Reportagens 2004

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"As grandes cidades necessitam de políticas integradas, que unam regularização fundiária, treinamento, educação e microcrédito. Não adianta resolver o problema da violência no município vizinho. Os problemas são comuns. Atualmente, vivemos uma situação caótica"— economista Marcelo Neri.

Reportagens ( 7ª parte)

Reportagens 2004

Tópico 1  Favela e indigência
Tópico 2  Obra irregular poderia ter causado tragédia
Tópico 3  Rio, o Estado mais favelizado
Tópico 4  O Século da favela
Tópico 5   Classificados
Tópico 6  O Iraque é aqui
Tópico 7  Limite da violência
Tópico 8  Conde desiste de construir muro na Rocinha
Tópico 9 Favelas não param de crescer
Tópico 10 Quando a casa vira cativeiro
Tópico 11 Toque de recolher tácito
Tópico 12 Pesquisa mede abismo entre asfalto e morro
Tópico 13 Comunidade apóia iniciativas para tentar limitar expansão da Rocinha
Tópico 14 Vidigal à margem de projetos sociais
Tópico 15 Em busca da paz perdida
Tópico 16 Favelas  minadas
Tópico 17 Paisagem redesenhada
Tópico 18 Custo da violência
Tópico 19 Ministério Público do Rio quer acabar com desmatamento e loteamentos
Tópico 20 Sorria, você está na Rocinha, convida um jornalista
Tópico 21 População de favelas cresce mais do que a média do país
Tópico 22 Expansão ameaça a natureza
Tópico 23 Brasil tem 56 milhões de miseráveis
Tópico 24 Favelização avança para o interior do país

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Favela e indigência

Jornal O Globo, domingo, 11/01/2004

O estudo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) mostra que não é o trabalho que explica a renda no Rio, que acompanhou o ritmo medíocre do Brasil nos últimos dez anos. Segundo seu presidente, o economista André Urani, secretário de Trabalho na administração Conde na prefeitura, o que fez o Rio acompanhar a renda nacional "foi uma renda esquisita de aluguel de segunda classe."

"É o fulano do Vidigal que constrói dois barracos para alugar para um pessoal da terra dele que está chegando no Rio". Segundo seu estudo, "o Rio de Janeiro neste período é campeão brasileiro de favelização. Nenhum outro estado se faveliza tanto na última década como o Rio de Janeiro, que já era o mais favelizado".

Essa afirmação é contestada pelos números do Instituto Pereira Passos (IPP), pelo menos em relação à cidade do Rio, onde está concentrada a maioria das favelas do estado.

Segundo Sérgio Besserman, diretor do IPP, entre 1991 e 2000 o número de favelados no município do Rio de Janeiro aumentou em 200 mil, de 882 mil para 1.082 milhão. Ele diz que houve uma melhoria da informação do cadastro da Prefeitura nos últimos anos, o que permite ter um controle mais exato da situação.

O estudo do Iets mostra que o Estado do Rio esconde uma série de realidades diferentes. A melhor situação é a de Niterói, e o município do Rio tem indicadores melhores que o resto do estado. Mas, em termos de dinâmica dos indicadores ao longo da década, quem puxa os números para trás é a Região Metropolitana como um todo, mas, particularmente, a cidade do Rio de Janeiro.

André Urani afirma, com base nos resultados da pesquisa, que o modelo de economia em que se baseiam os principais estados do -país - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais - está sendo superado por outras economias, que estão se mostrando mais pujantes.

Com a mesma taxa de juros, a mesma taxa de câmbio, a mesma política econômica, ressalta ele, "Santa Catarina registra indicadores absolutamente formidáveis de melhora da qualidade de vida, apesar do crescimento da renda menor que o do Rio de Janeiro". O que acontece lá é que a desigualdade está
sendo reduzida brutalmente. "Há um outro modelo de desenvolvimento, que em vez de ser centrado na grande empresa é centrado em redes de micro e pequenas empresas. E há uma ênfase muito maior na qualidade das políticas públicas, particularmente nas políticas sociais".

Santa Catarina foi campeã brasileira da redução da pobreza e da indigência. No Rio de Janeiro, ao contrário, aumentou a indigência, mostra o estudo de Urani. Há uma leve redução da pobreza, mas aumenta a indigência, entendida como extrema pobreza, gente que vive abaixo da metade da linha de pobreza. Segundo Urani, esse aumento se deu "particularmente em dois municípios: Rio de Janeiro e Duque de Caxias". Ele lembra que a situação é preocupante "por que o Brasil reduziu brutalmente seu nível de indigência na última década, e
o Rio não".

As mudanças em Santa Catarina estão acontecendo independentemente do partido que esteja no governo. "Eu nunca vi o Espiridião Amin (do PP) falar disso, e o Luiz Henrique (do PMDB) também não sabe disso", diz André Urani. Segundo ele, está acontecendo lá um pouco como aconteceu no Nordeste da Itália a
partir dos anos 70. Santa Catarina deliberadamente se inspira nesse modelo italiano, entidades empresariais contrataram consultores.

André Urani diz que há algo parecido com Santa Catarina, "como modelo de desenvolvimento e como resultado", aqui no Estado do Rio. Friburgo vem experimentando nos últimos anos uma melhora nos indicadores sociais e econômicos semelhantes a Santa Catarina. "É lá que está o pólo de confecções de moda íntima, e toda uma ênfase de desenvolvimento local baseado numa rede de pequenas empresas", diz ele.

Outras regiões do estado também progridem, como a Região dos Lagos e o Sul fluminense. Os chamados "Emirados Fluminenses, (Campos, Macaé, Quissamã) ao contrário, foram uma grande decepção". Os dados não são suficientes para garantir que eles estão gastando mal o dinheiro do petróleo, mas os royalties não se transformaram em melhora dos indicadores sociais.

Estamos chegando à conclusão, diz Urani, de que é um problema mais amplo, de superar um modelo de desenvolvimento antigo. "Dá-se ênfase às grandes indústrias: petróleo, telecomunicações. Em Santa Catarina ou em Nova Friburgo, você não nota a presença do estado, nem há grandes projetos estratégicos. Santa Catarina produz é frango, confecções, sapatos. Não produz nem microprocessadores nem avião. Em Friburgo a produção não é de eletro-eletrônico, mas de moda íntima feminina".

André Urani lamenta que "o nosso estado não use bem os meios que tem para promover a melhora da qualidade de vida, tanto em educação quanto em saúde, por exemplo". Segundo ele, o estudo mostra que "no Rio há uma proporção muito elevada, a mais elevada de todas no Brasil, de médicos a cada mil habitantes. Mas não conseguimos traduzir isso numa mortalidade infantil que seja a mais baixa do Brasil".

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Obra irregular poderia ter causado tragédia

Jornal O Globo, Rio, quinta-feira, 16 de outubro de 2003

O desabamento de casas na Favela da Vila Cruzeiro, na Penha - que resultou na morte de cinco crianças - gerou uma troca de acusações entre a Secretaria municipal de Obras e o Departamento de Estradas e Rodagens (DER) do governo do estado. Uma obra realizada de forma irregular no local pode ter causado a tragédia, mas nenhum órgão admite ser responsável.

Há duas versões para o caso. Segundo o presidente da Associação de Moradores e Amigos da Penha, Sérgio Clemente, o desabamento pode ter sido causado por uma rachadura na viela que separava as casas. Segundo ele, a rachadura apareceu há um mês, depois que o governo do estado fez uma obra no local, financiada pelo DER, há cerca de dois anos.

Em nota oficial, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) informou que há dois anos realizou a pavimentação da Travessa São Vicente de Paulo,na Favela Vila Cruzeiro ,na Penha. Na época não havia nenhum risco de desabamento. Para esclarecer o assunto o DER está instituindo uma comissão técnica formada por três engenheiros para avaliar o que provocou o acidente. Um laudo técnico será emitido dentro de quinze dias.

Clemente disse que conversou sobre o problema com o secretário municipal de Obras, Eider Dantas, que tinha prometido mandar um técnico ao local. Mas ninguém teria aparecido. A assessoria da secretaria disse que a reunião aconteceu no último dia 7 e que a Geo-Rio não foi ao local por causa das chuvas e porque o governo estadual que deveria tomar providências.

- Será feito um trabalho de investigação para saber se o deslizamento aconteceu por causa da obra feita de maneira irregular, sem acompanhamento técnico - disse o coordenador da Defesa Civil do município, coronel João Carlos Mariano, em entrevista à rádio CBN.

A secretaria municipal de Obras apresentou um documento mostrando que, após a conclusão da obra da DER realizada pela Globo Construções e Terraplanagem Ltda. no dia 30 de setembro de 2001, um morador alegou que a obra causou danos à sua moradia. A empresa, embora dizendo que não tinha responsabilidade sobre o problema, aceitou fornecer material de construção para reparos. O morador, no documento, assumia responsabilidade pela execução do serviço. O docmento é assinado pela empresa, pelo morador Sérgio Gonçalves e pelo então presidente da Associação de Moradores, José Gomes Pimenta.

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Rio, o estado mais favelizado

Jornal O Globo, ECONOMIA, 01 de fevereiro de 2004


Cássia Almeida

O Rio é o estado mais favelizado do país: 10% de sua população vivem em favelas, o que representa 1,4 milhão de pessoas. Esta constatação está no levantamento feito pelos economistas Ricardo Paes de Barros, Mirela de
Carvalho e Samuel Franco, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), com base no Atlas de Desenvolvimento Humano.

De 1991 a 2000, período a que se refere a pesquisa, mais 150 mil pessoas passaram a viver nas favelas fluminenses. Com isso, o estado perdeu o quarto lugar que ocupava até então, atrás de Amazonas, Amapá e Pernambuco, que
conseguiram reduzir a favelização.

Um milhão de pessoas sem acesso à água encanada

No acesso a serviços básicos, o Estado do Rio conseguiu avançar, porém mais vagarosamente que o resto do país. Assim, passou da segunda para a sexta posição no quesito referente à falta de acesso à água. Em 2000, um milhão de
pessoas vivia em residências sem água encanada:

- Na velocidade de avanço apresentado pelo estado, somente em três décadas será universalizado o acesso à água e ao saneamento básico - afirma Paes de Barros.

O estudo mostra que não é só a pobreza que explica a favelização no Rio. Há 23 estados mais pobres que apresentam níveis de favelização menores. Entre as causas apontadas, está a má definição da propriedade, o que facilita
invasões, desestimula o investimento em residências e direciona o consumo para bens duráveis: por isso, aliás, só 2,8% da população do estado não têm televisor e 3,4%, geladeira.

O fato é que há realidades totalmente diferentes nos morros cariocas. Dilcinéia Alves sempre viveu no Morro dos Cabritos, que fica no fim da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Conseguiu, com o marido, hoje
aposentado, construir uma bela casa de três andares, em que o casal mora com duas filhas e dois netos. A casa tem três aparelhos de TV - dos quais dois de 29 polegadas - computador, microondas, freezer, geladeira... Título de
propriedade, entretanto, não há:

- Meu avô adorava isso aqui - conta uma das filhas de Dilcinéia, Cláudia Alves, da terceira geração do Morro de Cabritos, que mora em Manaus e veio ao Rio visitar a mãe.

Mas, a menos de cem metros dali, a realidade é outra. Na casa de Maria Firmino dos Santos são três cômodos: quarto, sala/cozinha e banheiro. A geladeira foi doação, assim como o fogão. Para distrair, só um rádio:

- Morava de aluguel numa área de risco. Agora ganhei esse terreno.

No local, são três morros: Cabritos, Saudade e São João, que abrigam 3.750 domicílios, segundo Danilo Ferreira de Souza, ex-presidente da Associação de Moradores, que nasceu no bairro:

- Muita gente de classe média tem subido do asfalto para o morro, por não estar conseguindo pagar o aluguel. Os filhos dos moradores também formam família e constroem do lado da casa do pai. Afinal, nasceram aqui e se
sentem no direito de fazer sua casa. Quando não pegam o terreno do lado, fazem mais andares. É a chamada verticalização da favela.

Secretário diz que governo espera construir dez mil casas este ano

O governo estadual culpa a falta de uma política nacional de habitação pela favelização. Segundo o secretário de Habitação, Fernando Avelino, o governo tem como meta construir 33 mil casas até 2006, sendo dez mil este ano:

- No ano passado, foram construídas quatro mil unidades. Nos conjuntos, haverá creche, lazer, escolas e postos de saúde. Senão, viram guetos.



Rio das Ostras: 40% da população nas favelas
Cássia Almeida

Joana Francisco da Rocha cozinhava a canjica que ganhou depois de lavar algumas roupas. Aos 55 anos, com um filho de 16 anos, mora numa casa improvisada numa carroceria de caminhão, dentro do lixão em Rio das Ostras,
sem banheiro nem cozinha. Eles são uma das cerca de cem famílias, segundo a ONG Pró-Cidadania, que atua no local, que moram dentro e em torno do depósito de lixo da cidade litorânea:

- Vivo da ajuda das pessoas - resume Joana.

Essa situação de miséria extrema aparece nos indicadores habitacionais do município: eram 40% da população vivendo em favelas em 2000. A migração acentuada pode explicar um pouco esse resultado: a população cresceu 100% de 91 a 2000, o maior crescimento registrado entre os 91 municípios do estado. O prefeito Alcebíades Sabinos dos Santos, no entanto, contesta a pesquisa feita com os dados do Censo 2000, do IBGE:

- É um dado mentiroso, que não corresponde à verdade. Não há favelas em Rio das Ostras, há bairros populares, que estamos urbanizando.

Há um mercado informal de imóveis nas favelas

A cidade também aparece entre os piores municípios do estado no acesso a serviços básicos: 13,3% não têm água encanada, 14,3% não têm banheiro e 4% não são atendidos pelo serviço de coleta de lixo. O prefeito diz que, até
2006, toda a população terá acesso à água encanada. Na favela da Ilha, os moradores são obrigados a apanhar água numa bica pública, abastecida pelo município:

- Há dois meses, eles pararam de vir todos os dias. Hoje (quinta-feira passada) não tem mais água na cisterna. E já avisaram que no carnaval a situação vai piorar - conta Teresa Cristina Medeiros, moradora no bairro.

A prefeitura alega que assumiu a obra da Cedae e está investindo R$ 56 milhões na rede de captação e distribuição de água.

- Até o fim do ano, 50% da população serão abastecidos. E, em 2005, 70% da população serão atendidos pela rede de esgoto. O lixão será desativado e as famílias receberão casas e trabalharão na separação do lixo - avisa o
prefeito, que já gastou mais de R$ 20 milhões, em dois anos, no embelezamento da cidade, que conta até com uma baleia de bronze, de 17 metros, na praia de Costa Azul.

