Reportagens 2005 (continuação (2)

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"Todo dia acontece tiroteio, mesmo nos horários de escola. Nossos telhados são todos furados de bala... Sofremos com o medo, mas não temos condições financeiras de morar em outro lugar" Valéria Calixto, moradora da Cidade de Deus cuja irmã foi baleada ao buscar o filho na escola, em 09/03/07

Reportagens ( continuação - 2)

Reportagens 2005

Tópico 1  Prefeito cria conselho para estudar crise habitacional
Tópico 2  Jacarepaguá pode se tornar um bairro-favela
Tópico 3  Invasões na mata da Fonte da Saudade
Tópico 4  Cesar Maia: Se houver crescimento econômico, Rocinha vai virar Mediterranée popular
Tópico 5   Abaixo do 'status' da favela
Tópico 6  Solução negociada é a saída
Tópico 7  Especialista defende remoção de favelas
Tópico 8  Favelas de Santa Teresa avançam para Laranjeiras
Tópico 9  Cresce a favela do Morro Azul
Tópico 10 Os urbanistas do morro
Tópico 11 As favelas que tomavam o cenário da Lagoa
Tópico 12 Galpões e prédios vazios na mira dos sem-teto
Tópico 13 Crescimento nas favelas, êxodo no asfalto
Tópico 14 Favelas avançam pela floresta em Petrópolis

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Prefeito cria conselho para estudar crise habitacional

Jornal O Globo, Rio, 22 de outubro de 2005

Luiz Ernesto Magalhães

O prefeito Cesar Maia criou ontem o Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social que vai estudar parcerias com a União e o Estado em projetos para construção de casas populares de forma a conter a favelização. A prefeitura já listou 11 terrenos na cidade, onde poderão ser construídos imóveis para reassentar famílias.

A criação de linhas de crédito especiais para habitação da população de baixa renda é prevista pela Lei Federal 11.124/2005 que, em junho, instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, que se encontra em fase de regulamentação.

Empresários da construção vão se reunir em Brasília

Na próxima terça-feira, em Brasília, o Sindicato da Indústria da Construção Civil se reúne com representantes de vários ministérios para discutir a regulamentação do fundo da união que financiará os projetos de casas populares.

— Temos onze terrenos em vários bairros onde poderiam ser construídas 2.790 casas para oferecer em parceria. O governo federal tem que criar uma política habitacional urgentemente para a população de baixa renda. O que ocorre hoje no país é um paradoxo. Não há linhas de crédito para imóveis na faixa dos R$ 30 mil — afirmou a secretária municipal de Habitação, Solange Amaral.

Solange acrescentou que a União tem um estoque de terrenos do INSS, e outros na área portuária, que poderiam ser aproveitados nesses projetos.

Já o secretário estadual de Habitação, Fernando Avelino, disse que o Palácio Guanabara está disposto a mobilizar até 1% de sua arrecadação de ICMS (cerca de R$ 100 milhões) para investimentos em habitação, caso avancem as negociações com a União.

Na Câmara de Vereadores e na Assembléia Legislativa, ainda não há data para discussão de três projetos que tentam conter o ritmo da favelização. As propostas não têm o objetivo de erradicar as favelas, mas de criar instrumentos legais para permitir remoções de áreas recém-invadidas
Zona Sul mobilizada para buscar soluções

Representantes de bairros da Zona Sul, que participaram anteontem de uma audiência pública na Casa do Comércio para debater propostas para o Plano Diretor da Cidade, cobraram programas de habitação popular que atendam a moradores de favelas. O presidente da Comissão Especial de Revisão do Plano Diretor da Cidade, vereador Jorge Felipe, e os vereadores Eliomar Coelho e Andrea Gouvêa Vieira explicaram que a idéia será discutida durante a elaboração do novo plano, que será votado na Câmara até o próximo ano.

Em novembro, a prefeitura deve encaminhar a proposta inicial com mudanças no plano. Além da habitação popular, os moradores pediram aos vereadores para aumentar o número de creches, de postos de saúde e criar programas de segurança preventiva e que reduzam o excesso de ônibus em Copacabana.

Na terça-feira, haverá audiência para discutir sugestões de moradores para os bairros da Praça da Bandeira, Vila Isabel, Maracanã, Andaraí, Tijuca, Grajaú e Alto da Boa Vista. O encontro será às 18h30m, na Faculdades Integradas São Camilo, na Rua Doutor Satamini, 245, na Tijuca. Na quinta-feira, o encontro será na Universidade Estácio, para debater questões dos bairros Engenho da Rainha e Tomás Coelho, entre outros.

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Jacarepaguá pode se tornar um bairro-favela

Jornal O Globo, Luiz Ernesto Magalhães, 21/out/2005

Jacarepaguá poderá se transformar em um bairro-favela em menos de 20 anos. A previsão consta de um estudo do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP), feito em 2002, com base nas taxas de crescimento populacional da região. Segundo o documento, os moradores de favelas poderão ser maioria em 2024. O ritmo com que surgem novas construções irregulares impressiona. Iniciado em 1999, o Favela-Bairro não conseguiu conter a maior delas, Rio das Pedras, que já forma um complexo de nove comunidades. Oficialmente, são 43.900 moradores. Lideres comunitários asseguram que já seriam 80 mil.

A expansão de Rio das Pedras ocorre em duas frentes: por meio da verticalização e de novas invasões. Em Pinheiros, primeira área da favela urbanizada pela prefeitura e considerada a mais valorizada, há prédios com cinco andares. Já no Areal 1, Areal 2 e Areinha, novos barracos são erguidos diariamente. Muitas casas estão na faixa marginal de proteção da Lagoa de Jacarepaguá, que havia sido parcialmente liberada com o reassentamento de moradores no final de 2000. Muitos voltaram para o local em poucos meses:

- Ganhei da prefeitura uma casa no Conjunto Bandeirantes (Vargem Grande). Mas lá havia tráfico e não era um ambiente bom para criar meus filhos. Voltei para Rio das Pedras quatro meses depois de me mudar- disse Márcia Vieira de Souza, de 35 anos.

Favelização prejudica dragagem de canais

As faixas de proteção - que ocupam um mínimo de 30 metros a partir do leito de rios e lagoas - têm entre os objetivos evitar que construções aumentem a erosão e o assoreamento. Em Jacarepaguá, a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) não enfrenta problemas apenas com Rio das Pedras. A grande quantidade de barracos à beira de rios e lagoas faz com que o órgão enfrente dificuldades para dragar canais em toda a região.

- Calculamos que existam de 3.500 a 4 mil casas à beira de rios e canais. Recentemente, não conseguimos dragar alguns trechos do Rio Grande (Cidade de Deus) porque não havia como as máquinas chegarem - diz Wilson Júnior, gerente regional da Serla.

Em 2000, Jacarepaguá somava 77 favelas onde viviam 113.287 pessoas, quase 100% de aumento populacional em relação a 1991 quando havia 58.267 moradores. No período, o crescimento populacional no asfalto foi de apenas 6,8%, passando de 369.244 para 394.411 moradores. Muitas favelas surgiram na década de 80, em invasões patrocinadas por políticos. O avanço das áreas carentes se refletiu no mercado imobiliário:

- A Praça Seca, que já foi reduto da classe média, virou um bairro de passagem. Já a Freguesia, que não tem tantas favelas, se valorizou. O metro quadrado da Praça Seca hoje corresponde à metade do da Freguesia - disse o corretor Cristiano Amaral.

O crescimento das favelas colaborou para que o Tanque perdesse para a Taquara importância como pólo comercial. Uma das favelas da área é a Bela Vista, cujas primeiras construções são de 1989. Segundo a associação de moradores, hoje já viveriam no local cerca de dez mil pessoas. O avanço da favela pela encosta ameaça fazer com que, no futuro, ela se una a outras comunidades no lugar conhecido como Mato Alto, que fica na Rua Cândido Benício, uma das principais vias do bairro.

- Alertei várias vezes o Ibama e a prefeitura que a comunidade já invadiu áreas de preservação. Nada foi feito - disse Maria Maciel da Rocha, presidente da Associação do Morro da Bela Vista (Covanca).

Barracos são erguidos ao longo da Grajaú-Jacarepaguá

Outro ponto cujo crescimento desordenado também preocupa no bairro é a subida da Auto-Estrada Grajaú-Jacarepaguá. Nas imediações do Hospital Cardoso Fontes, há mais de 50 barracos localizados na beira da pista. A favela fica próximo da vertente oeste do Maciço da Tijuca.

