"As grandes
cidades necessitam de políticas integradas, que unam
regularização fundiária, treinamento, educação e microcrédito.
Não adianta resolver o problema da violência no município
vizinho. Os problemas são comuns. Atualmente, vivemos uma
situação caótica"— economista Marcelo Neri. |
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Reportagens
( 7ª parte) |
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Reportagens 2004
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Voltar ao
Topo TÓPICO 1
Favela e indigência |
Jornal O Globo, domingo,
11/01/2004
O estudo do Instituto
de Estudos do Trabalho e Sociedade (Iets) mostra que não é o
trabalho que explica a renda no Rio, que acompanhou o ritmo
medíocre do Brasil nos últimos dez anos. Segundo seu
presidente, o economista André Urani, secretário de Trabalho
na administração Conde na prefeitura, o que fez o Rio
acompanhar a renda nacional "foi uma renda esquisita de
aluguel de segunda classe."
"É o fulano do Vidigal que constrói dois barracos para alugar
para um pessoal da terra dele que está chegando no Rio".
Segundo seu estudo, "o Rio de Janeiro neste período é campeão
brasileiro de favelização. Nenhum outro estado se faveliza
tanto na última década como o Rio de Janeiro, que já era o
mais favelizado".
Essa afirmação é contestada pelos números do Instituto Pereira
Passos (IPP), pelo menos em relação à cidade do Rio, onde está
concentrada a maioria das favelas do estado.
Segundo Sérgio Besserman, diretor do IPP, entre 1991 e 2000 o
número de favelados no município do Rio de Janeiro aumentou em
200 mil, de 882 mil para 1.082 milhão. Ele diz que houve uma
melhoria da informação do cadastro da Prefeitura nos últimos
anos, o que permite ter um controle mais exato da situação.
O estudo do Iets mostra que o Estado do Rio esconde uma série
de realidades diferentes. A melhor situação é a de Niterói, e
o município do Rio tem indicadores melhores que o resto do
estado. Mas, em termos de dinâmica dos indicadores ao longo da
década, quem puxa os números para trás é a Região
Metropolitana como um todo, mas, particularmente, a cidade do
Rio de Janeiro.
André Urani afirma, com base nos resultados da pesquisa, que o
modelo de economia em que se baseiam os principais estados do
-país - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais - está sendo
superado por outras economias, que estão se mostrando mais
pujantes.
Com a mesma taxa de juros, a mesma taxa de câmbio, a mesma
política econômica, ressalta ele, "Santa Catarina registra
indicadores absolutamente formidáveis de melhora da qualidade
de vida, apesar do crescimento da renda menor que o do Rio de
Janeiro". O que acontece lá é que a desigualdade está
sendo reduzida brutalmente. "Há um outro modelo de
desenvolvimento, que em vez de ser centrado na grande empresa
é centrado em redes de micro e pequenas empresas. E há uma
ênfase muito maior na qualidade das políticas públicas,
particularmente nas políticas sociais".
Santa Catarina foi campeã brasileira da redução da pobreza e
da indigência. No Rio de Janeiro, ao contrário, aumentou a
indigência, mostra o estudo de Urani. Há uma leve redução da
pobreza, mas aumenta a indigência, entendida como extrema
pobreza, gente que vive abaixo da metade da linha de pobreza.
Segundo Urani, esse aumento se deu "particularmente em dois
municípios: Rio de Janeiro e Duque de Caxias". Ele lembra que
a situação é preocupante "por que o Brasil reduziu brutalmente
seu nível de indigência na última década, e
o Rio não".
As mudanças em Santa Catarina estão acontecendo
independentemente do partido que esteja no governo. "Eu nunca
vi o Espiridião Amin (do PP) falar disso, e o Luiz Henrique
(do PMDB) também não sabe disso", diz André Urani. Segundo
ele, está acontecendo lá um pouco como aconteceu no Nordeste
da Itália a
partir dos anos 70. Santa Catarina deliberadamente se inspira
nesse modelo italiano, entidades empresariais contrataram
consultores.
André Urani diz que há algo parecido com Santa Catarina, "como
modelo de desenvolvimento e como resultado", aqui no Estado do
Rio. Friburgo vem experimentando nos últimos anos uma melhora
nos indicadores sociais e econômicos semelhantes a Santa
Catarina. "É lá que está o pólo de confecções de moda íntima,
e toda uma ênfase de desenvolvimento local baseado numa rede
de pequenas empresas", diz ele.
Outras regiões do estado também progridem, como a Região dos
Lagos e o Sul fluminense. Os chamados "Emirados Fluminenses,
(Campos, Macaé, Quissamã) ao contrário, foram uma grande
decepção". Os dados não são suficientes para garantir que eles
estão gastando mal o dinheiro do petróleo, mas os royalties
não se transformaram em melhora dos indicadores sociais.
Estamos chegando à conclusão, diz Urani, de que é um problema
mais amplo, de superar um modelo de desenvolvimento antigo.
"Dá-se ênfase às grandes indústrias: petróleo,
telecomunicações. Em Santa Catarina ou em Nova Friburgo, você
não nota a presença do estado, nem há grandes projetos
estratégicos. Santa Catarina produz é frango, confecções,
sapatos. Não produz nem microprocessadores nem avião. Em
Friburgo a produção não é de eletro-eletrônico, mas de moda
íntima feminina".
André Urani lamenta que "o nosso estado não use bem os meios
que tem para promover a melhora da qualidade de vida, tanto em
educação quanto em saúde, por exemplo". Segundo ele, o estudo
mostra que "no Rio há uma proporção muito elevada, a mais
elevada de todas no Brasil, de médicos a cada mil habitantes.
Mas não conseguimos traduzir isso numa mortalidade infantil
que seja a mais baixa do Brasil".
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TÓPICO 2
Obra
irregular poderia ter causado tragédia |
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Jornal O Globo, Rio, quinta-feira, 16 de outubro de
2003
O desabamento de casas na Favela da Vila Cruzeiro, na
Penha - que resultou na morte de cinco crianças -
gerou uma troca de acusações entre a Secretaria
municipal de Obras e o Departamento de Estradas e
Rodagens (DER) do governo do estado. Uma obra
realizada de forma irregular no local pode ter causado
a tragédia, mas nenhum órgão admite ser responsável.
Há duas versões para o caso. Segundo o presidente da
Associação de Moradores e Amigos da Penha, Sérgio
Clemente, o desabamento pode ter sido causado por uma
rachadura na viela que separava as casas. Segundo ele,
a rachadura apareceu há um mês, depois que o governo
do estado fez uma obra no local, financiada pelo DER,
há cerca de dois anos.
Em nota oficial, o Departamento de Estradas de Rodagem
(DER) informou que há dois anos realizou a
pavimentação da Travessa São Vicente de Paulo,na
Favela Vila Cruzeiro ,na Penha. Na época não havia
nenhum risco de desabamento. Para esclarecer o assunto
o DER está instituindo uma comissão técnica formada
por três engenheiros para avaliar o que provocou o
acidente. Um laudo técnico será emitido dentro de
quinze dias.
Clemente disse que conversou sobre o problema com o
secretário municipal de Obras, Eider Dantas, que tinha
prometido mandar um técnico ao local. Mas ninguém
teria aparecido. A assessoria da secretaria disse que
a reunião aconteceu no último dia 7 e que a Geo-Rio
não foi ao local por causa das chuvas e porque o
governo estadual que deveria tomar providências.
- Será feito um trabalho de investigação para saber se
o deslizamento aconteceu por causa da obra feita de
maneira irregular, sem acompanhamento técnico - disse
o coordenador da Defesa Civil do município, coronel
João Carlos Mariano, em entrevista à rádio CBN.
A secretaria municipal de Obras apresentou um
documento mostrando que, após a conclusão da obra da
DER realizada pela Globo Construções e Terraplanagem
Ltda. no dia 30 de setembro de 2001, um morador alegou
que a obra causou danos à sua moradia. A empresa,
embora dizendo que não tinha responsabilidade sobre o
problema, aceitou fornecer material de construção para
reparos. O morador, no documento, assumia
responsabilidade pela execução do serviço. O docmento
é assinado pela empresa, pelo morador Sérgio Gonçalves
e pelo então presidente da Associação de Moradores,
José Gomes Pimenta.
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TÓPICO 3
Rio, o
estado mais favelizado |
Jornal O
Globo, ECONOMIA, 01 de fevereiro de 2004
Cássia Almeida
O Rio é o estado mais favelizado do país: 10% de sua população
vivem em favelas, o que representa 1,4 milhão de pessoas. Esta
constatação está no levantamento feito pelos economistas
Ricardo Paes de Barros, Mirela de
Carvalho e Samuel Franco, do Instituto de Estudos de Trabalho
e Sociedade (Iets), com base no Atlas de Desenvolvimento
Humano.
De 1991 a 2000, período a que se refere a pesquisa, mais 150
mil pessoas passaram a viver nas favelas fluminenses. Com
isso, o estado perdeu o quarto lugar que ocupava até então,
atrás de Amazonas, Amapá e Pernambuco, que
conseguiram reduzir a favelização.
Um milhão de pessoas sem acesso à água encanada
No acesso a serviços básicos, o Estado do Rio conseguiu
avançar, porém mais vagarosamente que o resto do país. Assim,
passou da segunda para a sexta posição no quesito referente à
falta de acesso à água. Em 2000, um milhão de
pessoas vivia em residências sem água encanada:
- Na velocidade de avanço apresentado pelo estado, somente em
três décadas será universalizado o acesso à água e ao
saneamento básico - afirma Paes de Barros.
O estudo mostra que não é só a pobreza que explica a
favelização no Rio. Há 23 estados mais pobres que apresentam
níveis de favelização menores. Entre as causas apontadas, está
a má definição da propriedade, o que facilita
invasões, desestimula o investimento em residências e
direciona o consumo para bens duráveis: por isso, aliás, só
2,8% da população do estado não têm televisor e 3,4%,
geladeira.
O fato é que há realidades totalmente diferentes nos morros
cariocas. Dilcinéia Alves sempre viveu no Morro dos Cabritos,
que fica no fim da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana.
Conseguiu, com o marido, hoje
aposentado, construir uma bela casa de três andares, em que o
casal mora com duas filhas e dois netos. A casa tem três
aparelhos de TV - dos quais dois de 29 polegadas - computador,
microondas, freezer, geladeira... Título de
propriedade, entretanto, não há:
- Meu avô adorava isso aqui - conta uma das filhas de
Dilcinéia, Cláudia Alves, da terceira geração do Morro de
Cabritos, que mora em Manaus e veio ao Rio visitar a mãe.
Mas, a menos de cem metros dali, a realidade é outra. Na casa
de Maria Firmino dos Santos são três cômodos: quarto,
sala/cozinha e banheiro. A geladeira foi doação, assim como o
fogão. Para distrair, só um rádio:
- Morava de aluguel numa área de risco. Agora ganhei esse
terreno.
No local, são três morros: Cabritos, Saudade e São João, que
abrigam 3.750 domicílios, segundo Danilo Ferreira de Souza,
ex-presidente da Associação de Moradores, que nasceu no
bairro:
- Muita gente de classe média tem subido do asfalto para o
morro, por não estar conseguindo pagar o aluguel. Os filhos
dos moradores também formam família e constroem do lado da
casa do pai. Afinal, nasceram aqui e se
sentem no direito de fazer sua casa. Quando não pegam o
terreno do lado, fazem mais andares. É a chamada
verticalização da favela.
Secretário diz que governo espera construir dez mil casas este
ano
O governo estadual culpa a falta de uma política nacional de
habitação pela favelização. Segundo o secretário de Habitação,
Fernando Avelino, o governo tem como meta construir 33 mil
casas até 2006, sendo dez mil este ano:
- No ano passado, foram construídas quatro mil unidades. Nos
conjuntos, haverá creche, lazer, escolas e postos de saúde.
Senão, viram guetos.
Rio das Ostras: 40% da população nas favelas
Cássia Almeida
Joana Francisco da Rocha cozinhava a canjica que ganhou depois
de lavar algumas roupas. Aos 55 anos, com um filho de 16 anos,
mora numa casa improvisada numa carroceria de caminhão, dentro
do lixão em Rio das Ostras,
sem banheiro nem cozinha. Eles são uma das cerca de cem
famílias, segundo a ONG Pró-Cidadania, que atua no local, que
moram dentro e em torno do depósito de lixo da cidade
litorânea:
- Vivo da ajuda das pessoas - resume Joana.
Essa situação de miséria extrema aparece nos indicadores
habitacionais do município: eram 40% da população vivendo em
favelas em 2000. A migração acentuada pode explicar um pouco
esse resultado: a população cresceu 100% de 91 a 2000, o maior
crescimento registrado entre os 91 municípios do estado. O
prefeito Alcebíades Sabinos dos Santos, no entanto, contesta a
pesquisa feita com os dados do Censo 2000, do IBGE:
- É um dado mentiroso, que não corresponde à verdade. Não há
favelas em Rio das Ostras, há bairros populares, que estamos
urbanizando.
Há um mercado informal de imóveis nas favelas
A cidade também aparece entre os piores municípios do estado
no acesso a serviços básicos: 13,3% não têm água encanada,
14,3% não têm banheiro e 4% não são atendidos pelo serviço de
coleta de lixo. O prefeito diz que, até
2006, toda a população terá acesso à água encanada. Na favela
da Ilha, os moradores são obrigados a apanhar água numa bica
pública, abastecida pelo município:
- Há dois meses, eles pararam de vir todos os dias. Hoje
(quinta-feira passada) não tem mais água na cisterna. E já
avisaram que no carnaval a situação vai piorar - conta Teresa
Cristina Medeiros, moradora no bairro.
A prefeitura alega que assumiu a obra da Cedae e está
investindo R$ 56 milhões na rede de captação e distribuição de
água.
- Até o fim do ano, 50% da população serão abastecidos. E, em
2005, 70% da população serão atendidos pela rede de esgoto. O
lixão será desativado e as famílias receberão casas e
trabalharão na separação do lixo - avisa o
prefeito, que já gastou mais de R$ 20 milhões, em dois anos,
no embelezamento da cidade, que conta até com uma baleia de
bronze, de 17 metros, na praia de Costa Azul.
O custo de R$ 300 mil compensou, acredita ele:
- É o ponto turístico mais visitado de Rio das Ostras.
Assim como o Rio, as cidades litorâneas atraem pessoas de
fora. Na região também não há uma definição clara da
propriedade. O poder público não faz valer esse direito,
afirma o economista da PUC José Márcio Camargo, que vem
estudando a questão nos últimos anos.
Atrás de Rio das Ostras, no grau de favelização, estão
Teresópolis, com 24% da população vivendo em favelas, Rio
(18,8%), Volta Redonda (17,1%) e Macaé (16,3%).
Segundo Pedro Abramo, urbanista e professor do Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, as áreas
invadidas não cresceram na cidade do Rio. Mas aumentou a
densidade populacional.
- Há um fenômeno importante de verticalização e de
fragmentação dos lotes nas favelas, o que alimenta o mercado
informal de imóveis. O preço médio é de R$ 15 mil. Portanto,
não é uma população miserável - diz Abramo.
A decisão de morar na favela é econômica, diz o urbanista.