O custo de R$ 300 mil compensou, acredita ele:

- É o ponto turístico mais visitado de Rio das Ostras.

Assim como o Rio, as cidades litorâneas atraem pessoas de fora. Na região também não há uma definição clara da propriedade. O poder público não faz valer esse direito, afirma o economista da PUC José Márcio Camargo, que vem
estudando a questão nos últimos anos.

Atrás de Rio das Ostras, no grau de favelização, estão Teresópolis, com 24% da população vivendo em favelas, Rio (18,8%), Volta Redonda (17,1%) e Macaé (16,3%).

Segundo Pedro Abramo, urbanista e professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, as áreas invadidas não cresceram na cidade do Rio. Mas aumentou a densidade populacional.

- Há um fenômeno importante de verticalização e de fragmentação dos lotes nas favelas, o que alimenta o mercado informal de imóveis. O preço médio é de R$ 15 mil. Portanto, não é uma população miserável - diz Abramo.

A decisão de morar na favela é econômica, diz o urbanista. Isso porque o tempo e o custo que se tem com o transporte, ao se morar em áreas mais distantes do trabalho, são grandes, diz Abramo:

- É a opção pela centralidade. Ainda há o crescimento demográfico. Quando a família aumenta, ou se divide o lote ou se aumenta a casa. Nem pensar em remoção, diz antropólogo

Delsimar da Costa, presidente da Federação das Associações de Favelas (FAF-Rio), lamenta a falta de política habitacional. As moradias populares, na sua opinião, são piores que os barracos:

- E a urbanização não ganhou escala. Foram atendidas apenas 50 comunidades - diz Delsimar, que representa 495 associações numa cidade que tem 700 favelas.

Entre as soluções para resolver o problema habitacional, a remoção é impensável, na opinião do antropólogo Marco Antonio da Silva Mello, chefe do Departamento de Antropologia Cultural da UFRJ:

- As favelas estão integradas à paisagem carioca. Estão presentes na música, na pintura, na poesia. O que a população das favelas precisa é de respeito e ter a cidadania reconhecida.

Segundo o antropólogo, o importante é levar os serviços às favelas:

- A favela transgride as normas da arquitetura e isso incomoda.



Estudo do Iets sobre o Rio vai virar um livro


O capítulo sobre habitação é o último da série de reportagens que O GLOBO publicou durante o mês de janeiro. Os estudos desenvolvidos por pesquisadores do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), com
base no Atlas de Desenvolvimento Humano da ONU, vão se transformar num livro, a ser editado ainda neste semestre.

- É um presente do Iets ao movimento Viva Rio, que completou dez anos - afirma o economista André Urani, diretor-executivo do Iets.

Numa análise conjunta de todos os indicadores - saúde, educação, desenvolvimento humano, pobreza e habitação - a conclusão a que se chega é que o Rio avançou pouco nos anos 90:

- A sensação reinante de que o Brasil parou e o Rio regrediu não é verdadeira, e os números mostram isso.

Segundo o economista, o Brasil corrigiu uma distorção histórica, na qual os indicadores de renda avançavam mais e os sociais evoluíam pouco. Nos anos 90, isso mudou:

- O Brasil conseguiu aumentar a renda, mas os ganhos em educação e saúde andaram com mais velocidade. O Rio não acompanhou esse movimento.

Outra constatação foi a desigualdade nos ganhos sociais no estado. As regiões dos Lagos, Serrana e do Médio Paraíba tiveram desempenho melhor que o da Região Metropolitana:

- Quem está freando o estado é a Região Metropolitana. É uma crise típica das grandes cidades, comum a outras grandes metrópoles do mundo. Mas cidades como Nova York e Barcelona souberam se reinventar.

Para o economista, falta planejamento de longo prazo, principalmente para revitalizar o subúrbio do Rio e a periferia. Há uma incapacidade para buscar novas vocações.

- Insiste-se em modelos caducos, privilegiando o grande investimento. O resultado disso é um crescimento econômico concentrado, que tem pouco efeito na redução da pobreza. O Nordeste está fazendo isso, nós não - lamenta o
economista.

Investimento em pequenos empreendimentos foi a opção de Santa Catarina, o primeiro na maioria dos indicadores sociais tratados na série de reportagens.

O mais preocupante, segundo Urani, é que há recursos disponíveis no estado para alcançar ganhos maiores nas condições de vida. Isso ficou constatado principalmente na educação e na saúde.

- Os meios foram subaproveitados - diz Urani. (Cássia Almeida)

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O Século da favela

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Domingo, 09 de fevereiro de 2003

Marco Sá Corrêa

09.02.2003 |  A cidade ainda não sabe. Mas vem aí a prova de que é possível botar ordem nas favelas cariocas. Não sendo obra de governos nem políticos, trata-se de um livro em que as cientistas sociais Licia Valladares e Lídia Medeiros conseguiram arrumar, em 350 páginas, tudo o que se escreveu sobre o assunto, desde que ele apareceu em letra de forma no começo do século XX.

São 94 anos de discussão sobre as favelas cariocas, num fichário com 668 títulos e 431 autores, de 1906 a 2000 – ou melhor, parte de "Abramo, Pedro", economista que mapeia o labirinto da especulação imobiliária no mercado clandestino de casas para pobres, e acaba em "Zylberberg, Sonia", que conta a história do Morro da Providência, onde o nome “favela”, trazido do sertão baiano pelos soldados da guerra de Canudos, pegou definitivamente na paisagem urbana do país inteiro.

É um catálogo feito para ajudar os pesquisadores a se encontrarem uns aos outros, evitando talvez que eles continuem pesquisando o que já foi pesquisado demais, como acontece sempre que eles voltam a favelas famosas, como a Rocinha. É sempre em lugares como Rocinha que se verifica o que presumivelmente está acontecendo em todas os outros morros. Só o tráfico de drogas ocupa 43 verbetes. O funcionamento das associações de moradores, 65.

Ele pode servir também para que as autoridades encontrem os pesquisadores. Porque o livro, embora apresentado pelas autoras com sobriedade desproporcional ao enorme trabalho acadêmico que ele custou, deixa no ar uma pergunta intrigante: como um problema tão bem estudado durante tantos anos continua tão mal resolvido? Por falta de informação é que não deve ser.

Destinado aos especialistas, “Pensando as favelas” é tão fácil de usar que merece uma boa vaga em estantes de leigos e curiosos. Jornalistas, por exemplo, deveriam ser daqui para a frente obrigados a folheá-lo, sempre que se meterem a falar do assunto. Cada verbete inclui uma ficha, que raramente ultrapassa dez linhas, mas dá de sobra para dizer o que o título contém. Além do resumo, ensina onde encontrar o texto integral para consulta pública. Lá está a pista para programas de urbanização do falecido BNH em 1980, que foram parar na biblioteca da Caixa Econômica Federal. O projeto de saneamento dos morros que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos fez em 1983 jaz nos arquivos do Instituto Pereira Passos, em Laranjeiras. Os da Companhia de Limpeza Urbana para tirar lixo das favelas nos anos 70 estão no Instituto Brasileiro de Administração Municipal, em Botafogo.

Com funciona? Por exemplo, abra na página 20 o verbete "Agache, Alfred", sobre o pai do projeto que há 70 anos assombra o cemitério das utopias cariocas: “Primeiro documento oficial que se refere à favela em uma proposta de planejamento da cidade. Inclui três conferências realizadas no Rio de Janeiro em 1927, uma das quais intitulada Cidades, Jardins e Favellas. O Plano Agache consagra duas páginas ao assunto, sugerindo a sua supressão, mas também propondo habitações operárias adequadas para seus moradores. Observa o Autor: ´À medida que as villas-jardins operárias serão edificadas em obediência aos dados do plano regulador, será conveniente reservar um certo número de habitações simples e econômicas, porém hygiênicas e práticas, para a transferência dos habitantes da favella, primeira etapa de uma educação que os há de preparar a uma vida mais confortável e mais normal`.

E onde achar o Plano Agache? Resposta: na Praça Pio X, número 7, Centro do Rio de Janeiro, onde fica o Urbandata, onde a professora Licia Valladares organizou um banco de dados singular, transformando-o numa encruzilhada onde se encontram os melhores arquivos e bibliotecas sobre a cidade. Licia passa a maior parte do ano dando aulas em Paris, mas não perde a intimidade com as favelas do Rio.

Ela já teve até casa na Rocinha, para conhecê-la de perto. No catálogo, a lista de seus vinte títulos publicados sobre o tema atravessa 18 páginas e trinta e tantos anos de pesquisas. Seu livro “Passa-se uma casa” é, entre outras coisas, a melhor reportagem que já se fez sobre a política de remoções dos anos 70. Mostra como as famílias transferidas para os conjuntos habitacionais do governo acabavam de volta nas favelas. Porque querem.

No fim da década de 90, foi ela também que chamou a atenção para a obsolescência da palavra “favela”, um termo nostálgico, que parece definir um lugar onde mora o pobre, mas na prática serve para esconder por trás das construções irregulares uma diversidade crescente de padrões de renda e tipos de vida. Aliás, foi Licia Valladares também que dois anos atrás, num seminário em Paris, disse que as favelas cariocas já nasceram lendárias, mitificadas como núcleos de resistência popular por escritores e jornalistas que pegaram carona no sucesso literário de Euclydes da Cunha.

Como ela ensina em “Gênese das favelas cariocas”, dá para sentir o bafo dos sertões na expedição que o jornalista Luiz Edmundo fez ao morro de Santo Antônio um século atrás: "Alcançamos, enfim, uma parte do povoado mais ou menos plana e onde se desenrola a cidadela miseranda. O chão é rugoso e áspero, o arvoredo pobre de folhas, baixo, tapetes de tiririca ou de capim surgindo pelos caminhos mal traçados e tortos". Ou seja, já naquele tempo, o favelado era antes de tudo um forte.

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Classificados

Venda de casa popular do Favela Bairro em frente a minha casa, o que é proibido. As casas foram entregues gratuitamente pela Prefeitura, e o Ministério Público ajuizou uma ação que não sai do lugar. Essa é a cidade e o governo do faz-de-conta.   Maria Lucia Massot

Classificados do Jornal O DIA

Os seguintes termos de pesquisa foram destacados:  terreirão 
Edição de 14/01/2004 - Quarta-feira
   
           
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O Iraque é aqui

Jornal do Brasil, Cidade, 11 de abril de 2004

 

Rocinha, Vidigal, Santa Teresa, Tijuca, Cerro Corá, não importa o endereço, o saldo de mortos da violência em menos de dois dias no Rio de Janeiro perfaz 10 pessoas entre adultos e crianças, homens e mulheres, bandidos e cidadãos comuns. Segurança zero, insegurança, medo, terror, 100. A criminalidade não é, nem pode, ser encarada como problema tópico, sazonal, raro. Integra, há décadas, o cotidiano do carioca. E não se resolverá com a ocupação episódica das favelas, premida por uma ou outra batalha entre traficantes por pontos mais rentáveis de venda de drogas. O controle militar de regiões conflagradas é obrigação do Estado. E, para isso, 300 homens por turno não bastam. A Barra soma 180 mil habitantes.

Mais de 140 mil veículos trafegam diariamente entre a Zona Sul e a região, com passagem obrigatória pela Rocinha ou pelo Vidigal. Hoje, milhares de moradores voltam à cidade com o fim do feriado de Páscoa. Outro tanto irá de um lado a outro para acompanhar, no Maracanã, a primeira partida da decisão do Campeonato Carioca entre Vasco e Flamengo. Amanhã, segunda-feira, o município precisa retomar a rotina. O direito de ir e vir é assegurado pela Constituição. No Rio, precisa do aval do tráfico. Já passou da hora de o poder público garantir a cada um, na cidade, um pouco de paz. E muita segurança.

 

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Limite da violência

Jornal O Globo, Rio, 12 de abril de 2004


Antônio Werneck e Selma Schmidt

Para acabar com a guerra pelo controle do tráfico na Favela da Rocinha, que começou na madrugada da Sexta-Feira Santa e já deixou oito mortos, o governo do estado anunciou ontem que vai cercar parte do morro com um muro de três metros de altura. Além da Rocinha, também serão parcialmente muradas as favelas do Vidigal; do Parque da Cidade, na Gávea; e da Chácara do Céu, no Leblon. O anúncio foi feito pelo vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde. Autor da idéia, Conde informou que telefonou de manhã para a governadora Rosinha Matheus e para o secretário de Segurança, Anthony Garotinho, e os dois aprovaram o projeto.

— É um plano emergencial para começar já. A governadora e o secretário aprovaram. Vamos evitar com isso que as favelas continuem a se expandir, destruindo uma Área de Proteção Ambiental (APA) e ainda que os traficantes usem a mata como caminho para suas incursões. É uma medida para proteger os moradores dessas comunidades — disse Conde, lembrando que começa a trabalhar hoje no projeto.

O plano do governo inclui ainda a ocupação social das quatro favelas — com equipes que farão atendimentos médico e odontológico, por exemplo — e uma ocupação policial para identificar e prender os principais traficantes de drogas.

— A violência da Rocinha não é um problema específico do Rio. É um problema que atinge outros estados. É uma questão nacional. E é preciso que o governo federal compreenda isso, repassando recursos e criando mecanismos que impeçam o bandido daqui de receber armas e drogas de fora — afirmou Conde.

O governo federal até agora não se manifestou sobre a guerra na Rocinha, que tem levado o terror à comunidade desde sexta-feira.

Para secretário, idéia é viável

O arquiteto Sérgio Magalhães, da Secretaria estadual de Desenvolvimento Urbano, disse que a idéia de Conde é perfeitamente viável. Segundo ele, é preciso “conter a expansão das favelas para a mata”:

— O controle tem que ser feito. Se não fizermos a contenção, nenhum esforço do governo de levar a essas comunidades serviços de infra-estrutura terá sucesso.

Sérgio Magalhães lembrou que em 1993, quando ainda trabalhava na prefeitura, ele coordenou um projeto de delimitação das favelas do Vidigal e da Rocinha:

— Fincamos estacas com fios de aço em torno da Favela do Vidigal, e iniciamos, mas não terminamos, uma cerca igual na Rocinha.

O muro que o governo do estado quer construir agora, segundo Conde, terá três metros de altura. Ao longo do muro será construído um caminho para a passagem de carros com dois metros e meio de largura, onde policiais e moradores poderão circular tranqüilamente.

— Vamos agir imediatamente. A delimitação dessas favelas vai favorecer seus moradores e a população, de uma maneira geral, vai aplaudir — observou o vice-governador.

