Reportagens 2005/continuação

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Reportagens ( continuação)

Reportagens 2005

Tópico 1  O espigão da Rocinha
Tópico 2  Prefeitura viu mas não embargou
Tópico 3  Campanha muda em favelas para evitar reação do tráfico
Tópico 4  Vereadores dizem que  se prefeito enviar projeto  Câmara aprova demolições em favelas
Tópico 5  Espigão não dá sombra, dá voto
Tópico 6 Favelização na mira da Câmara 
Tópico 7  Prefeitura lança programa Rocinha Legal
Tópico 8  MP quer remoção em áreas de risco
Tópico 9 Plano de remoção
Tópico 10 O sai-não-sai de uma favela
Tópico 11 IPTU alto para viver entre favelas
Tópico 12 Mais uma vez, o caos
Tópico 13 Toma que a favela é sua
Tópico 14 Espigões se multiplicam na Rocinha
Tópico 15 A força do voto da favela
Tópico 16 Favelas também estão crescendo horizontalmente
Tópico 17 Traficantes de favores
Tópico 18 Reviravolta no caso da Vila Alice
Tópico 19 O bê-á-bá das facções
Tópico 20 Expansão das favelas não tem eco-limites
Tópico 21 Até o Favela-Bairro é contestado
Tópico 22 Favelas protestam contra política de remoção
Tópico 23 Favela ultrapassa muro de contenção no Palácio
Tópico 24 Favelização das vias da Barra
Tópico 25 Favela-bairro em xeque
Tópico 26 Pesquisa aponta descontrole na expansão de 200 cidades do Brasil

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O espigão da Rocinha

 

Jornal O Globo, 28/09/2005

Selma Schimidt


O espigão da Rocinha

Da Estrada da Gávea parece que o prédio 304 tem três andares, incluindo o térreo, que é ocupado por uma garagem. Mas de uma laje vizinha é que se observa o real tamanho do maior edifício construído no alto da Favela da Rocinha, parcialmente encoberto por árvores, próximo à localidade conhecida como Portão Vermelho e com vista para São Conrado: 11 pavimentos. Ao ver o porte do imóvel que a prefeitura desconhece, o diretor da Associação de Moradores do Alto Gávea, Luiz Fernando Penna, não teve dúvidas.

? Esse é o Empire State da Rocinha ? disse ele.

Num terreno de encosta vizinho, o mesmo dono do Empire State da Rocinha planeja construir outro edifício, de acordo com moradores:

? Vão fazer a torre gêmea ? contou um deles.

Enquanto as exigências são numerosas para construir na cidade formal, na favela é um vale-tudo. Em formato irregular, que acompanha o desenho da encosta, o espigão da Rocinha tem pelo menos 56 apartamentos. Este é o número de botões dos dois interfones à disposição dos visitantes. Segundo o morador do apartamento 305, um cearense de Sobral que se identificou como Marco Antônio, o prédio tem um único proprietário. Marco paga R$ 250 pelo aluguel de um conjugado.

? Não tenho medo de morar aqui com a minha família. O prédio é seguro. Ele não cai. Foi feito por um engenheiro ? afirmou Marco, de 30 anos, que vive no edifício há dois, com a mulher e os filhos de 12 e 10 anos.

O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, voltou a garantir que a Rocinha não vem se expandido para os lados e que os eco-limites (barreiras) têm conseguido frear a ocupação horizontal. Ele detalhou a política da prefeitura para as favelas:

? Tentamos estabelecer quatro regras muito simples. Primeiro o eco-limite, a fronteira da comunidade com a área verde. Em segundo lugar, a altura máxima. A terceira regra é o respeito ao espaço público e a quarta são as condições mínimas de insalubridade.

Aluguel de cobertura chega a R$ 1.500

Não é preciso mais que um passeio pela Estrada da Gávea para constatar que a favela continua crescendo na vertical. O edifício 307 tem oito andares. Os prédios 436 e 449 (onde funcionam uma loja do Bob?s e a empresa Microlins) têm nove pavimentos, contando o térreo. A cobertura do 449 tem dois andares, churrasqueira e está sendo alugada por R$ 1.500.

? Há 21 anos, quando fui morar na Gávea, os edifícios na Rocinha não passavam do segundo andar ? lamentou Luiz Fernando ? A prefeitura está preocupada com os puxadinhos do Leblon e de Ipanema, mas ignora o crescimento das favelas. Parece que a Rocinha é um outro país.

Sirkis garantiu que numa próxima etapa a prefeitura vai enfrentar o desafio de conter o crescimento vertical da Rocinha, fixando alturas máximas para cada um dos sub-bairros da favela:

? O controle militar do tráfico dificulta nossa atuação. Mais recentemente, detectamos indícios de que, além de explorar o gás e o serviço de mototáxis, traficantes estão envolvidos com construções na favela. Tivemos de ter o apoio do Bope para demolir este ano uma casa erguida em espaço publico ao lado de um Ciep.

A Rocinha não tem uma legislação de uso e ocupação do solo. A Secretaria municipal de Urbanismo (SMU) está analisando por etapas a regularização urbanística, que prevê a fixação de gabaritos. O estudo está sendo feito em três sub-bairros: Laboriaux, Vila Cruzado e Bairro Barcelos.

A SMU mantém na Rocinha um posto de orientação técnica (POT), encarregado de controlar novas construções e impedir obras em áreas destinadas a espaços públicos, equipamentos urbanos, à preservação permanente e ao reflorestamento. O órgão prometeu fazer uma vistoria para verificar se houve excessos e que medidas devem ser tomadas em prédios altos da Estrada da Gávea.

Diretor da Associação Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, Renê Mello disse que a entidade procura orientar os moradores sobre os riscos de construir prédios altos na favela, embora nem sempre seja bem-sucedida. Ele argumentou, no entanto, que não pode haver dois pesos e duas medidas:

? Por que só a comunidade é cobrada? Também estão construindo mansões em área ambiental no Joá e nada acontece.

Para a presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara de Vereadores, Aspásia Camargo (PV), o novo Plano Diretor da cidade, a ser aprovado pelo Legislativo, tem de apresentar soluções que impeçam as favelas de continuarem a crescer e avançar sobre áreas verdes. Na opinião da vereadora, a Lei Orgânica também precisa abolir a obrigatoriedade de o município indenizar ou dar uma casa para poder remover famílias que invadem áreas de preservação ambiental ou de risco.

? O Plano Diretor tem ainda de prever a criação de bairros populares em todas as regiões administrativas ? sugeriu a vereadora. ? Outra questão fundamental é ter transporte de massa para facilitar o deslocamento das pessoas.

Secretária municipal de Urbanismo da administração Marcelo Alencar, a arquiteta Lélia Fraga ficou chocada ao saber que já existe um prédio de 11 andares na Rocinha. No início da década de 90, Lélia chegou a apresentar um projeto propondo a remoção das favelas da Rocinha, do Vidigal, da Vila Parque da Cidade, da Vila Pedra Bonita e da Vila Canoa para um bairro residencial a ser construído na Zona Portuária, com 17.500 habitações, em prédios de quatro andares. As áreas desocupadas seriam reflorestadas e parcialmente ocupadas por condomínios. Comercializados, esses empreendimentos ressarciriam os empreendedores que construiriam os imóveis na Zona Portuária.

? Não houve vontade política e não se levou a idéia adiante. Agora, o projeto que propus só poderia ser implantado com gabarito mais alto ? afirmou a arquiteta.

Muitas exigências fora da favela


Quem quer construir ou ampliar um imóvel fora da favela precisa vencer um longo caminho burocrático. No caso de um prédio novo, o primeiro passo é estudar a legislação urbanística que restringe gabaritos e fixa dimensões máximas. Para dar entrada no pedido de licença de obra na Secretaria municipal de Urbanismo, entre outros documentos, é necessário apresentar dois jogos de plantas de arquitetura e cópias da carteira do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Crea-RJ) dos profissionais responsáveis pelo projeto. Também é indispensável dispor dos comprovantes de pagamento da taxa de licença de obras e do IPTU do ano anterior.

Depois de concluídas as obras, o empreendimento tem de ser vistoriado para receber o habite-se (construções novas) ou a aceitação de obras (reformas, modificações, entre outros projetos). Para obter esse documento, as obras têm que estar de acordo com o determinado por concessionárias de serviços públicos de água, esgoto sanitário, águas pluviais, gás, luz e telefone. O interessado deve apresentar ainda os certificados de funcionamento de elevadores e de aparelhos de ar-condicionado e exaustores. Para imóveis comerciais ou industriais, são exigidos também a certidão de visto fiscal do ISS, concedida pela Secretaria municipal de Fazenda, e o certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros.

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Prefeitura viu mas não embargou

 
Jornal O globo, Rio, 29 de setembro de 2005

Luiz Ernesto Magalhães, Paulo Marqueiro e Selma Schmidt

O prédio de 11 andares e 56 apartamentos erguido irregularmente, no alto da Favela da Rocinha, recebeu a visita de técnicos da prefeitura durante as obras. Apesar de a construção não ter qualquer licença, não seguir as normas urbanísticas e de seus responsáveis não pagarem impostos, ela não foi embargada. A informação foi dada ontem pelo prefeito Cesar Maia. Segundo ele, o objetivo não era paralisar a obra ilegal, mas verificar se o edifício era seguro.

— A prefeitura não tem poder de polícia para impedir as construções. Favelas existem há cem anos. O que verificamos foi se um projeto daquele porte era seguro — argumentou.

O coronel Roni de Azevedo, relações-públicas do Corpo de Bombeiros, rebateu a afirmação. Segundo ele, a atribuição de embargar a obra é da prefeitura, responsável pela fiscalização do uso do solo.

Cesar disse ainda que prefere prédios sendo construídos na Rocinha, em substituição a barracos e casas, a espigões na orla do Rio.

— Aquele prédio pode ser um sinal do que poderá acontecer na Rocinha no futuro com o aumento do valor do solo. É muito melhor ter prédios grandes na Rocinha do que na praia, pois eles produzem sombras. O impacto ambiental é muito menor num morro cuja vegetação foi removida do que na beira da praia.

Técnico alerta para risco de acidente

O advogado Hermano Cabernite, especialista em direito administrativo, disse ontem que a omissão da prefeitura na fiscalização de obras, como a do espigão da Rocinha, pode fazer o município solidariamente responsável em caso de acidente:

— O agente responsável pela omissão pratica um ato de improbidade administrativa que atenta contra o princípio da administração pública, o que implica sanções penais, civis e administrativas, além de ressarcimento integral do dano, se houver.

Para Carlos Frederico de Andrade, membro da direção nacional do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), a premissa do prefeito é equivocada.

— O Rio não é só praia ou montanha. A cidade precisa de políticas habitacionais e de transportes eficazes.

O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea), Reynaldo de Barros, alerta para o risco de acidentes em obras feitas por profissionais não qualificados. O engenheiro civil Roberto Kauffmann, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil, concorda:

— É criminoso construir sem que alguém assine o trabalho de sondagem e os projetos estrutural e de fundações, e sem um responsável pela execução da obra.
 
A favela no metrô


Se o metrô não vai à Rocinha, a Rocinha vai ao metrô. E em grande estilo. Pelas lentes do fotógrafo nova-iorquino Gabriel Ponce de León, que morou por quase um ano na favela, em 2004, cenas do cotidiano dos moradores ficarão expostas na estação Siqueira Campos, em Copacabana, até 13 de outubro. No hall da estação, as 30 fotos da mostra “Vizinhos”, apoiada pelo Consulado Geral dos Estados Unidos, podem ser vistas pelas cerca de 70 mil pessoas que circulam por ali diariamente.

— Quando Gabriel nos procurou, pensamos que uma galeria de arte não seria o espaço mais adequado e procuramos o Metrô Rio. Esperamos que esta exposição possa aproximar vizinhos de toda a cidade — disse o cônsul-geral dos Estados Unidos, Edmund Atkins, que inaugurou a mostra ontem de manhã, ao lado do adido cultural do consulado, Robert Mearkle.

Gabriel tem 25 anos e freqüenta a Rocinha desde 2000, quando fez intercâmbio na PUC e deu aulas de inglês na favela. Depois de estudar história e relações internacionais nos Estados Unidos e de trabalhar num escritório de advocacia, ele se mudou para a Rocinha.

— Os moradores confiaram em mim. Acreditaram que sua imagem estaria segura comigo.
Corpo-a-Corpo: ALFREDO SIRKIS

‘Não será rápido nem simples’


O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, diz que o controle do tráfico está dificultando a atuação da prefeitura no combate à verticalização da Rocinha, mas enumera ações do município na favela.
Selma Schmidt

A prefeitura tem como evitar a construção de prédios irregulares na Rocinha?

ALFREDO SIRKIS: A Rocinha é uma favela militarmente controlada pelo tráfico. A atuação da prefeitura, um poder desarmado, se dá neste contexto. Mais: a situação piorou muito de 2004 para cá. Antes, o tráfico não interferia na nossa ação. Agora, além do gás engarrafado e dos motoboys, começam a entrar no ramo da construção civil pirata. Há dois meses demolimos, com apoio do Bope, um prédio de cinco andares que era um bunker do tráfico. Na penúltima operação que fizemos, ano passado, no Trampolim, nossos técnicos ficaram no fogo cruzado entre o Bope os bandidos. Com tudo isso, desde 2001, foram realizadas na Rocinha 13 demolições no Portão Vermelho, no Trampolim e na Vila Verde e desmontamos 40 barracos no Macega. É preciso fazer mais. Vamos tentar.

Quais as ações da prefeitura para conter o crescimento das favelas?

SIRKIS: Os eco-limites são um caso de sucesso. Não houve mais crescimento horizontal sobre a área verde da Rocinha e da Favela Parque da Cidade. Temos ainda os programas Favela-Bairro e Bairrinho entre outras ações. O próximo passo é criar regras de construção específicas em cada comunidade.

Quais os riscos para quem compra ou aluga um imóvel num prédio de favela sem licença?

SIRKIS: Pode haver exceções, mas, em geral, essas construções são robustas. Usam muito mais material do que o necessário. Penso que pode haver mais problemas de insalubridade do que de segurança estrutural. Há ainda o problema de a pessoa estar vivendo no universo da informalidade.

Em quanto tempo vai se sentir resultados de ações da prefeitura para conter o crescimento vertical da Rocinha?

SIRKIS: Nossa prioridade na Rocinha é consolidar os eco-limites. Vamos realizar operações de demolição para dissuadir o crescimento vertical. Mas, acabar com o problema, só quando melhorar a situação de segurança, houver regras estabelecidas e a economia formal entrar na favela. Não será rápido, nem simples, mas, um dia, chegaremos lá.

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Campanha muda em favelas para evitar reação do tráfico

Jornal O Globo, Rio, 29 de setembro de 2005

Chico Otavio e Elenilce Bottari

Discutir a proibição da venda de armas com moradores que vivem em verdadeiros barris de pólvora, sob domínio de quadrilhas armadas que diariamente compram, vendem e usam armas, mudou o sentido da palavra campanha em favelas do Rio. Nestes locais, o referendo virou tabu. Embora não atinja o mercado negro das armas, os moradores evitam falar abertamente por temer uma reação dos grupos de traficantes que dominam essas regiões.

— As pessoas não têm como dizer: sou a favor do Estado e contra o poder paralelo. Quem vai proteger essas pessoas, se é difícil até para as forças públicas? A população não é burra. É melhor ficar na boca de siri, no silêncio de sua consciência, e votar o que deve ser votado — analisa o padre Luiz Antônio Pereira Lopes, da Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro.

Favelas abrigam 20% da população carioca

Um clima de insegurança que vem mudando as estratégias da Frente Por um Brasil Sem Armas para não excluir da campanha uma fatia que representa 20% da população carioca, segundo dados da prefeitura. Em vez de chamar a atenção em reuniões abertas e outras atividades públicas, as instituições buscam apoio de igrejas e escolas, e organizam reuniões fora da comunidade.

Elionalva Souza Silva, moradora da Nova Holanda, reclama que a iniciativa do Disque-Denúncia, de convocar os moradores a denunciar os traficantes que portam armas (o projeto “Desarme o bandido” visa a estimular relatos sobre esconderijos e a chegada de carregamentos de armas), dificultou ainda mais a situação e os obrigou a mudar o slogan, de “A Maré diz sim ao referendo” para “A Maré diz sim à vida”. A campanha oficial será lançada no dia 1.

O funcionário público Carlos Alberto de Oliveira, presidente do Comitê Comunidade Cidade de Deus (que congrega 15 instituições locais), diz que o tema não está sendo discutido pela população local:
— Temos sérios problemas com o item insegurança. As pessoas não estão a vontade para discutir tema nenhum numa área delicada. Certos assuntos são tabu. As pessoas vivem em estado de insegurança.

José Roque Ferreira, presidente da Associação de Moradores do Complexo da Mangueira, se declara a favor, mas disse que a questão central na comunidade é a violência “cometida pela polícia”.

— Armar não é solução para nada. O que deveria ser proibido é a entrada da arma ilegal. A arma que entra para a favela não é comprada nas lojas.

Na Maré, o discurso de desesperança se repete:
— Sou contra o comércio de armas porque as pessoas, e até mesmo a polícia, são despreparadas. Aqui, a polícia entra sempre atirando. Os moradores querem que isso pare — disse Sebastião Antônio de Araújo, do Instituto da Criança, onde toca o projeto Vida Real, para jovens dependentes químicos e envolvidos em atividades ilícitas.

Isaias Caetano Terra, comerciante da Mangueira, tem insegurança em relação ao futuro.
— Temo o que possa acontecer depois. Quem tem arma, mesmo com o referendo, não vai querer se desfazer dela. O preço acabará subindo no mercado negro. Tenho um vizinho que alega que o bandido vai entrar na sua casa e não terá como se defender.

O professor de Filosofia e Sociologia Eucrésio Ribeiro, que atua na Frente Brasil sem armas, garante que os moradores de áreas conflagradas pela violência querem a paz:
— O foco é desarmar o cidadão de bem, não o traficante.
 

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Vereadores dizem que  se prefeito enviar projeto  Câmara aprova demolições em favelas
Jornal O globo, Rio, 03 de outubro de 2005
 
A solução nas mãos de Cesar
Natanael Damasceno, Selma Schmidt e Taís Mendes
 
As justificativas apresentadas pelo prefeito Cesar Maia para a favelização da cidade provocaram forte reação no Legislativo.  Vereadores disseram que, se Cesar quiser mudar a Lei Orgânica do município, basta enviar um projeto que será aprovado, pois ele tem apoio da maioria dos integrantes da Câmara e seu partido é o de maior bancada.  Em entrevista publicada ontem no GLOBO, o prefeito afirmou que a Lei Orgânica impede demolições em favelas, a não ser que os moradores concordem ou que os imóveis estejam em áreas de risco.

Também houve reação à idéia de Cesar de que os vereadores poderiam apresentar a proposta de mudança na lei.  A maioria dos parlamentares ouvidos acha que qualquer iniciativa para mudar a legislação urbanística deve partir do gabinete do prefeito.  Aliados de Cesar disseram que o problema precisar ser debatido.  Já a oposição afirma que a prefeitura não tem conseguido conter o avanço das favelas e quer mudar o foco da discussão.

Vereadores lembraram que, como o prefeito conta com maioria na Câmara, tem aprovado quase todos os projetos de lei que envia.

—  O prefeito conseguiu aprovar este ano quatro projetos de lei complementar, que exigem maioria absoluta.  Ele tem 12 vereadores do PFL e alguns de outros partidos que se aliam conforme interesses pontuais.  Quando o prefeito quer, aprova o que deseja  — disse a vereadora Andrea Gouvêa Vieira (
PSDB), presidente da Comissão de Justiça da Câmara.

Presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara, o vereador Luiz Guaraná (
PSDB) disse que só a prefeitura pode apontar as dificuldades para a remoção das favelas.

—  Por isso, qualquer iniciativa para a modificação da Lei Orgânica deve partir do Executivo.  Cesar Maia é
prefeito desde 1993, mas só nesta última gestão afrouxou o combate ao crescimento irregular das favelas.   A lei era a mesma, mas ele combateu a favelização de forma incisiva nas suas primeiras gestões.  Há dificuldades, mas elas nunca foram empecilho para a remoção  — lembrou o vereador, que, como subprefeito da Barra da Tijuca, acompanhou a remoção de várias favelas daquela área.
 