Segundo um estudo do Laboratório Geo-Heco do Instituto de Geografia da UFRJ, vários fatores explicam a expansão de favelas na região nos últimos anos. Parte dos moradores é formada por pessoas que foram atraídas pela oferta de empregos na construção civil da Barra. Um outro grupo se mudou de favelas localizadas em áreas mais nobres, em especial da Zona Sul, para o bairro, onde os aluguéis de casas e barracos eram mais baratos.

O prefeito Cesar Maia disse que o reassentamento de moradores que vivem às margens das lagoas do bairro só seria possível se o governo federal autorizasse o município a contrair um empréstimo de US$ 100 milhões de bancos japoneses que seriam investidos em saneamento na Baixada de Jacarepaguá. Quanto à favelização do bairro, Cesar diz que a solução é a economia voltar a crescer.

Sindicato é contra cesta da construção
 
O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon), Roberto Kauffmann, disse ontem ser contra a proposta do governo federal de criar a "cesta da construção", que isentaria de impostos materiais como cimento e tijolo. A distribuição seria semelhante à da cesta básica.

- Isso é um incentivo à favelização - disse.

Ontem, durante o ciclo Metas do Milênio, na Assembléia Legislativa, o especialista em habitação da ONU Alberto Paranhos disse que ocupações irregulares são comuns na América Latina, mas especialmente graves no Rio devido à devastação das áreas verdes.

A consultora em planejamento urbano Rosa Massena disse que habitação é um dos maiores problemas do Rio:

- Foi a única região, de nove grandes centros do país, onde o número de indigentes aumentou nos últimos anos.
 
Opinião: Prognóstico
 

A IMAGEM das favelas é ligada aos morros. Mas o carioca sabe que não é assim. Já existiu na planície um mar de barracos chamado de Praia do Pinto, ligando o Leblon à Lagoa. Hoje, há a favela Rio das Pedras, em Jacarepaguá, e várias outras, em terreno plano, espalhadas pela cidade.

A FAVELIZAÇÃO nos morros, por ser visível, chama a atenção. Enquanto isso, barracos são erguidos em áreas planas, sem alarde - como ao longo da Avenida das Américas e outras vias na Barra e Recreio.

SE A ocupação ilegal não é coibida pelo poder público mesmo quando se alastra à vista de todos, o que esperar dessas favelas que se esgueiram atrás de tapumes e prédios?
 
Invasão ameaça igreja histórica de 1664
 

A favelização de Jacarepaguá põe em risco uma jóia do patrimônio cultural brasileiro. Parte da favela da Coréia, que fica na Freguesia, já ocupa uma área do terreno da Igreja de Nossa Senhora da Pena. Construída em 1664, a igreja, uma das primeiras do Rio, fica em uma colina a 170 metros de altura, em parte ocupada por barracos, visíveis da Linha Amarela.

O provedor José Lucas Moreira Alves de Britto vai entrar com uma ação de reintegração de posse contra cerca de dez famílias que se instalaram no terreno da igreja.

Pedra na encosta é único empecilho para crescimento

Segundo José Moreira, a favela só não chegou mais perto do prédio, que é tombado, devido a uma imensa pedra encravada na encosta.

- Não sei o que fazer. Já fui intimado pela prefeitura a remover a pedra, devido ao risco que traz para a comunidade. A minha preocupação é que ao fazer isso, a favela acabe crescendo muito mais rápido - disse o provedor.

A Igreja Nossa Senhora da Pena foi tombada pelo Iphan em 1938. A construção do templo foi uma iniciativa do padre Manuel de Arruda para marcar o lugar onde a Virgem Maria teria aparecido, no alto de uma colina no século XVII, a um escravo, que procurava uma vaca desaparecida.

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Invasões na mata da Fonte da Saudade

Jornal do Brasil, , 21/out/2005

Branca Nunes

Associação de moradores denuncia ao MP o crescimento das ocupações irregulares no bairro
 
No coração da Zona Sul, a Fonte da Saudade, uma das áreas residenciais mais valorizadas da cidade, vem sofrendo com a invasão de suas áreas verdes. Além da favelização, com o surgimento de barracos, a região, que abrange dois parques e áreas de preservação pertencentes à prefeitura, está sendo devastada por construções de casas e condomínios de classe média alta que não possuem licença ambiental. A denúncia é da Associação de Moradores da Fonte da Saudade (Amofonte), que entrou com uma representação no Ministério Público Estadual do Meio Ambiente para tentar conter o avanço das construções ilegais.

A Rua Tabatinguera, travessa da Avenida Epitácio Pessoa, é uma amostra dessa situação. No alto da via, em frente a uma portinhola de madeira, presa por arames farpados, existe uma placa onde foi pintado com tinta vermelha ''casa 40''. Não é possível avistar a casa, mas é fácil encontrar a trilha aberta no meio da mata. Poucos metros à esquerda, um grande portão fecha o acesso à ruela de cimento que leva às casas 50, 370 e a um terreno que está à venda. Segundo o documento enviado ao MP, a residência 370, o terreno e a ruela são ilegais.

- O morador da casa de número 40 tenta incessantemente registrá-la no cartório. Tudo indica que ela encontra-se em terras da prefeitura, já que ele não consegue o registro. A casa 370, que tem dois andares, não tem registro no cartório e essa ruela foi ampliada de maneira ilegal - alertou Ana Simas, presidente da Amofonte. - Além disso, tenho recebido denúncias de moradores que costumam caminhar nas trilhas do Parque, localizadas atrás dessas casas. Eles foram ameaçados por um dos moradores que está proibindo o acesso às veredas da região.

A casa 370, além de não ter registro no cartório, não tem o habite-se (licença dada pela prefeitura) por falta de rede de esgoto. Proprietária do imóvel, a advogada Simone Lahorgue Nunes afirmou que, apesar da ausência da licença municipal, o registro do imóvel existe.

- Não tenho o habite-se porque, depois que a casa foi construída, a prefeitura avisou que eu teria que pagar a implantação de uma rede de esgoto desde a Epitácio Pessoa até aqui. Eu fiz o projeto e ia começar a obra quando fiquei sabendo que a ligação teria de ser feita pela própria prefeitura. O valor que me passaram foi exorbitante e eu me recusei fazer - contou Simone, que atualmente não mora na casa da Fonte da Saudade.

Mais adiante, na Rua Casuarina, a associação acusa outras irregularidades. Atualmente existem seis casas em construção, mas, em 2003, a Amofonte denunciou, em uma reunião com o secretário municipal, Índio da Costa, dezenas de obras que invadiam as áreas verdes que fazem fronteira com a rua. Na representação enviada ao MP, a Amofonte solicita que sejam investigadas quais dessas casas estão em áreas de proteção ambiental.

Outra possível irregularidade envolve o condomínio de luxo Chácara Sacopã, localizado no ponto mais alto da Rua Sacopã. A Amofonte afirma que a quadra de tênis deste condomínio invade áreas do Parque Municipal José Guilherme Merquior.

- Nossa quadra de tênis foi construída há 21 anos, junto com as casas. Temos o habite-se e somos totalmente legalizados. Essas acusações não têm fundamento - afirmou José Francisco Costa, síndico do Chácara Sacopã.

Um dos pontos mais polêmicos da representação diz respeito ao número 250 da Rua Sacopã. Em 2004, a Fundação Palmares, do Ministério da Cultura, reconheceu o terreno como sendo área de quilombo. Um dos documentos enviados ao MP pretende provar que o quilombo nunca existiu.

- O Manuel e a Eva Pinto, pais do Luiz Pinto, atual morador do local, trabalhavam para a família Darke, que era dona de quase toda a Fonte da Saudade. Nunca houve um quilombo aqui - acusou Ana Simas. 

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Cesar Maia: Se houver crescimento econômico, Rocinha vai virar Mediterranée popula

Jornal O GLOBO - RIO 23/10/2005 - 19h18m

Marcella Sobral - Globo Online

RIO - O
prefeito Cesar Maia, ao votar na manhã deste domingo pelo "Não", no Hotel Intercontinental, em São Conrado, disse ser radicalmente contra a remoção das favelas no Rio de Janeiro.
- É uma discussão ultrapassada. As favelas já são permanentes e fazem parte da estrutura do Rio - disse.
Para o prefeito a solução seria a urbanização das favelas.
- Se houver um crescimento econômico entre 4% e 4,5% em alguns anos a Rocinha vai virar um Mediterranée popular - comentou, neste domingo.