O projeto foi criticado pelo deputado Alessandro Molon (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa. Ele considerou a idéia um atestado de despreparo das autoridades para enfrentar a violência:

— Após um fim de semana de horror, a única medida anunciada pelo estado é a construção de muros. Isso é motivo de preocupação. O Rio precisa de profissionalismo e seriedade para enfrentar a violência — disse Molon.

O presidente da Associação de Moradores da Rocinha, Willian de Oliveira, quer que a comunidade seja ouvida antes de o estado começar a construir o muro, embora pessoalmente nada tenha contra a idéia:

— Queremos conhecer o projeto. Em princípio, tudo o que puder ser feito para melhorar a segurança da comunidade é importante. Além disso, o muro poderia evitar que a mata continue a ser invadida — comentou Willian.

Para a professora da UFRJ Leonarda Musumeci, pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, o muro não é um bom símbolo:

— Ele lembra separação, apartheid. Simboliza ainda a falência do estado. Embora não conheça o projeto de Conde, tenho dúvidas sobre a sua eficiência: com as armas modernas usadas pelos bandidos, não é difícil furar um muro de concreto — afirmou Leonarda.

Prefeitura criou programa parecido

Em julho de 2001, a prefeitura iniciou um programa de instalação de delimitadores (trilhos de ferro interligados por cabos de aço) para impedir que as favelas continuassem a se expandir sobre áreas verdes. Até então, os delimitadores eram postos apenas em áreas do Favela-Bairro. Batizadas de Eco-Limites pelo então secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo Paes, as primeiras cercas foram instaladas justamente na Rocinha.

Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente, Airton Xerez, o Eco-Limites foi implantado em mais de 40 comunidades e está funcionando:

— Instalamos cerca de 30 quilômetros de delimitadores e na maioria das comunidades as cercas estão sendo respeitadas. Este ano, instalaremos mais 11 quilômetros em favelas de Jacarepaguá — contou Xerez.

Sobre a idéia de construir muros, o secretário de Meio Ambiente é radicalmente contra:

— O governo parece que está adotando a política de extermínio de Ariel Sharon e Hitler — provocou Xerez, em referência ao primeiro-ministro de Israel e ao ditador alemão.

O deputado federal Eduardo Paes (PSDB), que idealizou o programa de Eco-Limites, também criticou a idéia de construção de muros:

— Essa idéia me parece ridícula. Um muro não impediria os bandidos de passar de um lado para o outro por mais alto que fosse — afirmou Paes.

O mal que liga as metades da cidade partida

Mariana Santiago

Para antropólogos, professores universitários e estudiosos da violência, o Rio de Janeiro ainda é uma cidade partida, porém separada hoje por uma linha tênue, que está quase unindo-a novamente, só que por redes de corrupção, abuso de poder, falta de compromisso e de respeito com a cidadania. Segundo eles, a madrugada da Sexta-Feira Santa, com guerra entre traficantes rivais na Favela da Rocinha, dividiu mais a cidade.

O antropólogo Gilberto Velho diz que a cidade está vivendo uma crise quase desesperadora. Para ele, um dos direitos básicos do cidadão, o direito de ir e vir, está sendo desrespeitado:

— Assim como você é impedido por questões temporais de ir a um determinado lugar, você também é impedido de ir da Barra à Zona Sul, só que por causa da violência. O mal está sendo banalizado. Hoje as pessoas vão dormir ouvindo tiros. Quantas delas não tiveram suas atividades suspensas, incluindo os moradores da Rocinha, que nada têm a ver com esse desrespeito que invade a sociedade? É preciso exigir uma reforma do poder público — diz.

Professora aponta falta de confiança no poder público

A solução para esta crise, segundo Leonarda Musumeci, professora do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, seria a recuperação da confiança no poder público:

— Hoje há um descrédito nas instituições que não respondem pela sociedade e cada um procura sua própria proteção. E isso só piora essa situação — ressalta.

A professora Sônia Ferraz, do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal Fluminense (UFF), que tem estudos relacionados à arquitetura desenvolvida na cidade que tem medo da violência, afirma que os moradores da Rocinha também são reféns dessa guerra:

— O que nós presenciamos é a mistura da violência tanto dentro quanto fora da favela, antes tida como habitação para famílias de baixa renda e hoje vista como reduto de bandidos, que deteriora a sociedade dos dois lados. Hoje, o fascínio que a violência e as drogas exercem sobre jovens moradores de favelas e jovens de classe média é muito grande.

Especialistas criticam a falta de escola para todos

Os estudiosos tornam a repetir que é preciso melhorar a base social para que grande parte dos problemas seja resolvida.

— A questão da falta de educação, gente fora da escola, é um fator que contribui para o aumento da violência. O problema deve ser resolvido na base. Como vamos conseguir reduzir a atração do tráfico em cima dessa garotada sem perspectiva se não existe nada que a atrai mais fora daquilo? — indaga Leonarda Musumeci.

A política de segurança pública é considerada ineficaz e, portanto, também é criticada por todos eles, que acreditam que a polícia continua agindo de forma errada.

— A relação das forças públicas com a população carente só faz fortalecer o tráfico. Nós não temos uma politica de segurança de longo prazo. Dentro do próprio governo estadual ocorrem mudanças a todo momento, o que denota uma total falta de seriedade nesta área. Parece que não há interesse em resolver o problema. O que parece é que a capacidade da polícia de se antecipar aos problemas é nula — afirma Leonarda.

Para Gilberto Velho, uma politica de segurança implica antes de tudo uma politica social.

— Nós estamos sendo triturados e as pessoas estão se adaptando para viver de um modo melhor. Há também uma falta de vontade da sociedade civil. Nós temos de exigir e não nos acomodarmos.

A professora Sônia Ferraz comenta que antes o crescimento da violência era atribuído à miséria e à pobreza. Hoje a violência está dos dois lados:

— Estamos vivendo as duas faces de uma mesma moeda — afirma ela.

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Conde desiste de construir muro na Rocinha

Jornal O Globo, Rio, 12/04/2004 - 19h21m



Antônio Werneck e Selma Schmidt - O Globo
CBN


RIO - O secretário estadual de Meio Ambiente e vice-governador Luiz Paulo Conde disse, nesta segunda-feira, estar arrependido por ter usado a palavra muro ao se referir "ao projeto de limitação do número de moradias da favela da Rocinha". Segundo Conde, a polêmica e a repercussão de sua idéia o fizeram desistir de construir o muro. Ele afirmou ainda que a idéia de delimitar a favela está mantida. Mas isso poderá ser feito, de acordo com Conde, com cerca viva, placas ou ciclovias.

O muro proposto por Conde neste domingo teria três metros de altura. Ao longo dele seria construído um caminho para a passagem de carros com dois metros e meio de largura, onde policiais e moradores poderiam circular tranqüilamente. Ele havia dito que a idéia de delimitar a Rocinha e outas favelas era antiga, mas precisaia ser realizada urgentemente. Conde evitou dar prazos para início das obras e destacou que o objetivo do muro não é acabar com a violência, mas apenas limitar a expansão da favela, que tem crescido em direção à mata da Tijuca.

- O muro não é para acabar com a violência, é para delimitar o território que nós vamos tratar e dar infra-estrutura. A violência é um problema nacional - disse ele, neste segunda

No domingo, no entanto, Conde havia argumentado que o muro ajudaria a diminuir a violência na região.

- É um plano emergencial para começar já. A governadora e o secretário aprovaram. Vamos evitar com isso que as favelas continuem a se expandir, destruindo uma Área de Proteção Ambiental (APA) e ainda que os traficantes usem a mata como caminho para suas incursões. É uma medida para proteger os moradores dessas comunidades - disse ao anunciar o projeto. O vice-governador lembrou ainda que a casa do traficante Luciano Barbosa, o Lulu, encontrada no domingo por policiais, ficava dentro da área de mata.

O prefeito Cesar Maia fez, nesta segunda-feira, duras críticas à atuação do governo estadual no confronto entre traficantes na Rocinha. Para o prefeito, o governo está "num estado de autismo", completamente alheio ao que está acontecendo. Ele chamou ainda a operação de ocupação da Rocinha e do Vidigal de "enxuga-gelo", para enganar a imprensa. Sobre o muro que o governo estadual pretende construir em torno de favelas da zona sul, Cesar Maia foi irônico:

- É uma espécie de parque temático da cocaína para o criminoso. Só faltam as roletas eletrônicas. As cinqüenta bocas de fumo podem ser estações, com diferentes graus de pureza da cocaína, maconhas de diversas intensidades, quem sabe um serviço de "delivery" pode ser criado. É uma piada numa situação como essa.

O governo do estado considerou as declarações do prefeito Cesar Maia irresponsáveis. Em nota, o estado afirma que seria melhor para o povo que o "prefeito cuidasse da tarefa de zelar pelo ordenamento do solo urbano, o que impediria a construção de edificações irregulares em áreas impróprias".

A guerra pelo controle do tráfico na Favela da Rocinha começou na madrugada da Sexta-Feira Santa e já deixou dez mortos. Além da Rocinha, também serão parcialmente muradas as favelas do Vidigal; do Parque da Cidade, na Gávea; e da Chácara do Céu, no Leblon.

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Favelas não param de crescer

Jornal O Globo, Rio, 14 de abril de 2004


Carla Rocha, Elenilce Bottari e Paulo Marqueiro

A montanha de casas de tijolos aparentes, vista a partir da Auto-Estrada Lagoa-Barra, dá a dimensão do problema: a Rocinha se espalha e se aproxima do Vidigal. As favelas cresceram de forma desordenada, transformando enormes áreas da cidade em terras de ninguém. Urbanistas, historiadores e especialistas em segurança pública afirmam que a criminalidade tira partido dessa desordem urbana, instalando ali suas fortalezas e agravando ainda mais a rotina de precariedade de seus moradores.

A desordem urbana é explicada em números: segundo dados do IBGE, enquanto a população do município do Rio cresceu 6,7% entre 1991 e 2000, passando de 5,4 milhões para 5,8 milhões, a da Rocinha saltou 33%, indo de 42 mil para 56 mil no mesmo período.

Professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (Ippur), Luciana Lago afirma que em cem anos as favelas só fizeram crescer:

— Mesmo nos anos 70, período em que elas menos cresceram, o crescimento ficou acima da média da cidade.

Ao explicar o crescimento do tráfico de drogas no Rio e as dificuldades da polícia, a coordenadora de Inteligência da Chefia de Polícia Civil, Marina Maggessi, apontou o crescimento desordenado como maior problema:

— A culpa desta violência não é da polícia. A polícia só entra quando todas as outras instituições falharam. A criminalidade cresceu com o sucateamento do solo urbano, quando quadrilhas começaram a invadir favelas, aproveitando a topografia, que permite uma visão geral sobre quem está chegando, para erguer suas fortalezas.

Para o reitor da PUC, padre Jesús Hortal, além do problema urbano que dificulta a segurança pública, a própria vida em favela contribui para a violência:

— Essas favelas, tal como estão estruturadas, propiciam o surgimento de quadrilhas. Também propiciam uma certa impunidade porque, como não há programas de moradias também para policiais, eles acabam obrigados a conviver com marginais, muitas vezes sendo assediados por eles. A aproximação entre bandidos e policiais faz com que o Rio perca o apreço à sua polícia.

O historiador Milton Teixeira, que estudou a origem das favelas, diz que mesmo a Rocinha, que virou bairro, sofre com a falta de políticas públicas:

— A Rocinha, com 56 mil habitantes, só possui duas escolas públicas. E onde falta o estado, cresce a marginalidade.

A arquiteta Luciana Andrade, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, afirma que a questão fundamental no crescimento das favelas é a ausência de políticas habitacionais, principalmente a partir dos anos 80.

— As favelas já vinham crescendo, mas com o fim do BNH, nos anos 80, as alternativas ficaram ainda mais reduzidas .

Ela diz ainda que as favelas se consolidaram nos anos 80, quando os barracos foram substituídos por casas de alvenaria, de forma desordenada.

— Esse processo se deu com pouco apoio técnico e não houve uma configuração de ruas, para que pudesse haver uma circulação mais fácil.

As casas foram surgindo entre becos e vielas que impedem a circulação viária. Mas, por que o poder público não se preocupou em abrir ruas e avenidas, como acontece em qualquer bairro? O sociólogo Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro dá uma explicação:

— Porque a favela nunca foi reconhecida como uma forma legítima de moradia. Mesmo nos mapas oficiais da prefeitura, as favelas não existiam. E a solução para o problema era apenas a idéia da remoção.

Para o secretário estadual de Meio Ambiente e vice-govenador Luiz Paulo Conde, o crescimento das favelas se deve a uma série de fatores:

— Ausência dos governos, remoções indevidas, deficiência dos sistemas de transporte. Tudo isso contribuiu. A cidade informal cresceu paralelamente à cidade formal.

O professor Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), vai além da questão urbanística. Para ele, faltam políticas voltadas principalmente para os jovens que moram em favelas.

— É preciso desenvolver políticas de inclusão digital, que são a cara dos jovens. Na Rocinha, a taxa de acesso a computador é de 6%. Na Lagoa, que é vizinha, é de 60%
 

E mais uma casa surge no meio da mata


Uma casa em construção surgiu no meio da mata sobre a área favelizada da Rocinha, do lado de São Conrado. Motoristas que passam pela Auto-Estrada Lagoa-Barra já avistam a casa, que ainda é desconhecida pela prefeitura. O subprefeito da Zona Sul, Mário Felippo Júnior, prometeu mandar uma equipe hoje ao local para constatar a nova invasão e tentar descobrir quem é o responsável pela obra.

— Temos um posto técnico de observação na Rocinha. Fizemos uma grande operação, com a demolição de construções irregulares, no fim do ano passado. Mas essas obras são feitas rapidamente. Às vezes levantam uma laje numa noite — alegou o subprefeito.

A Rocinha foi a primeira favela do Rio onde a prefeitura implantou o projeto Eco-Limites, que a partir de 2001 delimita com estacas de ferro interligadas por cabos os trechos a partir dos quais as comunidades não podem se expandir. Na Rocinha, no entanto, a favela avança para além dos marcos.

Sonho de um futuro melhor na Rocinha

Abelardo Bastos Pinto Jr.