Vereador:  Executivo tem poder de polícia
 
O vereador Eliomar Coelho (PT) afirmou que a Lei Orgânica e o Plano Diretor citados pelo prefeito não impedem a ação municipal em favelas.

—  Não é verdade que o Executivo esteja engessado,
pois tem poder de polícia.  Se há uma legislação urbanística para determinada área e uma construção estiver em desacordo com as normas, ele tem todas as condições para demolir esse imóvel, esteja onde estiver.  Quem é responsável por decidir e pôr em prática a política urbanística da cidade é o próprio prefeito.

Para o vereador Edson Santos (
PT), vice-presidente da Casa, Cesar deveria pedir ao líder do governo, Paulo Cerri, que apresentasse o projeto de emenda à Lei Orgânica suprimindo o inciso que impede as remoções.

—  Ele diz que está engessado pela Lei Orgânica para fazer remoções como justificativa para o fato de
não ter uma política habitacional.  O artigo 429 impede que se repita a experiência feita na década de 60, quando pessoas foram escorraçadas de suas moradias.  Ele só tocou na Lei Orgânica depois que O GLOBO verificou o crescimento da Rocinha rumo ao céu  — disse Santos

O vereador Paulo Cerri (
PFL) disse que a bancada do PFL terá uma reunião com o prefeito ainda esta semana para discutir o tema.  Ele afirmou que Cesar está certo quando diz que a legislação limita a ação do Executivo.  Segundo Cerri, a Câmara tem condições de debater o tema sem populismo, criando mecanismos que ajudem a estancar o crescimento das favelas.

—  Se já é difícil fiscalizar construções em áreas legalizadas, imagine em áreas extralegais.  A Câmara precisa criar mecanismos diferenciados para que o Executivo possa tratar do problema em áreas diferentes  — disse o vereador.

A presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Aspásia Camargo (
PV), afirmou que o prefeito tem o dever de enviar à Câmara as leis que ele julgar mais importantes para o controle da cidade.

—  A Câmara não vai se eximir dessa discussão.  Se existem erros na legislação, isso tem que ser discutido  — disse Aspásia.

Ela criticou o fato de Cesar responsabilizar o artigo 429 da Lei Orgânica.  Segundo ela, outros incisos no mesmo artigo garantem instrumentos para que o prefeito garanta o ordenamento urbano.

A entrevista do prefeito também suscitou críticas fora da Câmara de Vereadores.  Para o presidente da Associação de Moradores e Amigos do Leblon, João Fontes, enquanto Cesar e a Câmara não se entendem, a cidade continua sofrendo com o crescimento das favelas.

Já para o empresário Roberto Kauffmann, presidente do Sindicato das Empresas de Construção Civil (Sinduscon-RJ) e membro da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ),
a solução para o problema está longe dessa discussão.

—  De fato, a legislação engessa a remoção das favelas.  Mas, para acabar com o problema das ocupações ilegais, você deve
seduzir essas pessoas e não obrigá-las a sair  — disse.

Segundo ele, a solução para o problema é
uma política habitacional para pessoas de baixa renda, que transforme áreas ociosas da cidade em espaços atraentes para a população que hoje vive nas favelas.
Como a lei pode ser mudada
 
Quando o prefeito diz que a legislação impede a demolição de construções erguidas em áreas carentes, ele se refere ao artigo 429 da Lei Orgânica do município, que está em vigor desde abril de 1990.

Para modificá-la, é necessária a apresentação de um projeto de emenda à Mesa Diretora da Câmara com a assinatura de pelo menos um terço dos vereadores.  Dali, o projeto será encaminhado às comissões relacionadas ao assunto, como as de Justiça, de Assuntos Urbanos e Meio Ambiente, que deverão apreciar a proposta e apresentar pareceres.  Caso a matéria tenha caráter de urgência, um parecer conjunto poderá ser apresentado para abreviar a tramitação.

Depois de passar pelas comissões, a emenda será encaminhada ao plenário, onde deverá ser votada duas vezes, com um intervalo de pelo menos dez dias entre as duas sessões.  Para ser aprovada, a emenda deve ter os votos de dois terços da Câmara.

Segundo os vereadores, dependendo da urgência do projeto, ele tanto pode ser levado a plenário em poucos dias, como pode ficar em discussão por mais de um ano.
 
Número de moradias em favelas cresceu de 91 a 96
 
O número de habitações em favelas não caiu de 1991 para 1996, como disse o prefeito Cesar Maia em entrevista publicada ontem no GLOBO.  Segundo dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, vinculado à Secretaria municipal de Urbanismo, no período houve um crescimento de 13,46%.  O prefeito disse ainda que, nas grandes capitais, 20% dos imóveis são ilegais ou subnormais.  Dados de 2000 do IBGE mostram que 17,12% dos domicílios do Rio ficam em favelas (ou seja, 308.622 de um total de 1.802.347).  Em 1991, eram 225.870 de um total 1.564.981 (ou 14,43%).

Cesar acredita que, sem a renda das drogas, seria mais fácil conter o crescimento das favelas.  Segundo ele, há 50 bocas-de-fumo na Rocinha e a favela é responsável por 30% da redistribuição de drogas na cidade.  A inspetora da Polícia Civil Marina Magessi, no entanto, desmentiu as declarações.  De acordo com ela, a Rocinha tem
12 bocas-de-fumo e não redistribui mais drogas para a cidade.  Marina informou que, desde a a morte do traficante Ernaldo Pinto de Medeiros, o Uê, e a prisão de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, toda a redistribuição passou a ser feita pelo Complexo da Maré.  A inspetora disse que droga que sai da Rocinha é consumida apenas na Zona Sul:

—  São garotões da Zona Sul que vão buscar a droga na Rocinha.  Eles compram e revendem em apartamentos também na Zona Sul.

O prefeito sugeriu ainda que microcréditos fornecidos pelo Viva Rio na Rocinha foram aplicados na construção de lajes.  Segundo o prefeito, a entidade, o BID e o BNDES estimularam a verticalização da favela.  Coordenador do programa Viva Cred, do Viva Rio, Teófilo Cavalcanti disse que não é intenção do órgão fornecer crédito para incentivar a verticalização das comunidades.  Segundo ele, o Viva Cred é destinado a microempresários de áreas carentes que queiram ampliar seus negócios, comprar equipamentos ou diversificar o estoque.  O crédito varia de R$ 300 a R$ 5 mil e os recursos são do BID e do BNDES, com juros de 3,9% ao mês. 
A aplicação do dinheiro não é fiscalizada, a não ser em caso de um segundo pedido de financiamento:

—  A própria prefeitura não consegue fiscalizar o que acontece nas comunidades.  Nossa finalidade é dar apoio à economia local.

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Espigão não dá sombra, dá voto

Terça-feira, 03 de outubro outubro de 2005

 

É invejável e crescente a desenvoltura com que Cesar Maia aplica sobre o carioca o truque de mudar o rumo das discussões.  Ao dizer que é melhor ter espigões na favela da Rocinha do que na praia, onde fazem sombra, o prefeito puxou para sua sala assunto movediço em que a secretaria de Urbanismo afundava em conversa-fiada para encobrir a inépcia com eco-limites e a guerra do tráfico de drogas.  Com uma frase que significa absolutamente nada, já que a parede de espigões nas praias da Zona Sul é imutável, Maia encurtou o horizonte do debate e mudou-lhe o foco.  Os leitores cobriram os jornais de cartas sobre a sanidade do prefeito e passou-se batido pela falência urbana que o prefeito promove.  


Google Earth

Rocinha: 18 andares de prefeitura em frente
 
Sobrou o inexplicável:  em frente à Rocinha, num prédio de 18 andares onde já funcionou um hotel, estão instalados 14 órgãos municipais.  Trata-se do Centro Rinaldo De Lamare, a maior concentração de repartições e funcionários do município, depois da sede da prefeitura, no Centro da cidade.  Não havia, portanto, como esconder do município uma construção de 11 andares, 56 apartamentos e aluguel da cobertura fixado em 1.500 pratas.  Nem precisava.  A obra durou um ano e quatro meses.  Desde a posse do prefeito a secretaria de Meio Ambiente já removeu casas em volta e ao lado do prédio, para criar um parque ambiental (que ficou no papel), e a de Urbanismo examinou e atestou a segurança da estrutura do edifício.

O dono do monumento erguido na Rocinha é o paranaense Antônio Bahia Rosa, patriarca de uma família de cerca de 20 pessoas.  Quem os conhece garante que os Bahia Rosa passaram anos juntando dinheiro ganho com transporte escolar para enfiar na construção.  Agora, além dos aluguéis (na média, 500 reais), também conseguem alguns trocados (cerca de 10 dólares) para cada grupo de visitantes que as agências de turismo levam à cobertura do prédio para ver a favela do alto.

Tudo isso acontece nas barbas da cidade, ao lado de uma das áreas mais valorizadas do Rio e a menos de 500 metros do condomínio onde Cesar Maia tem um apartamento de frente para o mar de São Conrado.  É uma espécie de rega-bofe urbano que não poderia surpreender ninguém.  Foi anunciado na primeira entrevista do prefeito, depois de eleito.  Lá está dito, com todas as letrinhas:  “As favelas são a prioridade”.  Se alguém entendeu nisso algo como uma nova safra de Favela-Bairro, dançou.

Favela-Bairro é um programa que nasceu para corrigir distorções que transformaram as favelas em guetos. Se virou política habitacional da prefeitura são outros quinhentos.  O objetivo era abrir espaços que ajudassem a integrar favelas ao asfalto e melhorar a vida dos moradores, pelo menos nos lugares por onde as obras passam.  Com esse papo encantou o Banco Interamericano de Desenvolvimento, que abriu uma torneira de
600 milhões de dólares e pode entregar uma bacia com mais 400 milhões daqui a pouco.  Fez (e ainda faz) coisas boas sob a inspiração da arquiteta Lu Petersen e sofreu uma tentativa de apropriação por parte do ex-prefeito Conde e sua trupe.  O programa coleciona números impressionantes, como 2,28 milhões de metros quadrados de ruas pavimentadas ou quase 650 mil metros quadrados de áreas de lazer, entre dezenas de outros resultados.  Recentemente, no entanto, começou-se a observar que as boas mudanças obtidas vêm desaparecendo sob uma combinação perversa de baixa qualidade das obras com ausência de conservação.

Não era a isso, como dizia, que o prefeito se referiu na entrevista, mas às grandes favelas do ponto de vista da permissividade urbana, da falta de regras para a ocupação dos espaços.  Em bom português, queria dizer o seguinte:  à favela, tudo.  Os resultados, que já se observam pela cidade, são frutos dessa entrevista.  Não à toa, no meio dessa história do prédio da Rocinha
a prefeitura isentou o comércio que se instalar nas favelas de todas as taxas municipais.  É a consolidação da tese de que só da classe média para cima existem obrigações em relação ao poder público.  Nas favelas instalou-se a indulgência plena que, a intervalos regulares, é paga com votos.  Nada diferente de outras administrações.

Luiz Paulo Conde, quando prefeito, tinha uma frase singela para escapar de perguntas incômodas sobre esse tipo de baderna programada:  “Ih!  Ali, perdemos o controle”, dizia com candura.  
Seu secretário de Urbanismo chegou a escrever livro para defender a favelização das grandes cidades como solução de moradia para os pobres.  Quando o eleitor percebeu que a taxa de insanidade da prefeitura andava alta, enxotou-o Conde da cadeira.  Político mais refinado, Cesar Maia sofisticou a operação.  Tira o problema da mira, evitando que a administração seja julgada, e atrai os disparos contra seu próprio juízo.  Como profere qualquer absurdo e sai de cena, a gritaria não dura mais de 48 horas.

Até agora tem dado certo.  Tanto que, para a classe média,
grudou sua campanha a prefeito na idéia de um choque de ordem urbana.  Eleito, a baderna urbana está engolindo a cidade e o carioca só percebe a contravenção tópica.  As favelas se agigantam em ritmo galopante e a secretaria de Urbanismo finge que está tudo contido pela frágil barreira dos eco-limites.  É falso.  Eco-limites são uma boa idéia do ex-secretário de Meio Ambiente Eduardo Paes, mas só funcionam sob vigilância, atividade para a qual a atual tropa do Urbanismo carece de aptidão.

Houvesse alguma vontade de cuidar da cidade os doutores da secretaria de Urbanismo sequer precisariam deixar suas cadeiras.  Desde maio está na Internet, à disposição de quem usa Windows e tem interesse mínimo sobre o mundo em que vive, a maravilha tecnológica chamada
Google Earth.  Vem a ser um levantamento fotográfico do planeta feito a partir de satélites por câmeras de alta precisão.  A qualidade é tão boa que, aplicando zoom, permite observar detalhes dos prédios.  É só os doutores baixarem o programa para seus computadores e urbanar à vontade, porque, como os demais serviços do Google, esse também é grátis.

Google Earth

Parque da Cidade: área pública entregue à favela

Com ele poderão ver que eco, sem olho, não limita nada.  Vira cascata braba para enganar leitor de jornal.  Existisse algum tipo de limite os doutores que urbanam o Rio não teriam entregado o Parque da Cidade completamente à favela, como mostram as fotos do Google.  Esse é o drama que passa na porta do carioca que paga impostos.  A cidade perdeu um parque inteirinho para a favela e continua pagando os salários de quem deveria ter impedido isso e não o fez.   Alguém tem dúvida de que esse crime foi encomendado?  É a única explicação.  Para desocupar terreno público a prefeitura nem precisa recorrer à Justiça.  É só chamar a polícia.


Google Earth

Rio das Pedras:  sem eco ou limite.  Acordo político

Por isso é bom olhar o Rio pelas lentes do Google.  Mais do que num punhado de entrevistas de prefeito e secretários percebe-se ali
o que o poder público fez da cidade e o tipo de desastre para o qual ela caminha.  É só observar a foto de Rio das Pedras para ver que não há eco nem limites.  A favela cresce à média de oito barracos por semana, já chegou à margem da lagoa da Tijuca e, quando chove, as crianças brincam no meio do esgoto que lhes invade os barracos.  Só não aparece na foto o acordo que bancou e rege o desenvolvimento da favela até hoje.

Há limite possível para as favelas? 
Claro que não, porque elas não ficaram com a cara que têm só por causa da imigração ou da taxa de fecundidade nas comunidades, como diz o prefeito.  Uma construção ilegal de 11 andares não sai do chão sem que a guarneçam fortes interesses políticos.  Esse é o grande fermento da favelização.  Rio das Pedras não virou uma sucursal da Paraíba por causa de uma linha de ônibus interestadual que tem ponto final ali, mas porque o chefe da favela é aliado do prefeito e vereador pelo PFL.

Google Earth

Rocinha-Vidigal:  só há expansão quando permitida

Basta botar um olho na faixa de terra que separa a Rocinha do Vidigal para ver que
favelas só crescem à sombra da administração.  Nesse caso, a família proprietária do terreno entre ambas decidiu que isso não acontecerá e mantém a área cercada e protegida.  Assim, quando o prefeito manifesta preferência por espigões nas favelas, em lugar de questionar-lhe a sanidade é melhor ler duas vezes o que ele está dizendo.  Pode ajudar na compreensão a idéia de que as favelas, como territórios acima e à margem das leis, só existem como resultado de favor político.  E para encurtar a conversa, até as últimas árvores dos morros sabem que a moeda que paga essa troca é o voto.

******

Você vai dizer “sim” ou “não”?

Chegou às bancas de jornal e livrarias um livrinho despretensioso e de extraordinária utilidade.  Custa 10 reais e, ao contrário de uma reportagem de capa do fim de semana, foi feito pelo pessoal que não gosta de armas nem do risco que elas representam.  Escreveram-no
Antônio Rangel Bandeira* e Josephine Bourgois, ambos integrantes da campanha pela proibição do comércio de armas no país.  São 100 perguntas e respostas muito úteis para quem carrega dúvidas sobre o tema e o destino do voto que deverá dar no próximo dia 23.  Sem sectarismos, a argumentação parece bem calçada sobre dados e fatos reais.  Diferente, por exemplo, de afirmações que circulam na Internet, segundo as quais Hitler desarmou todos os civis na Alemanha para depois fazer o que fez.  Isso é falso.

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Favelização na mira da Câmara

Jornal O Globo, Rio, 04 de outubro de 2005
Ruben Berta e Selma Schmidt
 
O pontapé inicial para a mudança do trecho da Lei Orgânica que impede a prefeitura de fazer remoções em favelas, exceto em caso de risco de vida para os moradores, foi dado ontem pela Câmara dos Vereadores.  Três projetos de emenda para alterar o inciso sexto do artigo 429 foram elaborados por cinco vereadores.  Eles tentam agora recolher as 17 assinaturas necessárias para que a proposta possa ser apreciada pela Casa.

Hoje de manhã, o prefeito Cesar Maia se reunirá no Palácio da Cidade com a bancada do PFL para discutir o tema e buscar um consenso dentro do partido, que está dividido.  Por e-mail, Cesar disse que tentou informalmente, sem sucesso, alterar a Lei Orgânica cerca de 20 vezes em nove anos, com projetos apresentados por intermédio de vereadores.  Segundo ele, quando isso foi feito, pediu que a iniciativa não fosse identificada como sendo do Executivo, pois, do contrário, nada era discutido e ocorria “um jogo de desgaste para lá e para cá.  Se num tema desse (remoção) se divide a Câmara entre governo e oposição, nem 17 assinaturas se conseguem para que o projeto tramite”.
 
Ontem, repórteres do GLOBO ouviram 25 dos 50 vereadores sobre a mudança na Lei Orgânica. 
    • Doze foram favoráveis à proposta que permite à prefeitura remover favelas. 
    • Quatro preferiram não opinar e
    • nove se disseram contrários
Para aprovar um projeto de emenda constitucional, são necessários dois terços da Câmara.
Líder do governo é contra a remoção
 
Dos projetos, o mais simples é de autoria de Wanderley Mariz (PFL):  suprime o trecho do inciso sexto do artigo 429 da Lei Orgânica que trata da remoção.  Com isso, o vereador quer que essa hipótese possa ser considerada pelo município:

—  O atual dispositivo
permite que sejam obtidas liminares para barrar ações da prefeitura.  A Câmara não pode se omitir neste momento em que a cidade está asfixiada.  O município precisa ter instrumentos para agir  — disse Wanderley.

Já um projeto conjunto de Leila do Flamengo (
PFL), Luiz Guaraná (PSDB) e Aspásia Camargo (PV) propõe a possibilidade de remoção total ou parcial das favelas, nos casos em que o Poder Executivo achar necessário.  O texto permite ainda que o reassentamento seja feito não só em lugares próximos à moradia ou ao trabalho, mas também “em locais providos de saneamento básico e de transporte coletivo.”  Pelo projeto, quem estiver em área de proteção ambiental e interesse paisagístico e residindo no local há menos de cinco anos não terá direito a reassentamento.

Leila admitiu que aprovar esse projeto será uma tarefa difícil:

—  Muitos vereadores foram eleitos pelo trabalho comunitário em favelas.  Dois projetos meus, um criando a Área de Proteção Ambiental do Dona Marta e outro que acaba com a favela existente no Morro da Viúva, foram arquivados  — disse Leila, que também pretende apresentar requerimento à Mesa Diretora propondo que seja constituída a Comissão Especial para Acompanhamento da Política de Habitação para a População de Baixa Renda.

O projeto de
Carlos Bolsonaro (PP) prevê a mudança no texto do inciso sexto do artigo 429 da Lei Orgânica, permitindo a remoção de moradores “quando as condições físicas das áreas ocupadas imponham ou não risco de vida a seus habitantes, inclusive em área de especial interesse urbanístico e de utilização pública”.  Prevê ainda o “assentamento em localidades determinadas pelo Poder Executivo”.

—  Muitos têm medo de discutir a questão da favelização, porque ganham votos dentro das comunidades.  Sei que a remoção é uma medida paliativa.  É preciso mais.  Se não se falar em
controle de natalidade não se resolve o problema do crescimento das favelas  — disse.

O caminho dos projetos na Câmara deve ser tortuoso.  O próprio líder do PFL  — partido de Cesar Maia —  Paulo Cerri, disse que a remoção de favelas é um
assunto que sequer pode ser cogitado:

— 
A remoção é um assunto do passado, que não tem a ver com a realidade de hoje.

A vereadora Rosa Fernandes (
PFL) acha que a remoção tem de ser discutida juntamente com o novo Plano Diretor do Rio.  Ela defende a elaboração de uma proposta conjunta, apresentada pela Mesa Diretora, que estabeleça as regras da remoção.