Isso porque o tempo e o custo que se tem com o transporte, ao
se morar em áreas mais distantes do trabalho, são grandes, diz
Abramo:
- É a opção pela centralidade. Ainda há o crescimento
demográfico. Quando a família aumenta, ou se divide o lote ou
se aumenta a casa. Nem pensar em remoção, diz antropólogo
Delsimar da Costa, presidente da Federação das Associações de
Favelas (FAF-Rio), lamenta a falta de política habitacional.
As moradias populares, na sua opinião, são piores que os
barracos:
- E a urbanização não ganhou escala. Foram atendidas apenas 50
comunidades - diz Delsimar, que representa 495 associações
numa cidade que tem 700 favelas.
Entre as soluções para resolver o problema habitacional, a
remoção é impensável, na opinião do antropólogo Marco Antonio
da Silva Mello, chefe do Departamento de Antropologia Cultural
da UFRJ:
- As favelas estão integradas à paisagem carioca. Estão
presentes na música, na pintura, na poesia. O que a população
das favelas precisa é de respeito e ter a cidadania
reconhecida.
Segundo o antropólogo, o importante é levar os serviços às
favelas:
- A favela transgride as normas da arquitetura e isso
incomoda.
Estudo do Iets sobre o Rio vai virar um livro
O capítulo sobre habitação é o último da série de reportagens
que O GLOBO publicou durante o mês de janeiro. Os estudos
desenvolvidos por pesquisadores do Instituto de Estudos de
Trabalho e Sociedade (Iets), com
base no Atlas de Desenvolvimento Humano da ONU, vão se
transformar num livro, a ser editado ainda neste semestre.
- É um presente do Iets ao movimento Viva Rio, que completou
dez anos - afirma o economista André Urani, diretor-executivo
do Iets.
Numa análise conjunta de todos os indicadores - saúde,
educação, desenvolvimento humano, pobreza e habitação - a
conclusão a que se chega é que o Rio avançou pouco nos anos
90:
- A sensação reinante de que o Brasil parou e o Rio regrediu
não é verdadeira, e os números mostram isso.
Segundo o economista, o Brasil corrigiu uma distorção
histórica, na qual os indicadores de renda avançavam mais e os
sociais evoluíam pouco. Nos anos 90, isso mudou:
- O Brasil conseguiu aumentar a renda, mas os ganhos em
educação e saúde andaram com mais velocidade. O Rio não
acompanhou esse movimento.
Outra constatação foi a desigualdade nos ganhos sociais no
estado. As regiões dos Lagos, Serrana e do Médio Paraíba
tiveram desempenho melhor que o da Região Metropolitana:
- Quem está freando o estado é a Região Metropolitana. É uma
crise típica das grandes cidades, comum a outras grandes
metrópoles do mundo. Mas cidades como Nova York e Barcelona
souberam se reinventar.
Para o economista, falta planejamento de longo prazo,
principalmente para revitalizar o subúrbio do Rio e a
periferia. Há uma incapacidade para buscar novas vocações.
- Insiste-se em modelos caducos, privilegiando o grande
investimento. O resultado disso é um crescimento econômico
concentrado, que tem pouco efeito na redução da pobreza. O
Nordeste está fazendo isso, nós não - lamenta o
economista.
Investimento em pequenos empreendimentos foi a opção de Santa
Catarina, o primeiro na maioria dos indicadores sociais
tratados na série de reportagens.
O mais preocupante, segundo Urani, é que há recursos
disponíveis no estado para alcançar ganhos maiores nas
condições de vida. Isso ficou constatado principalmente na
educação e na saúde.
- Os meios foram subaproveitados - diz Urani. (Cássia Almeida)
|
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TÓPICO 4
O Século da
favela |
http://www.nominimo.com.br
Domingo,
09 de
fevereiro de 2003
Marco Sá Corrêa
09.02.2003 |
A cidade ainda não sabe. Mas vem aí a
prova de que é possível botar ordem nas favelas cariocas. Não
sendo obra de governos nem políticos, trata-se de um livro em
que as cientistas sociais Licia Valladares e Lídia Medeiros
conseguiram arrumar, em 350 páginas, tudo o que se escreveu
sobre o assunto, desde que ele apareceu em letra de forma no
começo do século XX.
São 94 anos de discussão sobre as favelas cariocas, num
fichário com 668 títulos e 431 autores, de 1906 a 2000 – ou
melhor, parte de "Abramo, Pedro", economista que mapeia o
labirinto da especulação imobiliária no mercado clandestino de
casas para pobres, e acaba em "Zylberberg, Sonia", que conta a
história do Morro da Providência, onde o nome “favela”,
trazido do sertão baiano pelos soldados da guerra de Canudos,
pegou definitivamente na paisagem urbana do país inteiro.
É um catálogo feito para ajudar os pesquisadores a se
encontrarem uns aos outros, evitando talvez que eles continuem
pesquisando o que já foi pesquisado demais, como acontece
sempre que eles voltam a favelas famosas, como a Rocinha. É
sempre em lugares como Rocinha que se verifica o que
presumivelmente está acontecendo em todas os outros morros. Só
o tráfico de drogas ocupa 43 verbetes. O funcionamento das
associações de moradores, 65.
Ele pode servir também para que as autoridades encontrem os
pesquisadores. Porque o livro, embora apresentado pelas
autoras com sobriedade desproporcional ao enorme trabalho
acadêmico que ele custou, deixa no ar uma pergunta intrigante:
como um problema tão bem estudado durante tantos anos continua
tão mal resolvido? Por falta de informação é que não deve ser.
Destinado aos especialistas, “Pensando as favelas” é tão fácil
de usar que merece uma boa vaga em estantes de leigos e
curiosos. Jornalistas, por exemplo, deveriam ser daqui para a
frente obrigados a folheá-lo, sempre que se meterem a falar do
assunto. Cada verbete inclui uma ficha, que raramente
ultrapassa dez linhas, mas dá de sobra para dizer o que o
título contém. Além do resumo, ensina onde encontrar o texto
integral para consulta pública. Lá está a pista para programas
de urbanização do falecido BNH em 1980, que foram parar na
biblioteca da Caixa Econômica Federal. O projeto de saneamento
dos morros que a Companhia Estadual de Águas e Esgotos fez em
1983 jaz nos arquivos do Instituto Pereira Passos, em
Laranjeiras. Os da Companhia de Limpeza Urbana para tirar lixo
das favelas nos anos 70 estão no Instituto Brasileiro de
Administração Municipal, em Botafogo.
Com funciona? Por exemplo, abra na página 20 o verbete
"Agache, Alfred", sobre o pai do projeto que há 70 anos
assombra o cemitério das utopias cariocas: “Primeiro documento
oficial que se refere à favela em uma proposta de planejamento
da cidade. Inclui três conferências realizadas no Rio de
Janeiro em 1927, uma das quais intitulada Cidades, Jardins e
Favellas. O Plano Agache consagra duas páginas ao assunto,
sugerindo a sua supressão, mas também propondo habitações
operárias adequadas para seus moradores. Observa o Autor: ´À
medida que as villas-jardins operárias serão edificadas em
obediência aos dados do plano regulador, será conveniente
reservar um certo número de habitações simples e econômicas,
porém hygiênicas e práticas, para a transferência dos
habitantes da favella, primeira etapa de uma educação que os
há de preparar a uma vida mais confortável e mais normal`.
E onde achar o Plano Agache? Resposta: na Praça Pio X, número
7, Centro do Rio de Janeiro, onde fica o Urbandata, onde a
professora Licia Valladares organizou um banco de dados
singular, transformando-o numa encruzilhada onde se encontram
os melhores arquivos e bibliotecas sobre a cidade. Licia passa
a maior parte do ano dando aulas em Paris, mas não perde a
intimidade com as favelas do Rio.
Ela já teve até casa na Rocinha, para conhecê-la de perto. No
catálogo, a lista de seus vinte títulos publicados sobre o
tema atravessa 18 páginas e trinta e tantos anos de pesquisas.
Seu livro “Passa-se uma casa” é, entre outras coisas, a melhor
reportagem que já se fez sobre a política de remoções dos anos
70. Mostra como as famílias transferidas para os conjuntos
habitacionais do governo acabavam de volta nas favelas. Porque
querem.
No fim da década de 90, foi ela também que chamou a atenção
para a obsolescência da palavra “favela”, um termo nostálgico,
que parece definir um lugar onde mora o pobre, mas na prática
serve para esconder por trás das construções irregulares uma
diversidade crescente de padrões de renda e tipos de vida.
Aliás, foi Licia Valladares também que dois anos atrás, num
seminário em Paris, disse que as favelas cariocas já nasceram
lendárias, mitificadas como núcleos de resistência popular por
escritores e jornalistas que pegaram carona no sucesso
literário de Euclydes da Cunha.
Como ela ensina em “Gênese das favelas cariocas”, dá para
sentir o bafo dos sertões na expedição que o jornalista Luiz
Edmundo fez ao morro de Santo Antônio um século atrás:
"Alcançamos, enfim, uma parte do povoado mais ou menos plana e
onde se desenrola a cidadela miseranda. O chão é rugoso e
áspero, o arvoredo pobre de folhas, baixo, tapetes de tiririca
ou de capim surgindo pelos caminhos mal traçados e tortos". Ou
seja, já naquele tempo, o favelado era antes de tudo um forte.
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TÓPICO 5
Classificados |
Venda de casa popular do Favela Bairro
em frente a minha casa, o que é proibido. As casas foram
entregues gratuitamente pela Prefeitura, e o Ministério
Público ajuizou uma ação que não sai do lugar.
Essa é a cidade e o governo
do faz-de-conta.
Maria Lucia Massot
Classificados do Jornal O
DIA
Os
seguintes termos de pesquisa foram destacados: |
terreirão |
Edição de 14/01/2004 - Quarta-feira
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TÓPICO 6
O Iraque é
aqui |
Jornal do Brasil, Cidade,
11 de abril de 2004
Rocinha, Vidigal, Santa
Teresa, Tijuca, Cerro Corá, não importa o endereço, o saldo
de mortos da violência em menos de dois dias no Rio de
Janeiro perfaz 10 pessoas entre adultos e crianças, homens e
mulheres, bandidos e cidadãos comuns. Segurança zero,
insegurança, medo, terror, 100. A criminalidade não é, nem
pode, ser encarada como problema tópico, sazonal, raro.
Integra, há décadas, o cotidiano do carioca. E não se
resolverá com a ocupação episódica das favelas, premida por
uma ou outra batalha entre traficantes por pontos mais
rentáveis de venda de drogas. O controle militar de regiões
conflagradas é obrigação do Estado. E, para isso, 300 homens
por turno não bastam. A Barra soma 180 mil habitantes.
Mais de
140 mil veículos trafegam diariamente entre a Zona Sul e a
região, com passagem obrigatória pela Rocinha ou pelo
Vidigal. Hoje, milhares de moradores voltam à cidade com o
fim do feriado de Páscoa. Outro tanto irá de um lado a outro
para acompanhar, no Maracanã, a primeira partida da decisão
do Campeonato Carioca entre Vasco e Flamengo. Amanhã,
segunda-feira, o município precisa retomar a rotina. O
direito de ir e vir é assegurado pela Constituição. No Rio,
precisa do aval do tráfico. Já passou da hora de o poder
público garantir a cada um, na cidade, um pouco de paz. E
muita segurança.
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Topo TÓPICO 7
Limite da
violência |
Jornal O Globo, Rio, 12
de abril de 2004 |
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Antônio Werneck e Selma Schmidt
Para acabar com a guerra pelo controle do tráfico na
Favela da Rocinha, que começou na madrugada da Sexta-Feira
Santa e já deixou oito mortos, o governo do estado
anunciou ontem que vai cercar parte do morro com um muro
de três metros de altura. Além da Rocinha, também serão
parcialmente muradas as favelas do Vidigal; do Parque da
Cidade, na Gávea; e da Chácara do Céu, no Leblon. O
anúncio foi feito pelo vice-governador e secretário
estadual de Meio Ambiente, Luiz Paulo Conde. Autor da
idéia, Conde informou que telefonou de manhã para a
governadora Rosinha Matheus e para o secretário de
Segurança, Anthony Garotinho, e os dois aprovaram o
projeto.
— É um plano emergencial para começar já. A governadora e
o secretário aprovaram. Vamos evitar com isso que as
favelas continuem a se expandir, destruindo uma Área de
Proteção Ambiental (APA) e ainda que os traficantes usem a
mata como caminho para suas incursões. É uma medida para
proteger os moradores dessas comunidades — disse Conde,
lembrando que começa a trabalhar hoje no projeto.
O plano do governo inclui ainda a ocupação social das
quatro favelas — com equipes que farão atendimentos médico
e odontológico, por exemplo — e uma ocupação policial para
identificar e prender os principais traficantes de drogas.
— A violência da Rocinha não é um problema específico do
Rio. É um problema que atinge outros estados. É uma
questão nacional. E é preciso que o governo federal
compreenda isso, repassando recursos e criando mecanismos
que impeçam o bandido daqui de receber armas e drogas de
fora — afirmou Conde.
O governo federal até agora não se manifestou sobre a
guerra na Rocinha, que tem levado o terror à comunidade
desde sexta-feira.
Para secretário, idéia é viável
O arquiteto Sérgio Magalhães, da Secretaria estadual de
Desenvolvimento Urbano, disse que a idéia de Conde é
perfeitamente viável. Segundo ele, é preciso “conter a
expansão das favelas para a mata”:
— O controle tem que ser feito. Se não fizermos a
contenção, nenhum esforço do governo de levar a essas
comunidades serviços de infra-estrutura terá sucesso.
Sérgio Magalhães lembrou que em 1993, quando ainda
trabalhava na prefeitura, ele coordenou um projeto de
delimitação das favelas do Vidigal e da Rocinha:
— Fincamos estacas com fios de aço em torno da Favela do
Vidigal, e iniciamos, mas não terminamos, uma cerca igual
na Rocinha.
O muro que o governo do estado quer construir agora,
segundo Conde, terá três metros de altura. Ao longo do
muro será construído um caminho para a passagem de carros
com dois metros e meio de largura, onde policiais e
moradores poderão circular tranqüilamente.
— Vamos agir imediatamente. A delimitação dessas favelas
vai favorecer seus moradores e a população, de uma maneira
geral, vai aplaudir — observou o vice-governador.
O projeto foi criticado pelo deputado Alessandro Molon
(PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da
Assembléia Legislativa. Ele considerou a idéia um atestado
de despreparo das autoridades para enfrentar a violência:
— Após um fim de semana de horror, a única medida
anunciada pelo estado é a construção de muros. Isso é
motivo de preocupação. O Rio precisa de profissionalismo e
seriedade para enfrentar a violência — disse Molon.
O presidente da Associação de Moradores da Rocinha,
Willian de Oliveira, quer que a comunidade seja ouvida
antes de o estado começar a construir o muro, embora
pessoalmente nada tenha contra a idéia:
— Queremos conhecer o projeto. Em princípio, tudo o que
puder ser feito para melhorar a segurança da comunidade é
importante. Além disso, o muro poderia evitar que a mata
continue a ser invadida — comentou Willian.
