com total descaso pelas autoridades e pelos moradores.

O esgoto é lançado diretamente no canal que fica perto da Avenida Gilka Machado, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, na comunidade chamada de Terreirão, onde  uma grande população ainda vive em casas precárias, de madeira ou alvenaria. Esses moradores não contam com sistema de esgoto e não pagam taxa de água e esgoto.

Os detritos são jogados diretamente no canal ou nas ruas pelos próprios moradores, apesar da instalação, pela Comlurb, de vários coletores de lixo.

A sujeira, além da poluição do canal e do solo, provoca doenças, atrai a presença de animais como ratos e baratas e facilita um aumento sensível na proliferação de mosquitos, inclusive os transmissores da dengue,  doença que castigou por dois anos seguidos dezenas de moradores da localidade, principalmente as crianças. O problema tira o sono de muitos moradores, que não conseguem dormir devido à quantidade de mosquitos, conforme depoimento de Marilene Gonçalves, de 36 anos, moradora da Rua HW.

Peixes e jacarés são afetados pela poluição da Lagoinha

Pior ainda é quando chove. Além da lama, a água poluída, escura e fétida quase invade as casas e o lixo jogado fica acumulado nas ruas e no valão, causando um mau cheiro insuportável devido ao esgoto e trazendo transtornos para os moradores, que reclamam e pedem ajuda às autoridades. Entre eles está Marli Francisca, de 30 anos, residente na Rua Esperança há cerca de dez anos e que diz sofrer muito com essas condições, apesar de já ter feito vários pedidos, inclusive para políticos, solicitando instalação de manilhas e o asfaltamento das ruas.

O valão recebe todos os esgotos das casas, além dos condomínios próximos, que, apesar de pagarem taxas de esgoto e água, não têm estações de tratamento nem tubulações próprias.

Outro problema decorrente desse descaso da população e das autoridades é que os dejetos vão parar diretamente na Lagoinha, que fica  no Parque Municipal Chico Mendes, afetando a vida dos peixes e dos jacarés-de-papo-amarelo, que lutam para sobreviver com a ajuda dos biólogos do parque. Já aconteceram até casos de alguns jacarés chegarem à margem do valão, invadindo os quintais de casas. A população, com medo, espanta-os atirando pedras e muitas vezes ferindo-os ou matando-os.

Paulo Castro, de 45 anos, morador da Rua GW, conta que, apesar de gostar de morar no Recreio, "pois é um lugar calmo e que ainda não apresenta tanta violência", fica triste ao ver o descaso com que o local é tratado. Ele gostaria de ver um projeto de educação que orientasse e ajudasse a conscientizar as crianças e os jovens para que cuidassem melhor da sua comunidade, por meio de pequenas ações como: jogar o lixo em locais apropriados, intensificar campanhas para reciclagem e aproveitamento do lixo e medidas que evitassem a poluição tanto do canal como de outras áreas da região. Pois é formando e informando que conseguimos medidas mais eficazes para acabar com os problemas.

Como Paulo Castro, eu também tenho a certeza de que juntos e  pela educação podemos vencer os obstáculos que encontramos no dia-a-dia da comunidade, pois ser um bom cidadão é ter consciência de que às vezes, a partir de pequenas atitudes, podemos mudar e melhorar nossas condições de vida e proteger o meio ambiente.

REPORTAGEM PREMIADA de Edson Gomes da Silva Ribeiro, de 15 anos, da Barra da Tijuca, RJ

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Com vista para a Casa Cor

http://www.nominimo.com.br

Com vista para a Casa Cor

Carla Rodrigues

29.10.2003 |  A 13ª edição da Casa Cor, que começa hoje e acontece esse ano no condomínio Reserva do Itanhangá, na Barra da Tijuca (RJ), expõe a mais nova tendência do design de interiores: o aproveitamento de materiais rústicos como madeira de demolição, chapa de aço enferrujada e placas de cimento. Nada que a vizinhança da favela da Tijuquinha já não conheça há tempos. Nos últimos seis anos, enquanto o condomínio esteve fechado, a favela tratou de se expandir em volta usando o mesmo rústico do qual os arquitetos da mostra tanto se orgulham. O resultado não é exatamente harmônico, como demonstra a série de fotos publicadas ao final deste texto.