—  Precisamos tratar o assunto com responsabilidade.  O ideal é termos uma proposta conjunta de todos os vereadores, que leve em conta a cidade como um todo  — disse Rosa.

Outros integrantes do PFL também são contra a remoção.  É o caso de
Nadinho de Rio das Pedras, que tem sua base eleitoral na comunidade de Jacarepaguá:

—  Já vou me manifestar contrário amanhã (hoje) em plenário.  A prefeitura tem condições de fiscalizar novas construções.  Mas, para os que já estão assentados, a melhor política é a da urbanização.

O vereador
Jorginho da SOS, também do PFL, criticou os projetos.  Jorginho, que recebeu 13 mil dos 24 mil votos no Complexo do Alemão, seu reduto eleitoral, afirmou que a prefeitura não tem condições de fazer remoções em favelas do porte do Jacarezinho, do Complexo do Alemão e da Rocinha.

—  Há favelas e favelas.  Eu tenho como base o Complexo do Alemão.  Sou criado lá.  É impossível remover essa gente toda.
COLABORARAM: Maiá Menezes e Paulo Marqueiro
 
MP:  tarefa de fiscalizar é da prefeitura
 
Alba Valéria Mendonça e Ruben Berta
Apesar de ressaltar a importância da mudança da legislação, o promotor Carlos Frederico Saturnino, da 1 Promotoria de Tutela Coletiva e Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Cultural, reafirmou ontem que cabe à prefeitura a fiscalização de novas construções irregulares em favelas.  Segundo ele, quando não fiscaliza, o município descumpre seu poder legal:

—  Quanto à remoção de favelas já existentes, concordo que a Lei Orgânica gera polêmica sobre o que a prefeitura pode ou não fazer.  Mas não há como fugir do dever de conter o crescimento.

Representantes de associações de moradores reclamam da letargia do poder público para tentar barrar o crescimento das favelas, na cidade.  Segundo eles, o problema é grave e só poderá ser resolvido com a integração dos poderes municipal, estadual e federal.

A presidente da Associação de Moradores de Botafogo, Regina Chiaradia, diz que o crescimento das favelas acontece porque falta uma política habitacional digna e séria.  Segundo ela, desde a década de 60 ninguém investe na construção de habitações populares para as pessoas carentes.  Com isso, a única alternativa para as pessoas de baixa renda é a favela.

—  É preciso construir moradia digna, onde as pessoas tenham acesso a transporte, escola e saúde.  O Executivo e Legislativo têm responsabilidade para resolver o problema, mas ninguém quer esse ônus.  Todos querem os votos dos moradores das favelas.

Já a presidente da Associação de Moradores da Orla da Lagoa da Tijuca (Barra da Tijuca), Luci Augusta de Carvalho, acha que falta vontade política das autoridades para barrar o crescimento das favelas.

Paulo Wagner, vice-presidente da Associação de Moradores da Gávea, reconhece que a remoção das favelas implicaria num grave problema social.  No entanto, ele acredita que alguma medida tem de ser tomada imediatamente para conter o avanço das comunidades:

—  É preciso que vereadores, prefeito e governadora se reúnam, debatam o assunto.  Não adianta empurrar a responsabilidade para outro.

A preocupação com projetos políticos em detrimento do gerenciamento da cidade é apontada pelo presidente da Associação de Moradores do Leblon João Fontes, como a principal causa do descaso do prefeito Cesar Maia com relação ao crescimento das favelas.

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Prefeitura lança programa Rocinha Legal

Jornal O Globo, Rio, 05 de outubro de 2005
 
Selma Schmidt
 

Durante reunião com representantes de associações de moradores, do Ministério Público e da indústria da construção, o secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, lançou ontem o programa Rocinha Legal.  O plano prevê

    • a criação de parâmetros provisórios para construções na favela, entre eles alturas máximas; 
    • a demolição de 360 casas em áreas de risco, inclusive sobre o Túnel Zuzu Angel; e
    • a elaboração de projetos de médio prazo voltados para a melhoria da qualidade de vida na comunidade, acolhendo sugestões da sociedade.
Com exceção de uma minuta de decreto que Sirkis encaminhará ao prefeito Cesar Maia até o fim da semana, as demais ações não têm prazo para ser implementadas.  O documento vai estabelecer regras temporárias para construções legais na Rocinha, até que cada sub-bairro seja estudado detalhadamente.  Uma das normas é a fixação de gabarito entre dois e quatro pavimentos dependendo da localização do imóvel, podendo chegar a cinco num único ponto da Rocinha.  Os outros itens que constarão da minuta são
    • a obediência aos eco-limites (cercas),
    • o respeito ao espaço público e
    • condições mínimas de salubridade.
—  Quanto às construções que estão acima do gabarito, vamos analisar caso a caso.  Poderá haver demolições, dependendo da avaliação de nossos técnicos  — disse Sirkis.

O secretário prometeu que, a partir do Posto de Orientação Técnica da Rocinha, será estabelecido um sistema de licenciamento e fiscalização das construções.  Ficou acertado na reunião que as associações de moradores ajudarão na fiscalização e respaldarão eventuais ações de demolição.  Já o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon-RJ) pretende cadastrar e formar pedreiros e mestres-de-obras.

— 
Temos a intenção de incentivar construtores formais a erguer imóveis na Rocinha  — disse Roberto Kauffmann, presidente do Sinduscon-RJ.
Sirkis espera concluir as 360 remoções de áreas de risco até 2009.  Ele disse que a derrubada das casas depende de verba para pagamento de compensações às famílias, mas estabeleceu prioridades.  A primeira é a retirada de 70 casas que, desde 2001, estão fora dos eco-limites.  O custo estimado da ação é R$ 700 mil.  Também têm de ser derrubadas
    • 70 na Macega,
    • cem sobre o Zuzu Angel e
    • 120 junto ao valão da Rocinha.

Para o promotor Carlos Frederico Saturnino, o Rocinha Legal é uma boa iniciativa, mas não é suficiente.  Ele quer a assinatura de um termo de compromisso da prefeitura com o MP, fixando prazos para que cada ação proposta seja implementada.

Dirigentes das associações de moradores do Alto Gávea (Luiz Fernando Penna), São Conrado (José Britz) e Bairro Barcelos, na Rocinha (Sebastião José Filho) acham longo o tempo previsto para concluir as remoções de áreas de risco

—  O que me preocupa é a lentidão.  Espremeram muito a classe média, que cada vez mais está correndo para a Rocinha  — disse Sebastião.

—  É preciso encurtar os prazos, sob pena de vermos surgir uma nova Rocinha  — acrescentou Penna.

Prefeito e Câmara recuam

Luiz Ernesto Magalhães e Paulo Marqueiro

Depois de dizer que não poderia demolir construções em favelas por causa da Lei Orgânica do Município e de afirmar que tentou sem sucesso alterar a legislação cerca de 20 vezes em nove anos, o prefeito Cesar Maia voltou atrás.  Ontem ele se declarou “radicalmente contra as remoções”:

—  A minha posição é contra a remoção.  Remoção para nós é uma melhoria de vida da população, não é um instrumento de fazer desaparecer as comunidades.  Elas estão aí para ficar.  Elas ficarão.  Não se pode criar na classe média essa expectativa de remoção de favelas, porque ela não existe.  Agora, irregularidades, exageros, abusos têm de ser contidos.

O que tem sido discutido, no entanto, não é a remoção das favelas, mas a mudança na Lei Orgânica do Município, que hoje não dá à prefeitura instrumentos para remover casas erguidas irregularmente.  A atual legislação só permite que o prefeito atue em caso de risco ou se houver consenso, passando ao largo de problemas como verticalização e expansão desordenada.

Na Câmara, também houve recuo.  Os vereadores que defendem mudanças na Lei Orgânica para facilitar a remoção de favelas
não conseguiram ontem as 17 assinaturas necessárias para as propostas serem discutidas em plenário.  Um dos projetos, que reuniu propostas de Leila do Flamengo (PFL) e Aspásia Camargo (PV), conseguiu a adesão de apenas 11 colegas.  As justificativas são variadas.  Nadinho de Rio das Pedras (PFL) afirmou ser radicalmente contra as remoções.  Já Luiz Guaraná (PSDB) disse que cabe ao Executivo apresentar propostas indicando o que deve ser mudado.

Em entrevista ao GLOBO domingo,
Cesar disse que não apresentaria projeto de emenda à Constituição municipal por não ter garantia de que conseguiria os dois terços (34 votos) necessários à mudança.  O prefeito afirmou que a iniciativa deveria partir dos vereadores.  Ontem, depois de se encontrar com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no Palácio da Cidade, para conversar sobre o Pan 2007, Cesar mudou o tom:

—  A política do prefeito é não remoção.  Sou radicalmente contra.  Isso não me impede de ter feito remoções na cidade.  Não fiz poucas.  Fiz várias, mas sempre com entendimento da população.  O Favela-Bairro faz isso, mas faz por consenso.  O reassentamento do Favela-Bairro é sempre feito na área da própria comunidade,
através de verticalização.

O prefeito argumentou ainda que a remoção de favelas é uma política pública
que não deu certo no Rio:

—  Temos de integrar a cidade.  Como o Rio vai reproduzir agora a discussão dos anos 60, dos anos 40?  Isso é uma barbaridade  — disse.

Cesar anunciou que dentro de dois anos a prefeitura deverá construir um complexo esportivo, educacional e de saúde na área ocupada hoje pela Escola Americana, na Gávea, vizinha à Rocinha.

No Legislativo, os debates não avançaram ontem.  Presidente da Comissão de Meio Ambiente, Aspásia Camargo admitiu que a falta de apoio a projetos para mudar a Lei Orgânica mostra ser pouco provável que a atual legislatura mude as regras em vigor para as favelas.

Por equívoco, Wanderley Mariz (PFL) chegou a protocolar na Casa uma proposta.  Como havia dúvidas se os colegas assinaram como co-autores (como exige a Lei Orgânica), o presidente Ivan Moreira decidiu não aceitar o projeto até Mariz conversar com os colegas.

Mariz admitiu, em telefonema a Ivan, não saber da necessidade de 17 assinaturas de vereadores co-autores de emendas à Lei Orgânica.

João Cabral (PT do B) deu apoio ao projeto mas não quis assinar:

—  Quero que a questão seja debatida.  Mas cabe à prefeitura encaminhar propostas.

Brizola Netto (PDT) se disse contra as remoções:

—  Essa é uma discussão superada há tempos.

Jorge Felippe (PMDB) diz que
só apoiará qualquer projeto se houver mudanças na Constituição estadual.  E, mesmo assim, ele faz ressalvas:

—  Acho que esta questão tem de ser discutida junto com a revisão do Plano Diretor da Cidade  — disse.

Ontem de manhã, Ivan Moreira disse que iria discutir a formação de uma comissão conjunta entre a Câmara e a Assembléia Legislativa para discutir a questão das favelas.  À noite, ele
já havia descartado a idéia:

—  Os vereadores querem tratar da questão aqui mesmo  — disse.

Luiz Guaraná, que preside a Comissão de Assuntos Urbanos, marcou para amanhã, às 10h, uma audiência pública para debater com secretários e técnicos da prefeitura as medidas para conter a favelização e o crescimento desordenado.

No Morro da Coroa, no Centro, o programa Amigos da Comunidade, da Secretaria
estadual de Ação Social, tem ajudado moradores da favela a pintarem de branco as fachadas de suas

Bancada do PFL é liberada pelo prefeito A falta de consenso sobre as favelas em seu próprio partido levou o prefeito a liberar a bancada de 13 vereadores do PFL para votar como desejar projetos que tratem da eliminação da proibição de remoções.  A decisão foi tomada ontem, durante uma reunião no Palácio da Cidade.  A bancada justificou a decisão em nota oficial com 17 itens.  A maioria traça um histórico da ocupação das favelas ao longo de décadas e as estratégias para tratar do assunto.  Apenas em dois itens a nota revela que cada vereador terá liberdade para opinar sobre o assunto.

A única ausência foi de
Nadinho de Rio das Pedras.  Antes de ser vereador, ele presidiu a associação de moradores da Favela Rio das Pedras, em Jacarepaguá.  À tarde, já na Câmara, Nadinho fez um discursos contra qualquer remoção:

—  Se algum projeto for a plenário,
vou distribuir nas comunidades listas com os nomes de vereadores que votarem a favor  — disse.

Para Ivan Moreira, qualquer lei que preveja remoções pode se revelar inócua sem a criação de programas de habitação popular.
.

Alerj já tem projeto para mudar

Maiá Menezes

Enquanto o prefeito Cesar Maia recuou e a Câmara dos Vereadores não consegue assinaturas para mudar a Lei Orgânica, a Assembléia Legislativa já saiu na frente.  Pelo menos duas propostas de emenda constitucional (PECs) que permitem as remoções de moradores de favelas serão analisadas pela Alerj.  Uma delas, do deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), já foi protocolada na Mesa Diretora, depois de receber as 34 assinaturas necessárias para a apreciação.  O deputado Flavio Bolsonaro (PP) apresenta hoje outra PEC, segundo ele, mais radical do que a de Luiz Paulo.  As duas mudam o artigo 234, da Constituição estadual, que permite a remoção apenas nos casos em que o local impuser risco aos moradores.  Com as propostas, os debates no plenário deverão esquentar.

—  Na década de 60, nós convivemos com o terror dos despejos.  De repente, esse fantasma volta a nos assombrar.  Isso abre espaço para a perseguição dos pobres  — disse a
deputada Jurema Batista (PT), que tem base eleitoral no Morro do Andaraí.

Flavio Bolsonaro acha que o Poder Executivo deve ter pleno direito de remover moradores de favelas, a qualquer tempo e para onde quiser:

—  Tem que haver a remoção, independentemente dos riscos.  O local fica a critério do poder público.  O que não pode é decidir que eles (os moradores de favelas) sejam removidos para áreas próximas.  É um absurdo, se você levar em conta o IPTU de São Conrado, onde fica a Rocinha.

A proposta de Luiz Paulo prevê remoções quando houver risco de danos ambientais ou necessidade de obras de saneamento, viárias ou de habitação no lugar ocupado.

—  Esse é um problema metropolitano.  A emenda abre a discussão no estado  — disse Luiz Paulo.

O presidente da Alerj, Jorge Picciani, defende a criação de um fórum de discussão sobre o assunto.  O líder do governo, Noel de Carvalho (PMDB), quer o envolvimento da União nos debates.  Já o deputado Paulo Mello, líder do PMDB, sustenta que o crescimento desenfreado das favelas, em muitos casos, beneficia criminosos, que lucram com as ocupações ilegais:

—  A gente não pode ter medo de discutir matérias polêmicas.

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MP quer remoção em áreas de risco

Jornal O Globo, Rio, 06 de outubro de 2005

Selma Schmidt

Os promotores Rosani da Cunha Gomes e Carlos Frederico Saturnino, titulares da Segunda e da Primeira Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Meio Ambiente, encaminharão uma recomendação ao prefeito Cesar Maia,
fixando prazo de 20 dias para que ele apresente um projeto de remoção de 14 comunidades de quatro áreas onde existem cerca de quatro mil casas. As favelas foram eleitas pelo Ministério Público (MP) como prioritárias para a desocupação, por causa da velocidade do seu crescimento e por estarem em lugares de preservação permanente e de risco de desabamento e inundações. Caso o pedido seja ignorado por Cesar, os promotores ingressarão na Justiça com uma ação civil pública.

— Para remover essas favelas, o prefeito não precisa mudar a Lei Orgânica. As atuais legislações municipal, estadual e federal permitem que ele faça a desocupação de favelas, o reassentamento moradores e a recomposição da vegetação. Se o prefeito não atua, carateriza-se omissão — observou Rosani, acrescentando que o local de reassentamento deve ser próximo, mas não necessariamente ao lado das antigas favelas ou do lugar de trabalho dos moradores.

O MP se respalda em parecer do Grupo de Apoio Técnico do órgão, que elegeu quatro áreas com ocupações ilegais como as mais críticas da cidade, a partir de análise de mapas do Instituto Pereira Passos (IPP) e de visitas aos lugares.
Entre as comunidades incluídas na lista do MP estão a Vila Parque da Cidade (na Gávea), a Mata Machado (Alto da Boa Vista) e a comunidade do Grotão (no fim da Rua Pacheco Leão, no Jardim Botânico).

Município diz que faltam recursos

Em 2003, a Segunda Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Meio Ambiente abriu inquérito para apurar a situação das ocupações ilegais. Além do estudo técnico, o MP ouviu representantes das secretarias municipais de Urbanismo, de Meio Ambiente e de Habitação.

De acordo com o termo de declarações, em seu depoimento a gerente do programa de favelas da Secretaria municipal de Habitação (SMH), Márcia Garrido, disse que, quando a ocupação ocorre em áreas de risco e de preservação ambiental, a prefeitura cadastra os moradores para posterior remoção. “Ocorre que os recursos são escassos e, apesar da continuidade do trabalho, ainda há necessidade de implementar esta ação de forma mais abrangente”, afirmou Márcia no depoimento. Segundo ela, a SMH está tentando obter recursos externos, como os planejados para o Favela-Bairro 3.

Ainda no depoimento, Márcia informou que a SMH está atuando em remoção em áreas de risco nas comunidades da Formiga (Tijuca), do Juramento (Vicente de Carvalho) e Vila Catiri (Campo Grande). Ela, no entanto, disse que não poderia estimar um prazo para a conclusão do trabalho, “pois depende de liberação de recursos pelo Tesouro Municipal”.

Na primeira área identificada como crítica por técnicos do MP, localizam-se as favelas
Tijuaçu, Mata Machado, Sítio da Biquinha, Agrícola, Furnas, Fazenda e Morro do Banco, localizadas no Alto da Boa Vista e no Itanhangá. Segundo parecer assinado pelo engenheiro florestal Rogério de Lima e Silva Caldas, os recursos hídricos e a Mata Atlântica da região vêm sendo destruídos. “O grande risco é que essas comunidades possam se unir, destruindo todo o vale que se encontra adjacente ao Parque Nacional da Tijuca”, disse Rogério no parecer.

De acordo com o documento,
também devem ser removidas com urgência as favelas junto à Estrada da Covanca, em Jacarepaguá (Covanca, Tangará, Bela Vista e Inácio Dias). Elas seriam responsáveis “pela degradação dos recursos hídricos e da vegetação nativa ” e se encontram em área de risco para os moradores.

Outra área a se liberada imediatamente, na avaliação dos técnicos do MP, é ocupada por duas favelas: o Grotão, no Jardim Botânico, e a Vila Parque da Cidade, na Gávea. O entorno da Vila Parque da Cidade é revestido de Mata Atlântica.

Nos limites do Parque Nacional da Tijuca, a pequena comunidade do Açude é mais uma favela incluída na lista do MP. Segundo informações obtidas por técnicos do órgão no Instituto Pereira Passos, da prefeitura, moradores captam água dentro do parque.
Prefeitura entre críticas e elogios nas favelas


Vice-presidente da Associação de Moradores da Vila Parque da Cidade, uma das 14 favelas citadas pelo Ministério Público, Luiz Carlos da Silva admite que a comunidade vem crescendo, mas apenas verticalmente. Segundo ele, a culpa pelo aumento do número de construções irregulares é da própria prefeitura:
— Em 2000, a prefeitura começou um projeto chamado Favela-Bairrinho. Já se passaram cinco anos e está tudo parado. Acredito que nem 20% do que foi prometido se tornou realidade. Se tudo tivesse sido feito corretamente, o próprio projeto previa um gabarito máximo de três andares. Como não foi para frente, não temos como conter à força. Já há prédios de seis andares. O que posso garantir é que a favela não está crescendo para os lados.

Por outro lado, o presidente da Associação de Moradores da Favela Mata Machado, no Alto da Boa Vista, Josias Caldas Corrêa, citou a própria prefeitura para se defender da possibilidade de desocupação, levantada pelo Ministério Público. Ele lembrou que o local recebeu obras do programa Favela-Bairro e que a comunidade não está crescendo. Segundo dados do Instituto Pereira Passos, na favela há 503 casas.
— Nossa comunidade tem mais de 50 anos. É uma favela plana e ajudamos a proteger o meio ambiente. Além disso, a prefeitura já nos informou que dará título de propriedade para os moradores. Estamos aguardando — disse Josias
 

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Plano de remoção

 
RJ-TV, Primeira Edição, Quinta-Feira , 06 de Outubro de 2005
Plano de remoção
 
O Ministério Público listou 14 favelas.  Seriam as áreas mais criticas da cidade.  A análise foi feita a partir de mapas do Instituto Pereira Passos.