Para a professora da UFRJ Leonarda Musumeci, pesquisadora
do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da
Universidade Cândido Mendes, o muro não é um bom símbolo:
— Ele lembra separação, apartheid. Simboliza ainda a
falência do estado. Embora não conheça o projeto de Conde,
tenho dúvidas sobre a sua eficiência: com as armas
modernas usadas pelos bandidos, não é difícil furar um
muro de concreto — afirmou Leonarda.
Prefeitura criou programa parecido
Em julho de 2001, a prefeitura iniciou um programa de
instalação de delimitadores (trilhos de ferro interligados
por cabos de aço) para impedir que as favelas continuassem
a se expandir sobre áreas verdes. Até então, os
delimitadores eram postos apenas em áreas do
Favela-Bairro. Batizadas de Eco-Limites pelo então
secretário municipal de Meio Ambiente, Eduardo Paes, as
primeiras cercas foram instaladas justamente na Rocinha.
Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente, Airton
Xerez, o Eco-Limites foi implantado em mais de 40
comunidades e está funcionando:
— Instalamos cerca de 30 quilômetros de delimitadores e na
maioria das comunidades as cercas estão sendo respeitadas.
Este ano, instalaremos mais 11 quilômetros em favelas de
Jacarepaguá — contou Xerez.
Sobre a idéia de construir muros, o secretário de Meio
Ambiente é radicalmente contra:
— O governo parece que está adotando a política de
extermínio de Ariel Sharon e Hitler — provocou Xerez, em
referência ao primeiro-ministro de Israel e ao ditador
alemão.
O deputado federal Eduardo Paes (PSDB), que idealizou o
programa de Eco-Limites, também criticou a idéia de
construção de muros:
— Essa idéia me parece ridícula. Um muro não impediria os
bandidos de passar de um lado para o outro por mais alto
que fosse — afirmou Paes.
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O mal que liga
as metades da cidade partida
Mariana Santiago
Para antropólogos, professores universitários e estudiosos
da violência, o Rio de Janeiro ainda é uma cidade partida,
porém separada hoje por uma linha tênue, que está quase
unindo-a novamente, só que por redes de corrupção, abuso
de poder, falta de compromisso e de respeito com a
cidadania. Segundo eles, a madrugada da Sexta-Feira Santa,
com guerra entre traficantes rivais na Favela da Rocinha,
dividiu mais a cidade.
O antropólogo Gilberto Velho diz que a cidade está vivendo
uma crise quase desesperadora. Para ele, um dos direitos
básicos do cidadão, o direito de ir e vir, está sendo
desrespeitado:
— Assim como você é impedido por questões temporais de ir
a um determinado lugar, você também é impedido de ir da
Barra à Zona Sul, só que por causa da violência. O mal
está sendo banalizado. Hoje as pessoas vão dormir ouvindo
tiros. Quantas delas não tiveram suas atividades
suspensas, incluindo os moradores da Rocinha, que nada têm
a ver com esse desrespeito que invade a sociedade? É
preciso exigir uma reforma do poder público — diz.
Professora aponta falta de confiança no poder público
A solução para esta crise, segundo Leonarda Musumeci,
professora do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Centro
de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade
Candido Mendes, seria a recuperação da confiança no poder
público:
— Hoje há um descrédito nas instituições que não respondem
pela sociedade e cada um procura sua própria proteção. E
isso só piora essa situação — ressalta.
A professora Sônia Ferraz, do Departamento de Arquitetura
da Universidade Federal Fluminense (UFF), que tem estudos
relacionados à arquitetura desenvolvida na cidade que tem
medo da violência, afirma que os moradores da Rocinha
também são reféns dessa guerra:
— O que nós presenciamos é a mistura da violência tanto
dentro quanto fora da favela, antes tida como habitação
para famílias de baixa renda e hoje vista como reduto de
bandidos, que deteriora a sociedade dos dois lados. Hoje,
o fascínio que a violência e as drogas exercem sobre
jovens moradores de favelas e jovens de classe média é
muito grande.
Especialistas criticam a falta de escola para todos
Os estudiosos tornam a repetir que é preciso melhorar a
base social para que grande parte dos problemas seja
resolvida.
— A questão da falta de educação, gente fora da escola, é
um fator que contribui para o aumento da violência. O
problema deve ser resolvido na base. Como vamos conseguir
reduzir a atração do tráfico em cima dessa garotada sem
perspectiva se não existe nada que a atrai mais fora
daquilo? — indaga Leonarda Musumeci.
A política de segurança pública é considerada ineficaz e,
portanto, também é criticada por todos eles, que acreditam
que a polícia continua agindo de forma errada.
— A relação das forças públicas com a população carente só
faz fortalecer o tráfico. Nós não temos uma politica de
segurança de longo prazo. Dentro do próprio governo
estadual ocorrem mudanças a todo momento, o que denota uma
total falta de seriedade nesta área. Parece que não há
interesse em resolver o problema. O que parece é que a
capacidade da polícia de se antecipar aos problemas é nula
— afirma Leonarda.
Para Gilberto Velho, uma politica de segurança implica
antes de tudo uma politica social.
— Nós estamos sendo triturados e as pessoas estão se
adaptando para viver de um modo melhor. Há também uma
falta de vontade da sociedade civil. Nós temos de exigir e
não nos acomodarmos.
A professora Sônia Ferraz comenta que antes o crescimento
da violência era atribuído à miséria e à pobreza. Hoje a
violência está dos dois lados:
— Estamos vivendo as duas faces de uma mesma moeda —
afirma ela.
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Topo TÓPICO 8
Conde
desiste de construir muro na Rocinha |
Jornal O
Globo, Rio, 12/04/2004 - 19h21m
Antônio Werneck e Selma Schmidt - O Globo
CBN
RIO - O secretário estadual de Meio Ambiente e vice-governador
Luiz Paulo Conde disse, nesta segunda-feira, estar arrependido
por ter usado a palavra muro ao se referir "ao projeto de
limitação do número de moradias da favela da Rocinha". Segundo
Conde, a polêmica e a repercussão de sua idéia o fizeram
desistir de construir o muro. Ele afirmou ainda que a idéia de
delimitar a favela está mantida. Mas isso poderá ser feito, de
acordo com Conde, com cerca viva, placas ou ciclovias.
O muro proposto por Conde neste domingo teria três metros de
altura. Ao longo dele seria construído um caminho para a
passagem de carros com dois metros e meio de largura, onde
policiais e moradores poderiam circular tranqüilamente. Ele
havia dito que a idéia de delimitar a Rocinha e outas favelas
era antiga, mas precisaia ser realizada urgentemente. Conde
evitou dar prazos para início das obras e destacou que o
objetivo do muro não é acabar com a violência, mas apenas
limitar a expansão da favela, que tem crescido em direção à
mata da Tijuca.
- O muro não é para acabar com a violência, é para delimitar o
território que nós vamos tratar e dar infra-estrutura. A
violência é um problema nacional - disse ele, neste segunda
No domingo, no entanto, Conde havia argumentado que o muro
ajudaria a diminuir a violência na região.
- É um plano emergencial para começar já. A governadora e o
secretário aprovaram. Vamos evitar com isso que as favelas
continuem a se expandir, destruindo uma Área de Proteção
Ambiental (APA) e ainda que os traficantes usem a mata como
caminho para suas incursões. É uma medida para proteger os
moradores dessas comunidades - disse ao anunciar o projeto. O
vice-governador lembrou ainda que a casa do traficante Luciano
Barbosa, o Lulu, encontrada no domingo por policiais, ficava
dentro da área de mata.
O prefeito Cesar Maia fez, nesta segunda-feira, duras críticas
à atuação do governo estadual no confronto entre traficantes
na Rocinha. Para o prefeito, o governo está "num estado de
autismo", completamente alheio ao que está acontecendo. Ele
chamou ainda a operação de ocupação da Rocinha e do Vidigal de
"enxuga-gelo", para enganar a imprensa. Sobre o muro que o
governo estadual pretende construir em torno de favelas da
zona sul, Cesar Maia foi irônico:
- É uma espécie de parque temático da cocaína para o
criminoso. Só faltam as roletas eletrônicas. As cinqüenta
bocas de fumo podem ser estações, com diferentes graus de
pureza da cocaína, maconhas de diversas intensidades, quem
sabe um serviço de "delivery" pode ser criado. É uma piada
numa situação como essa.
O governo do estado considerou as declarações do prefeito
Cesar Maia irresponsáveis. Em nota, o estado afirma que seria
melhor para o povo que o "prefeito cuidasse da tarefa de zelar
pelo ordenamento do solo urbano, o que impediria a construção
de edificações irregulares em áreas impróprias".
A guerra pelo controle do tráfico na Favela da Rocinha começou
na madrugada da Sexta-Feira Santa e já deixou dez mortos. Além
da Rocinha, também serão parcialmente muradas as favelas do
Vidigal; do Parque da Cidade, na Gávea; e da Chácara do Céu,
no Leblon.
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TÓPICO 9
Favelas não
param de crescer |
Jornal O Globo, Rio, 14
de abril de 2004 |
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Carla Rocha, Elenilce Bottari e Paulo
Marqueiro
A montanha de casas de tijolos aparentes, vista a
partir da Auto-Estrada Lagoa-Barra, dá a dimensão do
problema: a Rocinha se espalha e se aproxima do
Vidigal. As favelas cresceram de forma desordenada,
transformando enormes áreas da cidade em terras de
ninguém. Urbanistas, historiadores e especialistas em
segurança pública afirmam que a criminalidade tira
partido dessa desordem urbana, instalando ali suas
fortalezas e agravando ainda mais a rotina de
precariedade de seus moradores.
A desordem urbana é explicada em números: segundo
dados do IBGE, enquanto a população do município do
Rio cresceu 6,7% entre 1991 e 2000, passando de 5,4
milhões para 5,8 milhões, a da Rocinha saltou 33%,
indo de 42 mil para 56 mil no mesmo período.
Professora do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da UFRJ (Ippur), Luciana Lago afirma
que em cem anos as favelas só fizeram crescer:
— Mesmo nos anos 70, período em que elas menos
cresceram, o crescimento ficou acima da média da
cidade.
Ao explicar o crescimento do tráfico de drogas no Rio
e as dificuldades da polícia, a coordenadora de
Inteligência da Chefia de Polícia Civil, Marina
Maggessi, apontou o crescimento desordenado como maior
problema:
— A culpa desta violência não é da polícia. A polícia
só entra quando todas as outras instituições falharam.
A criminalidade cresceu com o sucateamento do solo
urbano, quando quadrilhas começaram a invadir favelas,
aproveitando a topografia, que permite uma visão geral
sobre quem está chegando, para erguer suas fortalezas.
Para o reitor da PUC, padre Jesús Hortal, além do
problema urbano que dificulta a segurança pública, a
própria vida em favela contribui para a violência:
— Essas favelas, tal como estão estruturadas,
propiciam o surgimento de quadrilhas. Também propiciam
uma certa impunidade porque, como não há programas de
moradias também para policiais, eles acabam obrigados
a conviver com marginais, muitas vezes sendo
assediados por eles. A aproximação entre bandidos e
policiais faz com que o Rio perca o apreço à sua
polícia.
O historiador Milton Teixeira, que estudou a origem
das favelas, diz que mesmo a Rocinha, que virou
bairro, sofre com a falta de políticas públicas:
— A Rocinha, com 56 mil habitantes, só possui duas
escolas públicas. E onde falta o estado, cresce a
marginalidade.
A arquiteta Luciana Andrade, professora da Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, afirma que a
questão fundamental no crescimento das favelas é a
ausência de políticas habitacionais, principalmente a
partir dos anos 80.
— As favelas já vinham crescendo, mas com o fim do
BNH, nos anos 80, as alternativas ficaram ainda mais
reduzidas .
Ela diz ainda que as favelas se consolidaram nos anos
80, quando os barracos foram substituídos por casas de
alvenaria, de forma desordenada.
— Esse processo se deu com pouco apoio técnico e não
houve uma configuração de ruas, para que pudesse haver
uma circulação mais fácil.
As casas foram surgindo entre becos e vielas que
impedem a circulação viária. Mas, por que o poder
público não se preocupou em abrir ruas e avenidas,
como acontece em qualquer bairro? O sociólogo Luiz
Cesar de Queiroz Ribeiro dá uma explicação:
— Porque a favela nunca foi reconhecida como uma forma
legítima de moradia. Mesmo nos mapas oficiais da
prefeitura, as favelas não existiam. E a solução para
o problema era apenas a idéia da remoção.
Para o secretário estadual de Meio Ambiente e
vice-govenador Luiz Paulo Conde, o crescimento das
favelas se deve a uma série de fatores:
— Ausência dos governos, remoções indevidas,
deficiência dos sistemas de transporte. Tudo isso
contribuiu. A cidade informal cresceu paralelamente à
cidade formal.
O professor Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas
Sociais do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da
Fundação Getúlio Vargas (FGV), vai além da questão
urbanística. Para ele, faltam políticas voltadas
principalmente para os jovens que moram em favelas.
— É preciso desenvolver políticas de inclusão digital,
que são a cara dos jovens. Na Rocinha, a taxa de
acesso a computador é de 6%. Na Lagoa, que é vizinha,
é de 60% |
E
mais uma casa surge no meio da mata
Uma casa em construção surgiu no meio da mata sobre a
área favelizada da Rocinha, do lado de São Conrado.
Motoristas que passam pela Auto-Estrada Lagoa-Barra já
avistam a casa, que ainda é desconhecida pela
prefeitura. O subprefeito da Zona Sul, Mário Felippo
Júnior, prometeu mandar uma equipe hoje ao local para
constatar a nova invasão e tentar descobrir quem é o
responsável pela obra.
— Temos um posto técnico de observação na Rocinha.
Fizemos uma grande operação, com a demolição de
construções irregulares, no fim do ano passado. Mas
essas obras são feitas rapidamente. Às vezes levantam
uma laje numa noite — alegou o subprefeito.
A Rocinha foi a primeira favela do Rio onde a
prefeitura implantou o projeto Eco-Limites, que a
partir de 2001 delimita com estacas de ferro
interligadas por cabos os trechos a partir dos quais
as comunidades não podem se expandir. Na Rocinha, no
entanto, a favela avança para além dos marcos. |
Sonho de um
futuro melhor na Rocinha
Abelardo Bastos Pinto Jr.