O plenário do Tribunal de Contas do Município (TCM) aprovou por unanimidade na semana passada (sete votos a zero) e na íntegra o relatório elaborado pelos técnicos do órgão apontando falhas no Favela-Bairro, o principal projeto de urbanização da prefeitura. Os auditores concluíram que o programa desenvolvido há 11 anos com US$600 milhões de recursos do município e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) é ineficaz para conter o crescimento das favelas e estimulou o crescimento das favelas.
O Globo levantou a discussão em relação ao crescimento das favelas no Rio a partir de uma reportagem sobre um prédio de onze andares erguido na Rocinha. O prefeito disse na época preferir um espigão na favela a um prédio na praia projetando sombra na areia.
- É muito melhor ter prédios grandes na Rocinha do que na praia, pois eles produzem sombras.
Na época ele apontou a suposta omissão dos vereadores como uma das principais causas da favelização do Rio. "Ficar na favela é um direito estabelecido no auge do populismo no Rio", afirmou o prefeito. Embora tenha maioria na Câmara, o prefeito disse que não apresentava projeto de emenda à Constituição municipal por não ter garantia de que conseguiria os dois terços de votos necessários para a mudança. Depois que vereadores defenderam a remoção em áreas de risco, ele voltou atrás e se disse contra a medida.

Carlos Costa, presidente da Associação de Moradores do Laboriaux, uma das mais novas regiões da Rocinha fora do ecolimite da favela, disse que a declaração de Cesar sobre o impacto ambiental menor em morros estimulou novas construções irregulares.
- Só na minha vizinhança, dois moradores ergueram mais lajes nas noites seguintes à fala do prefeito. Fui reclamar e eles simplesmente colaram na parede a reportagem em que Cesar Maia praticamente estimula os espigões. O que eu poderia responder? - disse Carlos.

Na semana passada, Cesar também disse que o Rio é mais limpo que as cidades de Madri e Paris. Depois ele explicou que se referia apenas aos pontos turísticos das cidades. Os estrangeiros que visitam o Rio não têm a mesma opinião. Uma pesquisa realizada pela Embratur, em 2003, revelou que a limpeza pública é o segundo maior motivo de reclamação dos visitantes, depois da segurança.

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Abaixo do 'status' da favela

Jornal O Globo, Rio, 23 de outubro de 2005

Alessandro Soler e Selma Schmidt

O Estado do Rio tem hoje um exército de sem-teto e um déficit habitacional que alcança 293.848 moradias, revela estudo inédito da Fundação Centro de  Informações e Dados do Rio de Janeiro (Cide). Esse número equivaleria à necessidade habitacional de quase 1,2 milhão de pessoas e corresponde a 6,89% das 4,2 milhões de residências fluminenses. Em números absolutos, o
déficit aumentou em 12.032 residências entre 1991 e 2000, diz a pesquisa, que teve como base dados do Censo do IBGE.

Enquanto isso, o déficit relativo caiu de 8,36% para 6,89% do total de moradias em nove anos. A queda é atribuída pelo Cide a "questões macroeconômicas gerais". Mas a aparente melhora pode dever-se em parte à migração de sem-teto para favelas. É que, pela metodologia do estudo, nem todas as moradias nas chamadas aglomerações subnormais (as favelas) são
consideradas déficit, mas apenas as construções precárias. Dados do Censo mostram que, entre 1991 e 2000, passaram de 313.284 para 387.729 as moradias nessas aglomerações. Em 2004 eram mais de 424 mil, aumento de 35% em 13 anos.

- Sem condições de moradia, na melhor das hipóteses alguns acabam nas áreas mais empobrecidas das favelas. Outros ficam mesmo na rua - conclui o professor Luiz Antônio Machado da Silva, coordenador do UrbanData Brasil, núcleo de estudos do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). - Só há uma possibilidade de acabar com o déficit: subsídio
estatal. Quem mora em habitação precária ou na rua não tem dinheiro.

Solução do déficit custa R$ 7,4 bi

No estudo do Cide, que visa a orientar políticas públicas, foram contabilizadas as famílias que vivem na rua, em moradias improvisadas ou em áreas de risco (12.583), em casa de parentes (243.923) e em cômodos cedidos ou alugados por valor superior a 30% da renda dos ocupantes (37.342). Segundo estimativa do diretor-executivo da fundação, Ranulfo Vidigal, para
erguer esse total de 293.848 casas seriam necessários R$ 7,4 bilhões - R$ 25 mil por unidade de sala, quarto, cozinha e banheiro. As obras, diz ele, gerariam 120 mil empregos.

- Para resolver o problema do déficit habitacional do Rio é fundamental haver uma política nacional articulada com o governo do estado e os municípios - propõe Vidigal.

Enquanto tal articulação não passa de sonho, um sem-número de famílias vive em áreas de risco como a comunidade Bandeira 1, em Maria da Graça. Lá, 57 barracos de madeira e lata espalham-se entre as linhas do trem e do metrô, sob um viaduto da Avenida Automóvel Club atingido por um incêndio em 2003. Com o fogo, dezenas de famílias perderam tudo e tiveram promessas de remoção da prefeitura, que as cadastrou. Até agora, ninguém saiu. Mas muitos chegaram.

- Depois de enrolar todo mundo, a prefeitura mudou o discurso: disse que daria material de construção, desde que a gente encontrasse terreno. Meu Deus, quem aqui tem condições de fazer a parte mais difícil? - exalta-se Márcia Oliveira, moradora de um barraco de cinco metros por cinco com o marido e cinco filhos.

A mudança para uma favela, ainda que dominada pelo crime, parece-lhe uma alternativa. Também é para o pedreiro Wilson das Neves, dos mais antigos moradores de uma invasão na Zona Portuária. Ele vive há oito anos com outras dezenas de famílias num conjunto de prédios penhorados ao Banco do Brasil e em disputa judicial, na Rua Equador. Nunca foi cadastrado em programa
habitacional.

- Estou fazendo essa nova casinha aqui dentro. Na atual chove sempre. Não me dão emprego porque não tenho comprovante de residência, embora eu seja um bom pedreiro. Ninguém que mora aqui tem carteira assinada - relata Wilson, enquanto ergue uma parede.

O déficit da cidade do Rio é alto: 7%, pouco acima da média do estado. Faltam, diz o Cide, 126.612 habitações na capital. Mas na Região Metropolitana o maior déficit é em Seropédica (8,83%), onde vivem abaixo da linha de pobreza (ou com até R$ 31 por mês, segundo o Ipea) 15,6% dos moradores. Ainda no Grande Rio, Nilópolis tem déficit de 8,77% e 9,55% da população abaixo da linha de pobreza.

Longe dali, no Noroeste e Norte do estado, estão Italva e Cardoso Moreira, municípios com o menor déficit relativo (3,45% e 4,57%, respectivamente). Ambos perderam população na década de 90. Em contrapartida, Macuco, na Região Serrana, é a cidade com o maior déficit relativo: 12,90%. O secretário de Projetos Especiais da cidade, Elton de Freitas, diz que uma das causas é a atração exercida pelas fábricas de cimento instaladas ali.

Depois de Macuco, Porto Real tem o segundo maior índice: 10,60%. Lá a população cresce 4,3% ao ano, inchada com os migrantes atraídos pelas fábricas de automóveis. Para impedir que a situação se repita em mais um município, Itaguaí, onde será construído um grande pólo gás-químico, a Secretaria estadual de Habitação planeja construir conjuntos habitacionais por lá. Para o secretário, Fernando Avelino, a melhor maneira de atacar o problema é dar moradia primeiramente a quem não a tem e, depois, cuidar de favelas.

- A expansão de favelas não terá fim enquanto os governos forem populistas e não tiverem coragem de dizer: aqui não se pode construir e ponto. Precisamos criar uma lei de responsabilidade urbana, em que os governantes sejam punidos caso permitam a expansão. Paralelamente, tem de haver políticas de habitação - prega Avelino, que diz estar construindo 12 mil moradias para a
população de baixa renda.

O gerente regional do Serviço de Patrimônio da União (SPU), Paulo Simões, também cita ações para minorar o déficit. Segundo ele, o SPU busca parcerias com Caixa Econômica Federal, estado e prefeituras para regularizar moradias construídas em terrenos da União, desde que não estejam em áreas de risco ou proteção ambiental. Só na capital estima-se que haja 15 mil delas.

- Com as parcerias, as prefeituras se comprometerão a realizar o cadastramento, a fazer melhorias nas comunidades e a fiscalizar para não deixar as comunidades crescerem - explica o gerente do SPU.

Procurada pelo GLOBO ao longo de toda a semana, a assessoria de comunicação da Secretaria municipal de Habitação não agendou entrevista com a secretária Solange Amaral.

Especialistas lamentam falta de política habitacional

Para especialistas, desde o surgimento da primeira favela no Morro da Providência, no fim do século 19, nunca houve políticas habitacionais adequadas. Luiz Antônio Machado da Silva, do Iperj, lembra que a política habitacional no estado e no país tem variado ao longo do tempo: de uma tentativa de estímulo ao empresariado para produzir habitações no início do século 20, com a construção de vilas operárias, ao descaso absoluto. Machado da Silva critica o extinto Banco Nacional de Habitação, que diz ter focado, com o tempo, prioritariamente na classe média.