As favelas são as seguintes: 

    • Grotão,
no Jardim Botânico;
    • Vila Parque da Cidade,
na Gávea;
    • Açude,
    • Tijuaçu,
    • Mata Machado,
    • Sitio da Biquinha e
    • Agrícola,
no alto da Boa Vista;
    • Furnas e
    • Fazenda,
no Itanhangá;
    • Morro do Banco,
    • Covanca,
    • Tangará,
    • Bela Vista e
    • Inácio Dias,
em Jacarepaguá.

Para o Ministério Público, nenhuma lei municipal estadual ou federal pode impedir a remoção dessas favelas.  Seriam todas ilegais.  Cresceram em área de risco ou de preservação permanente.

“Áreas de proteção permanente são protegidas por legislação a nível federal, estadual e municipal, não se pode ocupar essas áreas.  Em segundo lugar, áreas de risco, pela própria situação de risco que as pessoas estão expostas”, afirma Rosani da Cunha Gomes, promotora de Justiça.

O Ministério Público estadual vai recomendar que a prefeitura apresente, em 20 dias, um plano de remoção das 14  favelas e de reassentamento dos moradores.  Caso a recomendação não seja cumprida, o Ministério Público pode entrar na Justiça.

Na Câmara de Vereadores, dois projetos propõem alterações na lei que impede a remoção das favelas e podem ir a votação no Plenário em 15 dias.

O vereador Wanderley Mariz propõe retirar do texto a proibição.  Já o projeto da vereadora Leila Maiwald estabelece outras regras como a participação da comunidade e o reassentamento dos moradores:  que seja perto da antiga moradia ou do local de trabalho.  O novo endereço deve ter saneamento e transporte.

A maioria das associações de moradores ainda não sabe das discussões sobre o assunto.  No Tijuaçu, a comunidade acompanha as discussões, mas segundo a associação eles não foram informados de que a comunidade está incluída na lista do Ministério Público.

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O sai-não-sai de uma favela

Jornal O Globo, Rio, 07 de outubro de 2005
 
Fernanda Pontes e Ruben Berta
 
O novo prazo dado pela prefeitura  — até o fim do ano —  para a retirada de moradores da favela Vila Alice, em Laranjeiras, é apenas mais um capítulo de uma história que parece não ter fim.  Há 13 anos, os proprietários do terreno tentam reavê-lo na Justiça;  a própria prefeitura promete arcar com a remoção das famílias há um ano;  e os moradores já adiantaram que não vão sair.  Enquanto isso, a favela cresce e já beira a fronteira de uma comunidade vizinha, a Júlio Otoni, em Santa Teresa.  Até mesmo as estacas de ferro do projeto Eco-Limites, criado para impedir o avanço das favelas sobre áreas verdes, ganharam novas utilidades na comunidade com mais de 90 casas:  suporte para varal e pia, além de alicerce para um barraco.

Pelos cálculos do subprefeito da Zona Sul, Marcelo Maywald, há 83 famílias na comunidade, que fica na Área de Proteção Ambiental (
APA) de São José.  Cada uma receberia R$ 10 mil para sair.  O dinheiro sairia do Fundo de Conservação Ambiental.  Mas a própria Comissão de Moradores da Vila Alice estima que haja pelo menos 90 casas no terreno.  Segundo Maywald, quem não está cadastrado pela prefeitura terá de sair sem indenização.  João Carlos de Souza, membro da comissão, garante que ninguém deixará a comunidade:

—  Se vierem nos tirar, vamos invadir o condomínio (Parque Residencial Laranjeiras, um dos donos do terreno).  O que vamos fazer com R$ 10 mil?  Vamos parar numa outra favela mais longe daqui?

O imbróglio em torno do terreno da Vila Alice
começou em 1992, quando o Condomínio Parque Residencial Laranjeiras pediu na Justiça a reintegração de posse.  Na época, havia apenas 39 barracos na comunidade.  Em setembro do ano passado, a 6 Câmara Cível deu ganho de causa aos proprietários, que incluem a Sociedade Hebraica.  Três meses depois, o prefeito Cesar Maia publicou decreto de desapropriação da área, que previa a indenização dos moradores da favela e a transformação do terreno num parque público.
Prefeitura deverá ser processada
 
O que parecia ser uma solução transformou-se em mais polêmica.  A gerente administrativa do condomínio, Maria Aparecida Silveira, diz que só espera a conclusão da desapropriação para ir novamente à Justiça, dessa vez contra a prefeitura.

—  O terreno é nosso.  É dever do poder público acabar com a invasão.  Desapropriar a área sem nos consultar é absurdo. 
Temos de ser indenizados de alguma forma também.

A Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião, que assessora juridicamente os moradores da Vila Alice há um ano, também está insatisfeita.  A advogada Jane Diniz aguarda a liberação da verba prometida pelo município desde a publicação do decreto.  Mas, segundo ela, a prefeitura alegou durante este ano que não havia recursos:

—  Queremos que as famílias sejam indenizadas, já que não têm para onde ir.  Como a prefeitura disse não ter dinheiro, pedimos ajuda ao Ministério das Cidades.

Enquanto nada se resolve, os eco-limites, implantados na Vila Alice em 2002, são desrespeitados.  Pelo menos quatro barracos de madeira já estão fora da área demarcada e um deles tem uma das estacas instaladas pela prefeitura como pilar.

Uma vistoria realizada pela Comissão de Meio Ambiente da Alerj na semana passada constatou que cerca de 20 metros de cabos de aço, que cercavam a comunidade passando pelas estacas, desapareceram.

—  Os cabos foram roubados  — disse o deputado Carlos Minc (PT), integrante da comissão.

O subprefeito confirmou o desaparecimento de dez metros de cabo, mas minimizou o problema, alegando que toda a favela será retirada em breve.  João Carlos de Souza, morador da Vila Alice, nega o roubo.  Ele disse que um grande trecho dos eco-limites sequer recebeu os cabos.  Outros acabaram abandonados no matagal.

O crescimento da favela coincidiu com o de outra:  a Julio Otoni, na subida de Santa Teresa.  A comunidade, que hoje tem quase
400 casas na APA de São José, já encosta na Vila Alice.

—  Nasci aqui
há 37 anos e eram 26 casas, hoje temos 400  — disse Sizenaldo Marinho, morador da favela.

Segundo o dentista Carlos Eduardo Lavander, que comprou um apartamento em 1999 com vista para a mata do Morro São Judas Tadeu, a Favela Julio Otoni se expande em ritmo acelerado e compromete o verde.

—  Percebi o crescimento desordenado de noite, quando vi surgir pontos de luz na mata.  Também escutamos tiroteios e motosserras.

O administrador regional de Santa Teresa, Cristiano Silva, garante que a Julio Otoni não está se expandindo:

—  Monitoramos a área e o número de casas continua o mesmo há pelo menos quatro meses.
 
Se na favela há controvérsias, ao menos no asfalto a expansão parece mesmo contida:  em julho deste ano, a prefeitura embargou uma obra de ampliação da capela do Condomínio Parque Residencial Laranjeiras.
 
Retirada é sinônimo de conflitos
 
Mesmo sem conseguir retirar todos os moradores da Vila Alice, a prefeitura vem há seis anos fazendo intervenções pontuais na comunidade, sempre um sinônimo de conflito.  Na primeira operação, realizada em setembro de 1999, dez casas foram derrubadas.  A Polícia Militar precisou ser acionada para conter uma manifestação.  A cena voltou a se repetir em novembro de 2002, com direito a intervenções de políticos.  Enquanto a subprefeitura da Zona Sul realizava uma operação para derrubar uma igreja e seis casas não cadastradas, o então vereador Edmílson Dias (PT) incitou moradores do local, inclusive crianças, a fazer uma barreira humana no caminho da escavadeira, interrompendo o trabalho dos funcionários da Secretaria de Obras.  Os seis barracos acabaram derrubados, mas a igreja foi mantida.

Em maio de 2003, numa operação com oito policiais militares, 25 guardas municipais e dez funcionários da Coordenadoria de Conservação, da Secretaria municipal de Obras, a prefeitura voltou à comunidade:  foram derrubados dois barracos e quatro “puxadinhos”  — os moradores estavam erguendo um segundo andar —  em casas de tijolos.  No fim do ano passado, a Justiça tentou fazer a reintegração de posse do terreno e houve novos protestos:  de acordo com o Condomínio Parque das Laranjeiras, os moradores da favela chegaram a atear fogo num matagal que separa a comunidade do prédio.
Criado em 2001 pela prefeitura do Rio para conter a expansão de favelas em áreas verdes, o Eco-Limites foi concluído no ano passado.  O programa, em quatro anos, foi implantado em 50 comunidades pobres do Rio, onde foram usados mais de 40 mil metros de cabos de aço e alambrados.  O custo do empreendimento ultrapassou R$ 1,2 milhão.  E, segundo a Secretaria municipal de Meio Ambiente, ele poderá ser ampliado.

A primeira comunidade a receber o Eco-Limites foi a Rocinha.  No mesmo ano, favelas do Itanhangá e de Jacarepaguá também receberam as cercas.  Em 2002, foram postos 268 metros de cabos de aço e alambrados na Júlio Otoni, em Santa Teresa.  No mesmo ano, outros 428 metros foram utilizados na Vila Alice.  Nesse período, o programa também chegou a mais de 30 áreas verdes ameaçadas.

Apesar das falhas na conservação em alguns locais, o programa é considerado bem-sucedido pelo município.  Atualmente, quatro Eco-Limites  — entre eles, o da Estrada do Sumaré e o da favela Rato Molhado —  estão passando por reparos.

Agora, técnicos da Secretaria municipal de Meio Ambiente estão analisando se há outras áreas verdes importantes, com espécies de Mata Atlântica, sendo ameaçadas por construções irregulares.  Caso seja necessário, a idéia é levar o programa para essas favelas.
 
Moradores dizem que expansão é inevitável
Maria Elisa Alves
 
Enquanto vereadores e deputados têm apresentado projetos para conter a expansão das favelas ou até mesmo permitir a remoção de casas em algumas situações, como a realização de obras de saneamento, nas comunidades carentes os moradores dizem que as prioridades do poder público deveriam ser outras.  Expondo mais um lado da cidade partida, líderes comunitários dizem não ser contrários à verticalização das favelas e muitos chegam a ver com bons olhos a ocupação de novas encostas, duas preocupações recorrentes da classe média.  Para eles, a discussão que interessa é outra:  o que querem é a legalização de todos os imóveis.
 
Presidente da Associação de Moradores do Bairro Barcelos, na Rocinha, Sebastião José Filho é um dos que defendem títulos de propriedade para os imóveis ilegais:

—  Se os moradores das favelas pudessem legalizar suas casas, ter documentos, seria ideal.  Poderíamos construir dentro da lei, com engenheiros da prefeitura opinando.  Afinal, se São Conrado tem prédios com 25 andares, por que a Rocinha não pode ter com dez?  Do jeito que tudo é feito hoje, informalmente, nem sei se os edifícios na Rocinha são seguros.  Com a legalização, as dúvidas acabariam.

Líder comunitário critica atraso da prefeitura

Sebastião é um dos poucos que defendem a contenção, mas jamais a remoção, de barracos em áreas de proteção ambiental.  Favorável aos eco-limites (cercas), ele diz que o problema da prefeitura é estar sempre atrasada.

—  O problema é que a prefeitura nunca chega quando estão construindo uma ou duas casas em área de preservação.  Mas querem destruir depois, quando já há dezenas de moradores.  E, nesses casos, fica complicado.  É preciso indenizar todo mundo, nunca há dinheiro.

Na opinião de Roberval Uzeda, presidente do Conselho Político da Federação das Associações de Favelas do Rio (
Faferj), a legalização dos imóveis seria também uma forma de evitar a especulação imobiliária nas comunidades carentes:

—  Há gente de classe média que tem
500 barracos, todos alugados, em favelas do Rio.  Com a legalização, deveria haver também uma lei impedindo que as pessoas fossem donas de mais de um imóvel nas comunidades  — diz Uzeda, que acredita que, mais do que discutir mudanças na Lei Orgânica e na Constituição estadual, vereadores e deputados deveriam lutar por melhorias nas favelas.  —  Quando está na época das eleições, aparecem dezenas de políticos com promessas.  Depois, somem todos.

Segundo Ricardo Ferreira, presidente da Associação de Moradores do Parque Rubens Vaz, no Complexo da Maré,
a ausência do poder público é constante:

—  A prefeitura e o estado não oferecem cursos profissionalizantes, não fazem as obras de saneamento necessárias.  Agora, querem discutir o crescimento das comunidades, formas de contenção.  É claro que isso não adianta nada.  As favelas vão continuar crescendo, para cima, para os lados, para onde der.  Afinal,
não há outras opções de moradia para os pobres.

O líder comunitário é contra qualquer tipo de remoção, com exceção da dos moradores que estejam em áreas de risco, exatamente o tipo de retirada permitida atualmente.
 
‘Ser removido foi horrível’, diz ex-morador da Rocinha
 
Remoção é um assunto que Clóvis do Nascimento Fonte aprendeu na infância  — e do qual não quer ouvir falar de novo.  No fim da década de 70, ele foi retirado pelo governo do estado, que estava construindo a Auto-Estrada Lagoa-Barra, da Rocinha, onde morava com a família.  Aos 7 anos, Clóvis foi viver numa casa de dois andares, construída pelo poder público, em Antares, Santa Cruz, favela hoje com 45 mil habitantes.  No novo lar, as ruas não eram calçadas nem havia saneamento básico.  Mas o pior, para Clóvis, presidente da associação comunitária, foi perder a chance de ajudar no orçamento familiar.

—  Na Rocinha, eu carregava bolsa de madame no mercado, vendia picolé na praia.  Ser removido foi horrível.  Parecia que eu estava em outro mundo  — lembra Clóvis, que acha que a discussão sobre contenção de favelas ou remoção parcial é regional.  — 
Querem impedir o aumento das comunidades da Zona Sul Ninguém vai mexer no pessoal da Zona Oeste.

Para Uzeda, os projetos apresentados pelos vereadores e deputados não têm a menor chance de ser aprovados:

—  Seria suicídio eleitoral.

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IPTU alto para viver entre favelas

Jornal O Globo, Zona Sul, André Miranda, 06/10

Moradores da Estrada do Vidigal vão entrar, este mês, com uma ação contra a prefeitura pedindo a redução do valor do IPTU. A rua, uma pequena via com menos de 20 casas de classe alta paralela à Avenida Niemeyer e com vista privilegiada para o mar, fica entre duas favelas: a do Vidigal e a Chácara do Céu.

A ação vai ser encabeçada por uma das donas do antigo bar Zeppelin, a ex-modelo Vicky Schneider. Segundo ela, a prefeitura cobra R$ 40 mil anuais de IPTU e mais de R$ 250 mil de dívida por atrasos nos últimos seis anos.

O bar foi fechado no fim de 2003. Segundo Vicky, a insegurança nos acessos à estrada foi a principal responsável pela queda no movimento no Zeppelin:

- Fomos impedidos de trabalhar por conta do crescimento das favelas e da violência. Apesar da degradação do entorno e da desvalorização dos imóveis, a prefeitura tem a coragem de nos cobrar um absurdo de impostos. Mais do que redução, deveríamos pedir a isenção.

Ainda de acordo com Vicky, o crescimento das favelas mudou o perfil da rua:

- A administração pública está favelizando a nossa rua. Dúzias de vans fazem ponto no início da via e atrapalham o acesso dos moradores. Acabaram com um dos pontos mais valorizados do Rio.

Outros moradores da estrada foram procurados pelo GLOBO-Zona Sul, mas não quiseram dar entrevistas, temendo represálias de traficantes.
 
Cenário de comemorações e muitas conquistas
 
Inaugurado em 1979, o Zeppelin foi um dos mais simpáticos bares da noite carioca. O local era sinônimo de charme e atraía, nos fins de semana, casais de namorados e grupos que reservavam mesas para grandes comemorações, ou, simplesmente, para bater papo. Um dos maiores atrativos era a varanda com vista para o mar, localizada no ponto mais alto da casa. A decoração era um capítulo à parte com capas de discos coladas na parede. Quem foi garante: o Zeppelin era cenário perfeito para qualquer conquista.

No auge do bar, no início da década de 90, as reservas tinham que ser feitas com semanas de antecedência. Mesmo assim, muita gente ficava de fora. Numa noite de sábado, o Zeppelin chegava a receber 300 pessoas. As escadas dos três andares da casa ficavam cheias de clientes que formavam filas esperando por uma mesa. Como o Antonio's, no Leblon, e o Sagres, na Gávea, o Zeppelin é daqueles bares que deixaram saudade no Rio.
 
Dois anos sem achar um comprador
 

A família de Vicky Schneider é proprietária de três terrenos na Estrada do Vidigal: duas casas e o imóvel comercial do Zeppelin. No total, são 14 mil metros quadrados. Em 2003, quando do fechamento do bar, os terrenos foram postos à venda ao preço de R$ 1,8 milhão. Nunca apareceu comprador.

- Pusemos 20 corretoras para tentar vender os imóveis. Enquanto isso, bem atrás de nosso terreno, a Chácara do Céu não pára de crescer. Já tivemos que reconstruir a cerca de proteção de nossa área mais de uma vez - diz Vicky.

Vera Losekan, ex-relações-públicas do Zeppelin, trabalha agora como administradora do imóvel onde funcionava o bar. Ela também defende a redução de IPTU, lembrando que algumas contas que chegam ao imóvel já indicam como endereço o bairro Vidigal,

- Já chamaram isso aqui de Gávea e de Leblon. Mas agora estamos recebendo contas endereçados ao Vidigal - lamenta Vera.

Os moradores da área já pediram à prefeitura a mudança do nome da rua.

- "Estrada do Vidigal" acaba assustando as pessoas, que associam o nome diretamente à favela. Fizemos uma votação na própria vizinhança e sugerimos a mudança para Rua Costa Azul - conta a proprietária Vicky Schneider, que pensa em transformar o antigo Zeppelin em albergue.
 
Cenário de comemorações e muitas conquistas
 
Inaugurado em 1979, o Zeppelin foi um dos mais simpáticos bares da noite carioca. O local era sinônimo de charme e atraía, nos fins de semana, casais de namorados e grupos que reservavam mesas para grandes comemorações, ou, simplesmente, para bater papo. Um dos maiores atrativos era a varanda com vista para o mar, localizada no ponto mais alto da casa. A decoração era um capítulo à parte com capas de discos coladas na parede. Quem foi garante: o Zeppelin era cenário perfeito para qualquer conquista.

No auge do bar, no início da década de 90, as reservas tinham que ser feitas com semanas de antecedência. Mesmo assim, muita gente ficava de fora. Numa noite de sábado, o Zeppelin chegava a receber 300 pessoas. As escadas dos três andares da casa ficavam cheias de clientes que formavam filas esperando por uma mesa. Como o Antonio's, no Leblon, e o Sagres, na Gávea, o Zeppelin é daqueles bares que deixaram saudade no Rio.

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Mais uma vez, o caos

Jornal O Globo, Zona Sul, 06 de outubro de 2005

André Miranda e William Helal Filho,

A Rua Vinicius de Moraes fica alagada na esquina com a Rua Saddock de Sá, em Ipanema. No Baixo Gávea, comerciantes erguem pequenas barricadas em seus estabelecimentos. Não muito longe dali, diversos trechos da Avenida Epitácio Pessoa enchem de água, assim como a Rua Jardim Botânico, no trecho da Pacheco Leão. Resultado: trânsito caótico e transtorno para os moradores. Esses problemas, observados durante as chuvas fortes e constantes no último mês, deverão voltar em doses mais intensas no verão, quando o índice pluviométrico no Rio é maior. Ocupadas por favelas e desmatadas, as encostas não absorvem a água das chuvas, que arrasta o lixo das ruas. O resultado são enchentes e caos de Botafogo ao Jardim Botânico.

Para prefeitura, drenagem é satisfatória

Os alagamentos são uma realidade ainda em Ipanema e Botafogo. Neste último, a Rua São Clemente, perto do Morro Dona Marta, a Praia de Botafogo e o entorno do Cemitério São João Batista são os pontos críticos.

- O sistema de drenagem de Botafogo não é bom - diz Regina Chiarádia, presidente da AMA-Botafogo.