Estava parado ali diante daquelas luzes piscando, no último lugar do mundo em que gostaria de estar naquela hora, apesar de não ser tarde, afinal o relógio marcava 19h30m e me dirigia da Barra para atender a um parto no Humaitá; estava em frente à Rocinha, comunidade em que trabalho desde 82 enquanto médico do município, incluindo um projeto voluntário de saúde escolar e creches comunitárias na mesma área. Estava assustado, o trânsito quase que totalmente parado, uma dezena de carros de polícia com sirenes ligadas, metralhadoras visíveis, passavam com freqüência, como pano de fundo, aquelas luzes como que enfeitavam aquele clima digno de guerra do Terceiro Mundo. Estava ameaçado, pelo medo, pelos protetores, imaginava mil situações caso começasse o tiroteio, repensei a vida em flash e dos que estavam ali comigo, sairia do carro, me esconderia ao longo da mureta, pediria a Deus proteção, única capaz de me confortar verdadeiramente naquele instante. Após 20 longos minutos, o trânsito foi fluindo e saí ileso fisicamente dali. Refleti e gostaria de expressar essa reflexão. A Rocinha hoje tem população quase dez vezes maior que a do menor município do Estado do Rio; aquilo é uma cidade, predominantemente nordestina, de um povo que migrou para a cidade grande em busca de um sonho, trabalho e condições "dignas" de viver; a maioria da comunidade que mora ali é de gente trabalhadora que se emprega na Zona Sul em todos os postos possíveis de trabalho; o crescimento foi desordenado, à luz das conveniências e conivências políticas. Quem não sabe que o saneamento é precário, que as moradias são insalubres, que as construções não têm engenheiro responsável, que o local é uma colcha de retalhos tirada de um manual de sobrevivência no meio do nada e do tudo no entorno? A ausência de uma política específica para aquela "cidade" e do poder público presente, participante, associada aos baixos índices de cultura vem abrindo espaço para que os outros poderes se fortaleçam e dominem o local. Murar essa "cidade" significa isolá-la mais da realidade e valorizar mais as casas que se apoiarão neste monumento ao descrédito, tendo em vista a incapacidade atual de controle. Dentro de umas semanas essas ocorrências vão dar lugar a outras também importantes no âmbito da cidade e a Rocinha, lembrada pelos políticos de ocasião e esquecida, mais uma vez continuará crescendo solitária, resiliente ao descompasso gerencial e social, com muitas adolescentes engravidando, abandonando a escola ou ascendendo socialmente no meio por conta dessa atitude imatura, desassistida e irresponsável que acaba gerando mais abismos e violência. Inúmeras são as sugestões para as escolas, com atividades voltadas para arte, cultura, esportes, lazer, saúde, família, valorizando a fé, respeitando a bagagem regional, ocupando o tempo das crianças e dos idosos, promovendo o respeito aos direitos legais e à autoridade constituída, cursos técnicos e de qualificação; um mutirão social como fazemos nas campanhas de vacinas que dão certo, para entrar e ficar permanentemente sem se preocupar com quem vai ser o próximo governante. Quem sabe juntando todos os trabalhos que já existem na comunidade de forma integrada e objetiva segundo os diagnósticos sociais, partidos políticos sem bandeiras, juntos trabalhando para quem precisa, para todos nós que precisamos. Voltei tarde da noite, coração apertado, a alegria do nascimento havia por instantes me transportado para o mundo da esperança e "sonhar não custa nada"...


ABELARDO BASTOS PINTO JR é médico pediatra e presidente do Comitê de Saúde Escolar da Sociedade de Pediatria do Estado

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Quando a casa vira cativeiro

Jornal do Brasil, Rio, 15 de abril de 2001

Moradores de São Conrado evitam sair após as 20h e mudam móveis de posição para fugir da linha de tiro 
Renata Victal

Oito horas da noite. Neste horário ocorre o toque de recolher instituído por alguns moradores de São Conrado que buscam, dessa forma, se proteger da guerra travada entre bandidos rivais e policiais nas favelas da Rocinha e do Vidigal. É o que tem feito o empresário Alexandre Varão, de 28 anos. Morador da Avenida Niemeyer, ele conta que sua mãe assistiu ao tiroteio de sexta-feira sentada na cama do quarto.

- Ela ficou extremamente assustada, pois nunca tínhamos vivido situação semelhante. Minha vida mudou: depois de oito da noite, não saio mais de casa - conta Alexandre, que patrocina atletas na Rocinha e já recebeu pedido de ajuda de amigos que moram no morro.

- Assim como nós, os moradores de lá estão desesperados. Alguns deles já pediram minha casa de praia para se protegerem.

O tiroteio quase que diário também foi responsável pela interdição da área de lazer de um dos prédios próximo à favela. Há dois dias, projéteis foram encontrados próximo ao parque de diversão das crianças e da piscina. Com medo, alguns moradores estão trocando a posição dos móveis da sala.

- Parece que o tiroteio acontece dentro da minha casa, e alguns vizinhos já mudaram os móveis de lugar. As pessoas acreditam que podem ser atingidas por balas perdidas enquanto jantam com a família - conta uma moradora que preferiu não ser identificada.

A situação não é muito diferente no prédio ao lado, onde o pânico de novos ataques tem tirado o sono de muita gente.

- Ouvi dizer que os traficantes estão preparando um novo ataque à Rocinha no próximo fim de semana. Não sei o que fazer - disse Carlos Eduardo Santos.

A insegurança também tem causado prejuízo ao comércio local. Na galeria Pedra Bonita, em frente à favela, cinco lojas estão fechadas e outras estão à venda. As perdas nesta última semana chegam a 40%. No salão de beleza First Class, as cadeiras vazias refletem o medo. Acostumado a cortar uma média de 20 cabelos por dia, Celso Martins reclama da falta de clientes:

- As pessoas estão com medo. Os clientes da Zona Sul ligam avisando que não vêm. Antes, o salão fechava às 21 h. Agora, estamos fechando às 15 h - lamentou Martins.

Aumenta a procura por blindados
Paula Dias

 

Seja através de sistemas de vigilância, da blindagem de veículos ou de rotas alternativas, cada vez mais os moradores da Zona Oeste buscam maneiras de driblar os riscos impostos pela criminalidade. Segundo o diretor-financeiro da Piquet Blindagens, Ernani Judice, desde sábado a empresa fechou 12 novos contratos.

- Significa que negociamos em quatro dias o que normalmente vendemos em 15.

O aumento da violência é determinante para o crescimento da procura por blindagens.

- Além de blindar o carro, o motorista deve saber como proceder durante um assalto. Por isso, temos cursos de direção e prevenção de crimes - ele diz.

Já o gerente comercial da Graber Sistemas de Segurança, Fábio Ávila, afirma que a busca por serviços de segurança patrimonial e de portaria cresce 10% ao ano.

- Anível da violência está inaceitável. E nossa empresa é capaz de adaptar os serviços tanto para um condomínio residencial quanto para uma grande indústria.

Presidente da cooperativa de táxi Vip's, Ricardo Barbosa, diz que muitos clientes vêm solicitando trajetos alternativos.

- Decide-se o que é menos pior. A Linha Amarela e o Alto da Boa Vista, por exemplo, também são perigosos - diz.

Associações de moradores unem forças

Unir esforços para tentar evitar nova guerra entre traficantes rivais na favela da Rocinha. É o que estão fazendo as associações de moradores dos bairros de São Conrado, Barra da Tijuca, Leblon e Gávea. Juntos, os presidentes destas entidades pretendem traçar projetos urbanísticos e sociais que possam reduzir as diferenças entre morro e asfalto
.
'Guerra' era uma tragédia anunciada
 

Delair Dumbrosck
Presidente da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca
 

Se existe um serviço público que vem sendo debatido e reivindicado pela população do Rio de Janeiro, há algumas décadas, este serviço é a segurança. Projetos para a transferência do complexo da Frei Caneca, já existiram vários e nenhum saiu do papel. A cidade cresce, e os quartéis envelhecem e não são reequipados; os policiais não são treinados para novas situações; e os armamentos e veículos vão ficando ultrapassados.

Não precisava ser profeta para prever que o caos um dia chegaria. Na última década, a cidade - e principalmente a Barra da Tijuca - conheceu o início de vários projetos para a segurança do cidadão. E aí perguntamos: Onde está o policiamento comunitário? E o Zepellin? E o helicóptero? Todos estes foram num passado recente considerados primordiais para o combate ao crime organizado e aos seqüestros-relâmpagos na região.

Polígonos de Segurança da PM foram implantados, para depois desaparecerem. Não podemos esquecer que também falou-se na implantação do policiamento marítimo na Baía de Guanabara e nas lagoas da Baixada de Jacarepaguá, para combater a entrada de entorpecentes. Enquanto isso, os criminosos foram se organizando...

O episódio que ocorre agora na Rocinha é prova concreta de que a segurança pública não atua preventivamente para dar tranqüilidade àqueles que circulam pelas ruas e levam seus filhos às escolas.

A ação do governo federal, com o destacamento de tropas do Exército e o auxílio de um serviço de inteligência, é de primordial importância para que o Estado do Rio possa reestabelecer um projeto de segurança governamental - e não politico. E para que o nosso Rio de Janeiro não deixe, jamais, de ser a Cidade Maravilhosa.

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Toque de recolher tácito

Jornal do Brasil, 15 de abril de 2004

Volta do trabalho é antecipada, famílias recolhem-se mais cedo e saídas noturnas são evitadas. É a guerra!  

Júlia Motta

Quase uma semana depois do início da guerra do tráfico na Rocinha, moradores de São Conrado, Barra, Jacarepaguá e Recreio modificam a rotina capitulados pelo medo. Deixam de sair à noite, buscam alternativas para o Lagoa-Barra, tiram da cartola uma ginástica para voltar para casa mais cedo. Um toque de recolher tácito interpôs-se no cotidiano.

A jornalista Deborah de Castro, de 30 anos, moradora do condomínio Rio 2, há algum tempo já havia adotado a precaução de não sair muito à noite. Ontem, o cuidado chegou ao extremo: receosa de passar pela Lagoa-Barra, ela decidiu não levar as filhas ao aniversário de sua mãe, em Botafogo.

- E na hora de voltar, a opção é a Linha Amarela - resigna-se Deborah.

O medo também mudou a rotina de Lucas Heck, 25 anos. Morador da Barra, ele deixou de sair no fim de semana por medo. Mas ressalva que não quer ser refém:

- Não posso me entregar ao medo. Deixei de ir para Zona Sul no sábado, mas trabalho em Ipanema. Estou evitando a Av. Niemeyer - conta Lucas.

O amigo Leonardo Pitnaga, 26 anos, também morador da Barra, lembra que já ficou preso uma vez no Túnel Zuzu Angel por conta de um assalto.

- Minha mãe está assustada, mas temos que seguir em frente. Ficar atento ao trajeto mais seguro - ressalta o jovem.

Crescida sob a multiplicação das ilhas de segurança dos grandes condomínios, a Barra volta-se ainda mais para o umbigo. Pois a travessia para logo ali depois do túnel tornou-se uma loteria, desabafam os motoristas.

- Não posso fechar os olhos para o que está acontecendo aí fora. Meus filhos estão crescendo, não tenho como prendê-los em casa - aflige-se a dona-de-casa Maria Ramos, moradora do Parque das Rosas.

A prudência de Maria evitou que os jovens Rodrigo e Rafael fossem a uma festa em Laranjeiras, no sábado passado, e para a faculdade, na segunda-feira.

- Minha mãe estava tão nervosa que resolvemos ficar com ela, mas não posso deixar de ir a PUC - diz Rafael.

É, a vida tem que continuar. Mas as seqüelas de uma região sitiada pelo medo mutilam as rotinas. Sobra também para o comércio. Casas noturnas como o Hard Rock e o Cantinho da Barra já contabilizam o prejuízo.

- Tivemos uma queda de 40% na clientela desde que a violência explodiu na Rocinha. Na sexta, chegamos a cancelar um show - relata Ricardo Angelo, dono do Cantinho.

No Hard Rock, o reflexo foi ainda maior. O restaurante, a loja e a boate perderam 70% dos clientes.

- Nosso público forte são os turistas. Ninguém quis se arriscar, até nossas vans pararam de circular na sexta-feira - conta Luisa Velho, supervisora comercial do Hard Rock.

Sociólogo prevê onda de assaltos
 Renata Victal

 

Além de discutir melhorias e tentar colocá-las em prática para amenizar os efeitos da violência, o sociólogo Michel Misse faz um alerta aos moradores de Barra, Recreio e São Conrado.

- É importante planejar o futuro, mas agora é preciso estar atento ao aumento no número de assaltos a residências e carros. O tráfico na Rocinha, o mais rentável da cidade e fatura R$ 50 milhões por mês, está sufocado. Os traficantes vão ter que arrumar dinheiro para comprar armas em outro lugar.

''A guerra na Rocinha já está instaurada, temos que nos preocupar agora é com Rio das Pedras, Terreirão e Canal das Tachas''. A afirmação é do presidente da Barralerta, Kleber Machado. Segundo ele, além de resolver o caos na Rocinha, as autoridades devem se preocupar em criar melhores condições de vida e promover a inclusão social para os moradores destas três comunidades.

- Se não for feito nenhum projeto de integração social nestas favelas, vamos ver a guerra da Rocinha se repetir em Rio das Pedras, no Terreirão e no Canal das Tachas - calcula Kleber, que pretende discutir as melhorias nestas comunidades durante as reuniões de conselho do Plano de Expansão Participativa (PEP).

- Não adianta colocar quatro ou oito mil policiais nas ruas. O fim desta guerra só será alcançado oferecendo empregos para os moradores e fazendo trabalhos sociais. Vamos discutir como colocar isso em prática nas reuniões do PEP. Queremos estabelecer metas de trabalho e buscar ajuda dos empresários - diz Kleber.

Insegurança muda rotina familiar

Às seis da tarde a família Queiróz entra em casa. Parece um toque de recolher, mas a medida é de precaução. O pai, João Carlos; a mãe, Lúcia; e os irmãos, Felipe e Karla, moram no prédio Verrochi, ao lado do Intercontinental, em São Conrado. Vizinhos da violência latente, que os privou da tranqüilidade e alterou-lhes a rotina.

Karla, 25 anos, publicitária, sente-se refém. Não dos bandidos nem da polícia, mas do próprio medo.

- Na sexta-feira, falaram que iam invadir o Intercontinental. Não sabia se era verdade, mas liguei para minha família e amigos pedindo que voltassem cedo - conta.

A publicitária trabalha em Ipanema e, como tantos, curte sair com os amigos depois do trabalho. Costuma - ou costumava - freqüentar bares na Zona Sul e voltar depois da meia-noite. Mas agora ela pega o caminho contrário: só sai na Barra, e nunca volta depois das 21h30 para casa. Outra medida que Karla tem tomado é ligar para a polícia, para se informar sobre o trajeto mais aconselhável.

- Se não sinto segurança, durmo na casa de amigos - desabafa. (J. M.)