Estava parado ali diante daquelas luzes piscando, no
último lugar do mundo em que gostaria de estar naquela
hora, apesar de não ser tarde, afinal o relógio
marcava 19h30m e me dirigia da Barra para atender a um
parto no Humaitá; estava em frente à Rocinha,
comunidade em que trabalho desde 82 enquanto médico do
município, incluindo um projeto voluntário de saúde
escolar e creches comunitárias na mesma área. Estava
assustado, o trânsito quase que totalmente parado, uma
dezena de carros de polícia com sirenes ligadas,
metralhadoras visíveis, passavam com freqüência, como
pano de fundo, aquelas luzes como que enfeitavam
aquele clima digno de guerra do Terceiro Mundo. Estava
ameaçado, pelo medo, pelos protetores, imaginava mil
situações caso começasse o tiroteio, repensei a vida
em flash e dos que estavam ali comigo, sairia do
carro, me esconderia ao longo da mureta, pediria a
Deus proteção, única capaz de me confortar
verdadeiramente naquele instante. Após 20 longos
minutos, o trânsito foi fluindo e saí ileso
fisicamente dali. Refleti e gostaria de expressar essa
reflexão. A Rocinha hoje tem população quase dez vezes
maior que a do menor município do Estado do Rio;
aquilo é uma cidade, predominantemente nordestina, de
um povo que migrou para a cidade grande em busca de um
sonho, trabalho e condições "dignas" de viver; a
maioria da comunidade que mora ali é de gente
trabalhadora que se emprega na Zona Sul em todos os
postos possíveis de trabalho; o crescimento foi
desordenado, à luz das conveniências e conivências
políticas. Quem não sabe que o saneamento é precário,
que as moradias são insalubres, que as construções não
têm engenheiro responsável, que o local é uma colcha
de retalhos tirada de um manual de sobrevivência no
meio do nada e do tudo no entorno? A ausência de uma
política específica para aquela "cidade" e do poder
público presente, participante, associada aos baixos
índices de cultura vem abrindo espaço para que os
outros poderes se fortaleçam e dominem o local. Murar
essa "cidade" significa isolá-la mais da realidade e
valorizar mais as casas que se apoiarão neste
monumento ao descrédito, tendo em vista a incapacidade
atual de controle. Dentro de umas semanas essas
ocorrências vão dar lugar a outras também importantes
no âmbito da cidade e a Rocinha, lembrada pelos
políticos de ocasião e esquecida, mais uma vez
continuará crescendo solitária, resiliente ao
descompasso gerencial e social, com muitas
adolescentes engravidando, abandonando a escola ou
ascendendo socialmente no meio por conta dessa atitude
imatura, desassistida e irresponsável que acaba
gerando mais abismos e violência. Inúmeras são as
sugestões para as escolas, com atividades voltadas
para arte, cultura, esportes, lazer, saúde, família,
valorizando a fé, respeitando a bagagem regional,
ocupando o tempo das crianças e dos idosos, promovendo
o respeito aos direitos legais e à autoridade
constituída, cursos técnicos e de qualificação; um
mutirão social como fazemos nas campanhas de vacinas
que dão certo, para entrar e ficar permanentemente sem
se preocupar com quem vai ser o próximo governante.
Quem sabe juntando todos os trabalhos que já existem
na comunidade de forma integrada e objetiva segundo os
diagnósticos sociais, partidos políticos sem
bandeiras, juntos trabalhando para quem precisa, para
todos nós que precisamos. Voltei tarde da noite,
coração apertado, a alegria do nascimento havia por
instantes me transportado para o mundo da esperança e
"sonhar não custa nada"...
ABELARDO BASTOS PINTO JR é médico pediatra e
presidente do Comitê de Saúde Escolar da Sociedade de
Pediatria do Estado
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TÓPICO 10
Quando a
casa vira cativeiro |
Jornal do
Brasil, Rio, 15 de abril de 2001
Moradores de São Conrado
evitam sair após as 20h e mudam móveis de posição para fugir
da linha de tiro
Renata Victal
Oito horas da noite. Neste
horário ocorre o toque de recolher instituído por alguns
moradores de São Conrado que buscam, dessa forma, se
proteger da guerra travada entre bandidos rivais e policiais
nas favelas da Rocinha e do Vidigal. É o que tem feito o
empresário Alexandre Varão, de 28 anos. Morador da Avenida
Niemeyer, ele conta que sua mãe assistiu ao tiroteio de
sexta-feira sentada na cama do quarto.
- Ela
ficou extremamente assustada, pois nunca tínhamos vivido
situação semelhante. Minha vida mudou: depois de oito da
noite, não saio mais de casa - conta Alexandre, que
patrocina atletas na Rocinha e já recebeu pedido de ajuda de
amigos que moram no morro.
- Assim
como nós, os moradores de lá estão desesperados. Alguns
deles já pediram minha casa de praia para se protegerem.
O
tiroteio quase que diário também foi responsável pela
interdição da área de lazer de um dos prédios próximo à
favela. Há dois dias, projéteis foram encontrados próximo ao
parque de diversão das crianças e da piscina. Com medo,
alguns moradores estão trocando a posição dos móveis da
sala.
- Parece
que o tiroteio acontece dentro da minha casa, e alguns
vizinhos já mudaram os móveis de lugar. As pessoas acreditam
que podem ser atingidas por balas perdidas enquanto jantam
com a família - conta uma moradora que preferiu não ser
identificada.
A
situação não é muito diferente no prédio ao lado, onde o
pânico de novos ataques tem tirado o sono de muita gente.
- Ouvi
dizer que os traficantes estão preparando um novo ataque à
Rocinha no próximo fim de semana. Não sei o que fazer -
disse Carlos Eduardo Santos.
A
insegurança também tem causado prejuízo ao comércio local.
Na galeria Pedra Bonita, em frente à favela, cinco lojas
estão fechadas e outras estão à venda. As perdas nesta
última semana chegam a 40%. No salão de beleza First Class,
as cadeiras vazias refletem o medo. Acostumado a cortar uma
média de 20 cabelos por dia, Celso Martins reclama da falta
de clientes:
- As
pessoas estão com medo. Os clientes da Zona Sul ligam
avisando que não vêm. Antes, o salão fechava às 21 h. Agora,
estamos fechando às 15 h - lamentou Martins.
Aumenta a procura por
blindados
Paula Dias
Seja através de sistemas de
vigilância, da blindagem de veículos ou de rotas
alternativas, cada vez mais os moradores da Zona Oeste
buscam maneiras de driblar os riscos impostos pela
criminalidade. Segundo o diretor-financeiro da Piquet
Blindagens, Ernani Judice, desde sábado a empresa fechou 12
novos contratos.
-
Significa que negociamos em quatro dias o que normalmente
vendemos em 15.
O
aumento da violência é determinante para o crescimento da
procura por blindagens.
- Além
de blindar o carro, o motorista deve saber como proceder
durante um assalto. Por isso, temos cursos de direção e
prevenção de crimes - ele diz.
Já o
gerente comercial da Graber Sistemas de Segurança, Fábio
Ávila, afirma que a busca por serviços de segurança
patrimonial e de portaria cresce 10% ao ano.
- Anível
da violência está inaceitável. E nossa empresa é capaz de
adaptar os serviços tanto para um condomínio residencial
quanto para uma grande indústria.
Presidente da cooperativa de táxi Vip's, Ricardo Barbosa,
diz que muitos clientes vêm solicitando trajetos
alternativos.
-
Decide-se o que é menos pior. A Linha Amarela e o Alto da
Boa Vista, por exemplo, também são perigosos - diz.
Associações de moradores unem forças
Unir esforços para tentar
evitar nova guerra entre traficantes rivais na favela da
Rocinha. É o que estão fazendo as associações de moradores
dos bairros de São Conrado, Barra da Tijuca, Leblon e Gávea.
Juntos, os presidentes destas entidades pretendem traçar
projetos urbanísticos e sociais que possam reduzir as
diferenças entre morro e asfalto
.
'Guerra'
era uma tragédia anunciada
Delair Dumbrosck
Presidente da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca
Se existe um serviço
público que vem sendo debatido e reivindicado pela população
do Rio de Janeiro, há algumas décadas, este serviço é a
segurança. Projetos para a transferência do complexo da Frei
Caneca, já existiram vários e nenhum saiu do papel. A cidade
cresce, e os quartéis envelhecem e não são reequipados; os
policiais não são treinados para novas situações; e os
armamentos e veículos vão ficando ultrapassados.
Não
precisava ser profeta para prever que o caos um dia
chegaria. Na última década, a cidade - e principalmente a
Barra da Tijuca - conheceu o início de vários projetos para
a segurança do cidadão. E aí perguntamos: Onde está o
policiamento comunitário? E o Zepellin? E o helicóptero?
Todos estes foram num passado recente considerados
primordiais para o combate ao crime organizado e aos
seqüestros-relâmpagos na região.
Polígonos de Segurança da PM foram implantados, para depois
desaparecerem. Não podemos esquecer que também falou-se na
implantação do policiamento marítimo na Baía de Guanabara e
nas lagoas da Baixada de Jacarepaguá, para combater a
entrada de entorpecentes. Enquanto isso, os criminosos foram
se organizando...
O
episódio que ocorre agora na Rocinha é prova concreta de que
a segurança pública não atua preventivamente para dar
tranqüilidade àqueles que circulam pelas ruas e levam seus
filhos às escolas.
A ação
do governo federal, com o destacamento de tropas do Exército
e o auxílio de um serviço de inteligência, é de primordial
importância para que o Estado do Rio possa reestabelecer um
projeto de segurança governamental - e não politico. E para
que o nosso Rio de Janeiro não deixe, jamais, de ser a
Cidade Maravilhosa.
|
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TÓPICO 11
Toque de
recolher tácito |
Jornal do
Brasil, 15 de abril de 2004
Volta do trabalho é
antecipada, famílias recolhem-se mais cedo e saídas noturnas
são evitadas. É a guerra!
Júlia Motta
Quase uma semana depois do início da guerra do tráfico na
Rocinha, moradores de São Conrado, Barra, Jacarepaguá e
Recreio modificam a rotina capitulados pelo medo. Deixam de
sair à noite, buscam alternativas para o Lagoa-Barra, tiram
da cartola uma ginástica para voltar para casa mais cedo. Um
toque de recolher tácito interpôs-se no cotidiano.
A
jornalista Deborah de Castro, de 30 anos, moradora do
condomínio Rio 2, há algum tempo já havia adotado a
precaução de não sair muito à noite. Ontem, o cuidado chegou
ao extremo: receosa de passar pela Lagoa-Barra, ela decidiu
não levar as filhas ao aniversário de sua mãe, em Botafogo.
- E na
hora de voltar, a opção é a Linha Amarela - resigna-se
Deborah.
O medo
também mudou a rotina de Lucas Heck, 25 anos. Morador da
Barra, ele deixou de sair no fim de semana por medo. Mas
ressalva que não quer ser refém:
- Não
posso me entregar ao medo. Deixei de ir para Zona Sul no
sábado, mas trabalho em Ipanema. Estou evitando a Av.
Niemeyer - conta Lucas.
O amigo
Leonardo Pitnaga, 26 anos, também morador da Barra, lembra
que já ficou preso uma vez no Túnel Zuzu Angel por conta de
um assalto.
- Minha
mãe está assustada, mas temos que seguir em frente. Ficar
atento ao trajeto mais seguro - ressalta o jovem.
Crescida
sob a multiplicação das ilhas de segurança dos grandes
condomínios, a Barra volta-se ainda mais para o umbigo. Pois
a travessia para logo ali depois do túnel tornou-se uma
loteria, desabafam os motoristas.
- Não
posso fechar os olhos para o que está acontecendo aí fora.
Meus filhos estão crescendo, não tenho como prendê-los em
casa - aflige-se a dona-de-casa Maria Ramos, moradora do
Parque das Rosas.
A
prudência de Maria evitou que os jovens Rodrigo e Rafael
fossem a uma festa em Laranjeiras, no sábado passado, e para
a faculdade, na segunda-feira.
- Minha
mãe estava tão nervosa que resolvemos ficar com ela, mas não
posso deixar de ir a PUC - diz Rafael.
É, a
vida tem que continuar. Mas as seqüelas de uma região
sitiada pelo medo mutilam as rotinas. Sobra também para o
comércio. Casas noturnas como o Hard Rock e o Cantinho da
Barra já contabilizam o prejuízo.
-
Tivemos uma queda de 40% na clientela desde que a violência
explodiu na Rocinha. Na sexta, chegamos a cancelar um show -
relata Ricardo Angelo, dono do Cantinho.
No Hard
Rock, o reflexo foi ainda maior. O restaurante, a loja e a
boate perderam 70% dos clientes.
- Nosso
público forte são os turistas. Ninguém quis se arriscar, até
nossas vans pararam de circular na sexta-feira - conta Luisa
Velho, supervisora comercial do Hard Rock.
Sociólogo prevê onda de
assaltos
Renata Victal
Além de discutir melhorias
e tentar colocá-las em prática para amenizar os efeitos da
violência, o sociólogo Michel Misse faz um alerta aos
moradores de Barra, Recreio e São Conrado.
- É
importante planejar o futuro, mas agora é preciso estar atento
ao aumento no número de assaltos a residências e carros. O
tráfico na Rocinha, o mais rentável da cidade e fatura R$ 50
milhões por mês, está sufocado. Os traficantes vão ter que
arrumar dinheiro para comprar armas em outro lugar.
''A guerra
na Rocinha já está instaurada, temos que nos preocupar agora é
com Rio das Pedras, Terreirão e Canal das Tachas''. A
afirmação é do presidente da Barralerta, Kleber Machado.
Segundo ele, além de resolver o caos na Rocinha, as
autoridades devem se preocupar em criar melhores condições de
vida e promover a inclusão social para os moradores destas
três comunidades.
- Se não
for feito nenhum projeto de integração social nestas favelas,
vamos ver a guerra da Rocinha se repetir em Rio das Pedras, no
Terreirão e no Canal das Tachas - calcula Kleber, que pretende
discutir as melhorias nestas comunidades durante as reuniões
de conselho do Plano de Expansão Participativa (PEP).
- Não
adianta colocar quatro ou oito mil policiais nas ruas. O fim
desta guerra só será alcançado oferecendo empregos para os
moradores e fazendo trabalhos sociais. Vamos discutir como
colocar isso em prática nas reuniões do PEP. Queremos
estabelecer metas de trabalho e buscar ajuda dos empresários -
diz Kleber.
Insegurança muda rotina familiar
Às seis da tarde a família
Queiróz entra em casa. Parece um toque de recolher, mas a
medida é de precaução. O pai, João Carlos; a mãe, Lúcia; e os
irmãos, Felipe e Karla, moram no prédio Verrochi, ao lado do
Intercontinental, em São Conrado. Vizinhos da violência
latente, que os privou da tranqüilidade e alterou-lhes a
rotina.
Karla, 25
anos, publicitária, sente-se refém. Não dos bandidos nem da
polícia, mas do próprio medo.
- Na
sexta-feira, falaram que iam invadir o Intercontinental. Não
sabia se era verdade, mas liguei para minha família e amigos
pedindo que voltassem cedo - conta.
A
publicitária trabalha em Ipanema e, como tantos, curte sair
com os amigos depois do trabalho. Costuma - ou costumava -
freqüentar bares na Zona Sul e voltar depois da meia-noite.
Mas agora ela pega o caminho contrário: só sai na Barra, e
nunca volta depois das 21h30 para casa. Outra medida que Karla
tem tomado é ligar para a polícia, para se informar sobre o
trajeto mais aconselhável.
- Se não
sinto segurança, durmo na casa de amigos - desabafa. (J. M.) |
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TÓPICO 12
Pesquisa
mede abismo entre asfalto e morro |
Jornal O
Globo, Rio, sexta-feira, 16 de abril de 2004
A GUERRA DO RIO: ATÉ O
DESEMPREGO É DESIGUAL: TAXA DE 9,9% NAS ÁREAS DE LUXO SOBE
PARA 19,1% NAS MAIS POBRES16/04/2004
Quem vive em bairros ricos da cidade trabalha 5 horas a menos
e ganha 5 vezes mais que morador de favelas
O apartheid social que separa morro e asfalto no Rio é
traduzido em números por um estudo do Centro de Políticas
Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), feito em parceria
com a Ação da Cidadania e o Banco Rio de Alimentos, do Sesc.