Em Ipanema, a Rua Barão da Torre, na esquina com a Teixeira de Melo, fica cheia devido ao escoamento do Morro do Cantagalo.

- A Rua Vinicius de Moraes, perto da Lagoa, fica numa situação trágica - conta Glória Rolland, presidente da AMA-Ipanema.

Segundo a prefeitura, o sistema de drenagem é satisfatório e recebe manutenção adequada. A Secretaria municipal de Obras garante que a cidade volta à normalidade rapidamente depois de um temporal.

A Comlurb faz a limpeza das caixas de ralo, mas informa que os bueiros ficam entupidos porque funcionários de prédios varrem a sujeira para os ralos, que também servem de depósito ilegal para mercadoria de ambulantes.

Quando chove forte, a queda de energia preocupa a Light. A empresa informa ter um esquema de monitoramento de chuvas e ventos fortes e estar preparada para atuar com equipes extras e geradores quando necessário.

Encostas ocupadas e galerias sujas
 
As principais causas de alagamentos são a ocupação de encostas e a pouca capacidade de vazão das galerias de águas pluviais da cidade. Segundo o professor Flávio Cesar Mascarenhas, da Escola Politécnica da UFRJ, o Rio cresceu muito e desordenadamente, mas a sua infra-estrutura não acompanhou essa expansão:

- A cobertura vegetal das encostas foi substituída por favelas, o que diminuiu o poder absorção do solo. Daí, a água desce para as ruas e as galerias pluviais não foram dimensionadas para tanto volume.

Mascarenhas explica ainda que a situação exige obras de longo prazo e cuidados imediatos.

- Poderiam ser construídos reservatórios para armazenar água da chuva, o que reteria o volume, impedindo grandes quantidades na rua de uma só vez. Outra solução seria o reflorestamento das encostas, mas aí esbarra-se no problema das favelas. A curto prazo, deve-se melhorar a manutenção do sistema atual, desobstruindo-se as galerias pluviais - sugere ele.

No verão, por se tratar de uma região tropical litorânea, o índice pluviométrico do Rio é maior, causando ainda mais transtornos.

- Nos meses quentes, a alta da temperatura gera nuvens de convecção à tarde e à noite, que causam chuvas locais. Além disso, frentes frias chegam trazendo umidade - explica Ana Maria Mattos, previsora do Inmet.

Os cariocas conhecem bem essa realidade. Presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães acredita que, na estação mais quente do ano, os problemas observados no último mês vão parecer pequenos.

- De janeiro a março, tudo fica pior. A Rua Raimundo Corrêa, por exemplo, tem um problema sério de drenagem - conta ele.

Os moradores de Copacabana temem, ainda, a repetição do caos que se viu no último verão, quando garagens subterrâneas do bairro foram completamente inundadas.

Sérgio Feijó, coordenador da Comissão de Águas da AMA-Jardim Botânico, lembra que vários trechos do bairro são afetados pelas chuvas:

- O desnível e o afundamento de parte da rua são os principais responsáveis pelos bolsões de água.

No Baixo Gávea, o problema é crônico. Os comerciantes da Praça Santos-Dumont e da Rua Marquês de São Vicente precisam fazer barricadas para impedir a água da chuva de entrar em suas lojas.

- Todo verão é isso. A água vem das encostas trazendo sujeira - diz Nilson Samyn, presidente da Associação Comercial da Gávea.

Os relatos de transtornos causados pelas chuvas são inúmeros.

- Com os bueiros entupidos, a calçada aqui em frente fica alagada - diz Cipriano da Silva, porteiro de um prédio da Praia de Botafogo.

A cozinheira Auxiliadora Gonçalves também reclama.

- A cidade fica cheia de poças e os pedestres têm que andar desviando.

Morador de Botafogo, o operador de telemarketing Carlos Eduardo Braga já perdeu as esperanças:

- Os problemas causados pelas chuvas não têm mais conserto por falta de vontade dos administradores.

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Toma que a favela é tua

Jornal O Globo, Rio, 08 de outubro de 2005
 
Fernanda Pontes e Ruben Berta

Apesar de ter assinado um decreto desapropriando o terreno da Vila Alice em dezembro do ano passado e da afirmação dada anteontem pelo subprefeito da Zona Sul, Marcelo Maywald, de que a favela de mais de 90 casas em Laranjeiras seria retirada até o fim do ano, o prefeito Cesar Maia voltou atrás mais uma vez ontem.  Ele agora disse, por e-mail, que não pretende reassentar nem indenizar os moradores da comunidade, que fica na Área de Proteção Ambiental (APA) de São José.  E deu aos proprietários do terreno ocupado a incumbência de negociar a saída das famílias, como ocorreu em 1993, quando moradores do Alto Leblon se juntaram para financiar a retirada de invasores.
 
—  “Há moradores que têm interesse em ser reassentados ou indenizados.  Mas não há cadastramento para isso nem decisão de fazê-lo.  Lembro-me no Alto Leblon, quando os moradores se uniram e abriram um livro de ouro.  Todas as pessoas que estavam ali na invasão foram para um lugar seu e muito melhor.  A prefeitura fez o meio-campo e garantiu que tudo saísse bem.  Todos, de um lado e outro, ficaram felizes.  Se as pessoas que moram no bairro quiserem interagir para ajudar a melhorar a vida dos moradores da Vila Alice, e estes entenderem que será muito melhor para eles, a prefeitura atuará coordenando e viabilizando”, disse Cesar no e-mail.
 
Se o prefeito deixa a solução do imbróglio da Vila Alice para os proprietários da área invadida  — o condomínio Parque Residencial de Laranjeiras e a Sociedade Hebraica —  moradores de um edifício vizinho, na Rua das Laranjeiras 314, também não estão livres de problemas.  Depois de receber uma denúncia sobre a construção de dois barracos no terreno do edifício, a Secretaria municipal de Urbanismo ordenou em março deste ano que os próprios condôminos providenciassem a retirada das famílias.  Desde então, eles lutam na Justiça pela reintegração de posse:
 
— Acho estranho que, ao pedir ajuda, recebemos uma notificação da prefeitura.  Como vamos retirar essas pessoas daqui?  Se fossem apenas construções, seria mais fácil demolir  — disse a moradora Flávia Cunha.
 
Subprefeito se cala diante de mudança
 
A reviravolta anunciada ontem por Cesar Maia no caso da Vila Alice provocou o silêncio do subprefeito Marcelo Maywald, que havia anunciado a remoção.  Ele informou, por sua assessoria de imprensa, que não ia se manifestar sobre o assunto ontem.  Por outro lado, a síndica do condomínio Parque Residencial Laranjeiras, Catharina de Jesus e Silva, não poupou palavras na reação às declarações do prefeito:
 
—  Ele (o prefeito) deve estar esquecendo que pode sair candidato no ano que vem.  Só aqui no condomínio são cinco mil votos.  Não entendo como um homem tão inteligente como ele está tomando uma atitude como esta.  Eu não posso cruzar os braços diante dessa situação.  Os moradores me cobram todos os dias a retirada daquela favela.
No e-mail enviado ao GLOBO, ao citar a falta de cadastramento dos moradores da Vila Alice, o prefeito disse ainda que, —  “se muitos moradores da favela tiverem este interesse e procurarem a SMH (Secretaria Municipal de Habitação), vamos estudar para que eles melhorem de vida”.

Um dia antes, a subprefeitura da Zona Sul havia informado que já havia 83 famílias cadastradas com previsão de receber R$ 10 mil cada uma.  Os recursos viriam do Fundo de Conservação Ambiental.  Na Vila Alice há números pintados na maioria das casas, que trazem também a sigla SMH.

O próprio texto do decreto de desapropriação do terreno, publicado no Diário Oficial no dia 15 de dezembro do ano passado, previa a remoção dos moradores.  O texto cita a necessidade de

 “garantir uma realocação justa e pacífica de ocupantes de área de risco e facilitar as ações que diversos órgãos da prefeitura deverão realizar”.   

O decreto ainda apontava as responsabilidades dos órgãos da prefeitura no caso:  “As secretarias de Habitação, Urbanismo, Meio Ambiente e Obras, juntamente com a subprefeitura Sul 2, deverão tomar as medidas necessárias à compensação de benfeitorias irregularmente construídas e à recuperação ambiental da área”.

Diante a atitude do prefeito, o diretor-executivo da Fundação Centro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubião, Ricardo Gouveia, que auxilia juridicamente os moradores da Vila Alice, disse que já pediu apoio ao Serviço de Patrimônio da União:

—  Cesar Maia já havia dito que não tinha verba para as indenizações.  Agora queremos ajudar as famílias com o financiamento de R$ 20 mil para que eles consigam uma nova casa.

Já o presidente da Associação de Moradores e Amigos de Laranjeiras, Paulo Marrayo, ficou surpreso com a mudança de rumo do caso:

—  Vamos marcar uma reunião com o condomínio e os moradores da Vila Alice para estudarmos uma solução para o problema.  Sobre a proposta do Cesar Maia de querer
unir a população para arcar com as indenizações, prefiro conversar com os membros da associação.

O imbróglio em torno do terreno da Vila Alice começou em
1992, quando o Condomínio Parque Residencial Laranjeiras pediu na Justiça a reintegração de posse.  Na época, havia apenas 39 barracos na comunidade.  Em setembro do ano passado, a 6 Câmara Cível do Tribunal de Justiça deu ganho de causa aos proprietários.  Desde então, os donos do terreno não conseguem fazer com que a sentença seja executada.  Este ano, durante uma tentativa, moradores da favela chegaram a atear fogo num matagal do terreno.

Para os moradores do prédio vizinho, na Rua das Laranjeiras 314, o temor é de viver um problema semelhante nos próximos anos.  Os barracos foram construídos no terreno há um ano
e os condôminos foram responsabilizados.  No documento enviado pela prefeitura, o município ordena a “paralisação imediata” das obras e exige a “demolição em 30 dias” das casas.  Agora, o edifício aguarda decisão da Justiça para retirar os invasores.

—  Temo que outros barracos sejam construídos na área e uma grande favela tome conta da encosta  — disse a moradora Larissa Cunha.

O promotor Carlos Frederico Saturnino, da 1 Promotoria de Tutela Coletiva e Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Cultural, disse que ambos  — a prefeitura e os proprietários —  têm responsabilidade sobre a conservação do terreno que está na APA de São José:

—  Por ser dentro de uma APA, a prefeitura tem o dever de manter a área conservada.  Mas o condomínio também não pode se eximir, por ser área particular.  Se nenhuma providência for tomada, o Ministério Público pode propor uma
ação civil contra os dois e os invasores.

O vaivém de Cesar

As idas e vindas do prefeito Cesar Maia sobre o tema remoção de favelas começou quando foi publicada entrevista, na edição de domingo de O GLOBO,
no dia 2 deste mês,
em que ele afirmou que a prefeitura não podia demolir prédios em áreas carentes porque estava engessada pela Lei Orgânica. 
No mesmo dia,
vereadores afirmaram que, se Cesar quisesse, bastava enviar um projeto de modificação da lei que a Câmara o aprovaria já que o prefeito tem maioria e seu partido (PFL) é o maior da bancada. 
Na segunda-feira,
o Ministério Público afirmou que era da prefeitura a tarefa de fiscalização das favelas.
Na mesma semana,
cinco vereadores apresentaram projetos para mudar a Lei Orgânica.
Mas no dia 4, Cesar voltou atrás, dizendo ser “radicalmente contra as remoções” e que as favelas estão “aí para ficar”.

Moradores tiveram que indenizar invasores

A remoção dos invasores do Parque Dois Irmãos, no Alto Leblon, citada como um exemplo pelo prefeito Cesar Maia, é vista de outra forma pelo presidente da Condomínios Alto Leblon (Cadi), almirante Oscar Moreira da Silva.  Ele lembra que a iniciativa de arrecadar dinheiro entre os moradores da região para retirar os invasores do terreno, nos fundos do prédio Max Leblon, na Rua Timóteo da Costa, foi um último recurso:
—  Assim que verificamos que havia os barracos entramos com o pedido de reintegração de posse na Justiça.  Ganhamos, mas era impossível cumprir a sentença.  Sempre que tentávamos, mesmo com a ajuda da polícia, surgia alguém de direitos humanos, algum vereador, que nos impedia de derrubar as construções.  Como vimos que esse caminho seria inútil e o Cesar Maia, que era prefeito na época, nos disse que não moveria uma palha, não nos restou outra escolha.
 
De acordo com o almirante, como o terreno invadido era uma área de mata fechada, os moradores demoraram a perceber a presença dos barracos.  O alerta veio quando durante a noite alguns moradores começaram a ouvir batuques vindos de terreiros de umbanda:
 
—  Depois disso, decidimos fazer uma incursão na mata e verificamos que já havia diversas casas.  A prefeitura ajudou na derrubada dos terreiros, mas o resto ficou por nossa conta mesmo.
 
Para a quantia paga e a quantidade de moradores retirados há duas versões diferentes:  o presidente da Cadi afirmou que cerca de R$ 5 mil foram pagos a não mais do que 20 famílias.  A presidente da Comunidade do Alto Leblon, Evelyn Rosenzweig, disse que 50 famílias foram indenizadas com cerca de R$ 20 mil cada.
Opinião:  Velho enredo
O CASO das duas favelas que resistem nas encostas da Rua Alice, em Laranjeiras, repete o enredo que transformou o Rio no que se vê hoje.

ALGUNS POUCOS barracos são erguidos,
o poder público nada faz, a população de favelados cresce e logo aparecem os políticos populistas de sempre para vender proteção em troca de votos da “comunidade”.

COSTUMA SURGIR, também,
um juiz para dar veredictos em ações de retomada de posse não com base na lei, mas a partir de num tosco e equivocado conceito de “justiça social”.

UM DIA, pelo seu tamanho, a favela é considerada
irremovível pela prefeitura.  Foi assim com a Rocinha e tantas outras.  Ao que tudo indica, são grandes as chances de acontecer o mesmo em Laranjeiras.

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Espigões se multiplicam na Rocinha

Jornal O Globo, Rio, 08 de outubro de 2005
 
Selma Schmidt
 
Sem regras que fixem gabaritos, os construtores informais da Rocinha estão transformando o trecho próximo ao espigão da comunidade (Estrada da Gávea 304) numa espécie de selva de pedra, que cresce num ritmo ainda mais acelerado.  Carlos Costa[*], presidente da Associação de Moradores do Laboriaux, uma das mais novas regiões da favela, revelou que as lajes voltaram a subir depois da declaração do prefeito Cesar Maia de que “ é muito melhor ter prédios grandes na Rocinha do que na praia, pois eles produzem sombras”.

—  Só na minha vizinhança, dois moradores ergueram mais lajes nas noites seguintes à fala do prefeito.  Fui reclamar e eles simplesmente colaram na parede a reportagem em que Cesar Maia praticamente estimula os espigões.  O que eu poderia responder?  — disse Carlos.
Prefeito desautoriza secretário de Urbanismo
Embora as obras continuem a todo o vapor, por determinação do prefeito Cesar Maia a minuta de decreto criando parâmetros urbanísticos para a Rocinha está em compasso de espera.  O secretário municipal de Urbanismo, Alfredo Sirkis, chegou a anunciar que entregaria até ontem o documento a Cesar Maia.  Mas, durante reunião com o segundo escalão da prefeitura, quarta-feira no Riocentro, o prefeito desautorizou Sirkis, ao fazer duras críticas a ele e afirmar que o secretário estava sendo pautado pela mídia.

Por e-mail, o prefeito voltou a desautorizar Sirkis, que na terça-feira anunciara o
programa Rocinha Legal.  Além da minuta de decreto, o plano que foi apresentado prevê a remoção, por etapas, de cerca de 360 famílias, sendo prioritário o reassentamento ou pagamento de indenização a 70 delas que moram fora dos eco-limites (cercas).  Para a demolição das 70 casas que estão fora das barreiras, foi estimado um gasto de R$ 700 mil.

—  “É um absurdo o numero de imóveis que ele (Sirkis) falou.  Absurdo!  Os que estão fora dos eco-limites e que serão reassentados  — dentro da Rocinha, por vontade e interesse dos moradores e a pedido deles  — não são nem 5% do numero citado”, disse o prefeito no e-mail.  O secretário não quis comentar o assunto.
Fiscalização de obras é feita por três funcionários
Com entrada pelo Portão Vermelho (Estrada da Gávea 306), área de preservação permanente, um edifício já chegou ao sétimo andar e está parcialmente ocupado.  Num prédio logo abaixo, esta semana operários faziam laje no quarto pavimento.  Mais abaixo, o edifício em cujo térreo funciona o Bob’s tem nove andares (incluindo duas coberturas).  Perto dali, num beco da Rua Dois, um imóvel também com nove pavimentos se destaca.

Em reunião terça-feira com representantes de associações de moradores, do Ministério Público e do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon-RJ), na qual foi apresentado o
programa Rocinha Legal, a coordenadora de Regularização Urbanística da Secretaria de Urbanismo, Tânia Castro, revelou a precariedade da fiscalização na favela.  Um funcionário da secretaria é encarregado de fiscalizar diariamente as construções.  Num único dia da semana, outros dois servidores da prefeitura se juntam a ele no Posto de Orientação Técnica (POT) da comunidade.
 
—  A Rocinha é um megaproblema.  Tem de haver um compromisso da cidade toda para que se possa resolvê-lo  — disse Tânia.
 
Para o presidente da Associação de Moradores do Bairro Barcelos (Rocinha), Sebastião José Filho, as funcionários da prefeitura que trabalham no POT quase nada podem fazer:
 
—  É uma covardia o que a prefeitura faz com esse pessoal.  Eles são muito poucos para atuar numa comunidade do tamanho da Rocinha.
 
Luiz Fernando Penna, diretor da Associação de Moradores do Alto Gávea, concorda:
 
—  A prefeitura precisaria ter pelo menos 20 fiscais na Rocinha.
 
Segundo o promotor Carlos Frederico Saturnino, da Primeira Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva/Meio Ambiente, o número pequeno de funcionários no POT da Rocinha mostra que conter o crescimento da favela não é prioridade da atual administração:
 
—  A fiscalização teria de ser permanente, feita por mais funcionários e com monitoramento por fotografias de satélite  — afirmou o promotor, lembrando que o Ministério Público aguarda decisão do Judiciário sobre ação contra 14 proprietários e vendedores de lotes no Portão Vermelho, que pede a demolição de dez construções.
 
O presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara de Vereadores, Luiz Antônio Guaraná, ressaltou que o problema da fiscalização de obras na Rocinha não depende só de funcionários:

—  É impossível fiscalizar se não se tem uma legislação.  Hoje, tudo é ilegal na Rocinha.

Roberto Kauffmann, presidente do Sinduscon-Rj, também comentou o assunto:

—  Para conter o crescimento da Rocinha e de outras favelas, é preciso haver parceria entre os governos municipal, estadual e federal.  A prefeitura tem de atuar junto, por exemplo, com a Secretaria estadual de Meio Ambiente e o Ibama.  Em paralelo, tem de ser regulamentada a lei que cria o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, para facilitar as construções para a baixa renda.

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A força do voto da favela

Jornal O Globo, Rio, 09 de outubro de 2005

Dimmi Amora e Maiá Menezes

Por trás do impasse entre a Câmara de Vereadores do Rio e o prefeito Cesar Maia sobre mudanças nos critérios de remoção das favelas há um forte interlocutor: o eleitorado presente nessas comunidades, que hoje corresponde a 18,5% dos eleitores da cidade. Na Câmara, dos 26 vereadores que, em consulta feita pelo GLOBO, se disseram contra a remoção, 20 têm base eleitoral em regiões carentes. Além dos 26 contrários, entre os 42 vereadores ouvidos pelos repórteres quatro defenderam mais radicalmente as remoções e 12 enumeraram exigências para a ampliação dos critérios de transferência dos moradores. Oito não foram encontrados.

Com o mapa eleitoral da cidade na ponta do lápis, o prefeito afirma ter tido mais de um terço dos votos nas favelas, nas últimas eleições. Cesar Maia perdeu em apenas uma das 97 zonas eleitorais: na Mangueira. Logo depois de eleito para seu terceiro mandato, ele prometeu dar prioridade aos projetos urbanísticos e sociais nas favelas, com o argumento de que o percentual de votos nessas áreas foi bem abaixo do que obteve nas regiões urbanizadas (55%). Apesar dos cálculos, o prefeito nega que tenha preocupações eleitorais:
— Só voltarei a ser candidato em 2010, a senador — disse.
O prefeito diz que está trabalhando em projetos para acabar com o que chama de demagogia em relação ao tratamento das favelas. Cesar também nega ter mudado o discurso de ordem urbana que marcou suas primeiras administrações. Segundo ele, a política de ordem continua, mas sem alarde:

— Nada mudou. Mudou apenas o uso do instrumento musical. Talvez pela idade. Larguei o trombone e estou usando um surdo. Sei que as coisas feitas caem no esquecimento anos depois.