Encravado na favela da Tijuquinha, o condomínio que recebe a Casa Cor deste ano dispõe, para dentro dos muros, de 600 mil metros quadrados de Mata Atlântica. Pela frente tem a primeira de uma série de quatro favelas que se estendem nos cinco quilômetros da estrada velha da Barra da Tijuca e terminam no grande aglomerado de Rio das Pedras, esta já em Jacarepaguá. Para disfarçar a incômoda vizinhança, o Reserva do Itanhangá mudou de lugar o portão de entrada. A marca da mudança, no entanto, continua lá (foto).

A portaria que hoje atende por “de serviço” se abre diante da rua principal da favela. Mas o visitante desavisado já pode acreditar no que dizem o corretores: “O condomínio fica ao lado do Greenwood Park”, explicam, referindo-se a outro condomínio vizinho. De fato, o muro do Greenwood Park faz divisa com o primeiro muro do Reserva do Itanhangá. Já o segundo está encostado na favela, mesmo.

Foi praticamente dentro da Tijuquinha que o Reserva do Itanhangá esteve de portões fechados desde 1996, quando uma enchente trouxe das montanhas do Alto da Boa Vista uma avalanche de pedras e lama que destruiu o que ali havia de arruamento. Desde então, a Tijuquinha se desenvolveu tanto que já ganhou o rótulo de “bairro popular” dos corretores que vendem os terrenos do condomínio.

A denominação, além de suavizar os traços da vizinhança, até se justifica. “A Tijuquinha é atípica”, explica o economista Pedro Abramo, do Ippur (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional). Por atípica entenda-se uma favela pequena (o IBGE contou, em 2000, 749 domicílios e 2.433 moradores), ter um bom padrão urbanístico, onstruções de qualidade razoável, e baixo índice de mobilidade interna, o que faz com que os imóveis sejam valorizados e tenham pequena rotatividade.

Quando se trata de valores, o Reserva do Itanhangá ignora a vizinhança. O preço dos terrenos a partir de 800 metros quadrados começa em R$ 400 mil, mas podem dobrar em valor e chegar a cinco mil metros quadrados em tamanho, dependendo do bolso do freguês e da disposição em manter grande parte dessa terra como área livre de construção. Um cuidado de preservação mais do que recomendado, não estivesse todo o entorno já destruído.

Espremido entre a lagoa e a floresta, o complexo de favelas que começa na Tijuquinha ocupa, na Barra da Tijuca, a área nobre que equivaleria, na Zona Sul da cidade, à avenida Borges de Medeiros, que tem de um lado a Lagoa Rodrigo de Freitas e de outro a Floresta da Tijuca. Como ocupam área oculta até mesmo dos moradores da Barra, a Tijuquinha e suas similares têm-se desenvolvido à margem da falta de interesse municipal pela região. O próprio prefeito Cesar Maia reconhece que, ali, não se faz investimento público há 20 anos.

O que não se gasta de dinheiro público – embora a prefeitura tenha se encarregado de reformar, em frente ao Reserva do Itanhangá, a parte do canteiro central que divide as pistas e deixado como estava o restante, em frente à favela –, muito se aplica de recurso privado. Bem antes dos arquitetos da Casa Cor inaugurarem seu estilo rústico, o que se pode observar nas fotos é que os moradores desenvolveram um jeito próprio - e também rústico - de fazer arquitetura.

Além da expansão horizontal e do crescimento vertical, as favelas investiram também no desenvolvimento das habitações em direção ao espaço. São as varandas, de todos os tamanhos e estilos, que tomaram os prédios. Algumas, neste momento, privilegiam o morador a ponto de oferecer-lhe vista para a Casa Cor (foto). Outras, por mal-ajambradas, sequer permitem esquecer que se está numa favela. Nada, no entanto, carrega o jeito de provisório que, um dia, foi característica das favelas da cidade.

Todas alimentam o comércio de material de construção local, que desconhece a recessão sob a égide petista. É o que garante Antônio Alves da Silva Filho, 56 anos, dono da loja Recanto da Barra. Enquanto o empresariado nacional se queixa da estagnação, ele exulta: “Não tenho do que reclamar”. A chegada da Casa Cor ajudou nos negócios. Embora os arquitetos tenha comprado a maior parte do material longe dali, foi Antônio quem os socorreu nas emergências. Afinal, ele atende na mesma calçada do Reserva do Itanhangá, 300 metros depois do portão. “Só quero a sobra ”, diz, modesto. Na loja, onde também trabalham os dois filhos, crise ele só viu em 1999, quando a prefeitura levou o projeto Favela-Bairro para a Tijuquinha, e a expansão imobiliária ficou restrita. Mas as vagas magras só duraram aquele ano.