Gerente de projetos de habitação do BNH de 1974 a 1984, com destaque na remoção de seis mil palafitas do Complexo da Maré em 80, o engenheiro Edgard Amaral defende o trabalho do banco. Somente em 1982, sustenta, foi entregue um milhão de moradias:

- Também participei de um programa de entrega de lotes urbanizados para que as pessoas construíssem suas casas. A terra é a prioridade, a regularização fundiária deve ser o objetivo a se perseguir.

Presidente do Observatório Urbano, entidade ligada ao programa Habitat da ONU e que, no Rio, funciona na Uerj, Cezar Honorato também critica o BNH, mas destaca que ele foi a única iniciativa consistente.

- O foco na classe média foi um equívoco. O espírito do BNH ainda paira na Caixa. Cobrar taxa de juros de 13% ao ano mais TR é indecente. Nos Estados Unidos e na Europa a taxa é de 1,5% - diz Honorato, que assessorou a pesquisa do Cide. - O estudo mostra o percentual brutal dos que nem favela têm. Mas não se pode ignorar que as favelas se expandem por não haver políticas. Precisamos de radiografias delas para contemplar todo o problema.

Vice-presidente da Federação de Favelas do Rio, José Nerson de Oliveira, também se ressente da falta de políticas para quem mora nelas:

- Os três governos precisam fazer um mutirão. Moradores de áreas de risco têm de ser reassentados em casas dignas e próximas. Quando surgiu a idéia de remoção de pessoas que moravam em áreas por onde passaria a Linha Amarela, negociamos, e elas aceitaram ser reassentadas em Costa Barros. Em vez de impor, o poder público deve dialogar.

Lei pode ser uma saída a médio prazo

A implementação da Lei 11.124, que institui o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e o Fundo Nacional para Subsídio Explícito, é a saída para resolver, a médio e longo prazo, o problema do déficit habitacional e conter a expansão das favelas. Essa é a avaliação do presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon-RJ), Roberto Kauffmann, para quem é preciso produzir, rapidamente, moradias novas, com saneamento, em locais adequados.

- As pessoas vão se sentir atraídas. Muitas que estão em favelas vão fazer um balanço para ver se podem sair dali. E quem está pensando em ir morar em favela também vai analisar a proposta. A lei vai servir para resolver a questão da sub-habitação - afirma.

Segundo o presidente do Sinduscon-RJ, só no município do Rio, com a lei implementada e utilizando terrenos públicos ociosos nos eixos das linhas férreas, do metrô e da Avenida Brasil, seria possível criar cerca de 200 pequenos bairros com até 500 unidades cada. Ou seja, cem mil novas moradias com infra-estrutura, comércio próximo e transporte de massa.

Depois de mais de 13 anos tramitando no Congresso, a Lei 11.124 foi aprovada este ano. A regulamentação, promete o Ministério das Cidades, sairá até dezembro. Estados e municípios terão, então, de criar os seus fundos de subsídios.

- Para alavancar o fundo federal achamos que deveriam ser destinados R$ 5 bilhões, recursos que precisam constar do orçamento da União para 2006. Ele deveria ser complementado pelos fundos estaduais e municipais com R$ 2 bilhões. Já os recursos onerosos a serem pagos a longo prazo por aqueles que comprarem as suas moradias deveriam ser de R$ 1,5 bilhão do FGTS e R$ 1,5 bilhão do FAT - calcula Kauffmann.

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Solução negociada é a saída

Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24/OUT/2005

Com problemas de ocupação irregular há mais de 50 anos, Rio coleciona projetos que nunca saíram do papel

Denise Assis

Para conter e organizar o crescimento desordenado das favelas, que hoje à luz do politicamente correto chamamos de comunidades carentes, o país já teve vários planos. Todos eles, claro, testados no Rio de Janeiro, onde o problema sempre foi mais agudo e de maior visibilidade. Dos mais repressivos - os parques proletários construídos no início do Estado Novo, e as remoções empreendidas no governo de Carlos Lacerda - ao programa Favela Bairro, do atual governo municipal, esses planos não apontaram uma solução.

Um estudo do Instituto Pereira Passos, órgão ligado à Secretaria Municipal de Urbanismo, feito com base nos números do censo de 2000, do IBGE, atesta que o crescimento das favelas foi de 2,4% ao ano, enquanto que o resto da cidade cresceu apenas 0,38%. Traduzindo, isso significa que as ''favelas'' cresceram em um ano o que o ''asfalto'' leva seis anos para crescer. A população do município do Rio, que era de 5.480.778 habitantes em 1991, passou para 5.851.914 em 2000. Nesse universo, o número de ''favelados'' já vai além de um milhão, e o de ''favelas'' está em torno de 700. O número de habitantes de comunidades carentes aumentou mais rapidamente nos bairros da Barra e Jacarepaguá, enquanto no resto da cidade, de um modo geral, a população diminuiu nas áreas consolidadas. Suspeita-se que por terem, as famílias, reduzido o número de filhos.

Um projeto localizado no Arquivo Nacional, entre os guardados de Paulo Assis Ribeiro, nome de destaque na política de Getúlio Vargas a Humberto Castelo Branco, de quem foi um dos assessores, demonstra que quando atuou no planejamento e implantação do Instituto de Desenvolvimento Agrário, nos anos de 1962 a 1963 e, mais tarde, como presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, de 1965 a 1967, ele quis implantar as ''agrovilas'', com o objetivo de deter o homem no interior do país, evitando o êxodo rural e a formação das favelas. O projeto chegou a ser orçado em 50 milhões de dólares, que seriam financiados pelo BNDES.

As agrovilas seriam compostas de 30 lotes agrícolas dispostos em círculos circunscritos, em cujo centro seria construída uma praça com igreja, setores de educação e recreação. No segundo anel estariam os de administração e assistência. Num terceiro anel, viria o setor comercial, e nos dois últimos os setores industriais e os lotes residenciais. Ao que se sabe, esse programa jamais saiu do papel.

Na mesma pasta, Paulo Assis Ribeiro guardou um estudo da Campanha de Urbanização das Favelas do Rio de Janeiro - Princípios básicos que a norteiam, do início dos anos 50. Junto estava um depoimento de D. Hélder Câmara à Câmara dos Deputados expondo seu projeto de criação da Cruzada São Sebastião, e o seu estatuto. Nas campanhas de D. Hélder, um alerta: ''Os comunistas encontram campo fácil para sua pregação de luta de classes, porque é realmente gritante o contraste entre as casas dos favelados e as residências do meio independente, especialmente na Zona Sul''.

Tínhamos então, segundo esses documentos, 150 favelas e 400 mil favelados descritos como ''focos perigosos de agitação social''. A campanha, que começou em 1953, tinha em vista a urbanização das favelas do Rio em 12 anos, até o IV Centenário da Fundação da Cidade, em 1965. O projeto teria início pela Praia do Pinto, descrita como ''uma das mais tristes de nossas favelas''. Hoje, sabe-se, a favela da Praia do Pinto pegou fogo misteriosamente. O incêndio é atribuído a especuladores imobiliários, pois ficava em uma das áreas mais nobres da cidade, onde está o condomínio Selva de Pedra, no Leblon.

Os pobres ficam nas bordas

O motivo de nada disso ter ido adiante, na visão do mestre em Antropologia Social pela UFRJ e doutor em Sociologia pela Universidade de Rutgers, de Nova Jersey, EUA, Luiz Antônio Machado da Silva, não está apenas no descaso das autoridades. A questão, para ele, é muito mais profunda. É que a favela reproduz a luta de classes e é fruto da acomodação das diversas camadas da sociedade, sob o ''controle social'' do poder. Sem medo de errar, ele afirma:

- Nenhuma política de intervenção de melhoria de condições habitacionais de população pobre jamais deu certo em lugar nenhum do mundo. Em alguns lugares atingiu a 10% da população, em outros chega a 12%, outros 5%, mas esta é uma questão que permite apenas ser negociada. Solução, não há - garante.

Investido da autoridade de quem pesquisa o assunto desde 1969, o antropólogo diz que para não enfrentar esse tipo de problema, só se o país tivesse aberto mão da industrialização e optado ''por um capitalismo light, o que teria sido impossível, dado ao rumo que trilhamos.''

Ele lembra que nos anos 20 houve um surto de industrialização relacionado com a Primeira Guerra, mas pouco intenso. A partir dos anos 30, o Brasil viveu um processo de industrialização, no sentido massivo. E ressalta que quem mudou de fato a relação industrial foi o presidente Juscelino Kubitschek.