Faferj reclama que não foi ouvida


Dados do instituto de pesquisa GPP, que trabalha para o prefeito, mostram que o eleitorado de favelas no Rio é de 18,5% em relação ao eleitorado da cidade. Os números do IBGE, de 2000, mostram que a proporção entre moradores dessas comunidades e residentes de áreas urbanizadas é parecida: 18,9%. Nas pesquisas, o perfil do voto dos moradores nas eleições majoritárias é variável. Moradores de favelas urbanizadas votam de forma diferente dos que ainda não receberam o benefício. As favelas menores também têm voto diferente e em todas elas há forte influência evangélica.

— É um voto muito eclético e, no caso dos vereadores, tende a ser concentrado — contou Francisco Eduardo Guimarães, presidente do GPP.

O vice-presidente da Federação das Associações de Moradores do Rio (Faferj), José Nerson de Oliveira, alerta que, apesar da grande quantidade de votos nas favelas, os moradores não se sentem representados. Segundo ele, políticos usam os locais como base eleitoral, mas desarticulam lideranças com a política assistencialista. Ele lembra que, no atual debate, nenhum vereador procurou a federação para perguntar o que eles pensam.

— Nós vamos à Câmara para informar que somos contra qualquer tipo de mudança na Lei Orgânica. Se tiver de retirar, que cumpra-se a lei, removendo as pessoas para áreas até 500 metros — disse Nerson.

O cientista político Geraldo Thadeu Monteiro, sócio do instituto de pesquisas IBPS, lembra que o poder público tem dificuldade para encontrar interlocutores dentro das favelas para saber o que realmente querem os moradores.

— Como o estado não está presente, tudo cresce livremente. Minha preocupação é que a falta de interlocutores causa um imobilismo e não há nenhuma intervenção contra o crescimento — afirmou.

O cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, acredita que a discussão não prosperará na Câmara por causa da preocupação eleitoral:

— Os vereadores, por mais que digam que aprovam, teriam o ônus de estabelecer a política de remoção, porque bate na base eleitoral deles. O preço é muito alto: é o voto na próxima eleição.

Dono de 15 mil votos no Complexo da Coréia, em Santíssimo, o vereador Argemiro Pimentel (PMDB) mora há trinta anos na favela e admite que há uma cobrança de seu eleitorado para que defenda a comunidade:

— O prefeito tem que transformar as favelas em bairro e legalizar os loteamentos clandestinos. Isso sim!

O vereador Jorge Babu (sem partido) é ainda mais radical na defesa de sua região. Eleito, segundo ele, com 70% de seus votos em Santa Cruz— onde há 219 favelas cadastradas —, Babu teme que a Zona Oeste seja usada para assentar moradores removidos de favelas da Zona Sul:

— Eles podem querer acabar com a Rocinha e transportar os moradores daquele local nobre pra cá.

O vereador Nadinho de Rio das Pedras (PFL) recebeu da comunidade, segundo ele, 89% dos 34.674 votos que obteve nas últimas eleições. E se apresenta como um defensor da região na Câmara:

— Sou morador de uma favela e sou contra a política de remoção. Não dá para culpar a população que mora em favela por décadas de descaso.

Com um perfil cada vez mais distrital, os vereadores, de acordo com a historiadora Marly Silva da Motta, do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, estão preferindo pleitear benesses para suas regiões do que discutir leis de interesse coletivo da cidade.

Vereador dispensa voto das favelas

Do outro lado da trincheira, o vereador Carlos Bolsonaro (PFL) garante abrir mão do voto popular. Mas acena para seu eleitorado conservador ao defender a retirada da população carente de áreas nobres:

— Não tenho eleitores em regiões carentes. Nunca quis entrar nessas áreas. A grande maioria dos vereadores é eleita por essas comunidades e a remoção para eles não interessa porque atrapalha a política.

Primeira vice-presidente da Câmara, Leila do Flamengo (PFL) também defende as remoções. Ela vai apresentar um projeto para criar bairros populares, num modelo semelhante ao dos conjuntos habitacionais. Segundo ela, favelas não precisam ser removidas para áreas distantes:

— Eu nem tenho votos nessas áreas, mas luto por elas. Acho que temos que defender os direitos deles de morar dignamente. O problema é que, onde surge uma invasão, entra um político para defender a permanência.

O vereador Stepan Nercessian (PPS) reclama que o debate está muito focado nas favelas da Zona Sul, onde há interesses de imobiliárias. Para ele, que diz que teve votos em todas as classes, o debate das favelas deve ser tratado dentro do Plano Diretor da cidade, onde seja contemplada a inclusão delas nos bairros:

— Acho que podemos discutir isso aqui. Moro na Barra mas sou vereador da cidade.

A vereadora Aspásia Camargo (PV), que defende a criação de mecanismos que freiem o crescimento das favelas, ressalta que a preocupação dos vereadores é também com os eleitores que querem atrair:

— Não dá para qualificar a posição do vereador apenas pelos votos que ele conquistou, mas pelo que ele quer conquistar.
 
 Programa não impede expansão de comunidades

Luiz Ernesto Magalhães

O programa Bairrinho, criado pela Secretaria municipal de Habitação (SMH) para urbanizar favelas de pequeno porte (com até 500 domicílios) e conter o seu crescimento, não vem conseguindo cumprir seus objetivos. Das 26 comunidades que passaram por obras desde 1997, em parte financiadas a fundo perdido pela União Européia (UE), pelo menos 15 (57,6%) crescem por falta de fiscalização da prefeitura, conforme concluiu inspeção especial feita pelo Tribunal de Contas do Município (TCM).

Segundo o TCM, apesar de em muito casos as obras não terem terminado por falta de verbas, acabaram atraindo mais moradores para as comunidades. O problema se agrava porque, de acordo com o TCM, das 26 favelas, em apenas duas — Tijuaçu (Alto da Boa Vista) e Vila Canoas (São Conrado) — foram criados Postos de Orientação Urbanística e Social (Pousos) para monitorar novas construções nas áreas.

O relatório do TCM chama de frágil o controle do crescimento. Isso ocorre porque, segundo o tribunal, como as obras de urbanização se transformaram no principal foco do programa da SMH, há o risco de as comunidades virarem grandes favelas. “A falta de mecanismos de controle (....) pode ser considerado como um incentivo a essas ocupações (...) A ausência de controle (...) tende a gerar demanda por programas de maior porte (....)”, escreveram os fiscais.

Procurada durante dois dias por telefone e por e--mail, a secretária de Habitação, Solange Amaral, não se manifestou sobre o relatório. Em abril, quando o documento foi votado em plenário, o TCM fez 25 recomendações e determinações à SMH para modificar o programa e corrigir falhas. Até a sexta-feira, não havia recebido qualquer resposta.

Líderes comunitários dão razão ao TCM. No Morro da Babilônia (Leme), havia 37 casas para serem removidas em abril de 2003, quando as obras começaram. Todas ficavam em área de preservação ambiental (APA).

— A prefeitura demarcou os eco-limites, mas não instalou as cercas. Hoje, já são 86 casas. Só posso tentar evitar ocupações na conversa. Mas nem sempre as pessoas atendem aos pedidos. Quem tem poder de fiscalizar é a prefeitura — disse Isaías Bruno, presidente da Associação de Moradores da Babilônia.

A situação não é diferente no Morro do Chapéu Mangueira (Leme), onde o projeto também ficou incompleto. Nos últimos meses, cerca de dez barracos foram construídos num terreno particular invadido na Ladeira Ari Barroso.

A implantação de um Pouso era prevista na Vila Parque da Cidade (Gávea). Mas, como confirmou o TCM, ficou no papel. Bem como a creche e um Centro Municipal de Assistência Social (Cemasi) previstos no projeto original.

— A prefeitura alega falta de verbas para concluir as obras — explicou o líder comunitário Waldir Cavalcante.

A Associação de Moradores da Vila União da Paz (Padre Miguel) estima que o número de casas na favela tenha passado de 900 para 1.600 (77%) desde as obras, feitas em 2001, que também ficaram incompletas. O líder comunitário Antônio Moraes de Souza diz que faz o que pode, pois a prefeitura não fiscaliza a comunidade:

— A gente impede que construam no meio da rua. Mas, do muro para dentro, quem manda é o morador. Muitos decidiram construir mais de uma casa em cada lote — disse.

Na Tijuquinha (Barra da Tijuca), o controle também é feito pela associação de moradores. O líder comunitário Mauro Gonçalves Vieira, porém, admite dificuldades para evitar a expansão vertical.

Para Sérgio Magalhães, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ e ex-secretário municipal de Habitação, a expansão das pequenas favelas revela a descaracterização do projeto:

— A concepção do programa previa a criação de mecanismos de controle desde o início das obras — disse.

Sérgio acrescentou que a responsabilidade pela fiscalização não pode ser dos líderes comunitários:

— O controle urbanístico só se faz com o poder público presente nas comunidades.

Já o coordenador-executivo da Fundação Bento Rubião, Ricardo Gouveia, diz que não se pode esperar que apenas as obras de urbanização contenham as favelas:

— Mesmo a fiscalização só terá sucesso se articulada com um programa de regularização fundiária que formalize a posse dos imóveis — disse.

O relatório do TCM também alerta para a falta de programas complementares. “A opção de priorizar a urbanização de comunidades carentes em detrimento das demais políticas habitacionais (...) se constitui em perigosa herança deixada para as gerações atual e futura, dada a carência de implementação, concomitante, de contenção efetiva de crescimento, de programas sociais (....) Finalmente, deve ser considerada a adoção de outras políticas e formas de assentamento, visto que algumas dessas comunidades dificilmente assumirão características de bairro para se integrarem à cidade formal (...)”, conclui o relatório.

O Bairrinho prevê gastos de R$ 36 milhões na urbanização de 44 favelas — 18 ainda estão em fase de projetos ou em licitação — onde vivem 62 mil pessoas. Os recursos são da prefeitura, da União Européia e da Caixa Econômica Federal.
 

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Favelas também estão crescendo horizontalmente



Jornal O Globo, 09 de outubro de 2005
 
Alessandro Soler

Para além do adensamento vertical, quatro favelas do entorno do Morro Dois Irmãos avançam horizontalmente e podem vir a formar um complexo, atestam especialistas. Gerente de operações do extinto Banco Nacional de Habitação (BNH) e responsável pela urbanização de parte da Maré nos anos 80, o engenheiro e arquiteto Edgard Amaral fez projeções de crescimento de Rocinha e Vidigal. A primeira, mantida a expansão que Amaral verificou nos últimos anos, em breve se fundirá à Vila Parque da Cidade. Um encontro com o Vidigal e a vizinha Chácara do Céu poderia se dar em menos de dez anos.

— Considero os eco-limites da prefeitura uma solução interessante para conter o desmatamento e o avanço das favelas. Mesmo assim, as fotos revelam que elas continuam a se expandir. Declarações como a do prefeito Cesar Maia, que disse não se opor a espigões em favelas, são o salvo-conduto para a expansão vertical e horizontal, já que dão a noção de descontrole. Além de não criar programas de habitação, o prefeito estimula a ilegalidade — analisa Amaral, que desenvolve pesquisas sobre contenção e reformulação estética de favelas para a inserção na sociedade formal.

Especialista critica falta de política habitacional

Na avaliação de Luiz Cesar de Queiroz, professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, (Ippur) da UFRJ, as quatro favelas “experimentam um acelerado crescimento vertical, mas também uma expansão horizontal”. Como já há pontos de contato entre duas delas em cada pólo — Chácara do Céu e Vidigal de um lado e Rocinha e Vila Parque da Cidade de outro — a união entre as maiores configuraria um Complexo do Dois Irmãos. O professor Queiroz não poupa críticas à prefeitura, à qual acusa de “tolerante com todas as formas de ocupação irregular nesta cidade”:

— Hoje a expansão das favelas não se deve à imigração, como outrora. O problema é a inexistência de política habitacional. Não há regularização fundiária, com emissão de títulos de propriedade, ou mesmo remoções pontuais das áreas de risco para novas regiões urbanizadas. Falta ainda um sistema de transporte para atender às populações em novas áreas de urbanização.

Renê Melo, diretor da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, concorda:

— É injusto tratar o habitante da favela como algoz. Somos tão vítimas quanto quem mora no asfalto. Não há política pública de habitação, cada um se vira como pode.

Enquanto segue o debate, o deputado e engenheiro Luiz Paulo Corrêa da Rocha, da Comissão de Obras da Alerj, analisou imagens de satélite e concluiu não ser possível o encontro de Rocinha e Vidigal pelo alto, dado o paredão íngreme do Dois Irmãos. Mas ele poderia se dar por zonas de topografia mais suaves: uma em São Conrado e outra no Leblon e na Gávea, pela qual, numa hipótese de aceleração do processo de expansão, a Chácara do Céu poderia se unir por uma extensa zona pública de mata ao Parque da Cidade.

— Vidigal e Chácara do Céu estão em vias de se fundir. Parque da Cidade e Rocinha têm entre si condomínios de classe média e uma área de mata, que pode vir a ser invadida. Pelo alto as duas maiores não podem se encontrar, mas nas zonas mais baixas não há impedimentos geológicos — constatou o deputado, depois de analisar as imagens.

O advogado Conrado Henrique Niemeyer, procurador da família dona da área em São Conrado a que o deputado se refere, conta que há pelo menos três tentativas de invasão por mês. Ele paga a 12 seguranças para cuidar dos três terrenos que somam 600 mil metros quadrados, e já há uma zona de ocupação irregular permanente:

— A prefeitura não quer desapropriar os terrenos nem nos permite utilizá-los comercialmente. Sem uso comercial, não podemos manter a segurança indefinidamente. E se sairmos não tenho dúvida de que, em poucos anos, Rocinha e Vidigal se fundirão por São Conrado.

Instituto da prefeitura diz que avalia a situação

Procurado durante toda a semana pelo GLOBO, o Instituto Pereira Passos, da Secretaria municipal de Urbanismo, que monitora o crescimento da cidade, limitou-se a enviar uma nota, em que diz avaliar a evolução da ocupação dessas áreas. Na comparação de duas fotos aéreas, de 1999 e 2004, da região de Rocinha, Vidigal e Parque da Cidade, “verificou-se que não houve crescimento horizontal”. “Pode-se concluir”, acrescenta a nota, “que a partir de 2001, com os eco-limites, ocorreu o controle da ocupação (...) e que não existe a menor possibilidade de expansão que dê margem para a aproximação entre elas”.

Edgard Amaral é menos otimista:

— Não se pode acreditar que a situação esteja sob controle e relaxar. Um descuido, e a expansão ocorre muito rapidamente, a experiência ensina. O trabalho atual de controle e monitoramento não é o ideal. A segurança da população que vive e constrói em áreas de risco e a beleza do Rio estão em jogo.

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Traficantes de favores

http://www.nominimo.com.br - 10.10.2005 | 

Xico Vargas

O carioca do asfalto acaba de ser apresentado à Câmara de Vereadores da cidade. Se prestou alguma atenção ao assunto preferido dos jornais nos últimos 15 dias descobriu que vereadores, muitos deles, são como os traficantes. Encastelaram-se nas favelas e crescem cavalgando o vácuo deixado pelo poder público. Em lugar de obrigarem os governantes a cumprirem as leis, associaram-se a uma extração de políticos degenerados. Traficam por votos tudo o que é obrigação da prefeitura e do governo do Estado entregar aos moradores.

Fazem pior: estimulam a ilegalidade para trocar proteção por eleição. E aí vem a parte da história que mais agrada a essa catrefa: toda a baderna que semeiam na cidade – com a complacência da prefeitura – é paga pela turma do asfalto que comparece ao guichê dos impostos. Quer saber onde anda o seu IPTU, leitor? Tenha certeza de que boa parte dele certamente está em uso por algum vereador. Pode ser pela Lucinha, ou Sami Jorge, ou Jorge Babu, ou a tropa toda, cimentando a troca de algum favor por voto.

Apartadas exceções, como Andréia Vieira, que tem um pé na favela da Rocinha, mas botou os dois a salvo da lama, são 20, como revelaram os repórteres Dimmi Amora e Maiá Menezes, os integrantes dessa bancada do interesse privado sobre o bem público. Como qualquer grileiro eles costumam tomar terrenos (ou, por meia dúzia de trocados, compram de quem grilou) nas favelas para instalar os famigerados centros sociais. São a partida para a construção de uma carreira política sob o assistencialismo mais deslavado. É praticamente tudo ilegal nesses centros. Do prédio, à margem de qualquer postura, aos cursos de computação que oferecem, geralmente com programas pirateados. Legal, mesmo, só a grana que paga essa festa e que geralmente sai da verba de gabinete.

Não bancam botijão de gás, como o pessoal da droga, mas sempre arranjam um remédio, uma ambulância para deixar um doente na porta do hospital público, cimento e areia para ajudar a ampliar um barraco. É por aí que se captura um voto, dois. Empregar o filho mais velho é o preço para os votos da família inteira. Esse é o varejo. No atacado, um bom cabo eleitoral pode levar alguns terrenos numa próxima invasão e o material para construir barracos e lojas para alugar.

O que pode, então, a cidade esperar quando tem legisladores que pisoteiam as leis? Com sorte, a ajuda de Deus. E é muito, numa cidade em que o governo do Estado bota para correr os empregos da classe média e a prefeitura só arrocha quem constrói seguindo as leis. O Rio de Janeiro perdeu o pé da realidade há tanto tempo que os morros foram tomados pelas favelas e a última palavra sobre encostas que se ouviu dos ecologistas foi uma bobagem a respeito do malefício que causaria aos pássaros de hábitos noturnos acender um holofote para iluminar o paredão do Pão de Açúcar.

Nada disseram quando o casal de governadores instalou alguns milhares de cubículos no meio de um lamaçal e os entregou aos pobres sem água, luz, policiamento ou transporte. Uma favela chamada Sepetiba I. Para repetir o modelo, em Sepetiba II, aterraram um rio, três nascentes de água e passaram o trator na mata atlântica. Alguns luminares do Ministério Público ameaçaram abrir a boca, mas deles não soube mais nada.

É o que provavelmente acontecerá com a atual safra de queixas que agita o noticiário sobre a favelização do Rio. Esses vereadores que, como dizem modernamente os jornais, têm base nas comunidades estarão sempre eleitos. Já fixaram os seus bolsões de votos e compõem a bancada com maior possibilidade de ampliação. É só olhar para o ritmo de crescimento das favelas.

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Reviravolta no caso da Vila Alice

 

Jornal O Globo, 14 de outubro de 2005

Ruben Berta, Fernanda Pontes,

Ao lavar as mãos e sugerir como solução para a favela Vila Alice, em Laranjeiras, um acordo semelhante ao que moradores do Alto Leblon fizeram em 1993 - quando pagaram indenizações para invasores deixarem o bairro - o prefeito Cesar Maia deu sua contribuição para uma reviravolta inusitada. Em vez de o condomínio, que é de classe média baixa, pagar indenizações para desocupar a área invadida, os moradores da favela, que já tem mais de 90 casas, vão apresentar nos próximos dias, com assessoria jurídica da Fundação de Direitos Humanos Bento Rubião, uma proposta de compra do terreno, que fica numa área de preservação ambiental. Os recursos viriam de um financiamento de R$ 1,7 milhão obtido junto ao governo federal.

- Já conseguimos o apoio da Secretaria de Patrimônio da União (órgão subordinado ao Ministério do Planejamento) para um projeto habitacional que contemple os moradores da Vila Alice. Como cada uma das 85 famílias cadastradas teriam direito a um financiamento de R$ 20 mil, queremos agora propor a compra daquele terreno com parte desses recursos. Será um projeto-modelo - afirmou o diretor-executivo da entidade, Ricardo Gouveia.

Para ele, o fato de a favela estar dentro da Área de Preservação Ambiental de São José, instituída pelo prefeito Cesar Maia, não seria impedimento para que os moradores da Vila Alice permanecessem no terreno. Segundo Gouveia, após a compra, a idéia é fazer uma ocupação ordenada do espaço:

- O projeto que estamos propondo inclui o reflorestamento de parte da área e o reordenamento do espaço. Tudo será feito dentro da legalidade.