É verdade que a Recanto da Barra – com CNPJ e bloco de nota fiscal – só funciona porque o decreto do então prefeito Luiz Paulo Conde que proibia o comércio de material de construção nas favelas nunca chegou à prática. O investimento na expansão tem motivo: uma casa construída na favela, com varanda vale mais, tanto na revenda quanto no aluguel. Em Rio das Pedras, por exemplo, um apartamento de sala, quarto, dois banheiros, cozinha, hall de entrada e varanda com vista livre para a mata, custa R$ 25 mil. Apesar de instalado no terceiro andar, é com a qualidade da varanda que o proprietário, seu João, argumenta para justificar o preço.

Dependendo das dimensões, as varandas ainda oferecem vantagem adicional nas favelas ou na cidade formal: quando pequenas, a legislação urbana do Rio de Janeiro não as contabiliza como área construída no cálculo do IPTU. Por isso, os penduricalhos se espalham como praga nos edifícios da cidade. Na favela, servem como salvo-conduto se um dia a conta do imposto municipal chegar.

Nas favelas da região, o mercado imobiliário desconhece o significado do substantivo crise. Estudioso do solo urbano, Abramo explica por que Rio das Pedras é um caso extraordinário: “É uma favela atípica, principalmente no aspecto da segurança.” Sua expansão, no entanto, obedece o mesmo padrão de todas as favelas da América Latina: na primeira etapa do processo, os moradores ganham área através da ocupação. Num segundo momento, o que aumenta é a densidade demográfica, com a expansão de número de moradias. Da Tijuquinha até Rio das Pedras, esse crescimento é vertical. O territorial pode ser visto em fotos aéreas feitas para as pesquisas de Abramo em 1984, 1990 e 1999 (link abaixo).

Uma das características que Abramo descobriu no mercado imobiliário das favelas cariocas é que a valorização dos imóveis obedece a um comportamento peculiar, segundo critérios da própria favela, ao invés de seguirem algum tipo de correlação de preços com o bairro no qual estão inseridas. Assim, as varandas da Tijuquinha não valerão mais por que oferecem ao morador visão privilegiada para a Casa Cor e para o futuro condomínio de luxo. Se a vizinhança com o condomínio não favorece aos moradores da Tijuquinha nem lhes valoriza o patrimônio, o mesmo não se pode dizer dos futuros moradores do Reserva do Itanhangá.

Passado o glamour da mostra, o que sobra é um entorno degradado por vazamentos de ligações clandestinas de água sobre o asfalto, bares que atravessam a noite com música alta, e nenhum tipo de controle ambiental do portão para fora. Pela porta do Reserva do Itanhangá circulam, também, as vans que servem aos 18 mil moradores que o IBGE encontrou no Censo de 2000 nos 5.444 domicílios de Rio das Pedras.

O fato de as valas negras não estarem visíveis aos moradores do condomínio não significa que não lhes afetem a qualidade vida (foto abaixo). Enfiados numa região degradada, nem os visitantes da Casa Cor nem os futuros moradores do condomínio estarão protegidos, por dentro dos muros, da tragédia ambiental que já destruiu esse pedaço da cidade.

Estética da favela

A quem não atribui valor ao estilo arquitetônico vigente na Tijuquinha e adjacências recomenda-se conhecer o estado dos projetos do urbanista Demetri Anastassakis, idealizados por ele justamente com o objetivo de reproduzir a estética da favela. Exemplos de insucesso podem ser colhidos em Cidade de Deus (foto abaixo)e na Maré. Totalmente transfiguradas do seu desenho original, as moradias projetadas por Demetri não contemplavam a possibilidade de expansão, característica de grande valor numa habitação em favela. E muito menos tinham varanda.

Esse aspecto da qualidade de vida não foi negligenciado pela prefeitura quando, há cerca de cinco anos, instalou pequena parte dos moradores de Rio das Pedras no conjunto residencial Mangueirinha (foto abaixo). As varandas das moradias do primeiro andar estão em plena expansão, como o resto da favela. A urbanização das margens do Rio das Pedras fez crescer o negócio das varandas, que se debruçaram sobre o valão (foto abaixo).

Pela estética, inaugurou-se mais um caminho de expansão da favela, esse também impossível de ser contido. É, mais do que conquista de espaço, a adesão ao modelo arquitetônico da classe média. Afinal, se os arquitetos podem aderir ao rústico numa mostra realizada num condomínio de luxo enfiado dentro de uma favela sem que pareça provocação, o que impede os moradores das favelas de adotar as varandas como ideal de conforto e beleza?

 

 

 
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