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Pesquisa mede abismo entre asfalto e morro

Jornal O Globo, Rio, sexta-feira, 16 de abril de 2004

A GUERRA DO RIO: ATÉ O DESEMPREGO É DESIGUAL: TAXA DE 9,9% NAS ÁREAS DE LUXO SOBE PARA 19,1% NAS MAIS POBRES16/04/2004

Quem vive em bairros ricos da cidade trabalha 5 horas a menos e ganha 5 vezes mais que morador de favelas

O apartheid social que separa morro e asfalto no Rio é traduzido em números por um estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), feito em parceria com a Ação da Cidadania e o Banco Rio de Alimentos, do Sesc. De acordo com o “Mapa do fim da fome II”, lançado ontem, moradores das cinco regiões mais ricas da cidade (Lagoa, Barra, Botafogo, Copacabana e Tijuca) trabalham cinco horas a menos do que os moradores de cinco grandes favelas cariocas: Rocinha, Jacarezinho, Maré, Complexo do Alemão e Cidade de Deus. Mas têm renda cinco vezes maior.

Os contrastes entre regiões às vezes tão próximas ficam claros também em outros indicadores. Nos bairros de alta renda, os moradores têm em média 11,8 anos de estudo. Já os moradores das favelas estudam em média 6,2 anos, praticamente a metade. Outro dado dramático diz respeito às taxas de desemprego: 9,9% nos bairros ricos e 19,1% — quase o dobro — nas favelas.

Rocinha tem a mais baixa escolaridade do Rio

O estudo mostra também que a Rocinha, protótipo da “Favela Zona Sul”, não difere significativamente de outras comunidades pobres da cidade. Seus moradores têm a mais baixa taxa de escolaridade do Rio: média 4,1 anos de estudo contra 10,1 na Lagoa. E a quarta pior renda (R$ 434).

— A Rocinha é tão pobre como as outras favelas e, em alguns aspectos, até mais pobre — afirma o professor Marcelo Neri, coordenador do estudo. — O acesso à educação é o mais baixo. E hoje a capacidade de se conseguir emprego está relacionada à educação.

O pesquisador comparou pessoas de mesmo sexo, idade, escolaridade e raça que moram na Rocinha e na Lagoa e chegou a uma conclusão surpreendente: mesmo neste caso, os moradores da Lagoa têm renda 90% maior do que os seus pares da Rocinha:

— Nós não sabemos exatamente o que está por trás disso. Pode ser discriminação. Ou pode ser alguma coisa ligada à questão da ilegalidade fundiária ou outro fator qualquer.

De acordo com o “Mapa do fim da fome II”, o município do Rio tem 14,6% de miseráveis, o que significa 855 mil cariocas. Segundo Marcelo Neri, a pesquisa considera como miserável a pessoa que tem renda familiar per capita de até R$ 79. No estado, a proporção é maior: 19,45%. Ou seja, existem 2,7 milhões de fluminenses vivendo abaixo da linha da miséria.

O trabalho mostra caminhos: erradicar a miséria na capital custaria cerca de R$ 34 milhões por mês e, no estado, R$ 109 milhões. Neri enfatiza que o problema poderia ser resolvido também com solidariedade. Segundo ele, se cada carioca contribuísse com R$ 5,90 por mês, seria possível tirar essas pessoas da miséria.

Em relação às regiões do Rio, a pesquisa mostra que Botafogo, Copacabana e Lagoa (que inclui os bairros de Ipanema e Leblon) têm a menor proporção de miseráveis da cidade: 3,1%, 3,5% e 3,9% respectivamente. Já o maior percentual de miseráveis é encontrado no Jacarezinho ( 27,5%), em Santa Cruz (2,6%) e no Complexo do Alemão (29,4%), a região mais pobre, onde um em cada três moradores vive abaixo da linha da miséria. Na Rocinha, a proporção de miseráveis é de 21,8%, ou seja, 12 mil de seus 56 mil moradores estão abaixo da linha da pobreza.

Niterói tem a maior renda de todo o estado

Em relação ao Estado do Rio, o levantamento mostra que os moradores de Niterói detêm a maior renda (R$ 1.100), seguidos pelos cariocas (R$ 985). Macaé, a meca do petróleo, aparece em terceiro lugar (R$ 775) no ranking de renda. Petrópolis, na Região Serrana, surge em quarto lugar (R$ 733). A quinta posição é de Angra dos Reis (R$ 678).

Nova Friburgo, na Região Serrana, tem a menor proporção de miseráveis, segundo o estudo da FGV: 8,75%. Em seguida, no ranking, aparecem Niterói (11,3%) e Macaé (12%).

Na outra ponta do ranking, está o município de São Francisco de Itabapoana, no Norte do estado, onde praticamente metade dos moradores está abaixo da linha da pobreza.

BRASIL TEM 56 MILHÕES DE MISERÁVEIS, DIZ FGV16/04/2004

Um em cada três brasileiros vive com até R$ 79 por mês. Na Região Metropolitana do Rio, miséria cresceu 7,3%

A miséria no Brasil atinge 56 milhões de brasileiros, o que corresponde a 33% da população, de acordo com o Mapa do Fim da Fome II, lançado ontem pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo mostra que, se cada brasileiro não miserável doasse R$ 14 por mês, a pobreza seria erradicada no Brasil. Segundo o economista Marcelo Neri, houve uma mudança geográfica na pobreza de 2000 a 2002. Enquanto na década de 90, os miseráveis ficavam mais concentrados nos grotões rurais, nesta década a situação se agravou na periferia das grandes cidades.

— A pobreza cai nas áreas rurais e fica estagnada nas metrópoles. Em regiões metropolitanas como as do Rio e de São Paulo, a miséria aumentou muito — afirma Neri.

O problema é mais grave quando o recorte é feito na periferia das regiões metropolitanas. No Rio, o distrito de Engenheiro Pedreira convive com pobreza mais intensa, ou seja, onde o rendimento da população miserável fica mais distante da linha — R$ 79 por mês. O distrito fica em Japeri, um dos municípios do Grande Rio.

Em média, a miséria nessas cidades do entorno da capital aumentou 18,3% entre 2000 e 2002, quando se considera o rendimento do trabalho. No município do Rio, o número de miseráveis caiu 1,68%.

— Entre 1996 e 1999, a piora da miséria atingiu igualmente capital e periferia. De 2000 a 2002, a situação ficou mais crítica fora da capital — diz o economista.

Em São Paulo, a situação se repete. Nas cidades que formam a Grande São Paulo, excluindo a capital, a pobreza atingiu mais 10,4% de paulistanos. E na capital, o aumento foi de 1,57%.

Na avaliação do economista, a crise no mercado de trabalho foi mais grave nas metrópoles. Simultaneamente, os programas sociais são destinados aos grotões de miséria, nos sertões. Neri cita a Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada como exemplos. Mas, para ele, não faltam recursos para reduzir a miséria nas áreas metropolitanas; faltam, sim, políticas integradas entre os três níveis de governo: município, estado e União.

— As grandes cidades necessitam de políticas integradas, que unam regularização fundiária, treinamento, educação e microcrédito. Não adianta resolver o problema da violência no município vizinho. Os problemas são comuns. Atualmente, vivemos uma situação caótica — diz Neri.

Desemprego entre 15 e 29 anos é de 22,6%

Segundo Neri, o mercado de trabalho tem papel fundamental nesse quadro de miséria e, conseqüentemente, da violência que atinge os jovens. Entre a população de 15 e 29 anos, a taxa de desemprego é de 22,6%, contra 9% da média, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A taxa quadruplicou de 1989 a 2001.

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Comunidade apóia iniciativas para tentar limitar expansão da Rocinha

Jornal O Globo, Rio, sexta-feira, 16 de abril de 2004

Comissão discutirá propostas como instalação de muros e cercas

Em reunião ontem com representantes de entidades da Rocinha, o vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano Luiz Paulo Conde obteve o aval da comunidade para levar adiante a idéia de limitar o crescimento da favela. O projeto visando a conter a expansão horizontal e vertical e estabelecer parâmetros de adensamento fará parte do Plano Diretor da Rocinha, a ser elaborado por uma comissão formada por representantes dos moradores e do poder público.

— Somos a favor da delimitação. O crescimento da Rocinha tem que ser contido, para evitar problemas como falta de água e de rede de esgoto — afirmou o primeiro-secretário da Associação Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, Paulo Cesar Valério, acrescentando que os limites físicos instalados pela prefeitura (estacas de ferro interligadas por cabos de aço) não estão conseguindo impedir a expansão da favela pela mata.

Como O GLOBO antecipou segunda-feira, Conde anunciou que o estado construiria um muro de três metros de altura em volta da Rocinha. A declaração provocou polêmica e levou o vice-governador a submeter o assunto a discussão:

— Ainda não sabemos como será contida a expansão da Rocinha. Pode ser, por exemplo, com a instalação de cerca, a construção de uma ciclovia, a fiscalização da comunidade — afirmou Conde.


Governo do estado terá sede na Rocinha

A criação de normas urbanísticas, como gabaritos, dependerá de legislação municipal. Mas Conde acredita num entendimento entre os poderes.

— Os problemas da Rocinha são do estado, do governo federal e do município. Apresentaremos propostas que poderão subsidiar projetos de lei. Não estamos em briga de competência.

A primeira iniciativa concreta do Plano Diretor será subir a Rocinha, com a instalação de uma sede do governo estadual na favela, onde funcionarão órgãos como a Cedae e a Fundação para a Infância e a Adolescência (FIA) e programas como o Cheque Cidadão. A expectativa do coordenador do plano, Sérgio Magalhães, é que a sede esteja em atividade em dois meses.

Conforme acertado na reunião de ontem, além de estabelecer parâmetros urbanísticos, o Plano Diretor traçará projetos de segurança, educação, cultura, saúde e de melhorias de serviços.

— Queremos que a Rocinha se desenvolva como um bairro integrado à cidade — disse Conde.

Na área de educação, um dos pedidos da comunidade é que o lugar conte com ensino técnico de nível médio.

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Vidigal à margem de projetos sociais

Jornal do Brasil , 21 de abril de 2004


Moradores reclamam do abandono do poder público e da sociedade, que não sinalizam com melhorias para o local

Renata Victal



 Com cerca de 40 mil moradores, o morro do Vidigal contrapõe, à bela vista da Zona Sul, crônicos problemas sociais


Desde que a guerra entre traficantes da Rocinha e do Vidigal foi deflagrada,a sociedade civil se organizou e muitos projetos foram anunciados - da alfabetização e construção de casas mais dignas, passando pelo alargamento de ruas. As propostas, no entanto, atendem apenas às necessidades da Rocinha. Alijados do apoio governamental e da sociedade, moradores do
Vidigal reclamam do abandono.

- Somos tão carentes quanto a Rocinha. Todos os dias pela manhã, abro os jornais e fico chateada ao ver que só pensam em melhorar a Rocinha - reclama Bianca Régis, presidente da associação de moradores da favela do Vidigal.

- O único projeto social na comunidade é o grupo de teatro Nós no Morro. Anunciaram um projeto para alfabetizar os moradores da Rocinha, mas nós também temos moradores analfabetos. Anunciam obras de melhorias lá, mas nós também precisamos de asfaltamento, saneamento - completa.

Apesar de presidir uma comunidade com 40 mil moradores, Bianca não foi consultada, nem convidada, a participar da reunião da última segunda-feira entre os presidentes das associações de moradores de Barra, Recreio, São Conrado, Gávea, Leblon e Rocinha.

- Ninguém pensa na gente. Por que não teremos o Dia do Carinho? - questiona Bianca, lembrando o dia de hoje, quando voluntários cadastrados pelo Viva Rio levarão flores e abraços aos moradores da Rocinha.

O presidente da Associação de Moradores de São Conrado, José Britz, que está mobilizando outros líderes e engenheiros para fazer projetos de melhorias na Rocinha, confirmou que a comunidade do Vidigal não será contemplada pelas obras.

- Só estamos pensando na Rocinha, já que o Vidigal fica fora de nossa área de influência.

Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio (Crea-RJ), Reynaldo Barros, não há como excluir o Vidigal:

- A remoção dos moradores não resolve o problema, mas acho boa a idéia de alargar ruas. Podemos fazer da Rocinha um grande condomínio, mas não podemos esquecer o Vidigal. É preciso contemplar toda aquela região.

Mudar a lei é o próximo desafio

Com o sinal verde dado ontem pelo prefeito Cesar Maia ao projeto de reurbanização da Rocinha, o desafio das associações de moradores de bairros próximos à favela - principais incentivadores da idéia - será alterar a
legislação e angariar parcerias.

- Em primeiro lugar, é preciso modificar as normas que regem o uso do solo. Muita gente na Rocinha sequer tem títulos de propriedade. Leis específicas para estas comunidades devem ser criadas. Daí a importância da cooperação do
poder público. Mas temos, também, que mobilizar a iniciativa privada - destaca o presidente da Associação dos Moradores de São Conrado, José Britz.

Para Jerônimo de Moraes Neto, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio, é preciso investir numa política habitacional.

- Simplesmente remover as famílias para outro lugar não é a melhor saída. É claro que algumas pessoas terão que deixar suas casas, para se alargar ruas ou construir praças, por exemplo. Porém, elas terão que ser transferidas para outros lugares dentro da própria comunidade.

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Em busca da paz perdida

Jornal do Brasil, Barra, 23 de abril de 2004

Casas de amigos e parentes são o principal destino dos moradores que deixam a Rocinha

Renata Victal
Ramar Costa

 O clamor pelo fim da violência ecoa na região. Até em uma das passarelas que dão acesso à favela.

Amedrontados com a incerteza sobre o futuro da Rocinha, muitos moradores continuam partindo da comunidade, acreditando em uma vida melhor e mais segura. Com malas nas mãos, eles entram nos táxis ou pegam Kombis em direção
a outras favelas da cidade. Taxistas contam que muitos moradores já seguiram para a rodoviária rumo às suas cidades de origem. Saber o número exato de quantos já partiram é praticamente impossível, mas basta ficar meia hora em frente a uma das principais saídas para constatar o grande número de gente que abandona a comunidade.

O intenso vaivém acabou criando um pequeno estacionamento para Kombis e caminhões de mudanças no pé da favela. De acordo com José Manoel da Silva, que cobra R$ 100 pelo frete, o principal destino é Rio das Pedras.

- O movimento tá bom para a gente. Só esta semana fiz três mudanças. Não fiz mais porque meu carro estava com problemas e fiquei muito tempo na oficina. Tem muita gente saindo daqui e indo para Rio das Pedras.

- Já fiz mais de dez mudanças desde que começou o tiroteio na Sexta-feira Santa. Tem gente que sai da favela, outros que só mudam de casa, que vão para áreas mais seguras. Tem de tudo - conta outro dono de Kombi que prefere não se identificar.