A proposta é mais uma tentativa de equacionar o imbróglio da Vila Alice enquanto segue uma contagem regressiva que aflige tanto os moradores da favela quanto os proprietários do terreno. Esgota-se no dia 8 de novembro o prazo concedido pela Justiça para um acordo. Se isso não acontecer até lá, o juiz Heleno Ribeiro Pereira, da 6 Vara Cível, pode pedir a remoção imediata dos invasores, com o apoio de órgãos como as polícias Civil e Militar e a Guarda Municipal. Na última tentativa de que a sentença de reintegração fosse cumprida, em setembro do ano passado, houve tumulto e a ação teve de ser cancelada.

Entre os donos do terreno invadido, a indignação divide espaço com a esperança de um acordo. A gerente-administrativa do Parque Residencial Laranjeiras, Maria Aparecida Silveira, disse que está aberta para receber propostas dos moradores da favela, mas descarta novo adiamento. O cumprimento da reintegração de posse foi adiado no mês passado na esperança de uma solução amigável.

- Estamos abertos a uma reunião com os moradores da favela para discutir uma proposta de solução, mas não é nossa intenção pedir à Justiça um novo adiamento - afirmou Maria Aparecida.

Promotor diz que prefeito pode agir

O administrador do Clube Hebraica - que divide a propriedade do terreno com o condomínio -, Jurandir Raiol, disse que é a favor da remoção da Vila Alice, que ocupa uma área de 4 mil metros quadrados da instituição, mas teme conflitos:

- Nós, é claro, queremos nosso terreno de volta. Mas já perdemos as rédeas da situação.

Perguntado sobre a possibilidade de a prefeitura ser convocada pela Justiça para auxiliar na remoção dos barracos caso não haja acordo, o prefeito Cesar Maia afirmou por e-mail que não tem poder para atuar no terreno da favela, por estar numa APA. O promotor Carlos Frederico Saturnino, da 1 Promotoria de Tutela Coletiva e Proteção ao Meio Ambiente e ao Patrimônio Cultural, rebateu a afirmação de Cesar Maia de que o município não teria o poder de fiscalizar:

- O prefeito está completamente equivocado. Ele não só tem o poder como tem o dever de fiscalizar.

Nove barracos surgem na mata

Mais um foco de favelização já pode ser visto em Laranjeiras. Desta vez, numa das poucas encostas verdes preservadas do bairro, próxima das ruas Leite Leal e Cardoso Junior. No meio da mata há nove casas, todas construídas em terrenos particulares. Moradores temem que a favela tome conta da área, como vem ocorrendo em outras encostas do bairro, seguindo o mesmo modelo da Tijuca, que já está cercada por morros favelizados. O subprefeito da Zona Sul, Marcelo Maywald, diz que os barracos, em área de risco, serão demolidos nas próximas semanas.

A ocupação irregular começou em 1998, quando a proprietária de um terreno de 1.396 metros quadrados, Maria Célia da Silva, entrou na Justiça contra os invasores. Desde então, novos barracos e "puxadinhos" foram construídos. Até hoje, Maria Célia aguarda uma decisão judicial.

Uma das casas fica num terreno da ONG Obra de Promoção dos Jovens, instalada num casarão tombado, na Rua Sebastião Lacerda. A propriedade de 2 mil metros quadrados vai até a Rua Cardoso Júnior, onde ocorreu a invasão. O presidente da ONG, Luiz Cesar Tardin, descobriu a ocupação irregular no ano passado por acaso:

- Tentei entrar pelos fundos, na Rua Cardoso Junior, e o portão estava trancado. A invasora impediu minha entrada em meu próprio terreno e disse que já tinha pedido a posse dele na Justiça.

Tardin contou que, no ano passado, moradores da Rua Sebastião Lacerda chegaram a enviar uma queixa-crime à 9 DP (Catete). Na semana passada, o condomínio Pomar das Laranjeiras, na Rua Leite Leal, entregou um recurso administrativo à prefeitura.

- Os barracos já estão bem próximos do muro que cerca o condomínio. Como o terreno é íngreme, tenho medo que ocorram deslizamentos. Fora isso, o verde está sendo destruído. O esgoto desce pela encosta e chega na rua - afirmou a advogada dos moradores do Pomar, Joyce Beatriz Fabiano Gaspar.

O subprefeito da Zona Sul, Marcelo Maywald, disse que já foi informado sobre o problema:

- A comunidade existe ali há um tempo, mas as recentes queimadas preocuparam os moradores de Laranjeiras. Nós estamos monitorando a favela e os barracos serão demolidos porque a área é de risco.

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O bê-á-bá das facções

Jornal O Globo, 15/10/2005
 
Elenilce Bottari e Taís Mendes
 
RIO -  A disputa de quadrilhas de traficantes do Rio por territórios vem dividindo a cidade, aumentando o estigma sobre os cerca de um milhão de moradores de favelas e transformando vizinhos em inimigos.  Facções em guerra em comunidades como Vigário Geral e Parada de Lucas, Querosene e Turano, Rocinha e Vidigal, acabam influenciando também nas relações de crianças e adolescentes que reproduzem nas escolas e nas ruas a rivalidade das quadrilhas.  Durante duas semanas, repórteres do GLOBO ouviram alunos, professores e movimentos sociais sobre a questão.  Provocações entre alunos, ameaças e, em alguns casos, até conflitos contados por eles mostram que muitos desses jovens acabam contaminados pela rivalidade como se fizessem parte dessa guerra.  Segundo o coordenador-geral do Observatório das Favelas, Jailson de Souza e Silva, os traficantes trabalham com identidade territorial condenando moradores a também serem identificados como membros de facções:

-  Hoje setores dominantes vêem população da favela como população civil do território inimigo.

Uma classificação que, segundo ele, tem que se romper:

-  Cada vez mais os órgãos públicos trabalham com essa lógica da facção.  A facção é que se identifica com o lugar e não o lugar com a facção.  No fundo, a população não quer saber se é A ou B.  Ela prefere conviver com pessoas conhecidas do que com desconhecidas.  A população prefere que não haja mais facções, mas, se tradicionalmente existem grupos armados, que seja conhecido.  Por isso que é perigoso o estado trabalhar com a lógica das facções.
 
Centros de recuperação também têm facções
 
Uma situação que não está mais restrita a presídios e centros de recuperação de menores infratores.  Atinge também os Centros de Recurso Integrado de Atendimento ao Menor (Criams), que hoje dividem por facções as crianças e os jovens assistidos:

-  Claro que o Poder Judiciário e o Poder Executivo não comungam do entendimento que essas facções sejam legitimadas, mas por outro lado precisamos garantir a integridade física desses jovens.  Por isto, quando essas crianças e adolescentes chegam ao Criam são divididas de acordo com a facção que domina a comunidade em que moram.  Infelizmente a falta de condições econômicas e sociais nessas comunidades faz com que a referência para esses jovens seja a facção  - explicou o juiz Marcelo Villas, da 2 Vara da Infância e da Juventude.

Nas escolas municipais e estaduais da cidade
essa divisão territorial não existe, mas nas unidades situadas dentro de comunidades controladas por traficantes dificilmente se encontra crianças de favelas dominadas por quadrilhas rivais.  No Complexo da Maré, crianças que moram na Nova Holanda não estudam em escolas da vizinha Baixa do Sapateiro:

-  É forte nas crianças da favela essa questão dos grupos armados.  Mas a questão não está só nas escolas.  Hoje, o bicho-papão é o Caveirão, da polícia.
 A forma brutal como eles entram nas favelas assusta.  As coisas estão fora do lugar e as crianças levam isso para a escola  - afirma Eliana Souza Silva, mestre em educação e diretora do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM).

Defeitos constantes no elevador do Ciep João Goulart, em Ipanema, erguido entre as favelas do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho, deixam sem aulas muitos alunos e provocam a transferência de professores.  Sem o elevador, o único acesso para o Ciep é o Morro do Cantagalo, território rival de comunidades de muitos estudantes da unidade.  Segundo relata a coordenadora-geral do Sindicato
Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), a professora Gesa Linhares, assustados com as provocações durante o trajeto da van, muitos professores pediram transferência:

-  Eles contavam que subir de van não era tão simples porque havia crianças de várias comunidades que não podiam se encontrar.  Quem resolveu a questão foram os pais que disseram que seus filhos corriam perigo e que por isso não iriam mais à escola.  Na cultura que já existe, um grupo não pode se misturar com outro.

Segundo a coordenadora do Sepe, vêm crescendo as ameaças a professores que trabalham em escolas localizadas em comunidades onde há tráfico de drogas:

-  Daqui a pouco teremos escolas só para católico, para espírita etc.  O papel do educador é tentar trabalhar contra todas as formas de discriminação.  A população de um modo geral tem que ser atendida na escola com igualdade e oportunidade para todos.  Também é preciso uma atenção maior na formação dos profissionais.  Muitos estão assustados porque, em vez de se reduzir, vem crescendo o nível de perseguição entre alunos e inclusive aos professores.  O crime na escola de Bangu nos assustou profundamente  - disse, referindo-se ao assassinato do sargento da PM e professor de história Márcio Nilo Jesus de Oliveira, morto em agosto no Colégio Estadual Cristóvão Colombo.

Professora do ensino fundamental de uma escola na Rocinha, que pediu para não ser identificada, relata que nas escolas da favela não entram moradores do Vidigal:

-  Por medo, os próprios pais não querem que seus filhos estudem em comunidades rivais, mesmo sabendo que são apenas crianças e não traficantes.  Também já trabalhei no Ciep Prefeito Djalma Maranhão, que atende as crianças do Vidigal.  Lá não tem alunos moradores da Rocinha.  Eles são inimigos e nem sabem a razão.

Movimento criado em Vigário Geral, o AfroReggae tem como principal bandeira tirar jovens do tráfico.  O grupo realiza shows para reaproximar comunidades tornadas inimigas pela disputa de traficantes.  Um dos integrantes do grupo, Altair Martins, de 24 anos, cresceu convivendo com o ódio entre moradores de Vigário e Lucas.  Ele lembra que na última invasão da favela os moradores contaram que tiveram suas casas saqueadas pelos vizinhos de Parada de Lucas.  Segundo ele, os traficantes não participaram dos saques.  Altair lembra que o ódio entre as duas comunidades não começou com o tráfico, mas em um jogo de futebol organizado em 1983 para aparar as arestas entre os vizinhos:

-  Era decisão por pênalti.  O jogador de Lucas bateu e no momento em que o goleiro agarrou a bola ouviu-se o tiro.  A galera correu para comemorar e, quando foi abraçar o goleiro, ele estava morto.
16 de outubro de 2005

Crianças da Rocinha brincam de guerra de quadrilhas
 
RIO -  Uma professora do ensino fundamental de uma escola de São Conrado que prefere não se identificar conta que seus alunos, a maioria moradores da Rocinha, há cerca de quatro meses começaram a faltar muito as aulas. Ao convocar os pais, soube que os meninos, entre 10 e 14 anos, passavam a madrugada brincando de guerra de quadrilhas nas ruas da favela. Encapuzados, com armas confeccionadas com PVC, os meninos se dividiam em grupos, denominados por eles de facções: do Valão, da Vila Verde e da Rua Um (localidades da Rocinha).

- Isso nada mais é do que viver o crime. A brincadeira tomou tamanha proporção que os traficantes ordenaram que acabasse. Mas já soube que as crianças voltaram a "guerrilhar" nas ruas da favela.

Segundo a professora, as crianças levam para as salas de aula a torcida pelos traficantes da Rocinha:

- Eles sabem quando vai ter invasão a outras favelas e torcem desde a véspera.

Nem mesmo por questões de saúde moradores são capazes de transpor a barreira. A professora conta que um projeto de atendimento dentário no Vidigal não consegue estender seus serviços à Rocinha:

- As dentistas, que periodicamente percorrem a Rocinha, encaminham crianças para tratamento no Vidigal, mas elas nunca aparecem.

A professora fala do fascínio de seus alunos pelo traficante Bem-te-Vi. Churrasco, tênis novo, bolos e brinquedos conquistam os meninos e muitos acabam no tráfico:

- No Dia de Cosme e Damião, o traficante ofereceu um bolo gigantesco e distribuiu um caminhão de brinquedos.

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Expansão das favelas não tem eco-limites

 
Jornal O Globo, domingo, 16 de outubro de 2005

Luiz Ernesto Magalhães

Auditoria do Tribunal de Contas do Município (TCM) nos programas ambientais da prefeitura descobriu que 17 favelas — entre elas Vila Parque da Cidade (Gávea), Babilônia (Leme), Formiga (Tijuca) e Floresta da Barra (Itanhangá) — já ocupam áreas de preservação ambiental no Rio. O documento, produzido no fim de 2004, identificou mais 42 comunidades numa distância máxima de cem metros de áreas administradas pela União (Parque Nacional da Tijuca), pelo estado (Parque da Pedra Branca) e pelo município, como a APA dos Morros da Babilônia e de São João, no Leme, e a Aparu do Alto da Boa Vista.

— Corremos o risco de esses parques serem transformados no que chamo de reservas-favelas, por falta de controle das expansões — diz o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, Carlos Minc (PT).

Na quinta-feira passada Minc sobrevoou com técnicos do Ibama algumas das áreas ameaçadas. Ele vai produzir um relatório, a ser encaminhado ao Ministério Público, para que prefeitura, estado e União sejam notificados sobre as invasões. No Parque da Cidade, por exemplo, Minc constatou que a favela se expande, em forma de cunha, rumo à mata:

— Na Rocinha, no Laboriaux, há casas bem próximas aos limites do Parque da Tijuca. Na Babilônia, em meio às árvores é possível observar casas fora dos eco-limites demarcados pela prefeitura para separar as áreas verdes das construções.

Risco de tragédia em caso de temporais violentos

A professora Ana Luiza Coelho Neto, do Laboratório GeoHeco do Instituto de Geografia da UFRJ, alerta que o crescimento desordenado pode provocar uma tragédia em caso de violentos temporais:

— Na Rocinha, por exemplo, a expansão de algumas localidades (Portão Vermelho e Laboriaux) ocorre em áreas de risco de deslizamentos. As características da área são semelhantes às de comunidades do Itanhangá que foram soterradas nas enchentes de 1996.

Já na Zona Oeste, pela vertente de Jacarepaguá, o TCM identificou quatro comunidade dentro do Parque Estadual da Pedra Branca, a maior floresta urbana do Brasil. Segundo ecologistas, o quadro é ainda mais alarmante:

— Existem pelo menos 23 favelas nos limites do parque. E as comunidades não param de crescer. Na Favela Pedra Branca (Jacarepaguá), em poucos anos o número de famílias que vivem ali passou de 120 para 500 — disse Marcelo Soares, coordenador da ONG SOS Floresta da Pedra Branca.

Nas áreas pobres, a expansão sobre o verde divide opiniões de líderes comunitários. O presidente da Associação de Moradores do Parque da Cidade, Waldir Cavalcanti, se sente discriminado na discussão:

— E os condomínios de ricos construídos em encostas da cidade? Ninguém reclama? En 1985, ganhamos o direitos de ficar aqui com títulos de posse do ex-governador Brizola.

Já o presidente da Associação de Moradores do Morro da Babilônia, Isaías Bruno, reclama do atraso da prefeitura para concluir as obras de urbanização da comunidade. Isaías conta que, por falta de repressão, já existem 86 casas além dos eco-limites.

Segundo o relatório elaborado com base em informações da Secretaria de Urbanismo, casas do Morro da Formiga já teriam invadido o Parque da Tijuca. Embora negue esta informação, a administração do parque admite preocupação com comunidades limítrofes como a Coréia (Tijuca) e a Rocinha. A subchefe da reserva, Ana Cristina Vieira, diz que agentes do Ibama vistoriam áreas vizinhas ao parque para combater as invasões. Em breve, o monitoramento do parque será feito também com apoio de satélites.

Já o presidente do Instituto Estadual de Florestas, Maurício Lôbo, diz que as favelas identificadas pelo TCM são ocupações antigas. E que reforçou a fiscalização:

— Em 2004 demolimos mais de 40 novos barracos construídos no interior (de parques) ou em áreas limítrofes.

O secretário municipal de Meio Ambiente, Ayrton Xerez, diz que a prefeitura investe em programas de educação ambiental e de reflorestamento. Mas admite:

— Nenhum desses mecanismos conseguirá conter completamente a favelas. O crescimento ocorre porque há décadas o governo federal não tem uma política habitacional para a população de baixa renda.
 

As reservas ameaçadas


As 17 favelas ocupam oito reservas. Muitas põe em risco um ecossistema rico.

Aparu do Alto da Boa Vista: Favelas Doutor Catrambi, Estrada do Tijuaçu, Mata Machado, Fazenda, Floresta da Barra, Furnas e Agrícola. A vegetação que predomina na reserva criada pela prefeitura é de Mata Atlântica. A Aparu conta com vários bens tombados como Museu do Açude e Palacete do Conde de Itamaraty.

Apa do Morro da Babilônia/São João: Babilônia (Leme). Nos paredões são encontradas bromélias e espécies em extinção, como a velózia-roxa. Micos-estrela, borboletas-coruja e sanhaços também têm ali seus habitats.

Parque Nacional da Tijuca: Morro da Formiga. Criada em 1961 por decreto federal, tem espécies nativas e raras como embaúbas, cedros e ipês. Gatos-do- mato, macacos-prego e micos-estrela também podem ser observados em todo o parque.

Parque Dois Irmãos: Vila Parque da Cidade. Na APA criada por decreto da prefeitura em 1992, é possível observar espécies como a coruja-orelhuda, o pica-pau do campo e a borboleta-azul.

Aparu do Jequiá (Ilha do Governador: Colônia Almirante Gomes Pereira. Localizada num manguezal que resiste à poluição da Baía de Guanabara, foi criada pela prefeitura em agosto de 93.

Parque Estadual da Pedra Branca: Morro do Camorim, Parque da Pedra Branca, Santa Maria e Parque Nossa Senhora da Ajuda. Na reserva está localizado o Pico da Pedra Branca, de 1.024 metros, o ponto culminante da cidade. Muitas espécies vegetais raras podem ser encontradas no local, como jequitibás e noz moscada silvestre.

Outras: Parque Chico Mendes, localizado na Apa da Freguesia. A comunidade da Rua São Tillon, dentro do Parque municipal de Marapendi.


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Até o Favela-Bairro é contestado

Jornal O Globo, 17 de outubro de 2005
 
Luiz Ernesto Magalhães

No momento em que a cidade enfrenta o crescimento desordenado de favelas, até um projeto considerado modelo pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) sofre questionamentos. Um relatório feito por técnicos do Tribunal de Contas do Município (TCM) aponta que os US$ 600 milhões que estão sendo gastos desde 1994 no Programa Favela-Bairro pela prefeitura com recursos próprios e empréstimos do BID dificilmente conseguirão cumprir com o objetivo de transformar áreas carentes em bairros providos de infra-estrutura. A paternidade do programa foi até objeto de disputa política.

O documento constata que a prefeitura deveria ter se precavido para evitar que as favelas se expandissem entre o momento que a comunidade foi informada sobre as obras e o início efetivo do projeto. Como nesse intervalo muitas comunidades cresceram, o orçamento acabou sendo insuficiente e obras ficaram incompletas.

Os técnicos do TCM alertam para a necessidade de conter o avanço das favelas já urbanizadas: “A ausência de mecanismos de controle do crescimento das favelas e dos loteamentos irregulares beneficiados (....) pode ser considerada como um incentivo. A percepção de melhoria a ser obtida com a urbanização resulta em enormes movimentos migratórios”.

Relatório critica a não-remoção

Os técnicos entenderam que em muitos casos a estratégia do programa de urbanizar comunidades carentes é equivocada já que, por suas características, jamais poderão ser transformadas em bairros. Seja por particularidades geográficas ou influência do tráfico de drogas. Os técnicos acrescentaram que a prefeitura deveria ter concentrado esforços na construção de moradias para a população de baixa renda no asfalto, em bairros já consolidados.

O trabalho foi realizado por auditores especializados em analisar contratos na área de habitação. O relatório alerta a prefeitura para a necessidade de se criar uma legislação urbanística para conter o crescimento desordenado que já causa impacto econômico na cidade. O texto critica a inexistência de uma política de remoções de comunidades carentes: “A política de não-remoção acrescida do descontrole da expansão e/ou surgimento de ocupações irregulares (...) vem inviabilizando a vocação turística do Rio de Janeiro”.