De acordo com o “Mapa do fim da fome II”, lançado ontem,
moradores das cinco regiões mais ricas da cidade (Lagoa,
Barra, Botafogo, Copacabana e Tijuca) trabalham cinco horas a
menos do que os moradores de cinco grandes favelas cariocas:
Rocinha, Jacarezinho, Maré, Complexo do Alemão e Cidade de
Deus. Mas têm renda cinco vezes maior.
Os contrastes entre regiões às vezes tão próximas ficam claros
também em outros indicadores. Nos bairros de alta renda, os
moradores têm em média 11,8 anos de estudo. Já os moradores
das favelas estudam em média 6,2 anos, praticamente a metade.
Outro dado dramático diz respeito às taxas de desemprego: 9,9%
nos bairros ricos e 19,1% — quase o dobro — nas favelas.
Rocinha tem a mais baixa escolaridade do Rio
O estudo mostra também que a Rocinha, protótipo da “Favela
Zona Sul”, não difere significativamente de outras comunidades
pobres da cidade. Seus moradores têm a mais baixa taxa de
escolaridade do Rio: média 4,1 anos de estudo contra 10,1 na
Lagoa. E a quarta pior renda (R$ 434).
— A Rocinha é tão pobre como as outras favelas e, em alguns
aspectos, até mais pobre — afirma o professor Marcelo Neri,
coordenador do estudo. — O acesso à educação é o mais baixo. E
hoje a capacidade de se conseguir emprego está relacionada à
educação.
O pesquisador comparou pessoas de mesmo sexo, idade,
escolaridade e raça que moram na Rocinha e na Lagoa e chegou a
uma conclusão surpreendente: mesmo neste caso, os moradores da
Lagoa têm renda 90% maior do que os seus pares da Rocinha:
— Nós não sabemos exatamente o que está por trás disso. Pode
ser discriminação. Ou pode ser alguma coisa ligada à questão
da ilegalidade fundiária ou outro fator qualquer.
De acordo com o “Mapa do fim da fome II”, o município do Rio
tem 14,6% de miseráveis, o que significa 855 mil cariocas.
Segundo Marcelo Neri, a pesquisa considera como miserável a
pessoa que tem renda familiar per capita de até R$ 79. No
estado, a proporção é maior: 19,45%. Ou seja, existem 2,7
milhões de fluminenses vivendo abaixo da linha da miséria.
O trabalho mostra caminhos: erradicar a miséria na capital
custaria cerca de R$ 34 milhões por mês e, no estado, R$ 109
milhões. Neri enfatiza que o problema poderia ser resolvido
também com solidariedade. Segundo ele, se cada carioca
contribuísse com R$ 5,90 por mês, seria possível tirar essas
pessoas da miséria.
Em relação às regiões do Rio, a pesquisa mostra que Botafogo,
Copacabana e Lagoa (que inclui os bairros de Ipanema e Leblon)
têm a menor proporção de miseráveis da cidade: 3,1%, 3,5% e
3,9% respectivamente. Já o maior percentual de miseráveis é
encontrado no Jacarezinho ( 27,5%), em Santa Cruz (2,6%) e no
Complexo do Alemão (29,4%), a região mais pobre, onde um em
cada três moradores vive abaixo da linha da miséria. Na
Rocinha, a proporção de miseráveis é de 21,8%, ou seja, 12 mil
de seus 56 mil moradores estão abaixo da linha da pobreza.
Niterói tem a maior renda de todo o estado
Em relação ao Estado do Rio, o levantamento mostra que os
moradores de Niterói detêm a maior renda (R$ 1.100), seguidos
pelos cariocas (R$ 985). Macaé, a meca do petróleo, aparece em
terceiro lugar (R$ 775) no ranking de renda. Petrópolis, na
Região Serrana, surge em quarto lugar (R$ 733). A quinta
posição é de Angra dos Reis (R$ 678).
Nova Friburgo, na Região Serrana, tem a menor proporção de
miseráveis, segundo o estudo da FGV: 8,75%. Em seguida, no
ranking, aparecem Niterói (11,3%) e Macaé (12%).
Na outra ponta do ranking, está o município de São Francisco
de Itabapoana, no Norte do estado, onde praticamente metade
dos moradores está abaixo da linha da pobreza.
BRASIL TEM 56 MILHÕES DE MISERÁVEIS, DIZ FGV16/04/2004
Um em cada três
brasileiros vive com até R$ 79 por mês. Na Região
Metropolitana do Rio, miséria cresceu 7,3%
A miséria no Brasil atinge 56 milhões de brasileiros, o que
corresponde a 33% da população, de acordo com o Mapa do Fim da
Fome II, lançado ontem pelo Centro de Políticas Sociais da
Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo mostra que, se cada
brasileiro não miserável doasse R$ 14 por mês, a pobreza seria
erradicada no Brasil. Segundo o economista Marcelo Neri, houve
uma mudança geográfica na pobreza de 2000 a 2002. Enquanto na
década de 90, os miseráveis ficavam mais concentrados nos
grotões rurais, nesta década a situação se agravou na
periferia das grandes cidades.
— A pobreza cai nas áreas rurais e fica estagnada nas
metrópoles. Em regiões metropolitanas como as do Rio e de São
Paulo, a miséria aumentou muito — afirma Neri.
O problema é mais grave quando o recorte é feito na periferia
das regiões metropolitanas. No Rio, o distrito de Engenheiro
Pedreira convive com pobreza mais intensa, ou seja, onde o
rendimento da população miserável fica mais distante da linha
— R$ 79 por mês. O distrito fica em Japeri, um dos municípios
do Grande Rio.
Em média, a miséria nessas cidades do entorno da capital
aumentou 18,3% entre 2000 e 2002, quando se considera o
rendimento do trabalho. No município do Rio, o número de
miseráveis caiu 1,68%.
— Entre 1996 e 1999, a piora da miséria atingiu igualmente
capital e periferia. De 2000 a 2002, a situação ficou mais
crítica fora da capital — diz o economista.
Em São Paulo, a situação se repete. Nas cidades que formam a
Grande São Paulo, excluindo a capital, a pobreza atingiu mais
10,4% de paulistanos. E na capital, o aumento foi de 1,57%.
Na avaliação do economista, a crise no mercado de trabalho foi
mais grave nas metrópoles. Simultaneamente, os programas
sociais são destinados aos grotões de miséria, nos sertões.
Neri cita a Previdência Rural e o Benefício de Prestação
Continuada como exemplos. Mas, para ele, não faltam recursos
para reduzir a miséria nas áreas metropolitanas; faltam, sim,
políticas integradas entre os três níveis de governo:
município, estado e União.
— As grandes cidades necessitam de políticas integradas, que
unam regularização fundiária, treinamento, educação e
microcrédito. Não adianta resolver o problema da violência no
município vizinho. Os problemas são comuns. Atualmente,
vivemos uma situação caótica — diz Neri.
Desemprego entre 15 e 29 anos é de 22,6%
Segundo Neri, o mercado de trabalho tem papel fundamental
nesse quadro de miséria e, conseqüentemente, da violência que
atinge os jovens. Entre a população de 15 e 29 anos, a taxa de
desemprego é de 22,6%, contra 9% da média, segundo dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). A taxa
quadruplicou de 1989 a 2001. |
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TÓPICO 13
Comunidade
apóia iniciativas para tentar limitar expansão da Rocinha |
Jornal O
Globo, Rio, sexta-feira, 16 de abril de 2004
Comissão discutirá propostas como instalação de muros e cercas
Em reunião ontem com representantes de entidades da Rocinha, o
vice-governador e secretário estadual de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Urbano Luiz Paulo Conde obteve o aval da
comunidade para levar adiante a idéia de limitar o crescimento
da favela. O projeto visando a conter a expansão horizontal e
vertical e estabelecer parâmetros de adensamento fará parte do
Plano Diretor da Rocinha, a ser elaborado por uma comissão
formada por representantes dos moradores e do poder público.
— Somos a favor da delimitação. O crescimento da Rocinha tem
que ser contido, para evitar problemas como falta de água e de
rede de esgoto — afirmou o primeiro-secretário da Associação
Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, Paulo Cesar
Valério, acrescentando que os limites físicos instalados pela
prefeitura (estacas de ferro interligadas por cabos de aço)
não estão conseguindo impedir a expansão da favela pela mata.
Como O GLOBO antecipou segunda-feira, Conde anunciou que o
estado construiria um muro de três metros de altura em volta
da Rocinha. A declaração provocou polêmica e levou o
vice-governador a submeter o assunto a discussão:
— Ainda não sabemos como será contida a expansão da Rocinha.
Pode ser, por exemplo, com a instalação de cerca, a construção
de uma ciclovia, a fiscalização da comunidade — afirmou Conde.
Governo do estado terá sede na Rocinha
A criação de normas urbanísticas, como gabaritos, dependerá de
legislação municipal. Mas Conde acredita num entendimento
entre os poderes.
— Os problemas da Rocinha são do estado, do governo federal e
do município. Apresentaremos propostas que poderão subsidiar
projetos de lei. Não estamos em briga de competência.
A primeira iniciativa concreta do Plano Diretor será subir a
Rocinha, com a instalação de uma sede do governo estadual na
favela, onde funcionarão órgãos como a Cedae e a Fundação para
a Infância e a Adolescência (FIA) e programas como o Cheque
Cidadão. A expectativa do coordenador do plano, Sérgio
Magalhães, é que a sede esteja em atividade em dois meses.
Conforme acertado na reunião de ontem, além de estabelecer
parâmetros urbanísticos, o Plano Diretor traçará projetos de
segurança, educação, cultura, saúde e de melhorias de
serviços.
— Queremos que a Rocinha se desenvolva como um bairro
integrado à cidade — disse Conde.
Na área de educação, um dos pedidos da comunidade é que o
lugar conte com ensino técnico de nível médio. |
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Topo TÓPICO 14
Vidigal à
margem de projetos sociais
|
Jornal do
Brasil , 21 de abril de 2004
Moradores reclamam do abandono do poder público e da
sociedade, que não sinalizam com melhorias para o local
Renata Victal
Com cerca de 40 mil moradores, o morro do Vidigal contrapõe,
à bela vista da Zona Sul, crônicos problemas sociais
Desde que a guerra entre traficantes da Rocinha e do Vidigal
foi deflagrada,a sociedade civil se organizou e muitos
projetos foram anunciados - da alfabetização e construção de
casas mais dignas, passando pelo alargamento de ruas. As
propostas, no entanto, atendem apenas às necessidades da
Rocinha. Alijados do apoio governamental e da sociedade,
moradores do
Vidigal reclamam do abandono.
- Somos tão carentes
quanto a Rocinha. Todos os dias pela manhã, abro os jornais e
fico chateada ao ver que só pensam em melhorar a Rocinha -
reclama Bianca Régis, presidente da associação de moradores da
favela do Vidigal.
- O único projeto social na comunidade é o grupo de teatro Nós
no Morro. Anunciaram um projeto para alfabetizar os moradores
da Rocinha, mas nós também temos moradores analfabetos.
Anunciam obras de melhorias lá, mas nós também precisamos de
asfaltamento, saneamento - completa.
Apesar de presidir uma comunidade com 40 mil moradores, Bianca
não foi consultada, nem convidada, a participar da reunião da
última segunda-feira entre os presidentes das associações de
moradores de Barra, Recreio, São Conrado, Gávea, Leblon e
Rocinha.
- Ninguém pensa na gente. Por que não teremos o Dia do
Carinho? - questiona Bianca, lembrando o dia de hoje, quando
voluntários cadastrados pelo Viva Rio levarão flores e abraços
aos moradores da Rocinha.
O presidente da Associação de Moradores de São Conrado, José
Britz, que está mobilizando outros líderes e engenheiros para
fazer projetos de melhorias na Rocinha, confirmou que a
comunidade do Vidigal não será contemplada pelas obras.
- Só estamos pensando na Rocinha, já que o Vidigal fica fora
de nossa área de influência.
Para o presidente do Conselho Regional de Engenharia e
Arquitetura do Rio (Crea-RJ), Reynaldo Barros, não há como
excluir o Vidigal:
- A remoção dos moradores não resolve o problema, mas acho boa
a idéia de alargar ruas. Podemos fazer da Rocinha um grande
condomínio, mas não podemos esquecer o Vidigal. É preciso
contemplar toda aquela região.
Mudar a lei é o próximo desafio
Com o sinal verde dado ontem pelo prefeito Cesar Maia ao
projeto de reurbanização da Rocinha, o desafio das associações
de moradores de bairros próximos à favela - principais
incentivadores da idéia - será alterar a
legislação e angariar parcerias.
- Em primeiro lugar, é
preciso modificar as normas que regem o uso do solo. Muita
gente na Rocinha sequer tem títulos de propriedade. Leis
específicas para estas comunidades devem ser criadas. Daí a
importância da cooperação do
poder público. Mas temos, também, que mobilizar a iniciativa
privada - destaca o presidente da Associação dos Moradores de
São Conrado, José Britz.
Para Jerônimo de Moraes Neto, presidente do Instituto dos
Arquitetos do Brasil no Rio, é preciso investir numa política
habitacional.
- Simplesmente remover as famílias para outro lugar não é a
melhor saída. É claro que algumas pessoas terão que deixar
suas casas, para se alargar ruas ou construir praças, por
exemplo. Porém, elas terão que ser transferidas para outros
lugares dentro da própria comunidade. |
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Topo TÓPICO 15
Em busca da
paz perdida |
Jornal do Brasil, Barra, 23
de abril de 2004
Casas de amigos e parentes são o principal destino dos
moradores que deixam a Rocinha
Renata Victal
Ramar Costa
O clamor pelo fim da violência ecoa na região. Até em uma das
passarelas que dão acesso à favela.
Amedrontados com a incerteza sobre o futuro da Rocinha, muitos
moradores continuam partindo da comunidade, acreditando em uma
vida melhor e mais segura. Com malas nas mãos, eles entram nos
táxis ou pegam Kombis em direção
a outras favelas da cidade. Taxistas contam que muitos
moradores já seguiram para a rodoviária rumo às suas cidades
de origem. Saber o número exato de quantos já partiram é
praticamente impossível, mas basta ficar meia hora em frente a
uma das principais saídas para constatar o grande número de
gente que abandona a comunidade.
O intenso vaivém acabou criando um pequeno estacionamento para
Kombis e caminhões de mudanças no pé da favela. De acordo com
José Manoel da Silva, que cobra R$ 100 pelo frete, o principal
destino é Rio das Pedras.
- O movimento tá bom para a gente. Só esta semana fiz três
mudanças. Não fiz mais porque meu carro estava com problemas e
fiquei muito tempo na oficina. Tem muita gente saindo daqui e
indo para Rio das Pedras.
- Já fiz mais de dez mudanças desde que começou o tiroteio na
Sexta-feira Santa. Tem gente que sai da favela, outros que só
mudam de casa, que vão para áreas mais seguras. Tem de tudo -
conta outro dono de Kombi que prefere não se identificar.
Sem esperança de que a paz volte para a comunidade, o servente
de escola S.B., de 46 anos, aproveitou o feriado prolongado
para providenciar a mudança da família:
- Quando a gente pensa que o tiroteio acabou, começa outro.