- O processo que começou nos anos 30 foi implantado sob a forma de substituição de importação e o país se consolidou como um país capitalista. Antes disso, a população sem recursos e sem vínculos já vinha ''orbitando'', em torno dos aglomerados de classe média, onde havia os recursos de sobrevivência - afirma o antropólogo. - A história da favela é essa. Os pobres foram ficando nas bordas. Foi a procura da aproximação das populações que já não eram mais agrícolas, aos novos recursos de sobrevivência.

Nesse processo de ''acomodação'' ao novo modelo, as favelas começaram a ficar próximas demais. Surgiram então, nos anos 20, as primeiras tentativas de solução. O governo estimulava os empresários a buscar empréstimos e financiamentos, a fim de organizar a habitação para seus funcionários e trabalhar suas mentalidades. O estímulo à iniciativa privada não deu certo.

- Não havia dinheiro, e o problema não era suficientemente grande a ponto de incomodá-los. Os empresários só desembolsariam recursos para organizar alguma coisa que os incomodassem. E o governo só se disporia a dar mais dinheiro se o problema fosse mais sério do que era. Não deu certo porque não precisava nada além do que foi feito para manter a coisa em 'banho-maria', vamos dizer assim - afirma.

Luiz conclui dizendo que nunca houve nem disponibilidade, nem alocação de recursos suficientes para fazer face nem a 5% das necessidades de produção de habitação. Não só no Brasil, como no mundo inteiro.

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Especialista defende remoção de favelas


Jornal O Globo, Rio, 25 de outubro de 2005

Com exceção de alguns pontos críticos, o Rio suportou bem o temporal atípico.
Segundo o professor do Programa de Engenharia Oceânica da Coppe/UFRJ, Paulo Cezar Rosman, para solucionar o problema das enchentes nas áreas críticas seria necessário remover favelas e reflorestar as encostas:

— Não há como uma cidade se preparar para chuvas assim. Qualquer chuva média alaga a Praça da Bandeira, por exemplo, por um problema estrutural: está situada numa região baixa, que era mangue, e hoje com as encostas favelizadas. Sempre que chove as pessoas que moram em favelas correm um alto risco e as pessoas que moram embaixo têm um alto custo.

O pesquisador defende a realização de plebiscito popular nas eleições para resolver a questão:

— Assim, nem o prefeito e nem os vereadores pagariam o ônus político da remoção das favelas.

Para o prefeito Cesar Maia, a cidade suportou bem o temporal:

— As encostas resistiram muito bem ao temporal se compararmos com as chuvas de 96. A Tijuca e a Zona Sul são regiões com muitas favelas e só registramos pequenos deslizamentos.

O prefeito lembrou que a capacidade do Rio de resistir a um temporal dependerá do volume das chuvas:

— Se tomarmos os últimos cinco anos e compararmos a resposta da cidade com outras capitais, certamente estamos num nível superior.

Para o prefeito, o referendo sobre a proibição de armas teve parte de culpa pelas inundações:

— Tivemos maior carga de papel na cidade.

O secretário municipal de Obras, Eider Dantas, disse que a prefeitura vem realizando um trabalho permanente de manutenção do sistema de drenagem da cidade, com a limpeza de galerias pluviais, ralos, bueiros, rios e canais. Já a governadora Rosinha Garotinho criticou a falta de manutenção.
 

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Favelas de Santa Teresa avançam para Laranjeiras


Jornal O Globo, Rio, 26 de outubro de 2005

Fernanda Pontes e Luiz Ernesto Magalhães

Reduto da boemia do Rio, Santa Teresa é mais um bairro tradicional da cidade que enfrenta problemas de favelização, principalmente em suas encostas. Ao todo, são 20 comunidades fincadas na região e em áreas vizinhas que crescem horizontal e verticalmente. A expansão sem controle já ameaça até unir as favelas do local a de bairros vizinhos. O Pau da Bandeira, com acesso pela Rua Almirante Alexandrino, já está se fundindo à Pereira da Silva, em Laranjeiras. Também já é difícil distinguir os limites entre o Morro dos Prazeres e o Escondidinho, no Rio Comprido.

A situação não é diferente na favela Júlio Ottoni, que avança pela Área de Proteção Ambiental (Apa) de São José e já se aproxima da Vila Alice, em Laranjeiras. O número de casas da Júlio Otoni, que era 26 na década de 70, atualmente já supera 400.

Verticalização preocupa até líderes comunitários

Na vizinhança de Santa Teresa, uma das comunidades que mais cresce é a Paula Ramos, no Rio Comprido, cuja expansão é comprovada por clareiras abertas na mata. Segundo o IBGE, mais de 200 pessoas já viviam ali em 2000.

— As comunidades crescem porque a prefeitura não consegue controlar a expansão. Infelizmente, isto se dá não apenas nos lugares que ainda não foram urbanizados mas também naqueles que passaram por obras dos programas Favela-Bairro e Bairrinho— disse Flávio Minervino, presidente da Coligação de Favelas de Santa Teresa.

O presidente da Associação de Moradores de Santa Teresa, Leonardo Guimarães, está preocupado com novos barracos que surgem em áreas de risco:

— As comunidades consolidadas devem ser urbanizadas. O problema é que temos cada vez mais clareiras sendo abertas na mata para construção de mais barracos— disse Leonardo, que considera crítica a situação na Júlio Otoni.

O crescimento vertical é apontado como problema até mesmo por líderes comunitários, que não conseguem conter a expansão das favelas. É o caso da Favela Coroado, na Rua Professor Olinto de Oliveira, onde 1.200 pessoas vivem em cerca de 300 casas. Criada há mais de três décadas, ela já alcança a divisa com a Rua Almirante Alexandrino.

Eco-limite não consegue conter crescimento

O presidente da Associação de Moradores, José Janduí Borges, de 44 anos, conta que a área verde no entorno da comunidade foi beneficiada com o programa Eco-Limite. Mas ainda assim a favela não pára de crescer verticalmente.

— As barreiras são respeitadas, mas não temos como controlar a construção de novos pavimentos, o que considero prejudicial para nós mesmos — afirma José.

Ele diz que já pediu a visita de técnicos da Fundação Municipal Rio-Águas para acompanhar as condições das duas nascentes na área da comunidade.

— Também solicitamos que o programa de reflorestamento do entorno da favela seja concluído e pedimos a implantação do projeto Bairrinho. Mas nenhum pedido foi atendido — lamentou.

O tema violência é evitado por José Janduí. Mas moradores da comunidade temem que o aumento da população, com o crescimento desordenado, torne a área atrativa para o tráfico de drogas que já domina favelas vizinhas.

Nem sempre obras são garantia de melhoria. Em Unidos de Santa Teresa (Morro do Fogueteiro), a Secretaria municipal de Habitação construiu uma creche há quatro anos que não funciona. O prédio constantemente é atingido por tiros durante confrontos entre a polícia e o tráfico. Lideranças comunitárias informaram que já advertiram a secretaria sobre o fato de o terreno escolhido para a creche ficar em área de risco.

Procurada para falar sobre o crescimento desordenado de favelas em Santa Teresa, a secretária de Habitação, Solange Amaral, não retornou as ligações.

Santa Teresa foi declarada Área de Proteção Ambiental em 1984 para preservar sua paisagem natural, com trechos de Mata Atlântica, e cultural, marcada por importantes conjuntos arquitetônicos que englobam os estilos neocolonial, neoclássico, art déco e modernista. O bairro começou a ser ocupado em 1744 por grandes chácaras de ricos imigrantes portugueses, alemães e italianos que optaram por morar numa área perto do Centro. Em 1898, os bondes eletrificados passaram a circular até o Largo da Carioca, atravessando os Arcos da Lapa.
 
Famílias erguem casas em área da Prefeitura

Fernanda Pontes

A falta de controle da prefeitura do Rio permitiu que nove famílias ocupassem um terreno da próprio município há dois anos sem que as autoridades tomassem providências. Cerca de 30 moradores invadiram uma garagem desativada da Guarda Municipal, na Zona Portuária, como informou ontem a coluna Gente Boa de O GLOBO. Os barracos, feitos de tapumes, ficam embaixo do viaduto de acesso à Ponte Rio-Niterói, na Avenida Rio de Janeiro. Vivendo em condições precárias e sem qualquer infra-estrutura, as famílias esperam ser beneficiadas por um programa habitacional.

Um dos primeiros moradores, que não quis se identificar, disse ter encontrado no local uma casa de alvenaria vazia. Após se mudar com a família, viu parentes chegarem para buscar moradia embaixo do viaduto. Entre eles, Aderico Nunes da Silva, de 51 anos, que deixou um abrigo em São Cristóvão:

— No abrigo não tinha liberdade nem como trabalhar. Era obrigado a cumprir horários. Aqui vivo com a minha família e consigo ganhar algum dinheiro.