Cópia do documento, que será votado no plenário do TCM na quinta-feira, foi obtida pelo presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara de Vereadores, Luiz Guaraná (PSDB). Se aprovado, o relatório será enviado à Secretaria de Habitação.
 
Cinco favelas foram avaliadas


Os técnicos do TCM fizeram uma pesquisa por amostragem em cinco comunidades do Favela-Bairro 2 para avaliar o impacto das obras em andamento. Elas representam investimentos de R$ 63 milhões do programa, ou cerca de 12% dos R$ 300 milhões da segunda etapa. Os moradores reconheceram que houve melhoras devido à pavimentação e à implantação de rede de esgotos, coleta de lixo, iluminação e programas sociais.

No entanto, alguns problemas foram constatados: no Jardim Moriçaba (Senador Vasconcelos), mesmo com as obras, não foram resolvidos os problemas de abastecimento de água; em Areal (Guaratiba), em algumas ruas a rede de águas pluviais não foi implantada; na Vila Rica de Irajá (Acari), há deficiências nas redes de esgoto, drenagem e iluminação. Na Azevedo Lima (Rio Comprido), parte das áreas de lazer e a remoção de moradores em áreas de risco deixaram de ser feitas. No Catumbi/Mineira, o esgoto em alguns pontos continua a correr por valas.

Desde o início do programa em 1994 — entre projetos, obras em andamento e concluídas — cerca de 556 mil moradores, em 143 comunidades médias consolidadas (de 500 a 2.500 domicílios), estão sendo beneficiados pelas ações do Favela-Bairro.

Especialistas dizem que a proposta é boa

Ruben Berta

Apesar das críticas do relatório elaborado por técnicos do TCM, para especialistas em urbanismo, o conceito do Programa Favela-Bairro é bom. De acordo com Cristiane Duarte, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, a idéia de manter comunidades já instaladas há muitos anos no próprio local é, na maioria das vezes, o melhor caminho para a solução:

— A idéia de manter as pessoas que já estão há muitos anos na comunidade dando o título de propriedade é boa. Mas as ações urbanísticas precisam estar acompanhadas de outras, na área social, para que o projeto funcione em sua plenitude.

O arquiteto Sérgio Magalhães disse que o Favela-Bairro ainda continua sendo a melhor saída para os casos de comunidades grandes, já consolidadas. Ele ressaltou, no entanto, que o programa, realizado de forma isolada, não é a solução para o caos habitacional da cidade:

— Há favelas em que o melhor caminho é mesmo urbanizar. Pensar em remoção nas grandes comunidades está longe da realidade. Mas investir somente ali não basta. Se não há políticas habitacional e de transportes sendo desenvolvidas paralelamente por estado, município e União, as favelas vão continuar crescendo.

Há cinco anos, o Favela-Bairro esteve entre os melhores projetos do mundo apresentados na Expo 2000, em Hannover, Alemanha, evento que reuniu 173 países no fim do milênio. O prêmio permitiu que o Favela-Bairro use a logomarca do evento, uma espécie de selo de qualidade e reconhecimento internacional.

A secretária municipal de Habitação, Solange Amaral, afirmou através de sua assessoria de imprensa que o órgão está atento às recomendações dos técnicos do TCM para o aprimoramento do Favela-Bairro. No início do ano, o órgão já havia recebido relatórios aprovados pelo TCM com sugestões para outros dois programas: Bairrinho e Mutirão.

O prefeito Cesar Maia disse por e-mail que o relatório do TCM precisaria ser comparado com as análises feitas por técnicos do BID: “O Favela-Bairro é um projeto complexo que vai muito além da urbanização”, afirmou Cesar. Desde a terça-feira passada, repórteres do GLOBO tentaram entrar em contato com representantes do banco, mas não houve retorno.

Para o vereador Luiz Guaraná, o Favela-Bairro está entre os melhores projetos do mundo, mas precisa vir acompanhado de fiscalização dentro das comunidades:

— Infelizmente, a fiscalização tem afrouxado. Se não há fiscalização, as pessoas se acham no direito de continuar construindo nas favelas e o crescimento não pára, já contando com a prefeitura para fazer as melhorias futuras.

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Favelas protestam contra política de remoção


Jornal O Globo, Rio, 18 de outubro de 2005
Ruben Berta

Cerca de 150 pessoas participaram ontem de manifestação contra a remoção de favelas, na Vila Alice, em Laranjeiras. Representantes de associações de moradores, de gabinetes de vereadores e de entidades representativas de favelas apresentaram um manifesto contra a remoção de comunidades.

— A política que se discute hoje não é a da remoção em áreas de risco, mas sim em áreas de rico. Querem colocar as favelas bem longe e isso é um absurdo — disse o vice-presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio (Faferj), José Nerson de Oliveira.

Apesar de o prefeito Cesar Maia ter se retirado das negociações entre os donos e os invasores do terreno da Vila Alice, comunidade com mais de 90 casas em Laranjeiras, o município já tem até projeto para assentar as pessoas no local. Ontem, o diretor-executivo da Fundação Centro de Direitos Humanos Bento Rubião, Ricardo Gouvêa, afirmou que a proposta da entidade para manter as famílias na favela se baseia, inclusive, em planta elaborada por um órgão do município. Ele apresentou uma planta de maio de 2003, feita por técnicos do Instituto Pereira Passos, da Secretaria municipal de Urbanismo.

Projeto prevê construção de sobrados e reflorestamento

O projeto, mostrado por Gouvêa durante a manifestação contra a remoção de favelas, prevê a reorganização da comunidade. A parte mais alta seria reflorestada e na parte baixa seriam construídos 20 sobrados de até três andares com capacidade para até 95 famílias. O projeto prevê plantio de árvores entre os sobrados. Para Gouvêa, o projeto não contraria a lei que criou a Área de Proteção Ambiental (APA) de São José:

— Há um artigo da lei que criou a APA que prevê a integração das comunidades locais na preservação da área.

O diretor da fundação vai elaborar nos próximos dias a proposta de compra do terreno que será apresentada aos proprietários: Sociedade Hebraica e Condomínio Parque Residencial Laranjeiras. O gerente-regional da Secretaria de Patrimônio da União no Rio, Paulo Simões, afirmou que o financiamento federal de até R$ 20 mil por família para a compra só sairá se tudo for feito dentro da legalidade.

A assessoria de imprensa da Secretaria municipal de Urbanismo informou que o projeto de reurbanização da área tinha sido realizado em 2003 como opção caso o terreno da Vila Alice fosse desapropriado. Em dezembro do ano passado, o prefeito Cesar Maia publicou decreto desapropriando a área, mas o ato não saiu do papel.

Na próxima sexta-feira, a Associação de Moradores de Laranjeiras deve reunir proprietários da região para começar a discutir uma solução. Para a gerente-administrativa do Condomínio Parque Residencial Laranjeiras, Maria Aparecida Silveira, o fato de o projeto de manutenção da comunidade apresentado pela Bento Rubião ser da prefeitura não é uma surpresa:

— Eles nunca nos comunicaram nada. Só interferiram para complicar ainda mais a situação. De qualquer forma, iremos analisar o projeto para a compra do terreno.

Entre os moradores da Vila Alice, o clima é de tensão diante do prazo da Justiça para a reintegração de posse da área aos proprietários. A partir do dia 8 de novembro, o juiz Heleno Ribeiro Pereira, da 6 Vara Cível, pode determinar a remoção imediata das famílias.

O vice-presidente da Faferj, José Nerson, disse que a entidade está atenta à atuação de parlamentares na polêmica:

— Precisamos separar o joio do trigo, para que depois esses parlamentares, em época de eleição, não cheguem nas comunidades querendo votos.

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Favela ultrapassa muro de contenção no Palácio

 

Jornal O Globo, Niterói, Leonardo Valente, 16/out/2005

A encosta da Boa Viagem está ganhando um outro cenário, além do paredão de prédios de luxo em construção: o de barracos. Construções irregulares do Morro do Palácio, que fica do outro lado da encosta, ultrapassaram o limite estabelecido pelo muro de contenção e começam a descer pela encosta da Boa Viagem, de frente para o Museu de Arte Contemporânea (MAC).

- Há pouco tempo não conseguia ver o Morro do Palácio da Praia das Flechas. Agora, quando olho em direção ao MAC, vejo os prédios em construção, mas também uma pequena área repleta de barracos. Alguma coisa precisa ser feita para que a encosta não se torne um Vidigal - diz o analista de sistemas Eduardo José Monteiro, morador do Ingá.

Prefeitura vai mandar fiscais avaliarem a situação

Há anos o futuro da encosta é alvo de polêmica. O último Plano Urbanístico Regional das Praias da Baía aprovou a construção de prédios na região. Na época, o então prefeito Jorge Roberto Silveira alegava que os empreendimentos imobiliários iriam conter o crescimento do Morro do Palácio, que ameaçava avançar pela encosta da Boa Viagem. Desde então, a região ganhou projetos de luxo, com os apartamentos mais valorizados da cidade.

Em março deste ano, a comissão de meio ambiente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) chegou a anunciar que pediria o embargo dos empreendimentos imobiliários erguidos na encosta até que as construtoras apresentassem as licenças necessárias para a execução dos projetos, o que foi feito.

O surgimento dos barracos, no entanto, é apenas um dos problemas provocados pelo crescimento do Morro do Palácio na encosta da Boa Viagem. Moradores e motoristas que passam pela região reclamam do aumento do número de assaltos e da presença cada vez maior de flanelinhas.

- Durante a noite, a subida da Boa Viagem fica muito perigosa. Alguns bandidos aproveitam o fato de estarem próximos de uma das entradas do morro para assaltar. Se o número de barracos continuar aumentando, tenho medo de que a região fique ainda pior - comenta a professora Míriam Corrêa de Albuquerque, moradora da Boa Viagem.

No mirante da encosta, próximo de uma das entradas do morro, o barraco de um vendedor ambulante mostra que a desordem urbana também está comprometida em um dos pontos turísticos mais importantes da cidade. A estrutura feita com tábuas velhas saúda dos visitantes com boas-vindas em português, inglês e espanhol.

- Os ambulantes começam a ver que os turistas são uma fonte de renda - diz Míriam.

O secretário municipal de Urbanismo e Controle Urbano, Adyr Motta Filho, anunciou que fiscais da prefeitura farão esta semana uma análise de toda a área para decidir que medidas serão tomadas.

Cada vez mais barracos no caminho da Linha Três
 
O que começou com uma pequena invasão de barracos há pouco mais de dez anos, no início da linha ferroviária que liga Niterói a Itaboraí, no Barreto, ganhou proporções preocupantes. Hoje, com dezenas de casas irregulares e centenas de moradores, o local passou a se chamar Comunidade Leopoldina, uma das mais novas favelas do bairro. Os barracos ficam a poucos metros da linha, prejudicando o transporte e comprometendo o futuro projeto da Linha Três do metrô, que pretende usar o trajeto, mas que agora depende de desapropriações para prosseguir.

- Quem não passa pelo local há algum tempo vai se chocar quando voltar. É impressionante, pois o lugar, que era um grande terreno vazio, tornou-se um pequeno bairro pobre dentro do Barreto - diz o ajudante de obras Jorge Luiz de Souza, morador de Itaboraí e que utiliza o trem para vir a Niterói.

O problema das ocupações irregulares está presente também em diversos outros pontos dos 32 quilômetros de extensão do ramal. A circulação de pessoas pelos trilhos é comum e o trem precisa passar devagar pelas regiões ocupadas para evitar acidentes.

Segundo a Companhia Estadual de Engenharia de Transportes e Logística (Central), que administra a linha, não há previsão para desapropriações, o que pode atrasar ainda mais a Linha Três do metrô.


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Favelização das vias da Barra


Jornal O globo, 20 de outubro de 2005
Ruben Berta

Quem está no volante pode não reparar, mas as principais vias de acesso da Barra da Tijuca e do Recreio dos Bandeirantes também não escapam da favelização da cidade. Segundo um levantamento feito pelo gabinete do vereador Luiz Guaraná (PSDB), presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara, há pelo menos 32 favelas instaladas ao longo de seis grandes estradas e avenidas da região, entre elas, as avenidas das Américas e Ayrton Senna.

Logo no início da Barra da Tijuca, na Avenida Armando Lombardi, sentido Barra, há as favelas Vila União e Dois Corações. A primeira já foi alvo de ações da prefeitura, mas ainda persiste. Uma loja chegou a ser derrubada na década de 90, mas o terreno continua ocupado.

— É uma área que deveria ser destinada a um parque público municipal — afirma Guaraná.

Na Avenida das Américas, o levantamento constata dez comunidades, recentes como a invasão do parque Wet'n' Wild e mais antigas como a Restinga, na altura do Recreio Shopping, que já teve casas derrubadas durante as obras de duplicação da via. Em frente à Restinga, há a Vila Harmonia.

Na altura do Km 14,5 da Avenida das Américas, em direção ao Recreio, duas comunidades crescem escondidas, formando praticamente uma só: Beira do Rio e Pantanal. Há prédios de até quatro andares e até lojas de móveis. Para Guaraná, o crescimento destas favelas é preocupante porque elas estão na área reservada à Via 4, alternativa para o trânsito da região:

— Quando o trecho for efetivamente implantado para desafogar o trânsito, haverá dificuldade para se fazer as remoções necessárias.

Pedreiro foi morar na avenida para ficar perto de obra

Ainda na Avenida das Américas, no Km 11,5, onde estão condomínios de luxo como o Pedra de Itaúna e o Mansões, há a comunidade Barra América no lado oposto. No dia 21 de outubro de 1981, o pedreiro paraibano José Severino de Araújo construiu a primeira casa. Vinte e quatro anos depois, há 63.

— Vim de São João de Meriti para cá para ficar perto do trabalho. Era pedreiro de um prédio em construção na Avenida Sernambetiba — conta.

Apesar de a favela estar cercada por muros instalados por proprietários de terrenos próximos, a favela cresce verticalmente. Para Juarez Fernandes, da Associação de Moradores da Barra América, são necessárias intervenções da prefeitura:

— Se a favela fosse urbanizada, seria muito mais fácil ter controle sobre novas construções verticais. Mas hoje sequer temos luz e esgoto.

Como é comum nas favelas da cidade, a Barra América está envolvida num imbróglio. O terreno pertence a Pasquale Mauro, mas, segundo sua assessoria de imprensa, foi doado à prefeitura para se tornar logradouro público. Os moradores lutam na Justiça para obter a posse do terreno por usucapião.

Para Delair Dumbrosck, presidente da Câmara Comunitária da Barra, as ocupações irregulares na Estrada do Itanhangá são especialmente graves. Hoje, segundo o levantamento, há nove comunidades ali.

— É muito preocupante hoje a favelização no Itanhangá. Lá, a Favela Tijuquinha cresce tanto que em pouco tempo vai se encontrar com Rio das Pedras — diz Dumbrosck.

 

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Favela-bairro em xeque


Jornal O Globo, Rio, 20 de outubro de 2005
Luiz Ernesto Magalhães

O plenário do Tribunal de Contas do Município (TCM) aprovou ontem por unanimidade (sete votos a zero) e na íntegra o relatório elaborado pelos técnicos do órgão apontando falhas no Favela-Bairro. Conforme O GLOBO antecipou na segunda-feira, os auditores concluíram que o programa desenvolvido há 11 anos com US$ 600 milhões de recursos do município e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é ineficaz para conter o crescimento das favelas.

O documento será encaminhado à secretária municipal de Habitação, Solange Amaral, que terá 30 dias para se manifestar sobre as observações do TCM. No texto, os auditores observam que por falta de fiscalização as comunidades beneficiadas pelas obras crescem, anulando os benefícios do projeto. Os técnicos alertam ainda para a necessidade de a prefeitura manter uma política de remoções e investir mais em habitações populares e transportes. O conselheiro-relator Antônio Carlos Flores disse que não tinha o que criticar no documento.

— Os técnicos comprovaram a fragilidade do programa Favela-Bairro. Se as invasões não pararem, por mais que se gaste dinheiro, nunca se terá uma solução para o problema — disse Antonio Carlos.

Cesar diz que vai estudar críticas

O prefeito Cesar Maia disse que precisa estudar o documento com mais calma antes de julgar se as críticas são justas. Mas admitiu que elas podem servir de sinalizador para a prefeitura identificar problemas. Ele ressaltou que o Favela-Bairro sempre recebeu elogios dos técnicos do BID, que começou a financiar o projeto em 1994:

—A opinião das comissões técnicas do BID tem sido de aprovação ampla, com ajustes de erros. Que às vezes são das próprias empreiteiras contratadas e não do programa.

Já o presidente do TCM, Thiers Montebello, disse não ter dúvidas sobre a precisão do relatório:

— O que os técnicos se preocuparam foi em verificar se os recursos públicos estão sendo aplicados com eficácia.

A equipe do TCM fez o estudo por amostragem já que, por motivos de tempo e segurança, não era possível visitar as 143 comunidades e loteamentos incluídos no projeto. Ao todo, oito favelas passaram pela avaliação. Cesar Maia disse que, por ter sido parcial, a análise pode não demonstrar inteiramente o impacto do Favela-Bairro.

O TCM aprovou ainda sugestão do conselheiro José Moraes de enviar cópia do documento ao governo do estado para análise da Secretaria de Segurança, já que uma parte dele é dedicada a relatar incidentes violentos com o tráfico de drogas, incluindo assassinatos e seqüestros, envolvendo técnicos e operários. A própria equipe do tribunal não pôde visitar todas as comunidades que desejava devido a ameaças de traficantes.

Já na Câmara de Vereadores foi marcada ontem a primeira reunião da Frente Parlamentar em Defesa da Habitação Popular, criada por iniciativa de Édson Santos (PT). A partir de terça-feira, parlamentares e líderes comunitários discutirão a criação de um programa de habitação popular a ser adotado pela prefeitura do Rio.
 
   
Espigão da Rocinha virou tema de prova para juiz

Fábio Vasconcellos

Uma das questões da prova escrita para a seleção de novos juízes do Tribunal de Justiça, aplicada no início deste mês, testou os conhecimentos dos candidatos sobre a legislação que regulamenta o uso do solo no município. Dos 309 candidatos que responderam a pergunta inspirada na polêmica em torno do espigão de 11 andares construído na Rocinha, 68% afirmaram que a responsabilidade pela fiscalização das construções é da prefeitura.

Os candidatos tinham que responder, considerando até a hipótese de um desabamento. O presidente do TJ, Sergio Cavalieri Filho, disse que a maioria dos futuros juízes acertou a resposta.

— A prefeitura é responsável pela fiscalização do solo urbano, e deve impedir construções em áreas proibidas, como é o caso das encostas — disse Cavalieri.

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Pesquisa aponta descontrole na expansão de 200 cidades do Brasil

 

Folha de São Paulo, 14/out/2005

Renda foi um dos três itens analisados

O Brasil tem cerca de 200 cidades caracterizadas por um alto dinamismo de "crescimento canceroso", que se traduz em caos urbano, favelização e infra-estrutura escassa. É a conclusão do Projeto Qualicidades, que analisou três critérios: renda, população e edificação dos municípios brasileiros.
"O crescimento dessas 200 cidades é canceroso, doente", diz Luiz Paulo Vellozo Lucas, coordenador do Qualicidades, convênio que inclui o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

São Paulo, para ele, é o principal exemplo. Ele acredita que a cidade tem hoje a maior taxa de dinamismo brasileiro. "Quando, por exemplo, o PIB nacional cresce 0%, o mercado imobiliário de São Paulo sobe 6%, o que mostra que as cidades têm um vetor de crescimento autônomo, endógeno."
As cidades de alto dinamismo crescem acima da média nacional e/ou regional. Após certo ponto passariam a ter uma deseconomia com a aglomeração populacional. "Os pobres das maiores cidades são mais pobres que os das cidades pobres", afirma Lucas.

Municípios de médio dinamismo têm crescimento razoavelmente equilibrado. Mas a maioria dos quase 5.700 municípios do país está estagnada ou decadente. Os dados foram apresentados ontem, no 1º seminário do Qualicidades, na sede do BNDES, Rio.

Lucas disse ser fundamental haver uma política habitacional antes que se formem adensamentos populacionais. O subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Vicente Trevas, admitiu que o Brasil vive uma crise urbana, mas diz que só se resolveria com um programa comum aos governos. 

 

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