Não posso criar meus quatro filhos aqui. Tenho medo do que
possa acontecer a eles - desabafa. Ele espera encontrar outra
realidade em Rio das Pedras.
- Quatro amigos meus moram lá e eles dizem que a situação é
mais tranqüila, que as crianças podem andar nas ruas e brincar
livremente. Espero que seja assim mesmo. Se não for, vou ter
que voltar para o Ceará.
Os comerciantes também reclamam. Segundo eles, o movimento
está longe do normal. Muitos acreditam que enquanto a policia
estiver no morro, será difícil recuperar as vendas.
- Boa parte dos meus clientes é de fora da comunidade. É gente
que vem da Zona Sul, pára no ponto das Kombis e vem aqui. As
pessoas estão com medo - reclama Augusto Xavier, proprietário
de uma loja de sucos.
- Só vai melhorar quando a polícia for embora. Todo dia a
gente abre os jornais e vê notícias de tiroteio e morte na
Rocinha. Quem vai querer vir aqui? - indaga Augusto.
A opinião é a mesma de Célia Guimarães, vendedora de uma loja
de roupas infantis:
- Já estou ficando preocupada com minha comissão. A gente está
abrindo todos os dias, até mesmo no feriado, mas não adianta.
As pessoas não estão vindo para cá - lamenta.
Combate a analfabetismo exclui Vidigal
Foi realizada ontem a segunda reunião do Fórum Dois Irmãos,
que reúne associações de moradores dos bairros de São Conrado,
Gávea, Leblon e membros do Movimento Viva Rio. Durante quase
duas horas, eles discutiram os problemas da Rocinha e formas
de combate à violência. Em meio a tantos problemas, decidiram
atacar a falta de estudo dos moradores. A partir de junho,
serão oferecidas aulas de informática e alfabetização para 5
mil moradores da comunidade.
- Vamos contratar professores da própria comunidade e
capacitá-los. Acreditamos que as pessoas da comunidade
entendem melhor os seus problemas e podem estar alfabetizando
esses alunos dentro de uma linguagem muito próxima - disse
Andréa Marinho, diretora de educação da Firjan, que custeará
as aulas.
Como acontece com outros projetos sociais, a atuação do Fórum
Dois Irmãos não prevê a inclusão de moradores do Vidigal.
Cansada de reclamar e pedir apoio para os quase 40 mil
moradores da comunidade, Bianca Régis, presidente da
associação de moradores, conta agora com a ajuda de
empresários.
- É impressionante como o governo e as ONGs não olham para os
problemas do Vidigal. Estamos muito próximos da Rocinha, mas
parece que não existimos. Só fomos procurados por um
empresário paulista que virá conhecer nossos problemas para
escolher onde investir - diz ela. (R. V.) |
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TÓPICO 16
Favelas
minadas |
Jornal O Globo, Rio, 21 de
abril de 2004
Alba Valéria Mendonça, Antônio Werneck, Célia Costa e Vera
Araújo
Na maior apreensão de armamento feita pela polícia do Rio,
oito minas terrestres antipessoal (usadas em guerras para
barrar o avanço de tropas inimigas de infantaria), 161
granadas defensivas modelos M-3 e M-20 e mais de 30 mil
cartuchos de diferentes calibres foram encontrados ontem num
paiol do tráfico na Favela da Coréia, em Bangu. No
esconderijo, dentro de uma cisterna sob o piso de uma casa, os
policiais acharam ainda um fuzil AR-15,
dois coletes à prova de balas e nove coletes usados em
operações policiais. Segundo a polícia, o armamento está
avaliado em R$ 500 mil. Esta foi primeira apreensão de minas
antipessoal no Rio. A polícia investiga se alguma mina já está
enterrada em alguma favela.
O material apreendido seria do traficante Robson André da
Silva, o Robinho Pinga. Segundo o delegado Rodolfo Waldeck,
titular da Polinter, Robson é hoje o principal
comprador de armas e drogas do bando de Paulo César dos
Santos, o Linho, chefe do tráfico do Complexo da Maré. A
quadrilha é uma das mais bem organizadas e dispõe de
mão-de-obra especializada em armamento. Waldeck disse
acreditar que Robson tenha à sua disposição ex-militares na
função de armeiros. Das dez favelas hoje ligadas à facção de
Linho, quatro são controladas por Robson.
- As minas nos surpreenderam. Hoje temos que pensar duas vezes
antes de entrar numa mata porque podem ter minas, como
acontece em Angola - disse Waldeck.
Minas são de fabricação belga
As oito minas são de fabricação belga. No Brasil, são usadas
pelas forças especiais do Exército e da Marinha. A polícia vai
rastrear o lote apreendido para saber se o armamento foi
desviado de algum quartel ou se foi contrabandeado porque
também é usado pelas Forças Armadas da Colômbia, de Honduras,
da Nicaraguá e da Costa Rica. Fabricadas na cidade de Lorena
(SP) pela RJC Defesa Aeroespacial Ltda (antiga Companhia de
Explosivos Valparaíba), as granadas apreendidas também são
usadas pelas Forças Armadas brasileiras, principal cliente da
fábrica. Em 2003, foram apreendidas no Rio 536 granadas. Este
ano, até 31 de marco, a Secretaria de Segurança Pública
registrara 88 apreensões de granadas. O Ministério da Defesa
informou que armas e munição podem ser exportadas e, depois,
voltar ao Brasil ilegalmente. Sobre a possibilidade de o
armamento ser desviado dos quartéis, o ministério informou, em
nota, que, quando isso ocorre, é detectado e as armas, em
geral, são recuperadas e o infrator, punido.
- Minas são usadas para interromper o avanço da infantaria.
Elas estão em perfeita condição de uso, com pino de segurança
e têm camisa (invólucro) de 300 a 400 estilhaços. Ou seja:
cada uma dessas granadas poderia amputar os membros de pelo
menos três pessoas ao mesmo tempo. Vamos procurar saber com o
fabricante para quem foram vendidas ou se foram roubadas. Só
sabemos que não é um artefato nacional. Encontrar um armamento
desses é claro que assusta, mas a polícia não pára - disse o
delegado Carlos Oliveira, titular da Delegacia de Repressão a
Armas e Explosivos (Drae), lembrando que em três anos a
polícia recuperou 43 mil armas e 230 mil cartuchos.
A operação na Coréia foi resultado de dois meses de
investigação da Polinter. A polícia contou com a ajuda de um
informante, que já fez parte da quadrilha de Robson. Segundo
Rodolfo Waldeck, a casa onde foi descoberto o paiol tem as
mesmas características do depósito de armas e drogas do
traficante Linho, descoberto pela polícia em maio de 2001, na
Maré.
O armamento estava numa cisterna construída sob o piso de uma
pequena casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro na
parte plana da favela. O buraco, com cerca de dois metros e
meio de profundidade e um metro e meio de largura, tinha
prateleiras e uma tampa de ferro. Segundo a polícia, o paiol
tinha circulação de ar e passagens e saídas da casa para
pontos diferentes da favela. Na casa, havia também aparelhos
de ginástica que seriam usados pelos traficantes da quadrilha.
Ontem, à tarde, 15 policiais voltaram ao local para fazer a
perícia. Quando chegaram, encontraram quatro homens que tinham
sido contratados port raficantes para tapar o buraco. Parte
dele já estava coberta. Um caminhão já tinha descarregado
terra em frente ao portão da casa. Os quatro foram detidos e
levados para a Drae.
Na apresentação do material na sede da Polinter, o secretário
de Segurança Pública, Anthony Garotinho, disse que a polícia
do Rio está fazendo a sua parte. E cobrou empenho da Polícia
Federal no patrulhamento das fronteiras e no combate ao
contrabando de armas.
- Traficantes têm minas em função da falta de controle de
nossas fronteiras. Essas armas não são fabricadas aqui. A
pergunta é: como elas chegam aqui? É importante saber como o
traficante conseguiu isso. O consumidor de drogas financia o
armamento que vai servir para matar inocentes. No dia 29, as
polícias Civil e Militar vão receber 290 viaturas para
patrulhar as rodovias estaduais. Vamos oferecer um convênio
com o governo federal. Precisamos da ajuda deles para
patrulhar as rodovias federais.
Para o secretário de Segurança, o armamento encontrado na
Coréia provavelmente seria distribuído a outras favelas.
Garotinho não se impressionou com o armamento. Para a ele, a
polícia fluminense tem condições de enfrentar os traficantes:
- Estamos preparados para enfrentar os traficantes com o mesmo
poder de fogo que eles têm - disse o secretário.
Já o chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro Lins, não foi tão
otimista. Diante do armamento apreendido, ele disse que o
tráfico deve se tratado como uma questão nacional:
- A primeira coisa que vem à cabeça é que estamos numa luta
desigual. Se o tráfico não for enfrentado agora com seriedade,
não poderemos saber onde isso vai chegar.
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TÓPICO 17
Paisagem redesenhada |
Jornal O Globo Barra, 28 de
abril de 2004
Flávia Monteiro
O número de favelas na Barra e em Jacarepaguá praticamente
dobrou na última década. As estatísticas da Federação das
Associações de Favelas do Rio (FAF-Rio) revelam que, em 1993,
havia cerca de 190 comunidades na região.
Hoje, são mais de 300. Segundo a presidente da entidade,
Deusimar da Costa, está sendo difícil acompanhar com exatidão
a expansão que redesenha a paisagem da área. Recentemente, o
Instituto Pereira Passos identificou 149
novas favelas na cidade. Deste total, 34 estão na Barra e em
Jacarepaguá. Este índice é inferior apenas ao da gigantesca
Zona Oeste, que somou 70, e rivaliza com a soma de bairros da
Leopoldina.
- São dois bairros cariocas que têm o mesmo peso de regiões no
levantamento da favelização no Rio. A partir de 1993, pessoas
que já ocupavam certas áreas passaram a se organizar como
comunidade e criaram associações. Mas isso não significa que
as favelas estejam todas cadastradas, o que pode causar uma
defasagem em relação ao quadro real - explica a presidente da
FAF-Rio.
A moradora Sílvia Nóbrega acompanha da janela o que as
pesquisas provam com números. Há quatro anos, ela viu surgir
uma favela dentro de um terreno murado na Rua Vitor Konder
500, na Barrinha:
- Tentei, em vão, levar o problema à região administrativa.
Mas parece que as autoridades não estão preocupadas. Sequer
consegui ser ouvida.
Morador do Recreio, Nelson Silva de Souza diz que barracos
foram construídos recentemente na Avenida Gilka Machado, perto
do Parque Chico Mendes.
- Apesar de ser Área de Preservação Ambiental, não há um único
órgão público que reaja. Com a expansão da favela, o Recreio
passou a sofrer com assaltos e invasões inclusive a garagens
de prédios. Condomínios, por conta própria,
estão instalando cercas eletrificadas para conter a violência
- conta Souza.
A arquiteta Luciana Andrade, professora da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, diz que a causa principal do
crescimento das favelas é a ausência de políticas
habitacionais:
- As favelas já vinham crescendo em ritmo acelerado, mas com o
fim do Banco Nacional da Habitação (BNH) em meados dos anos
80, as alternativas ficaram ainda mais reduzidas para a
população de baixa renda. A oferta de moradia acabou e isso
teve grande impacto na favelização.
Para o secretário estadual de Meio Ambiente e vice-governador,
Luiz Paulo Conde, o crescimento das favelas se deve a uma
série de fatores:
- Ausência de controle, remoções indevidas, deficiência dos
sistemas de transporte. Tudo isso contribuiu para o aumento
desenfreado de favelas.
A subprefeitura da Barra contra-argumenta. De acordo com o
subprefeito André Duarte, no período de junho de 2003 a março
deste ano, construções irregulares e palafitas foram demolidas
na região.
- Retiramos invasores do Parque Chico Mendes, onde havia três
casas de alvenaria e madeira; embargamos um loteamento
irregular na Estrada dos Bandeirantes 12.307, em Vargem
Pequena; e demolimos as expansões das favelas situadas nos
arredores no Recreio Shopping, da Favela São Tilon, perto do
Downtown; e acabamos com as construções na Avenida Armando
Lombardi, ao lado do Barra Point - conta o subprefeito.
Exemplos do descontrole
ROCINHA: Contabilizar o crescimento da Rocinha é uma tarefa
árdua. Segundo dados do Censo 2000, do IBGE, a favela tem 17
mil casas. No entanto, a Light registrou cerca de 26 mil
residências no ano passado. Segundo a associação de moradores
local, há invasões em diversas localidades como a área próxima
à encosta do Morro Dois Irmãos; em cima da saída do túnel, em
São Conrado; na parte mais alta da favela; e no alto da Gávea.
Para tentar controlar o crescimento, a Coordenadoria de
Orientação e Regulamentação Urbanística iniciou uma pesquisa,
em 2001, cujo objetivo é alinhar ruas, denominar oficialmente
logradouros e criar uma legislação de ocupação do solo. Até
agora, foram encontradas 63 construções fora dos limites
estabelecidos pela prefeitura do Rio. O levantamento será
feito em toda a Rocinha, mas ainda não há previsão para o
término da pesquisa.
RIO DAS PEDRAS: Segundo dados do Instituto Pereira Passos
(IPP), a favela cresceu 73% em dez anos e já chega a fazer
limite com o Itanhangá. No local já vivem, segundo a
associação de moradores, cerca de 65 mil pessoas, a
maioria formada por nordestinos, que representam quase 70% dos
moradores.
Vargem Grande: expansão vertical
Enquanto novas construções são erguidas próximo ao pedágio da
Linha Amarela, o diretor da Associação de Moradores de Vargem
Grande, Daniel Bier, constata um outro tipo de crescimento:
- A expansão aqui é vertical, ou seja, as favelas crescem para
o alto. Alguns moradores vendem as lajes de suas casas para
que o comprador possa construir sua casa. Com exceção da
Favela dos Bandeirantes, que avança em direção ao morro, as
demais são comunidades baixas.
Segundo o diretor, a única solução é a construção de casas
populares para a população de baixa renda.
- Felizmente, as favelas de Vargem Grande ainda estão numa
categoria que eu classifico de "administrável", ainda há
solução - afirma Bier.
Para conter o crescimento vertical, a receita do secretário
municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, é a elaboração de
normas urbanísticas específicas para cada caso, que incluem
gabarito e arruamento (demarcação e abertura de
ruas).
'Ninguém quer morar em favela'
Presidente da Associação de Moradores da Comunidade Beira-Rio,
em Vargem Grande, Maria Pergentina diz que a favelização só
terá fim com uma política habitacional:
- A maior parte dos eleitores se move por interesses pessoais.
Depois que se elegem, os governantes só se preocupam com ações
de cunho assistencial, faltam ações sociais. Ninguém escolhe
morar numa favela. Felizmente, estamos conseguindo nos manter
longe dessa criminalidade que a gente vê todo dia na
televisão. Ainda preservamos um clima interiorano.
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TÓPICO 18
CUSTO DA VIOLÊNCIA |
Jornal O globo, 28 de abril de 2004
Cerca de 20% da população brasileira vivem nas seis principais
regiões metropolitanas do país. Esse enorme adensamento
população decorreu da grande transformação ocorrida na
economia do país nos últimos cinquenta anos, com a indústria e
os serviços assumindo papel preponderante no processo
produtivo.