Sem esperança de que a paz volte para a comunidade, o servente de escola S.B., de 46 anos, aproveitou o feriado prolongado para providenciar a mudança da família:

- Quando a gente pensa que o tiroteio acabou, começa outro. Não posso criar meus quatro filhos aqui. Tenho medo do que possa acontecer a eles - desabafa. Ele espera encontrar outra realidade em Rio das Pedras.

- Quatro amigos meus moram lá e eles dizem que a situação é mais tranqüila, que as crianças podem andar nas ruas e brincar livremente. Espero que seja assim mesmo. Se não for, vou ter que voltar para o Ceará.

Os comerciantes também reclamam. Segundo eles, o movimento está longe do normal. Muitos acreditam que enquanto a policia estiver no morro, será difícil recuperar as vendas.

- Boa parte dos meus clientes é de fora da comunidade. É gente que vem da Zona Sul, pára no ponto das Kombis e vem aqui. As pessoas estão com medo - reclama Augusto Xavier, proprietário de uma loja de sucos.

- Só vai melhorar quando a polícia for embora. Todo dia a gente abre os jornais e vê notícias de tiroteio e morte na Rocinha. Quem vai querer vir aqui? - indaga Augusto.

A opinião é a mesma de Célia Guimarães, vendedora de uma loja de roupas infantis:

- Já estou ficando preocupada com minha comissão. A gente está abrindo todos os dias, até mesmo no feriado, mas não adianta. As pessoas não estão vindo para cá - lamenta.

Combate a analfabetismo exclui Vidigal

Foi realizada ontem a segunda reunião do Fórum Dois Irmãos, que reúne associações de moradores dos bairros de São Conrado, Gávea, Leblon e membros do Movimento Viva Rio. Durante quase duas horas, eles discutiram os problemas da Rocinha e formas de combate à violência. Em meio a tantos problemas, decidiram atacar a falta de estudo dos moradores. A partir de junho, serão oferecidas aulas de informática e alfabetização para 5 mil moradores da comunidade.

- Vamos contratar professores da própria comunidade e capacitá-los. Acreditamos que as pessoas da comunidade entendem melhor os seus problemas e podem estar alfabetizando esses alunos dentro de uma linguagem muito próxima - disse Andréa Marinho, diretora de educação da Firjan, que custeará as aulas.

Como acontece com outros projetos sociais, a atuação do Fórum Dois Irmãos não prevê a inclusão de moradores do Vidigal. Cansada de reclamar e pedir apoio para os quase 40 mil moradores da comunidade, Bianca Régis, presidente da associação de moradores, conta agora com a ajuda de empresários.

- É impressionante como o governo e as ONGs não olham para os problemas do Vidigal. Estamos muito próximos da Rocinha, mas parece que não existimos. Só fomos procurados por um empresário paulista que virá conhecer nossos problemas para escolher onde investir - diz ela. (R. V.)

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Favelas minadas

 Jornal O Globo, Rio, 21 de abril de 2004 


Alba Valéria Mendonça, Antônio Werneck, Célia Costa e Vera Araújo

Na maior apreensão de armamento feita pela polícia do Rio, oito minas terrestres antipessoal (usadas em guerras para barrar o avanço de tropas inimigas de infantaria), 161 granadas defensivas modelos M-3 e M-20 e mais de 30 mil cartuchos de diferentes calibres foram encontrados ontem num paiol do tráfico na Favela da Coréia, em Bangu. No esconderijo, dentro de uma cisterna sob o piso de uma casa, os policiais acharam ainda um fuzil AR-15,
dois coletes à prova de balas e nove coletes usados em operações policiais. Segundo a polícia, o armamento está avaliado em R$ 500 mil. Esta foi primeira apreensão de minas antipessoal no Rio. A polícia investiga se alguma mina já está enterrada em alguma favela.

O material apreendido seria do traficante Robson André da Silva, o Robinho Pinga. Segundo o delegado Rodolfo Waldeck, titular da Polinter, Robson é hoje o principal comprador de armas e drogas do bando de Paulo César dos Santos, o Linho, chefe do tráfico do Complexo da Maré. A quadrilha é uma das mais bem organizadas e dispõe de mão-de-obra especializada em armamento. Waldeck disse acreditar que Robson tenha à sua disposição ex-militares na
função de armeiros. Das dez favelas hoje ligadas à facção de Linho, quatro são controladas por Robson.


- As minas nos surpreenderam. Hoje temos que pensar duas vezes antes de entrar numa mata porque podem ter minas, como acontece em Angola - disse Waldeck.

Minas são de fabricação belga

As oito minas são de fabricação belga. No Brasil, são usadas pelas forças especiais do Exército e da Marinha. A polícia vai rastrear o lote apreendido para saber se o armamento foi desviado de algum quartel ou se foi contrabandeado porque também é usado pelas Forças Armadas da Colômbia, de Honduras, da Nicaraguá e da Costa Rica. Fabricadas na cidade de Lorena (SP) pela RJC Defesa Aeroespacial Ltda (antiga Companhia de Explosivos Valparaíba), as granadas apreendidas também são usadas pelas Forças Armadas brasileiras, principal cliente da fábrica. Em 2003, foram apreendidas no Rio 536 granadas. Este ano, até 31 de marco, a Secretaria de Segurança Pública registrara 88 apreensões de granadas. O Ministério da Defesa informou que armas e munição podem ser exportadas e, depois, voltar ao Brasil ilegalmente. Sobre a possibilidade de o armamento ser desviado dos quartéis, o ministério informou, em nota, que, quando isso ocorre, é detectado e as armas, em geral, são recuperadas e o infrator, punido.

- Minas são usadas para interromper o avanço da infantaria. Elas estão em perfeita condição de uso, com pino de segurança e têm camisa (invólucro) de 300 a 400 estilhaços. Ou seja: cada uma dessas granadas poderia amputar os membros de pelo menos três pessoas ao mesmo tempo. Vamos procurar saber com o fabricante para quem foram vendidas ou se foram roubadas. Só sabemos que não é um artefato nacional. Encontrar um armamento desses é claro que assusta, mas a polícia não pára - disse o delegado Carlos Oliveira, titular da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos (Drae), lembrando que em três anos a polícia recuperou 43 mil armas e 230 mil cartuchos.

A operação na Coréia foi resultado de dois meses de investigação da Polinter. A polícia contou com a ajuda de um informante, que já fez parte da quadrilha de Robson. Segundo Rodolfo Waldeck, a casa onde foi descoberto o paiol tem as mesmas características do depósito de armas e drogas do traficante Linho, descoberto pela polícia em maio de 2001, na Maré.

O armamento estava numa cisterna construída sob o piso de uma pequena casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro na parte plana da favela. O buraco, com cerca de dois metros e meio de profundidade e um metro e meio de largura, tinha prateleiras e uma tampa de ferro. Segundo a polícia, o paiol tinha circulação de ar e passagens e saídas da casa para pontos diferentes da favela. Na casa, havia também aparelhos de ginástica que seriam usados pelos traficantes da quadrilha.

Ontem, à tarde, 15 policiais voltaram ao local para fazer a perícia. Quando chegaram, encontraram quatro homens que tinham sido contratados port raficantes para tapar o buraco. Parte dele já estava coberta. Um caminhão já tinha descarregado terra em frente ao portão da casa. Os quatro foram detidos e levados para a Drae.

Na apresentação do material na sede da Polinter, o secretário de Segurança Pública, Anthony Garotinho, disse que a polícia do Rio está fazendo a sua parte. E cobrou empenho da Polícia Federal no patrulhamento das fronteiras e no combate ao contrabando de armas.

- Traficantes têm minas em função da falta de controle de nossas fronteiras. Essas armas não são fabricadas aqui. A pergunta é: como elas chegam aqui? É importante saber como o traficante conseguiu isso. O consumidor de drogas financia o armamento que vai servir para matar inocentes. No dia 29, as polícias Civil e Militar vão receber 290 viaturas para patrulhar as rodovias estaduais. Vamos oferecer um convênio com o governo federal. Precisamos da ajuda deles para patrulhar as rodovias federais.

Para o secretário de Segurança, o armamento encontrado na Coréia provavelmente seria distribuído a outras favelas. Garotinho não se impressionou com o armamento. Para a ele, a polícia fluminense tem condições de enfrentar os traficantes:

- Estamos preparados para enfrentar os traficantes com o mesmo poder de fogo que eles têm - disse o secretário.

Já o chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro Lins, não foi tão otimista. Diante do armamento apreendido, ele disse que o tráfico deve se tratado como uma questão nacional:

- A primeira coisa que vem à cabeça é que estamos numa luta desigual. Se o tráfico não for enfrentado agora com seriedade, não poderemos saber onde isso vai chegar.

 

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Paisagem redesenhada

Jornal O Globo Barra, 28 de abril de 2004 


Flávia Monteiro

O número de favelas na Barra e em Jacarepaguá praticamente dobrou na última década. As estatísticas da Federação das Associações de Favelas do Rio (FAF-Rio) revelam que, em 1993, havia cerca de 190 comunidades na região.
Hoje, são mais de 300. Segundo a presidente da entidade, Deusimar da Costa, está sendo difícil acompanhar com exatidão a expansão que redesenha a paisagem da área. Recentemente, o Instituto Pereira Passos identificou 149
novas favelas na cidade. Deste total, 34 estão na Barra e em Jacarepaguá. Este índice é inferior apenas ao da gigantesca Zona Oeste, que somou 70, e rivaliza com a soma de bairros da Leopoldina.

- São dois bairros cariocas que têm o mesmo peso de regiões no levantamento da favelização no Rio. A partir de 1993, pessoas que já ocupavam certas áreas passaram a se organizar como comunidade e criaram associações. Mas isso não significa que as favelas estejam todas cadastradas, o que pode causar uma defasagem em relação ao quadro real - explica a presidente da FAF-Rio.

A moradora Sílvia Nóbrega acompanha da janela o que as pesquisas provam com números. Há quatro anos, ela viu surgir uma favela dentro de um terreno murado na Rua Vitor Konder 500, na Barrinha:

- Tentei, em vão, levar o problema à região administrativa. Mas parece que as autoridades não estão preocupadas. Sequer consegui ser ouvida.

Morador do Recreio, Nelson Silva de Souza diz que barracos foram construídos recentemente na Avenida Gilka Machado, perto do Parque Chico Mendes.

- Apesar de ser Área de Preservação Ambiental, não há um único órgão público que reaja. Com a expansão da favela, o Recreio passou a sofrer com assaltos e invasões inclusive a garagens de prédios. Condomínios, por conta própria,
estão instalando cercas eletrificadas para conter a violência - conta Souza.

A arquiteta Luciana Andrade, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, diz que a causa principal do crescimento das favelas é a ausência de políticas habitacionais:

- As favelas já vinham crescendo em ritmo acelerado, mas com o fim do Banco Nacional da Habitação (BNH) em meados dos anos 80, as alternativas ficaram ainda mais reduzidas para a população de baixa renda. A oferta de moradia acabou e isso teve grande impacto na favelização.

Para o secretário estadual de Meio Ambiente e vice-governador, Luiz Paulo Conde, o crescimento das favelas se deve a uma série de fatores:

- Ausência de controle, remoções indevidas, deficiência dos sistemas de transporte. Tudo isso contribuiu para o aumento desenfreado de favelas.

A subprefeitura da Barra contra-argumenta. De acordo com o subprefeito André Duarte, no período de junho de 2003 a março deste ano, construções irregulares e palafitas foram demolidas na região.

- Retiramos invasores do Parque Chico Mendes, onde havia três casas de alvenaria e madeira; embargamos um loteamento irregular na Estrada dos Bandeirantes 12.307, em Vargem Pequena; e demolimos as expansões das favelas situadas nos arredores no Recreio Shopping, da Favela São Tilon, perto do Downtown; e acabamos com as construções na Avenida Armando Lombardi, ao lado do Barra Point - conta o subprefeito.

 Exemplos do descontrole

ROCINHA: Contabilizar o crescimento da Rocinha é uma tarefa árdua. Segundo dados do Censo 2000, do IBGE, a favela tem 17 mil casas. No entanto, a Light registrou cerca de 26 mil residências no ano passado. Segundo a associação de moradores local, há invasões em diversas localidades como a área próxima à encosta do Morro Dois Irmãos; em cima da saída do túnel, em São Conrado; na parte mais alta da favela; e no alto da Gávea. Para tentar controlar o crescimento, a Coordenadoria de Orientação e Regulamentação Urbanística iniciou uma pesquisa, em 2001, cujo objetivo é alinhar ruas, denominar oficialmente logradouros e criar uma legislação de ocupação do solo. Até agora, foram encontradas 63 construções fora dos limites estabelecidos pela prefeitura do Rio. O levantamento será feito em toda a Rocinha, mas ainda não há previsão para o término da pesquisa.

RIO DAS PEDRAS: Segundo dados do Instituto Pereira Passos (IPP), a favela cresceu 73% em dez anos e já chega a fazer limite com o Itanhangá. No local já vivem, segundo a associação de moradores, cerca de 65 mil pessoas, a
maioria formada por nordestinos, que representam quase 70% dos moradores.

Vargem Grande: expansão vertical


Enquanto novas construções são erguidas próximo ao pedágio da Linha Amarela, o diretor da Associação de Moradores de Vargem Grande, Daniel Bier, constata um outro tipo de crescimento:

- A expansão aqui é vertical, ou seja, as favelas crescem para o alto. Alguns moradores vendem as lajes de suas casas para que o comprador possa construir sua casa. Com exceção da Favela dos Bandeirantes, que avança em direção ao morro, as demais são comunidades baixas.

Segundo o diretor, a única solução é a construção de casas populares para a população de baixa renda.

- Felizmente, as favelas de Vargem Grande ainda estão numa categoria que eu classifico de "administrável", ainda há solução - afirma Bier.

Para conter o crescimento vertical, a receita do secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, é a elaboração de normas urbanísticas específicas para cada caso, que incluem gabarito e arruamento (demarcação e abertura de
ruas).

'Ninguém quer morar em favela'


Presidente da Associação de Moradores da Comunidade Beira-Rio, em Vargem Grande, Maria Pergentina diz que a favelização só terá fim com uma política habitacional:

- A maior parte dos eleitores se move por interesses pessoais. Depois que se elegem, os governantes só se preocupam com ações de cunho assistencial, faltam ações sociais. Ninguém escolhe morar numa favela. Felizmente, estamos conseguindo nos manter longe dessa criminalidade que a gente vê todo dia na televisão. Ainda preservamos um clima interiorano.