Hoje, os moradores da área trabalham vendendo latas ou como camelôs, como Róbson Gomes da Silva, que se mudou de Duque de Caxias para a nova favela há um mês. Maria Aparecida da Silva, de 40 anos, deixou cinco filhos na Baixada Fluminense e vive com outros quatro debaixo do viaduto.

— Não tinha como pagar aluguel numa favela. Todo mundo aqui gostaria de ter casa para morar, mas o governo nunca nos deu uma.

Embora a Guarda Municipal afirme que a área invadida não pertence ao órgão, a Secretaria municipal de Fazenda confirmou que o terreno é mesmo da prefeitura, que sequer sabia da invasão.
 

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Cresce a favela do Morro Azul

Jornal O Globo, Zona Sul, 27/out/2005

William Helal Filho

Encravada numa pequena colina e escondida pelos altos prédios que a cercam, a favela do Morro Azul, entre Botafogo e Flamengo, cresce a olhos vistos. Pavimentos aparecem sobre os barracos (há edificações de quatro andares) e a comunidade está avançando para perto das ruas Jornalista Orlando Dantas e Paulo VI. Perto desta última, uma grande edificação de tijolos foi levantada este ano, ao lado do acesso para o Morro Azul.

Ano passado, o município demoliu, segundo o subprefeito da Zona Sul 2, Marcelo Maywald, 20 casas construídas ilegalmente, perto da Orlando Dantas, e uma grande edificação numa área de risco dentro da favela. A subprefeitura já recebeu denúncias sobre a construção perto da Rua Paulo VI, na entrada para a comunidade.

- Vamos organizar uma vistoria e estudar o que pode ser feito sobre esta construção - afirma Maywald.

Segundo moradores, a obra apareceu este ano, poucos meses depois da inauguração do projeto Bairrinho, que pavimentou a favela, construiu redes de água e esgoto e instalou postes de iluminação pública. O projeto foi inaugurado ano passado, com investimentos de cerca de R$ 1 milhão.

- O Bairrinho valorizou a favela e atraiu mais gente para a comunidade. A prefeitura fez bem ao melhorar a área, mas deveria ter se preocupado também com seu crescimento - disse um morador do Flamengo que não quis se identificar.

Encontro vai reunir Vila Alice e Laranjeiras
 
Os moradores da área próxima ao Morro Azul cobram mais ações por parte da prefeitura para controlar o crescimento da favela.

- É preciso criar ecolimites para conter a expansão, porque os barracos estão invadindo os terrenos dos prédios - afirma a presidente da Associação de Moradores de Botafogo (Amab), Regina Chiaradia.

Em 1998, quando a prefeitura anunciou que faria o Bairrinho no Morro Azul, a comunidade tinha 279 domicílios. A Secretaria municipal de Habitação não tem dados atuais sobre a favela e, procurada pelo GLOBO-Zona Sul, não enviou informações sobre o projeto.

Em Laranjeiras, a Vila Alice é a maior fonte de preocupações quando o assunto é a ocupação das encostas. Hoje, às 19h, a Associação de Moradores e Amigos de Laranjeiras (Amal) promove um encontro para o qual convidou membros daquela comunidade.

- Moradores de favela e asfalto concordam em diversos pontos dessa questão. E a gente só fica sabendo disso por terceiros. Eles também não querem o crescimento da comunidade. Está na hora de a gente conversar - afirma o presidente da Amal, Paulo Marraio.

No encontro também estarão presentes representantes do Clube Hebraica, dono de parte do terreno onde está situada a favela.

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Os urbanistas do morro

Jornal O Dia, 23/outubro/2005

Os urbanistas do morro Moradores da Rocinha e arquitetos elaboram juntos

Foi lançada a semente da nova Rocinha. Especialistas, Junto com representantes dos próprios moradores, elaboraram projeto para urbanizar e melhorar o nível cultural e econômico da comunidade, em São Conrado. A base da transformação será montada em terreno de cinco mil metros quadrados, onde hoje há garagem de ônibus, na Estrada da Gávea. Lá haverá bloco de apartamentos para moradia temporária, horta e centro de capacitação profissional.

A idéia é abrir áreas públicas, comovias e praças. Outro objetivo é remover quem estiver em lugares de risco a residências construídas para receber moradores por até 10 meses. A realocação seria na própria Rocinha.

O lugar, balizado de Espaço Semente, abrigaria centro de convivência (para aulas, palestras e cursos), horta orgânica e mercado para venda de verduras.

O projeto vem sendo elaborado desde maio do ano passado, por iniciativa da Associação de Moradores de São Conrado. Em vez de só cobrar soluções das autoridades para a violência, resolveu-se buscar melhores condições de vida. Houve participação de quatro associações de moradores e de entidades como o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Sinduscom. Ademi, PUC-Rio, OAB-RJ, FirJan e Câmara Comunitária da Barra.

"O objetivo é tirá-los desse enclave. São necessárias realocaçôes, mas não remoções", explica o presidente da Amasco, José Britz.

Projeto custará R$ 10 milhões e é referência para concuso

O principal diferencial do projeto em relação a outros de urbanização de favelas é o estímulo ao desenvolvimento de negócios próprios para os moradores. Haverá oficinas e lojas tanto nos prédios de moradias temporárias quanto nos de quatro andares, que abrigarão, de forma definitiva, aqueles retirados de locais de risco, Essa foi a conclusão a que chegou o arquiteto responsável, Mauro Guaranys, após conversar com as associações. Na favela, há cerca de 800 microempresas cadastradas no Sebrae.

E estima-se que 30% dos moradores tenham seu negócio.

Para o Espaço Semente, são necessários R$ 10 milhões, mas os autores não calcularam o custo total de urbanização da Rocinha. O projeto já foi apresentado à Secretaria Municipal de Urbanismo, à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano e à Fundação Bento Rubião, que presta serviços para o Governo federal.

O Governo do estado, que abriu concurso nacional com o IAB para urbanizar a favela, usa a proposta como referência. Os arquitetos que se inscreverem assistirão a palestra com os participantes do projeto e farão visita guiada pela favela, antes de elaborarem suas propostas.

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As favelas que tomavam o cenário da Lagoa

Jornal O Globo, Rio, 30 de outubro de 2005

Fernanda Pontes

Difícil imaginar, mas um dia a Lagoa Rodrigo de Freitas foi cercada por favelas. No início da década 50, quatro comunidades carentes que somavam mais de 13 mil moradores espalhavam-se por toda a encosta da Rua Sacopã até a Catacumba e parte da Gávea e do Leblon, próximo ao Clube de Regatas do Flamengo. Mesmo as margens da Lagoa, na Avenida Borges de Medeiros, eram ocupadas por barracos de madeira, que ficavam perto do Clube Piraquê e da Hípica. Imagens como essas impressionam até historiadores e mostram uma Lagoa bem diferente dos dias de hoje e pouco conhecida do carioca.

A favelização desta área nobre da cidade se deu a partir da década de 30 e terminou no fim dos anos 60 com a remoção da última favela, a da Praia do Pinto, no Leblon. Segundo o presidente do Observatório Urbano da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Cezar Teixeira Honorato, a abertura de grandes vias e a construção civil na Zona Sul impulsionaram a ocupação do entorno da Lagoa:

— Esse foi o segundo processo de favelização do Rio, quando a urbanização chega efetivamente à Zona Sul. A retirada dessas comunidades começa a acontecer a partir da década de 40 e só termina em 1969 com a remoção da Praia do Pinto, no governo Negrão de Lima.

Barracos do Leblon ao Jardim Botânico

Os números sobre o entorno da Lagoa são do Censo de 1950 do IBGE e foram analisados pela socióloga Maria Laís Pereira da Silva em sua tese de doutorado na UFRJ sobre a favelização da cidade dos anos 30 até 1964. Ela explica que o censo levava em conta comunidades carentes que tinham pelo menos 50 casas:

— Esse era um dos critérios usados pelo IBGE, mas sabemos que na Lagoa havia outros núcleos menores de favelas.

Ela explica ainda que algumas comunidades que aparecem cadastradas pelo IBGE, nos anos 50, nem estão no Censo de 1960.

A Praia do Pinto, por exemplo, tinha nesse período cerca de sete mil habitantes. Era a comunidade mais expressiva da época e chegou a ocupar uma área de 96 mil metros quadrados, numa das regiões mais valorizadas do Rio, o meio do Leblon, onde está hoje o condomínio Selva de Pedra. Seus limites chegavam ao estádio do Flamengo e ao Jardim de Alá. Do outro lado da Lagoa, próximo ao Corte de Cantagalo, ficava a Favela da Catacumba, que tinha mais de três mil moradores e uma vista privilegiada.