A industrialização foi mais forte nas regiões metropolitanas
em face das facilidades proporcionadas pela infra-estrutura
até então existente (o acesso ao interior sempre foi precário)
e mais proximidade com os mercados
consumidores.
A geração de emprego e renda acelerou a urbanização e muitas
áreas onde antes se localizavam indústrias acabaram cercadas
por moradias. Nos anos 70 começaram as tentativas de
ordenamento dessa ocupação, com a criação dos
chamados distritos industriais, mesmo assim em número e espaço
insuficientes para abrigar centenas ou milhares de pequenas e
médias unidades fabris já instaladas há décadas em áreas onde
as moradias, antes limitadas a vilas
operárias e conjuntos residenciais, foram se multiplicando.
No caso do Rio, tal ocupação foi agravada pela favelização
consentida. Distritos industriais para os quais inicialmente
se previa algum tipo de isolamento se viram cercados de
favelas exatamente porque à sua volta havia espaços
propositalmente vazios (seja para expansões futuras ou para
evitar uma convivência nem sempre amistosa entre atividade
industrial e moradores).
Empresas que produzem bens precisam estocar e movimentar
mercadorias; indústrias funcionam com maquinário de valor
considerável, chamados de bens de capital. Muitas vezes são
necessárias instalações especiais para abrigar
linhas de produção. Todo esse patrimônio tem sido ameaçado
pelo ambiente de insegurança que existe atualmente na cidade,
em especial nas áreas vizinhas a favelas.
O trecho compreendido entre o antigo ramal da Leopoldina e a
chamada linha auxiliar já ficou conhecido como "faixa de
Gaza", numa alusão ao clima de guerra permanente vivido no
território palestino. Traficantes cobram
pedágios das empresas, assaltos se tornam freqüentes e
policiais oferecem serviços particulares de proteção. Não
bastassem, então, os problemas decorrentes da própria economia
e dos riscos de mercado, os pequenos e médios empresários têm
de arcar com os custos adicionais da insegurança. E se tiverem
de fechar temporariamente as portas, estarão sujeitos a
invasões e saques, como aconteceu com a Poesi, jogando por
terra a possibilidade de
recuperação futura.
Se empresas fecham suas portas em definitivo, a fonte de
geração de renda e emprego desaparece também para sempre,
agravando a situação social que tem sido pano de fundo para a
favelização consentida, a desordem urbana e a violência.
O problema não se restringe à Região Metropolitana do Rio, mas
se torna mais grave aqui porque o estado passou por longo
período de decadência econômica. |
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TÓPICO 19
Ministério Público do Rio quer
acabar com desmatamento e loteamentos irregulares na Rocinha |
Jornal do Meio Ambiente
http://www.jornalmeioambiente.com.br
Data: 1/5/2004
Palco da guerra pelos pontos de venda de drogas da região, a
Rocinha (considerada a maior favela da América
Latina) vem apresentando crescimento intenso. Desmatamento e
loteamento irregulares vêm sendo realizados em área
de preservação ambiental permanente na favela
Uma tendência que antiga da sociedade, e que de uns anos pra
cá tem se refletido no Ministério Público, se declara quando
essa Instituição tenta fazer uso, na maioria das vezes, do
IBAMA e em grau menor dos órgãos ambientais estaduais e
municipais, no que se refere a corrigir erros e omissões
Institucionais de ordem político-social onde o meio ambiente
teria, em tese, participação secundária, se podemos dizer
dessa forma.
O Ministério Público via de regra não aciona as instâncias
municipais e até estaduais no cumprimento de suas competências
constitucionais.
Como os instrumentos municipais e em alguns casos os estaduais
de organização do espaço urbano não mostraram-se eficientes,
sucumbindo aos interesses político-eleitoreiros; o poder
público ao invés de identificar onde estavam os erros e
corrigi-los, preferiu refratar o foco estendendo-o para o
poder federal onde o IBAMA, com o seu aparato de leis rígidas,
abrangentes e de certo modo eficazes, (azeitado pela tendência
intervencionista do Estado, característica latente até hoje,
dento do IBAMA) passa a ser o instrumento disponível para
exercer, através do viés ambiental, o papel gestor que
constitucionalmente se deve aos municípios.
Não demora, a continuar essa tendência, o IBAMA estará
regulamentando o corte, o transporte, o uso e a exploração da
maconha em nosso território. E quem sabe já não está fazendo o
estudo de impacto ambiental do muro que cercará a Favela da
Rocinha?
Mauro Zurita Fernandes
Geógrafo
www.geofiscal.eng.br |
Voltar ao
Topo TÓPICO 20
Sorria, você está na Rocinha,
convida um jornalista |
http://www.abi.org.br/primeirapagina.asp?id=573
Karla Siqueira
20/4/2004
A favela da Rocinha, capa dos jornais do Rio de Janeiro nos
últimos dias
devido à violência, é o tema do
novo livro de Julio Ludemir. Em "Sorria,você está na Rocinha",
o jornalista retrata, na forma de romance, as relações
entre moradores, agentes sociais, ONGs e o tráfico de drogas
na maior e mais famosa favela da América Latina.
A obra surgiu a partir da matéria Rocinha S.A. veiculada na
revista Veja. A
reportagem detalhava um estudo sobre o
aquecimento da economia que levava empresários do asfalto a
investirem na favela. "Um dia, eu e o antropólogo
Marcos Alvito passamos uma madrugada inteira na Rocinha,
passeando a
aproveitando as inúmeras
atrações da noite na favela, que é ótima, sem que ninguém nos
abordasse. Tive a certeza de que ia escrever o livro", conta o
autor.
A partir desse dia, Ludemir passou a enxergar a Rocinha de
outra forma: uma comunidade aberta, sem o poder centralizado
da ditadura do tráfico e sem um "dono", uma comunidade
emancipada. "Com os acontecimentos atuais, n entanto, a
Rocinha se surpreende ao perceber que é uma favela, quando
sempre agiu como um bairro", afirma. O jornalista, em
entrevista ao Comunique-se, deu explicações detalhadas sobre o
esquema do tráfico de drogas na favela e sobre a crise que lá
se instalou nos últimos dias. "É uma questão muito mais séria
do que as pessoas estão pensando. Essa guerra só vai acabar
quando os dois chefes do tráfico envolvidos forem presos ou
morrerem em combate. Até isso acontecer, eles vão continuar,
um tentando invadir a Rocinha e o outrotentando impedir as
invasões. Tem que se entender a cabeça do traficante. Para
eles, o que está em jogo no momento é o futuro do crime
organizado na Zona Sul do Rio de Janeiro"
O papel do crime organizado é
destaque em "Sorria, você está na Rocinha". Ludemir conta que
é impossível desligar a imagem da favela da imagem dos
traficantes, pois há a presença deles em tudo. "Qualquer coisa
que é feita na favela precisa da logística e da aceitação do
tráfico. É muita ingenuidade pensar que dá para se fazer o que
quiser lá dentro sem interlocutores que negociem a sua
presença com o tráfico", diz.
Ludemir fala da rotina da favela com familiaridade. Para
escrever o livro, passou seis meses trabalhando na Rocinha.
Chegou a ser julgado pelos traficantes, como aconteceu com o
Tim Lopes. "O foco do meu livro era mostrar que a Rocinha é
uma favela aberta, mas o que chegou aos ouvidos do comando do
tráfico foi que eu ia dizer que o morro não tem dono, o que
irritou os traficantes. Mas eu tinha boas relações com uma
pessoa ligada ao comando e consegui me defender", revela o
jornalista. Ele contou também que esses tribunais não decidem
apenas questões graves. Eles funcionam todos os dias, e até
eles chegam todos os problemas dos moradores, como violência
doméstica e pequenas discussões. "Termos comuns na favela são
defunto com lágrima ou defunto sem lágrima. Eles representam o
estado do réu, dizem se há alguém representando-os, chorando
por eles", conclui Ludemir.
O livro é uma reportagem romanceada e traz toda a liberdade
oferecida pela ficção, mesmo quando Ludemir trabalhava com
fatos reais. A história gira em torno de um gay negro que
trabalha em projetos sociais e acaba se
apaixonando por um escritor que sobe a favela para escrever um
livro. Mas o tema central de "Sorria, você está na Rocinha" é
o poder na favela. "As pessoas que moram no asfalto não têm
idéia de como funciona a Rocinha. A
imagem do favelado ainda é muito dividida em pobre bom e
bandido mau. As coisas não são assim. Há uma elite na Rocinha,
assim como há no resto do país. E essa elite se aproveita do
poder público, do dinheiro público, para
controlar a favela. Há também as ONGs, entidades que precisam
dialogar com o tráfico para continuarem seus trabalhos e que,
sozinhas, não vão conseguir mudar nada, mas que também tem um
poder muito grande na comunidade. Mostro tudo isso no livro,
mudando o nome dos personagens, mas revelando tudo o que
consegui observar", finaliza.
Sorria, você está na Rocinha", de Julio Ludemir
Editora Record
Preço sugerido pela editora: R$ 44,90
400 páginas
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u43165.shtml
10/04/2004 - 06h19
Livro embaralha ficção e realidade para mostrar vida na
Rocinha
Publicidade
SERGIO TORRES
da Folha de S.Paulo, do Rio
Autor do recém-lançado "Sorria, Você Está na Rocinha", o
jornalista, escritor e tradutor Julio Ludemir tomou uma
decisão difícil para um homem radicado há anos no Rio: foi
embora.
O motivo da mudança é a violência. Mas não por ter sido vítima
de algum ato criminoso. Ludemir, 44, está apenas se
prevenindo. No novo livro, ele descreve, em forma de ficção,
uma teia de conivência que une, na favela da Rocinha, tráfico
de drogas, líderes comunitários, ONGs, policiais, artistas e
moradores.
A ficção é o rótulo do livro, mas tudo o que está nele --ou
pelo menos tudo o que realmente importa na narrativa-- é real.
Só mudam os nomes. Mudam pouco, aliás.
Com um pouco de conhecimento sobre a favela, fica fácil
descobrir quem é quem durante a leitura das quase 400 páginas.
O chefão do tráfico identificado na narrativa pelo apelido
Bigode é Luciano da Silva Barbosa, o Lulu, líder da facção
criminosa CV (Comando Vermelha) e "dono" (para usar a
expressão local) da Rocinha. O dirigente comunitário MC é, na
vida real, William de Oliveira, o DJ, eleito neste ano
presidente da União Pró-Melhoramentos da Rocinha, a mais
influente associação de moradores da favela.
Contar tudo isso em um livro valeu a Ludemir a pecha de X-9,
termo que, no Rio, significa delator, informante da polícia,
traidor. A lei do tráfico é inclemente: X-9 não tem perdão,
morre.
Na tentativa de evitar um desfecho de vida trágico, Ludemir
deixou o Rio há cerca de dez dias. Disse a poucos para onde
foi. Avisou que dificilmente voltará ao Rio. Na Rocinha, nunca
mais pisará. Ele sabe que não terá uma segunda chance. No ano
passado, Ludemir chegou a ser julgado pelo tráfico, em uma
espécie de tribunal improvisado na principal "boca" (local
onde ocorre a venda de maconha e cocaína) da favela. Na
argumentação, conseguiu convencer Lulu e desceu o morro ileso,
mas com as pernas bambas.
"Isso aqui é lugar com mil maneiras de morrer e uma apenas de
viver", ensina o caboclo Seu Tranca em uma passagem do livro.
A Rocinha é o emblema das favelas cariocas. Costuma ser citada
como a maior da América do Sul, embora não haja confiabilidade
nos dados comparativos. O Censo 2000 listou 56.338 moradores.
Na favela, fala-se em muito mais: umas 200 mil pessoas que se
aglomeram em uma área de 1,44 milhão de metros quadrados.
Para escrever o livro, Ludemir passou seis meses morando na
Rocinha. O personagem principal é Luciano, evidente alter ego
do autor. Luciano é um jornalista do "asfalto" que vai morar
na Rocinha com o objetivo de escrever um livro sobre a
comunidade.
Nas suas idas e vindas por becos e biroscas do morro, conhece
pessoas,conversa com todo o tipo de gente, vivencia
experiências variadas. A mais incrível, a do julgamento, é
contada no livro.
Nas suas apurações, Ludemir vislumbrou existir na Rocinha uma
elite que, mesmo favelada, se vale do maior poder aquisitivo
e/ ou das ligações com o "asfalto" para lucrar com a pobreza
alheia.
"A Rocinha não é o bolsão de miséria que os espertalhões
divulgam na mídia para encher a burra de dinheiro com os
projetos que conseguem atrair", afirma o escritor na página
128.
A obra é a segunda em que Ludemir aborda a questão das favelas
e da criminalidade. Há dois anos, lançou "No Coração do
Comando", também uma ficção embasada na realidade, no caso o
romance de uma sobrinha de um fundador do TC (Terceiro
Comando) com um criminoso do CV. A moça acabou morta por causa
do relacionamento. No livro e na vida real.
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TÓPICO 21
População de favelas cresce mais
do que a média do país |
Jornal O Globo, 9 de maio de
2004
PAÍS
08/05/2004 - 23h37m
RIO - Urbanização desordenada, migração para grandes cidades e
falta de políticas habitacionais fizeram com que o aumento
populacional nas favelas do Brasil fosse 2,6 vezes maior do
que no país em geral de 1991 a 2000,
segundo o
IBGE. No período, a população das favelas cresceu 4,32%,
enquanto que a brasileira cresceu 1,64%. A série "Sem parede,
sem chão", que O GLOBO começa a publicar neste domingo,
discute essa tragédia social do Brasil que, entre outras
conseqüências, fez com que um terço da população de Belém
acabasse morando em favelas. Apesar disso, os investimentos do
governo federal para a urbanização dessas áreas caíram este
ano 25% em relação a 2003.
Rio, 09 de maio de 2004
A explosão das favelas
Fernanda da Escóssia
De 1991 a 2000, o crescimento da população de favelas e áreas
similares no Brasil foi 2,6 vezes o crescimento da população
total do país. É o que mostra inédito cruzamento de dados do
Censo 2000 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) a pedido do GLOBO. As informações revelam
que, enquanto a população brasileira cresceu apenas 1,64% ao
ano, foi de 4,32% o crescimento populacional nos chamados
aglomerados subnormais (favelas e áreas assemelhadas, com
habitações dispostas de forma desordenada e carentes de
serviços públicos essenciais). O crescimento dessas regiões
chamadas de subnormais foi tão expressivo que superou as taxas
de crescimento do Brasil na época de sua explosão
populacional: 2,99% (ao ano) de 1950 a 1960 e 2,89% de 1960 a
1970.
O Brasil das favelas, das palafitas, dos mocambos e dos
assentamentos (os aglomerados subnormais) tem 6,5 milhões de
habitantes — 3,84% da população do país. Só oito estados
brasileiros — São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Bahia, Paraná, Pernambuco e Ceará — têm
população maior. Só dois estados tiveram crescimento
populacional maior que o das áreas chamadas de subnormais:
Amapá e Roraima, com taxas de 5,74% e 4,57%, respectivamente.