 

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CUSTO DA VIOLÊNCIA


Jornal O globo, 28 de abril de 2004

Cerca de 20% da população brasileira vivem nas seis principais regiões metropolitanas do país. Esse enorme adensamento população decorreu da grande transformação ocorrida na economia do país nos últimos cinquenta anos, com a indústria e os serviços assumindo papel preponderante no processo produtivo.

A industrialização foi mais forte nas regiões metropolitanas em face das facilidades proporcionadas pela infra-estrutura até então existente (o acesso ao interior sempre foi precário) e mais proximidade com os mercados
consumidores.

A geração de emprego e renda acelerou a urbanização e muitas áreas onde antes se localizavam indústrias acabaram cercadas por moradias. Nos anos 70 começaram as tentativas de ordenamento dessa ocupação, com a criação dos
chamados distritos industriais, mesmo assim em número e espaço insuficientes para abrigar centenas ou milhares de pequenas e médias unidades fabris já instaladas há décadas em áreas onde as moradias, antes limitadas a vilas
operárias e conjuntos residenciais, foram se multiplicando.

No caso do Rio, tal ocupação foi agravada pela favelização consentida. Distritos industriais para os quais inicialmente se previa algum tipo de isolamento se viram cercados de favelas exatamente porque à sua volta havia espaços propositalmente vazios (seja para expansões futuras ou para evitar uma convivência nem sempre amistosa entre atividade industrial e moradores).

Empresas que produzem bens precisam estocar e movimentar mercadorias; indústrias funcionam com maquinário de valor considerável, chamados de bens de capital. Muitas vezes são necessárias instalações especiais para abrigar
linhas de produção. Todo esse patrimônio tem sido ameaçado pelo ambiente de insegurança que existe atualmente na cidade, em especial nas áreas vizinhas a favelas.

O trecho compreendido entre o antigo ramal da Leopoldina e a chamada linha auxiliar já ficou conhecido como "faixa de Gaza", numa alusão ao clima de guerra permanente vivido no território palestino. Traficantes cobram
pedágios das empresas, assaltos se tornam freqüentes e policiais oferecem serviços particulares de proteção. Não bastassem, então, os problemas decorrentes da própria economia e dos riscos de mercado, os pequenos e médios empresários têm de arcar com os custos adicionais da insegurança. E se tiverem de fechar temporariamente as portas, estarão sujeitos a invasões e saques, como aconteceu com a Poesi, jogando por terra a possibilidade de
recuperação futura.

Se empresas fecham suas portas em definitivo, a fonte de geração de renda e emprego desaparece também para sempre, agravando a situação social que tem sido pano de fundo para a favelização consentida, a desordem urbana e a violência.

O problema não se restringe à Região Metropolitana do Rio, mas se torna mais grave aqui porque o estado passou por longo período de decadência econômica.

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Ministério Público do Rio quer acabar com desmatamento e loteamentos irregulares na Rocinha

Jornal do Meio Ambiente

http://www.jornalmeioambiente.com.br


Data: 1/5/2004

Palco da guerra pelos pontos de venda de drogas da região, a Rocinha (considerada a maior favela da América Latina) vem apresentando crescimento intenso. Desmatamento e loteamento irregulares vêm sendo realizados em área
de preservação ambiental permanente na favela

Uma tendência que antiga da sociedade, e que de uns anos pra cá tem se refletido no Ministério Público, se declara quando essa Instituição tenta fazer uso, na maioria das vezes, do IBAMA e em grau menor dos órgãos ambientais estaduais e municipais, no que se refere a corrigir erros e omissões Institucionais de ordem político-social onde o meio ambiente teria, em tese, participação secundária, se podemos dizer dessa forma.

O Ministério Público via de regra não aciona as instâncias municipais e até estaduais no cumprimento de suas competências constitucionais.

Como os instrumentos municipais e em alguns casos os estaduais de organização do espaço urbano não mostraram-se eficientes, sucumbindo aos interesses político-eleitoreiros; o poder público ao invés de identificar onde estavam os erros e corrigi-los, preferiu refratar o foco estendendo-o para o poder federal onde o IBAMA, com o seu aparato de leis rígidas, abrangentes e de certo modo eficazes, (azeitado pela tendência intervencionista do Estado, característica latente até hoje, dento do IBAMA) passa a ser o instrumento disponível para exercer, através do viés ambiental, o papel gestor que constitucionalmente se deve aos municípios.

Não demora, a continuar essa tendência, o IBAMA estará regulamentando o corte, o transporte, o uso e a exploração da maconha em nosso território. E quem sabe já não está fazendo o estudo de impacto ambiental do muro que cercará a Favela da Rocinha?

Mauro Zurita Fernandes
Geógrafo
www.geofiscal.eng.br

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Sorria, você está na Rocinha, convida um jornalista

http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=573


Karla Siqueira
20/4/2004


A favela da Rocinha, capa dos jornais do Rio de Janeiro nos últimos dias
devido à violência, é o tema do novo livro de Julio Ludemir. Em "Sorria,você está na Rocinha", o jornalista retrata, na forma de romance, as relações
entre moradores, agentes sociais, ONGs e o tráfico de drogas na maior e mais famosa favela da América Latina.

A obra surgiu a partir da matéria Rocinha S.A. veiculada na revista Veja. A
reportagem detalhava um estudo sobre o aquecimento da economia que levava empresários do asfalto a investirem na favela. "Um dia, eu e o antropólogo
Marcos Alvito passamos uma madrugada inteira na Rocinha, passeando a
aproveitando as inúmeras atrações da noite na favela, que é ótima, sem que ninguém nos abordasse. Tive a certeza de que ia escrever o livro", conta o autor.

A partir desse dia, Ludemir passou a enxergar a Rocinha de outra forma: uma comunidade aberta, sem o poder centralizado da ditadura do tráfico e sem um "dono", uma comunidade emancipada. "Com os acontecimentos atuais, n entanto, a Rocinha se surpreende ao perceber que é uma favela, quando sempre agiu como um bairro", afirma. O jornalista, em entrevista ao Comunique-se, deu explicações detalhadas sobre o esquema do tráfico de drogas na favela e sobre a crise que lá se instalou nos últimos dias. "É uma questão muito mais séria do que as pessoas estão pensando. Essa guerra só vai acabar quando os dois chefes do tráfico envolvidos forem presos ou morrerem em combate. Até isso acontecer, eles vão continuar, um tentando invadir a Rocinha e o outrotentando impedir as invasões. Tem que se entender a cabeça do traficante. Para eles, o que está em jogo no momento é o futuro do crime organizado na Zona Sul do Rio de Janeiro"

O papel do crime organizado é destaque em "Sorria, você está na Rocinha". Ludemir conta que é impossível desligar a imagem da favela da imagem dos traficantes, pois há a presença deles em tudo. "Qualquer coisa que é feita na favela precisa da logística e da aceitação do tráfico. É muita ingenuidade pensar que dá para se fazer o que quiser  lá dentro sem interlocutores que negociem a sua presença com o tráfico", diz.

Ludemir fala da rotina da favela com familiaridade. Para escrever o livro, passou seis meses trabalhando na Rocinha. Chegou a ser julgado pelos traficantes, como aconteceu com o Tim Lopes. "O foco do meu livro era mostrar que a Rocinha é uma favela aberta, mas o que chegou aos ouvidos do comando do tráfico foi que eu ia dizer que o morro não tem dono, o que irritou os traficantes. Mas eu tinha boas relações com uma pessoa ligada ao comando e consegui me defender", revela o jornalista. Ele contou também que esses tribunais não decidem apenas questões graves. Eles funcionam todos os dias, e até eles chegam todos os problemas dos moradores, como violência doméstica e pequenas discussões. "Termos comuns na favela são defunto com lágrima ou defunto sem lágrima. Eles representam o estado do réu, dizem se há alguém representando-os, chorando por eles", conclui Ludemir.

O livro é uma reportagem romanceada e traz toda a liberdade oferecida pela ficção, mesmo quando Ludemir trabalhava com fatos reais. A história gira em torno de um gay negro que trabalha em projetos sociais e acaba se
apaixonando por um escritor que sobe a favela para escrever um livro. Mas o tema central de "Sorria, você está na Rocinha" é o poder na favela. "As pessoas que moram no asfalto não têm idéia de como funciona a Rocinha. A
imagem do favelado ainda é muito dividida em pobre bom e bandido mau. As coisas não são assim. Há uma elite na Rocinha, assim como há no resto do país. E essa elite se aproveita do poder público, do dinheiro público, para
controlar a favela. Há também as ONGs, entidades que precisam dialogar com o tráfico para continuarem seus trabalhos e que, sozinhas, não vão conseguir mudar nada, mas que também tem um poder muito grande na comunidade. Mostro tudo isso no livro, mudando o nome dos personagens, mas revelando tudo o que consegui observar", finaliza.

Sorria, você está na Rocinha", de Julio Ludemir

Editora Record

Preço sugerido pela editora: R$ 44,90

400 páginas

http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u43165.shtml
10/04/2004 - 06h19
Livro embaralha ficção e realidade para mostrar vida na Rocinha
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SERGIO TORRES
da Folha de S.Paulo, do Rio

Autor do recém-lançado "Sorria, Você Está na Rocinha", o jornalista, escritor e tradutor Julio Ludemir tomou uma decisão difícil para um homem radicado há anos no Rio: foi embora.

O motivo da mudança é a violência. Mas não por ter sido vítima de algum ato criminoso. Ludemir, 44, está apenas se prevenindo. No novo livro, ele descreve, em forma de ficção, uma teia de conivência que une, na favela da Rocinha, tráfico de drogas, líderes comunitários, ONGs, policiais, artistas e moradores.

A ficção é o rótulo do livro, mas tudo o que está nele --ou pelo menos tudo o que realmente importa na narrativa-- é real. Só mudam os nomes. Mudam pouco, aliás.

Com um pouco de conhecimento sobre a favela, fica fácil descobrir quem é quem durante a leitura das quase 400 páginas. O chefão do tráfico identificado na narrativa pelo apelido Bigode é Luciano da Silva Barbosa, o Lulu, líder da facção criminosa CV (Comando Vermelha) e "dono" (para usar a expressão local) da Rocinha. O dirigente comunitário MC é, na vida real, William de Oliveira, o DJ, eleito neste ano presidente da União Pró-Melhoramentos da Rocinha, a mais influente associação de moradores da favela.

Contar tudo isso em um livro valeu a Ludemir a pecha de X-9, termo que, no Rio, significa delator, informante da polícia, traidor. A lei do tráfico é inclemente: X-9 não tem perdão, morre.

Na tentativa de evitar um desfecho de vida trágico, Ludemir deixou o Rio há cerca de dez dias. Disse a poucos para onde foi. Avisou que dificilmente voltará ao Rio. Na Rocinha, nunca mais pisará. Ele sabe que não terá uma segunda chance. No ano passado, Ludemir chegou a ser julgado pelo tráfico, em uma espécie de tribunal improvisado na principal "boca" (local onde ocorre a venda de maconha e cocaína) da favela. Na argumentação, conseguiu convencer Lulu e desceu o morro ileso, mas com as pernas bambas.

"Isso aqui é lugar com mil maneiras de morrer e uma apenas de viver", ensina o caboclo Seu Tranca em uma passagem do livro.

A Rocinha é o emblema das favelas cariocas. Costuma ser citada como a maior da América do Sul, embora não haja confiabilidade nos dados comparativos. O Censo 2000 listou 56.338 moradores. Na favela, fala-se em muito mais: umas 200 mil pessoas que se aglomeram em uma área de 1,44 milhão de metros quadrados.

Para escrever o livro, Ludemir passou seis meses morando na Rocinha. O personagem principal é Luciano, evidente alter ego do autor. Luciano é um jornalista do "asfalto" que vai morar na Rocinha com o objetivo de escrever um livro sobre a comunidade.

Nas suas idas e vindas por becos e biroscas do morro, conhece pessoas,conversa com todo o tipo de gente, vivencia experiências variadas. A mais incrível, a do julgamento, é contada no livro.

Nas suas apurações, Ludemir vislumbrou existir na Rocinha uma elite que, mesmo favelada, se vale do maior poder aquisitivo e/ ou das ligações com o "asfalto" para lucrar com a pobreza alheia.

"A Rocinha não é o bolsão de miséria que os espertalhões divulgam na mídia para encher a burra de dinheiro com os projetos que conseguem atrair", afirma o escritor na página 128.

A obra é a segunda em que Ludemir aborda a questão das favelas e da criminalidade. Há dois anos, lançou "No Coração do Comando", também uma ficção embasada na realidade, no caso o romance de uma sobrinha de um fundador do TC (Terceiro Comando) com um criminoso do CV. A moça acabou morta por causa do relacionamento. No livro e na vida real.

 

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População de favelas cresce mais do que a média do país

Jornal O Globo, 9 de maio de 2004
PAÍS

08/05/2004 - 23h37m



RIO - Urbanização desordenada, migração para grandes cidades e falta de políticas habitacionais fizeram com que o aumento populacional nas favelas do Brasil fosse 2,6 vezes maior do que no país em geral de 1991 a 2000,
segundo o IBGE. No período, a população das favelas cresceu 4,32%, enquanto que a brasileira cresceu 1,64%. A série "Sem parede, sem chão", que O GLOBO começa a publicar neste domingo, discute essa tragédia social do Brasil que, entre outras conseqüências, fez com que um terço da população de Belém acabasse morando em favelas. Apesar disso, os investimentos do governo federal para a urbanização dessas áreas caíram este ano 25% em relação a 2003.


Rio, 09 de maio de 2004 

A explosão das favelas

Fernanda da Escóssia

De 1991 a 2000, o crescimento da população de favelas e áreas similares no Brasil foi 2,6 vezes o crescimento da população total do país. É o que mostra inédito cruzamento de dados do Censo 2000 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a pedido do GLOBO. As informações revelam que, enquanto a população brasileira cresceu apenas 1,64% ao ano, foi de 4,32% o crescimento populacional nos chamados aglomerados subnormais (favelas e áreas assemelhadas, com habitações dispostas de forma desordenada e carentes de serviços públicos essenciais). O crescimento dessas regiões chamadas de subnormais foi tão expressivo que superou as taxas de crescimento do Brasil na época de sua explosão populacional: 2,99% (ao ano) de 1950 a 1960 e 2,89% de 1960 a 1970.

O Brasil das favelas, das palafitas, dos mocambos e dos assentamentos (os aglomerados subnormais) tem 6,5 milhões de habitantes — 3,84% da população do país. Só oito estados brasileiros — São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná, Pernambuco e Ceará — têm população maior. Só dois estados tiveram crescimento populacional maior que o das áreas chamadas de subnormais: Amapá e Roraima, com taxas de 5,74% e 4,57%, respectivamente.