— Ali era uma região tão degradada e pobre que os ônibus nem paravam em frente à favela — conta o historiador Milton Teixeira.

Essa, no entanto, não era a única encosta ocupada. A comunidade Morro do Sacopã formou-se próximo da Curva do Calombo. Seus casebres de madeira, onde cerca de 1.800 pessoas viviam, resistiram à urbanização da Avenida Epitácio Pessoa, mas depois deram lugar a condomínios e casas de luxo.

E os barracos também chegaram ao Jardim Botânico, próximo do Clube Piraquê, antes de a Avenida Borges de Medeiros ser construída. Era ali que ficava a Favela Paula Machado e Jardim Botânico, nos anos 40 chamada de Vila Hípica, com 1.036 moradores. Na época, moradores estendiam suas roupas em varais bem próximo das grades da Hípica.

— Lembro que nem havia acesso entre os bairros do Jardim Botânico e Leblon pela Lagoa porque o local era completamente favelizado, inclusive perto do Jockey Club — disse o arquiteto Sérgio Magalhães, que chegou a morar bem ao lado da Praia do Pinto.

Segundo o historiador Milton Teixeira, a consolidação dessas comunidades aconteceu porque o sistema de transporte era precário e operários optaram por morar perto do trabalho.

— Além da expansão da construção civil, tínhamos quatro fábricas localizadas na Gávea, no Jardim Botânico e na Fonte da Saudade. As indústrias utilizavam a mão-de-obra de favelados e a Lagoa ainda tinha áreas livres que possibilitavam a instalação dos barracos.

Para Honorato, se as construções não tivessem sido retiradas da região, o bairro seria hoje uma grande favela:

— Certamente a Lagoa seria um bairro degradado semelhante a outros da cidade como o Caju. Isso influenciaria o mercado imobiliário e não haveria prédios luxuosos ali.

Rocinha resistiu a processo de urbanização

Mas algumas favelas da Zona Sul conseguiram resistir ao processo de urbanização como a Rocinha, em São Conrado.

— Interesses imobiliários influenciaram na retirada das favelas da Lagoa. Mas as que não estavam na rota do crescimento da cidade permaneceram. A Rocinha só foi consolidada mesmo com a abertura do Túnel Zuzu Angel e a expansão do Rio em direção à Barra — disse Honorato.

As fotografias do início dos anos 50 fazem parte do acervo da família de Aloysio Affonso Penna, que morreu no ano passado, aos 96 anos. Penna trabalhou como chefe de gabinete do prefeito João Carlos Vital, cujo governo foi de 1951 a 1954. As imagens foram cedidas pelo sobrinho dele, o engenheiro João Carlos Moreira Penna, que teve acesso ao material e quis divulgá-lo:

— Achei interessante mostrar imagens de favelização como essas, que poucos cariocas conhecem.
 
Sem remoções, bairro teria 162 mil favelados


Se a população das favelas localizadas em torno da Lagoa Rodrigo de Freitas tivesse crescido como a da Rocinha, o bairro teria hoje 162 mil moradores de comunidades carentes. Caso o crescimento tivesse o mesmo ritmo do registrado no Morro Dona Marta, em Botafogo, seriam 36 mil favelados no contorno da Lagoa.

Em um período de dez anos, nas décadas de 50 e 60, o número de moradores de áreas carentes no entorno da Lagoa passou de 13 mil para 14 mil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Algumas comunidades deixaram de aparecer no Censo de 1960, caso do Morro do Sacopã.

Em meio século, a favela da Rocinha cresceu 1.148%. Nos anos 50, a comunidade tinha 4.513 moradores e hoje são 56.338, segundo dados do Censo 2000 do IBGE. Já a favela Dona Marta, em Botafogo, passou de 1.632 habitantes para 4.520, um aumento de 182% no período.

De acordo com o Censo de 1960, a Favela da Catacumba passou a ter 5.723 habitantes. Na Praia do Pinto, por causa das remoções, o número de moradores diminuíra. Mas outras favelas apareceram no Censo, entre elas a Favela do Jockey Club; a Ilha das Dragas, na Avenida Borges de Medeiros; e a Getúlio Vargas, na Avenida Bartolomeu Mitre.

— Como há poucos dados, não sabemos se essas favelas eram novas ou se mudaram de nome — diz a socióloga Maria Laís Pereira da Silva.

Construídas com barracos de madeira com telhado de zinco, as favelas de ontem eram bem diferentes das de hoje. Por isso, as remoções eram muito fáceis naquela época. Dessas comunidades estabelecidas no entorno da Lagoa, muitas foram transferidas para conjuntos habitacionais da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, e Cidade Alta, em Cordovil, além da Cruzada São Sebastião, no Leblon.
Habitação em xeque

Luciana Casemiro

É na faixa de renda de até três salários-mínimos que se concentra a grande parte do déficit habitacional brasileiro. Mas também falta moradia para a classe média — 8,1%, considerando-se quem ganha acima de cinco mínimos, segundo dados da Fundação João Pinheiro. É que, apesar do aumento do volume de crédito, a classe média continua enfrentando dificuldades para adquirir a casa própria. Por causas variadas, dizem representantes de segmentos envolvidos.

Na avaliação de Geraldo Tardin, diretor da Associação Brasileira de Mutuários da Habitação (ABMH), o que falta ao país é uma política habitacional.

— Não adianta só ter dinheiro. É preciso ter uma política habitacional, o que não existe desde a extinção do BNH. Isso explica porque muitas vezes o governo tem recursos, mas não consegue aplicá-los integralmente, apesar do imenso déficit.

E quando se fala em déficit, afirma o presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Estado do Rio (Ademi), Márcio Fortes, não adianta trabalhar exclusivamente para uma ou outra faixa de renda:

— Quando uma família deixa um imóvel no Andaraí para morar em outro em Vila Isabel, alguém de renda menor ocupa a unidade que ficou vazia.

E se financiamento não é o suficiente, qual seria a solução? Não há resposta única, dizem especialistas, mas uma série de ações combinadas, que vão de isenção de impostos para habitação social a parcerias público-privada, passando por redução de burocracia, mudanças de zoneamento e regras de construção (como altura dos prédios e tamanho dos imóveis).

Iniciativas como as adotadas, por exemplo, em Nova York (veja box), em que o governo oferece vantagens tributárias a construtores que reservem ao menos 20% das unidades construídas para família com renda abaixo da média da região.

— Seria muito bom se tivéssemos algo do gênero por aqui. Poderia ser uma solução para áreas como a Zona Portuária e São Cristóvão — diz Roberto Kauffmann, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Rio (Sinduscon/RJ).

O prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, argumenta, no entanto, que Nova York é uma cidade com liberdade de tributação, diferentemente dos municípios brasileiros:

— No Brasil, as prefeituras estão limitadas à cobrança do ISS e do IPTU, valores irrisórios perto de subsídios que possam compensar o incorporador — sustenta o prefeito, para quem apartamentos supercompactos poderiam ser a saída. — Pensando na família de hoje e nas pessoas que moram sozinhas e trabalham em casa, pelo uso do meio eletrônico, o melhor para o Rio é o caminho de Paris, o dos estúdios. Mas aqui a lei não permite e ninguém vence a Câmara dos Vereadores nisso.

Superintendente Nacional de Habitação da Caixa Econômica Federal (CEF), Vera Vianna lembra que algumas cidades têm oferecido benefícios fiscais:

— Está certo que esses tributos não são os mais representativos no custo de produção de um imóvel. O melhor seria se essa isenção pudesse ser ampliada para a redução do ICMS sobre o material utilizado ou do Imposto de Renda devido pelas empresas, em casos de produção de interesse social.

O vice-governador do Estado do Rio, Luiz Paulo Conde, acredita que uma opção seria a criação de um fundo para o qual as construtoras colaborariam com recursos a serem empregados em imóveis destinados à fatia da população de renda mais baixa.

— O fundo seria gerido pelo governo em parceria com a iniciativa privada — diz Conde, que defende ainda a construção de versões modernas das vilas operárias. — Sempre que se constrói novos empreendimentos, sejam residenciais ou comerciais, cria-se um novo pólo de atração de mão-de-obra. Essa iniciativa, inclusive, previne a favelização.

Para Inês Magalhães, secretária Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, é fundamental discutir o uso do solo, criando áreas para habitação de interesse social:

— Existirão regras diferenciadas, que permitam que a população tenha acesso mais fácil à casa própria.