O IBGE não concluiu ainda a análise dos dados por estado,
região e município, mas sabe que o problema se espalha pelo
país, cercando as grandes cidades. Em Belém, por exemplo, uma
das situações mais graves do país, mais de um terço da
população vive em favelas. Só 5% da cidade têm rede de esgoto.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam como causas para essa
explosão populacional nas áreas mais pobres a falta de
investimentos em habitação, a migração desordenada para as
periferias das metrópoles e a quase inexistência de crédito
habitacional para os pobres, somadas ao desemprego, ao
empobrecimento das classes médias e à concentração fundiária.
Problemas que, a partir de hoje, O GLOBO debate com a série de
reportagens “Sem parede, sem chão”.
Expulsão dos pobres para as periferias urbanas
O crescimento populacional nas áreas de favela tem outra
justificativa: famílias mais pobres têm mais filhos. Os dados
de 2002 do IBGE mostram que, quanto maior a renda familiar,
menor o número de filhos. Nos extremos das
faixas salariais, famílias com renda mensal de até um quarto
do salário-mínimo têm em média 2,7 filhos, enquanto famílias
com renda superior a cinco mínimos têm 0,8 filho.
A socióloga Lídia Medeiros, pesquisadora do Urbandata-Brasil
(centro de pesquisas da Universidade Candido Mendes, no Rio de
Janeiro), diz que o processo de urbanização brasileiro teve
uma característica histórica, a exclusão dos pobres de
serviços essenciais:
— Há uma combinação de fatores estruturais e conjunturais que
acarretaram um forte aumento da pobreza. O processo de
urbanização brasileiro promoveu e continua a promover a
expulsão dos pobres para a periferia das grandes cidades.
Para a pesquisadora, o processo de favelização deve continuar.
— Eu não diria que esse é um processo irreversível, mas até o
momento, com as políticas que têm sido implementadas nesse
setor, o crescimento da favelização parece ser uma tendência
que ainda deve perdurar— diz Lídia, co-autora de “Pensando as
Favelas do Rio de Janeiro, 1906-2000”, escrito com a socióloga
Lícia do Prado Valladares e lançado no ano passado pela Relume
Dumará.
Lícia cita ainda a falta de uma política nacional de
habitação, principalmente depois da extinção do Banco Nacional
de Habitação (BNH), em 1986. Para Lídia, embora as linhas de
financiamento do BNH contemplassem prioritariamente as classes
médias, nada de significativo foi criado para substituí-lo.
Semana passada, o ministro das Cidades, Olívio Dutra, estimou
em 6,6 milhões de unidades o déficit habitacional brasileiro.
Falta de programa habitacional é geral
O demógrafo e estatístico do IBGE Fernando Albuquerque aponta
a migração interna no Brasil nas últimas décadas como um dos
fatores determinantes da favelização. Até hoje, quem sai de
sua cidade ou seu estado em busca de
melhores condições de vida são, em geral, pessoas pobres e com
pouca ou nenhuma instrução. Pelos dados do último Censo, 65,5%
dos migrantes que tinham deixado seu estado nos últimos cinco
anos não tinham concluído o ensino fundamental, e 72,7% tinham
renda inferior a dois salários-mínimos.
Albuquerque diz que, se o fluxo migratório no Brasil diminuiu
em relação aos anos 70 e 80, as dificuldades enfrentadas pelos
migrantes aumentaram:
— Cada vez é mais difícil, por exemplo, conseguir se inserir
no mercado de trabalho. Nos anos 70, a construção civil estava
de vento em popa e absorvia facilmente essa mão-de-obra que
chegava às cidades. Hoje as exigências são
muito maiores.
Outros dados divulgados pelo IBGE com base em informações das
prefeituras já vinham apontando o crescimento das favelização
no país. Em 2001, pelo menos 23% dos 5.560 municípios
brasileiros informaram ter favelas, construções
similares ou loteamentos clandestinos. A proporção sobe para
80% nas cidades de 100 mil a 500 mil habitantes e para 100%
nas com mais de 500 mil. Ao mesmo tempo, 47% das prefeituras
afirmaram não ter nenhum tipo de programa
ou ação habitacional — um sinal claro da falta de políticas
para tentar reduzir o problema.
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Topo TÓPICO 22
Expansão ameaça a natureza |
Jornal do Brasil, 11 de maio de 2004
Comunidades do Morro do Banco e da Mozema crescem na encosta
da Floresta da
Tijuca
Renata Victal
Marcelo Piu
A comunidade da Mozema surgiu já embrenhada na mata. Hoje,
existem condomínios de luxo na vizinhança.
A paisagem da Barra está mudando e, dessa vez, os espigões não
têm nada a
ver com isso. Embrenhadas no
Itanhangá, parte da Floresta da Tijuca, duas comunidades
carentes crescem ali de forma rápida e silenciosa. Conhecidas
como Mozema e Morro do Banco - ou Floresta da Barra, como
preferem seus moradores -, as favelas dividem espaço com
luxuosos condomínios e ameaçam grandes áreas verdes.
A integração com as casas de classe média-alta é tamanha que,
para entrar nestas comunidades, é preciso ultrapassar as
cancelas dos condomínios. A aparente convivência pacífica
entre moradores de classes sociais tão
distintas é creditada à ausência do tráfico de drogas nas
favelas.
Justamente por isso, o vice-presidente da Câmara Comunitária
da Barra, David Zee, acredita que esta é a melhor hora para
desocupar as áreas e promover o reflorestamento.
- A ocupação irregular fugiu do controle das autoridades.
Estas favelas estão se juntando, e é preciso fazer algo agora
para evitar o surgimento de uma nova Rocinha - prevê Zee, que
sugere até mesmo intervenção federal na região.
- Antes que se crie um problema maior, as três esferas de
poder deveriam se unir. O governo federal precisa criar um
programa habitacional que contemple aqueles moradores. Já o
governo estadual deve patrulhar, policiar e evitar
novas invasões. E a prefeitura deveria impedir a expansão das
favelas.
De acordo com o subprefeito da Barra, André Duarte, a
prefeitura já demarcou as áreas - com os chamados eco-limites
- para impedir o continuado crescimento desordenado.
- Contamos com a ajuda dos moradores para identificar novas
invasões. Só no Morro do Banco, por exemplo, impedimos seis
tentativas de crescimento no ano passado.
A delimitação foi confirmada pelo presidente da Associação de
Moradores do Morro do Banco, o sargento da PM lotado no 31º
BPM (Recreio) Anderson Colombo.
- Por ser uma comunidade pacífica, várias pessoas querem se
mudar para cá. O problema é que não temos mais espaço. A
prefeitura demarcou a área e os moradores denunciam quando vem
alguém de fora. No último mês, veio muita gente da Rocinha,
mas só ficaram aqueles que conseguiram alugar uma casa.
Ninguém construiu nada.
Melhorias, só com mutirões
Apesar de cercados por belas casas, os moradores das
comunidades do Morro do
Banco e Mozema convivem com uma
realidade nada agradável. Nelas, não há água, esgoto, luz,
escolas, postos de saúdes ou mesmo quadras esportivas.
Para tentar amenizar os problemas, os 7 mil moradores da
Mozema resolveram arregaçar as mangas para construir 1.800
metros de tubulação de esgoto e um posto de saúde.
- A prefeitura não faz nada aqui, ou melhor, a única coisa que
a prefeitura fez foi uma quadra esportiva. Cada morador paga
R$ 5 por mês, e, com o dinheiro, mantemos um posto de saúde,
pagamos todos médicos e construímos a tubulação de esgoto -
conta Delmiro de Farias, presidente da associação de
moradores, que já solicitou ajuda à prefeitura para delimitar
a favela e conter a expansão.
- A comunidade não pára de crescer. Já chamamos a prefeitura
para fazer a delimitação, mas não nos atenderam. Resolvi
colocar uma cerca por conta própria, mas não está adiantando -
ele lamenta.
Solucionar os problemas por conta própria foi também a solução
encontrada pelos 14 mil moradores do Morro do Banco ou
Floresta da Barra, como preferem os moradores. Em parceria com
comunidades menores, como a Vila da Paz e Sítio Pai João, eles
construíram um centro social. Lá, voluntários oferecem
tratamento médico e psicológico gratuitamente a todos os
moradores.
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TÓPICO 23
BRASIL TEM 56 MILHÕES DE MISERÁVEIS, DIZ FGV |
Jornal O Globo, 16 de abril de 2004
Um em cada três brasileiros vive com até R$ 79
por mês. Na Região Metropolitana do Rio, miséria cresceu 7,3%
A miséria no Brasil atinge 56 milhões de brasileiros, o que
corresponde a 33% da população, de acordo com
o Mapa do Fim da Fome II, lançado ontem pelo Centro de
Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV). O estudo
mostra que, se cada brasileiro não miserável doasse R$ 14 por
mês, a pobreza seria erradicada no Brasil. Segundo o
economista Marcelo Neri, houve uma mudança geográfica na
pobreza de 2000 a 2002. Enquanto na década de 90, os
miseráveis ficavam mais concentrados nos grotões rurais, nesta
década a situação se agravou na periferia das grandes cidades.
- A pobreza cai nas áreas rurais e fica estagnada nas
metrópoles. Em regiões metropolitanas como as do Rio e de São
Paulo, a miséria aumentou muito -
afirma Neri.
O problema é mais grave quando o recorte é feito na periferia
das regiões metropolitanas. No Rio, o distrito de Engenheiro
Pedreira convive com
pobreza mais intensa, ou seja, onde o rendimento da população
miserável fica mais distante da linha - R$ 79 por mês. O
distrito fica em Japeri, um dos
municípios do Grande Rio.
Em média, a miséria nessas cidades do entorno da capital
aumentou 18,3% entre 2000 e 2002, quando se considera o
rendimento do trabalho. No
município do Rio, o número de miseráveis caiu 1,68%.
- Entre 1996 e 1999, a piora da miséria atingiu igualmente
capital e periferia. De 2000 a 2002, a situação ficou mais
crítica fora da capital - diz o economista.
Em São Paulo, a situação se repete. Nas cidades que formam a
Grande São Paulo, excluindo a capital, a pobreza atingiu mais
10,4% de paulistanos. E na capital, o aumento foi de 1,57%.
Na avaliação do economista, a crise no mercado de trabalho foi
mais grave nas metrópoles. Simultaneamente, os programas
sociais são destinados aos
grotões de miséria, nos sertões. Neri cita a Previdência Rural
e o Benefício de Prestação Continuada como exemplos. Mas, para
ele, não faltam recursos
para reduzir a miséria nas áreas metropolitanas; faltam, sim,
políticas integradas entre os três níveis de governo:
município, estado e União.
- As grandes cidades necessitam de políticas integradas, que
unam regularização fundiária, treinamento, educação e
microcrédito. Não adianta resolver o problema da violência no
município vizinho. Os problemas são comuns. Atualmente,
vivemos uma situação caótica - diz Neri.
Desemprego entre 15 e 29 anos é de 22,6%
Segundo Neri, o mercado de trabalho tem papel fundamental
nesse quadro de miséria e, conseqüentemente, da violência que
atinge os jovens. Entre a
população de 15 e 29 anos, a taxa de desemprego é de 22,6%,
contra 9% da média, segundo dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (Pnad). A taxa quadruplicou de 1989 a
2001. |
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TÓPICO 24
Favelização avança
para o interior do país |
Jornal O Globo, 14 de maio de 2004
Ciça Guedes, Leticia
Helenae Fernanda da Escóssia
Elas já foram sinônimo da migração desenfreada e da falta de
planejamento das metrópoles — hoje, viraram motivo de
preocupação também nas cidades de porte médio: a favelização
avança para o interior, atingindo, principalmente, os
municípios que enriqueceram nas duas últimas décadas.
Seja em Ribeirão Preto, na abastada região sucroalcoleira de
São Paulo, ou Petrópolis, na Região Serrana do Rio, as favelas
estão cada vez mais
incorporadas à paisagem.
— É bom que se diga que favela não é um problema das grandes
cidades — diz a urbanista Marlene Fernandes, assessora
internacional e diretora do Centro de Boas Práticas do
Instituto Brasileiro de Administração Municipal (Ibam). — Na
Amazônia, onde o processo de urbanização está muito acelerado,
também pipocam favelas. Como não existe uma política nacional
de habitação, as pessoas moram onde podem.
Dados do IBGE identificam a tendência
Os dados do IBGE para o ano de 2001 indicam que a proporção de
municípios que declaram ter favelas cresce com
a população. Entre os 32 municípios do país com mais de 500
mil habitantes, 30 informaram ter favelas. Entre cidades que
têm de cem mil a 500 mil habitantes, a proporção dos que
informam ter favelas também é alta: 62,8%. Entre os municípios
que têm de 20 mil a cem mil habitantes, 21,4% disseram ter
favelas.
A expansão das favelas rumo ao interior coincide com o
crescimento populacional dos municípios de médio porte. De
1991 a 2000, a maior taxa de
crescimento populacional foi verificada nas cidades que têm de
cem a 500 mil habitantes: 2,4%. Nos que têm população superior
a 500 mil habitantes ou de 20 mil a 50 mil habitantes, a taxa
de crescimento foi a mesma verificada no total do país, em
torno de 1,6%. Ao mesmo tempo, os dados do IBGE mostram que
47% dos municípios informaram não ter políticas habitacionais.
Ribeirão Preto é um exemplo típico desse fenômeno. Na cidade,
com cerca de 500 mil habitantes— cujo prefeito, até 2002, era
o atual ministro da
Fazenda, Antonio Palocci — existem 30 favelas onde moram 2.890
famílias, uma população total de 10.580 pessoas, segundo a
Secretaria de Cidadania. Ou seja, 2% da população do
município.
— A favelização começou com a substituição do café pela cana e
teve seu auge no processo de mecanização da lavoura, nos anos
80, que deixou muitos
lavradores sem emprego — diz a socióloga Silvia Maria do
Espírito Santo, professora da USP no campus de Ribeirão Preto.
Segundo a secretária de Cidadania, Maria Margaret de Souza e
Silva, a prefeitura está estudando diferentes soluções, desde
a urbanização até remoção das casas em área de risco ou de
proteção ambiental:
— A especulação imobiliária tornou o preço dos terrenos
inviáveis para a prefeitura retirar as pessoas. Não queremos
deslocá-las para lugares distantes.
No Rio, municípios como Petrópolis e Teresópolis, na Região
Serrana, ou Macaé e Rio das Ostras, no Litoral Norte, tiveram
um rápido desenvolvimento
nos últimos 20 anos, graças à indústria, ao turismo ou aos
royalties do petróleo. Atrás dos empregos, chegou uma leva de
migrantes sem ter onde morar.
Prefeitos investem em habitação popular
Para evitar que a favelização saia do controle, os prefeitos
investem em projetos de habitação popular e na urbanização de
áreas recém-ocupadas. Mesmo assim, é impossível evitar a
degradação de algumas áreas.
— Minha casa fica numa área condenada pela Defesa Civil, mas
não tenho outro lugar para ir. Todo mundo sabe que é perigoso,
mas, diariamente, surge um barraco novo. É a crise — diz a
dona-de-casa Luiza de Freitas, de 37 anos, moradora na Favela
do Quitandinha, em Petrópolis, uma área sujeita a
deslizamentos a poucos metros do hotel que é um dos
cartões-postais da cidade. |
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