O IBGE não concluiu ainda a análise dos dados por estado, região e município, mas sabe que o problema se espalha pelo país, cercando as grandes cidades. Em Belém, por exemplo, uma das situações mais graves do país, mais de um terço da população vive em favelas. Só 5% da cidade têm rede de esgoto.

Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam como causas para essa explosão populacional nas áreas mais pobres a falta de investimentos em habitação, a migração desordenada para as periferias das metrópoles e a quase inexistência de crédito habitacional para os pobres, somadas ao desemprego, ao empobrecimento das classes médias e à concentração fundiária. Problemas que, a partir de hoje, O GLOBO debate com a série de reportagens “Sem parede, sem chão”.

Expulsão dos pobres para as periferias urbanas

O crescimento populacional nas áreas de favela tem outra justificativa: famílias mais pobres têm mais filhos. Os dados de 2002 do IBGE mostram que, quanto maior a renda familiar, menor o número de filhos. Nos extremos das
faixas salariais, famílias com renda mensal de até um quarto do salário-mínimo têm em média 2,7 filhos, enquanto famílias com renda superior a cinco mínimos têm 0,8 filho.

A socióloga Lídia Medeiros, pesquisadora do Urbandata-Brasil (centro de pesquisas da Universidade Candido Mendes, no Rio de Janeiro), diz que o processo de urbanização brasileiro teve uma característica histórica, a exclusão dos pobres de serviços essenciais:

— Há uma combinação de fatores estruturais e conjunturais que acarretaram um forte aumento da pobreza. O processo de urbanização brasileiro promoveu e continua a promover a expulsão dos pobres para a periferia das grandes cidades.

Para a pesquisadora, o processo de favelização deve continuar.

— Eu não diria que esse é um processo irreversível, mas até o momento, com as políticas que têm sido implementadas nesse setor, o crescimento da favelização parece ser uma tendência que ainda deve perdurar— diz Lídia, co-autora de “Pensando as Favelas do Rio de Janeiro, 1906-2000”, escrito com a socióloga Lícia do Prado Valladares e lançado no ano passado pela Relume Dumará.

Lícia cita ainda a falta de uma política nacional de habitação, principalmente depois da extinção do Banco Nacional de Habitação (BNH), em 1986. Para Lídia, embora as linhas de financiamento do BNH contemplassem prioritariamente as classes médias, nada de significativo foi criado para substituí-lo. Semana passada, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, estimou em 6,6 milhões de unidades o déficit habitacional brasileiro.

Falta de programa habitacional é geral

O demógrafo e estatístico do IBGE Fernando Albuquerque aponta a migração interna no Brasil nas últimas décadas como um dos fatores determinantes da favelização. Até hoje, quem sai de sua cidade ou seu estado em busca de
melhores condições de vida são, em geral, pessoas pobres e com pouca ou nenhuma instrução. Pelos dados do último Censo, 65,5% dos migrantes que tinham deixado seu estado nos últimos cinco anos não tinham concluído o ensino fundamental, e 72,7% tinham renda inferior a dois salários-mínimos.

Albuquerque diz que, se o fluxo migratório no Brasil diminuiu em relação aos anos 70 e 80, as dificuldades enfrentadas pelos migrantes aumentaram:

— Cada vez é mais difícil, por exemplo, conseguir se inserir no mercado de trabalho. Nos anos 70, a construção civil estava de vento em popa e absorvia facilmente essa mão-de-obra que chegava às cidades. Hoje as exigências são
muito maiores.

Outros dados divulgados pelo IBGE com base em informações das prefeituras já vinham apontando o crescimento das favelização no país. Em 2001, pelo menos 23% dos 5.560 municípios brasileiros informaram ter favelas, construções
similares ou loteamentos clandestinos. A proporção sobe para 80% nas cidades de 100 mil a 500 mil habitantes e para 100% nas com mais de 500 mil. Ao mesmo tempo, 47% das prefeituras afirmaram não ter nenhum tipo de programa
ou ação habitacional — um sinal claro da falta de políticas para tentar reduzir o problema.
 

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Expansão ameaça a natureza


Jornal do Brasil, 11 de maio de 2004


Comunidades do Morro do Banco e da Mozema crescem na encosta da Floresta da
Tijuca


 Renata Victal
Marcelo Piu

 A comunidade da Mozema surgiu já embrenhada na mata. Hoje, existem condomínios de luxo na vizinhança.


A paisagem da Barra está mudando e, dessa vez, os espigões não têm nada a
ver com isso. Embrenhadas no Itanhangá, parte da Floresta da Tijuca, duas comunidades carentes crescem ali de forma rápida e silenciosa. Conhecidas como Mozema e Morro do Banco - ou Floresta da Barra, como preferem seus moradores -, as favelas dividem espaço com luxuosos condomínios e ameaçam grandes áreas verdes.

A integração com as casas de classe média-alta é tamanha que, para entrar nestas comunidades, é preciso ultrapassar as cancelas dos condomínios. A aparente convivência pacífica entre moradores de classes sociais tão
distintas é creditada à ausência do tráfico de drogas nas favelas.

Justamente por isso, o vice-presidente da Câmara Comunitária da Barra, David Zee, acredita que esta é a melhor hora para desocupar as áreas e promover o reflorestamento.

- A ocupação irregular fugiu do controle das autoridades. Estas favelas estão se juntando, e é preciso fazer algo agora para evitar o surgimento de uma nova Rocinha - prevê Zee, que sugere até mesmo intervenção federal na região.

- Antes que se crie um problema maior, as três esferas de poder deveriam se unir. O governo federal precisa criar um programa habitacional que contemple aqueles moradores. Já o governo estadual deve patrulhar, policiar e evitar
novas invasões. E a prefeitura deveria impedir a expansão das favelas.

De acordo com o subprefeito da Barra, André Duarte, a prefeitura já demarcou as áreas - com os chamados eco-limites - para impedir o continuado crescimento desordenado.

- Contamos com a ajuda dos moradores para identificar novas invasões. Só no Morro do Banco, por exemplo, impedimos seis tentativas de crescimento no ano passado.

A delimitação foi confirmada pelo presidente da Associação de Moradores do Morro do Banco, o sargento da PM lotado no 31º BPM (Recreio) Anderson Colombo.

- Por ser uma comunidade pacífica, várias pessoas querem se mudar para cá. O problema é que não temos mais espaço. A prefeitura demarcou a área e os moradores denunciam quando vem alguém de fora. No último mês, veio muita gente da Rocinha, mas só ficaram aqueles que conseguiram alugar uma casa.
Ninguém construiu nada.


Melhorias, só com mutirões


Apesar de cercados por belas casas, os moradores das comunidades do Morro do
Banco e Mozema convivem com uma realidade nada agradável. Nelas, não há água, esgoto, luz, escolas, postos de saúdes ou mesmo quadras esportivas.
Para tentar amenizar os problemas, os 7 mil moradores da Mozema resolveram arregaçar as mangas para construir 1.800 metros de tubulação de esgoto e um posto de saúde.



- A prefeitura não faz nada aqui, ou melhor, a única coisa que a prefeitura fez foi uma quadra esportiva. Cada morador paga R$ 5 por mês, e, com o dinheiro, mantemos um posto de saúde, pagamos todos médicos e construímos a tubulação de esgoto - conta Delmiro de Farias, presidente da associação de moradores, que já solicitou ajuda à prefeitura para delimitar a favela e conter a expansão.

- A comunidade não pára de crescer. Já chamamos a prefeitura para fazer a delimitação, mas não nos atenderam. Resolvi colocar uma cerca por conta própria, mas não está adiantando - ele lamenta.

Solucionar os problemas por conta própria foi também a solução encontrada pelos 14 mil moradores do Morro do Banco ou Floresta da Barra, como preferem os moradores. Em parceria com comunidades menores, como a Vila da Paz e Sítio Pai João, eles construíram um centro social. Lá, voluntários oferecem tratamento médico e psicológico gratuitamente a todos os moradores.

 

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BRASIL TEM 56 MILHÕES DE MISERÁVEIS, DIZ FGV


Jornal O Globo, 16 de abril de 2004

Um em cada três brasileiros vive com até R$ 79 por mês. Na Região Metropolitana do Rio, miséria cresceu 7,3%

A miséria no Brasil atinge 56 milhões de brasileiros, o que corresponde a 33% da população, de acordo com o Mapa do Fim da Fome II, lançado ontem pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo mostra que, se cada brasileiro não miserável doasse R$ 14 por mês, a pobreza seria erradicada no Brasil. Segundo o economista Marcelo Neri, houve uma mudança geográfica na pobreza de 2000 a 2002. Enquanto na década de 90, os miseráveis ficavam mais concentrados nos grotões rurais, nesta década a situação se agravou na periferia das grandes cidade
s.

- A pobreza cai nas áreas rurais e fica estagnada nas metrópoles. Em regiões metropolitanas como as do Rio e de São Paulo, a miséria aumentou muito -
afirma Neri.

O problema é mais grave quando o recorte é feito na periferia das regiões metropolitanas. No Rio, o distrito de Engenheiro Pedreira convive com
pobreza mais intensa, ou seja, onde o rendimento da população miserável fica mais distante da linha - R$ 79 por mês. O distrito fica em Japeri, um dos
municípios do Grande Rio.

Em média, a miséria nessas cidades do entorno da capital aumentou 18,3% entre 2000 e 2002, quando se considera o rendimento do trabalho. No
município do Rio, o número de miseráveis caiu 1,68%.

- Entre 1996 e 1999, a piora da miséria atingiu igualmente capital e periferia. De 2000 a 2002, a situação ficou mais crítica fora da capital - diz o economista.

Em São Paulo, a situação se repete. Nas cidades que formam a Grande São Paulo, excluindo a capital, a pobreza atingiu mais 10,4% de paulistanos. E na capital, o aumento foi de 1,57%.

Na avaliação do economista, a crise no mercado de trabalho foi mais grave nas metrópoles. Simultaneamente, os programas sociais são destinados aos
grotões de miséria, nos sertões. Neri cita a Previdência Rural e o Benefício de Prestação Continuada como exemplos. Mas, para ele, não faltam recursos
para reduzir a miséria nas áreas metropolitanas; faltam, sim, políticas integradas entre os três níveis de governo: município, estado e União.

- As grandes cidades necessitam de políticas integradas, que unam regularização fundiária, treinamento, educação e microcrédito. Não adianta resolver o problema da violência no município vizinho. Os problemas são comuns. Atualmente, vivemos uma situação caótica - diz Neri.

Desemprego entre 15 e 29 anos é de 22,6%

Segundo Neri, o mercado de trabalho tem papel fundamental nesse quadro de miséria e, conseqüentemente, da violência que atinge os jovens. Entre a
população de 15 e 29 anos, a taxa de desemprego é de 22,6%, contra 9% da média, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A taxa quadruplicou de 1989 a 2001.

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Favelização avança para o interior do país

Jornal O Globo, 14 de maio de 2004

Ciça Guedes, Leticia Helenae Fernanda da Escóssia

Elas já foram sinônimo da migração desenfreada e da falta de planejamento das metrópoles — hoje, viraram motivo de preocupação também nas cidades de porte médio: a favelização avança para o interior, atingindo, principalmente, os municípios que enriqueceram nas duas últimas décadas.
Seja em Ribeirão Preto, na abastada região sucroalcoleira de São Paulo, ou Petrópolis, na Região Serrana do Rio, as favelas estão cada vez mais
incorporadas à paisagem.

— É bom que se diga que favela não é um problema das grandes cidades — diz a urbanista Marlene Fernandes, assessora internacional e diretora do Centro de Boas Práticas do Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam). — Na Amazônia, onde o processo de urbanização está muito acelerado, também pipocam favelas. Como não existe uma política nacional de habitação, as pessoas moram onde podem.

Dados do IBGE identificam a tendência

Os dados do IBGE para o ano de 2001 indicam que a proporção de municípios que declaram ter favelas cresce com a população. Entre os 32 municípios do país com mais de 500 mil habitantes, 30 informaram ter favelas. Entre cidades que têm de cem mil a 500 mil habitantes, a proporção dos que
informam ter favelas também é alta: 62,8%. Entre os municípios que têm de 20 mil a cem mil habitantes, 21,4% disseram ter favelas.



A expansão das favelas rumo ao interior coincide com o crescimento populacional dos municípios de médio porte. De 1991 a 2000, a maior taxa de
crescimento populacional foi verificada nas cidades que têm de cem a 500 mil habitantes: 2,4%. Nos que têm população superior a 500 mil habitantes ou de 20 mil a 50 mil habitantes, a taxa de crescimento foi a mesma verificada no total do país, em torno de 1,6%. Ao mesmo tempo, os dados do IBGE mostram que 47% dos municípios informaram não ter políticas habitacionais.

Ribeirão Preto é um exemplo típico desse fenômeno. Na cidade, com cerca de 500 mil habitantes— cujo prefeito, até 2002, era o atual ministro da
Fazenda, Antonio Palocci — existem 30 favelas onde moram 2.890 famílias, uma população total de 10.580 pessoas, segundo a Secretaria de Cidadania. Ou seja, 2% da população do município.

— A favelização começou com a substituição do café pela cana e teve seu auge no processo de mecanização da lavoura, nos anos 80, que deixou muitos
lavradores sem emprego — diz a socióloga Silvia Maria do Espírito Santo, professora da USP no campus de Ribeirão Preto.

Segundo a secretária de Cidadania, Maria Margaret de Souza e Silva, a prefeitura está estudando diferentes soluções, desde a urbanização até remoção das casas em área de risco ou de proteção ambiental:

— A especulação imobiliária tornou o preço dos terrenos inviáveis para a prefeitura retirar as pessoas. Não queremos deslocá-las para lugares distantes.

No Rio, municípios como Petrópolis e Teresópolis, na Região Serrana, ou Macaé e Rio das Ostras, no Litoral Norte, tiveram um rápido desenvolvimento
nos últimos 20 anos, graças à indústria, ao turismo ou aos royalties do petróleo. Atrás dos empregos, chegou uma leva de migrantes sem ter onde morar.

Prefeitos investem em habitação popular

Para evitar que a favelização saia do controle, os prefeitos investem em projetos de habitação popular e na urbanização de áreas recém-ocupadas. Mesmo assim, é impossível evitar a degradação de algumas áreas.

— Minha casa fica numa área condenada pela Defesa Civil, mas não tenho outro lugar para ir. Todo mundo sabe que é perigoso, mas, diariamente, surge um barraco novo. É a crise — diz a dona-de-casa Luiza de Freitas, de 37 anos, moradora na Favela do Quitandinha, em Petrópolis, uma área sujeita a
deslizamentos a poucos metros do hotel que é um dos cartões-postais da cidade.

 

 
 
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