Iniciativa que tem o apoio do economista Marcus Vinícius Valpassos, um dos autores do livro “Financiamento à habitação e instabilidade econômica”:

— O governo devia criar um padrão de habitação para determinadas áreas e dar condições para que a iniciativa privada construa. É assim na China.

Empresários e analistas cobram interferência maior dos governos


O grande desnível socioeconômico brasileiro é um empecilho para que políticas de habitação social como a novaiorquina — em que se misturam moradores de poder aquisitivo diferente — sejam implementadas por aqui. A avaliação é do economista Marcus Vinícius Valpassos, que está morando nos Estados Unidos, onde dá consultoria para a construção de um empreendimento residencial em Orlando:

— Em Nova York, pretende-se misturar famílias de altíssimo poder aquisitivo com outras de poder aquisitivo médio que, em geral, têm hábitos parecidos. Certamente, os conflitos não serão muito grandes. No Brasil, entretanto, já é difícil encontrar até edifícios novos que misturem apartamentos de dois e de quatro quartos, em virtude desta desigualdade de hábitos.

Márcio Fortes, presidente da Ademi/RJ, concorda:

— É preciso observar os modelos adotados por outros países, tirar idéias e adequá-las à nossa realidade socioeconômica — diz Fortes, destacando como um dos exemplos a serem seguidos o modelo de revitalização de áreas deterioradas da cidade de Barcelona, na Espanha.

Para Cesar Maia, é preciso mexer em juros e prazos

Mas Valpassos diz que o Brasil deveria adotar uma estratégia arrojada — como no caso americano — de concessão de incentivos pelo Estado, para atingir seus objetivos. Ou seja, reduzir o déficit habitacional:

— Em geral, as concessões, principalmente, dos órgãos municipais, são tímidas no sentido de diminuir a imposição de dificuldades. O que deve ser feito é uma guinada liberal radical em vários pontos das cidades que sejam identificadas como propícias para a moradia da classe média, reduzindo significativamente as restrições.

Já o prefeito Cesar Maia diz que gostaria que a classe média brasileira pudesse usufruir de prazos e juros das linhas de créditos americanas para a compra da casa própria (30 anos e taxa de 6,10% ao ano):

— Isso já seria um grande avanço. No Japão, pode-se comprar uma residência para ser paga por duas gerações, com prazos de financiamento de 50, 60 anos. Desta forma, a prestação fica abaixo do aluguel.

Apesar dos juros do crédito habitacional ainda serem altos, principalmente quando comparados aos do Primeiro Mundo, Vera Vianna, superintendente de Habitação da Caixa, lembra que a taxa é subsidiada, em maior ou menor grau, de acordo com a faixa de renda:

— Até os financiamentos com recursos de poupança que tem taxa anual de 12% mais TR são subsidiados, se pensarmos na nossa sociedade como um todo.

Inês Magalhães, do Ministério das Cidades, destaca ainda o incentivo que o Conselho Monetário Nacional deu aos bancos privados para que estes reduzissem os juros nas linhas para a classe média. O incentivo, neste caso, veio em forma de recontagem do crédito concedido para apartamentos avaliados até R$ 150 mil e juros menores do que 12% ao ano mais TR — já há bancos com taxa de 8% ao ano mais TR.

Empresas podem construir casas para empregados

Roberto Kauffmann, presidente do Sinduscon-Rio, defende que uma das opções para as classes média baixa e baixa será o Proemp, programa de financiamento, em até 15 anos, que concede crédito para empresas construírem moradia para seus funcionários:

— A linha de crédito está pronta, o que falta são incentivos de estados e municípios, para que as empresas se motivem a adotar o programa.
 
O incentivo de Nova York à moradia social

Helena Celestino
Correspondente

NOVA YORK. Numa cidade em que a média de preços dos apartamentos passa de US$ 1 milhão, casa própria para pessoas de baixa renda ou classe média baixa é assunto polêmico na campanha para a prefeitura, agora em novembro. Os democratas querem obrigar as construtoras a reservarem 30% dos imóveis em construção ou renovação em Nova York para moradia social, enquanto o atual prefeito Michael Bloomberg prefere manter a medida como opcional.

O melhor exemplo de sucesso da atual administração é um empreendimento de US$ 1,5 bilhão no Brooklyn, que promete mudar para sempre a paisagem vista de Manhattan. Das 175 torres de alto luxo, cerca de 20% dos apartamentos estarão reservados para famílias com rendimentos abaixo da média do bairro. Podem se candidatar a subsídios, para alugar ou comprar os imóveis, famílias de quatro pessoas com renda de até US$ 50.250 por ano (R$ 6.400 por mês) ou solteiros que ganhem até US$ 35.150 (R$ 3.800).

Em troca dos 2.300 imóveis que ficarão fora do aquecidíssimo mercado de Nova York, os construtores conseguiram que a prefeitura mudasse o zoneamento do bairro, até pouco tempo ocupado por fábricas abandonadas. O projeto prevê a construção de prédios 30% mais altos.

— Esperamos que a maioria das empresas destine de 20% a 30% de seus imóveis para baixa ou média renda, em troca da flexibilização, dos incentivos fiscais e do financiamento de baixo custo. Mas é uma decisão delas. Só em áreas públicas a cidade pode exigir que sejam feitos apartamentos para a baixa renda — diz a porta-voz da Comissão de Planejamento da Cidade, Carol Abrams.

Os moradores são escolhidos por sorteio, sendo que metade é selecionada entre residentes do bairro. A prefeitura dá um voucher que corresponde a um valor entre 30% e 60% dos aluguéis, que têm limites: um estúdio hoje, por exemplo, não pode passar de US$ 618 (R$ 1.415).

Para os construtores, a forma tradicional de subsídio é crédito fiscal e bônus financeiro. Para ter direito a eles, é preciso reservar ao menos 20% dos imóveis. A cada ano, negocia-se o total do crédito a ser concedido, valor que costuma variar de US$ 10 milhões a US$ 12 milhões (para financiar 40 projetos ou 1.200 apartamentos). Quando recebe os créditos, o construtor tem duas opções: abater o imposto devido em até dez anos ou vender estes créditos para um grupo financeiro que emite ações para cobrir parte dos custos da construção.

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Galpões e prédios vazios na mira dos sem-teto

Jornal O Globo, Rio, 02 de novembro de 2005

Luiz Ernesto Magalhães

Prédios públicos no Centro do Rio, galpões abandonados na Avenida Brasil e fábricas fechadas por toda a Zona Norte vêm sendo alvo nos últimos anos de invasões que já transformaram muitos dos imóveis em favelas. Não existem números oficiais, mas ONGs que se especializaram em organizar essas ocupações estimam que cerca de 30 mil pessoas já vivam em pelo menos 100 imóveis invadidos.

As invasões acontecem em duas frentes. Na Zona Norte, a favelização dos galpões e em alguns casos também a de prédios públicos parte, na maioria das vezes, da iniciativa de pessoas que já viviam em comunidades carentes. Já no caso de prédios públicos no Centro, na Zona Portuária e até na Baixada Fluminense e São Gonçalo, existem pelo menos cinco entidades que patrocinam o que chamam de “ocupações”.

— O país tem uma carência grande de imóveis para a população que ganha até dois salários mínimos. Organizamos ocupações principalmente em prédios públicos fechados. Acreditamos que esses imóveis precisam cumprir uma função social já que o poder público não é eficiente para solucionar a questão da moradia — disse Marcelo Braga, coordenador da Central de Movimentos Populares do Rio.

A ONG presta assessoria jurídica aos invasores, segundo Marcelo, com a ajuda de advogados que trabalham como voluntários. Atualmente, a entidade monitora comunidades instaladas em dois prédios no Centro: a ocupação Chiquinha Gonzaga num imóvel do Incra, na Rua Barão de São Félix, e a Zumbi dos Palmares, num antigo prédio do INSS, na Avenida Venezuela. Segundo Marcelo, o planejamento da ocupação Zumbi dos Palmares levou seis meses e exigiu reuniões semanais para traçar a estratégia da invasão.

— A ação de movimentos organizados permite a seleção das famílias e a organização do espaço para evitar que os prédios virem favelas — acredita Marcelo, cuja ONG discute com a Secretaria de Patrimônio da União a possível transferência da propriedade dos imóveis para os atuais ocupantes.

Há ocupações lideradas por entidades também na Rua Regente Feijó, na Avenida Mem de Sá e na Zona Portuária. Mesmo quando se tratam de ações isoladas, as invasões são um problema para as autoridades. Só no Centro do Rio, a prefeitura teve cinco imóveis invadidos nos últimos meses. Três deles na Praça Tiradentes, que já foram desocupados, são tombados e estão incluídos no projeto Monumenta do Ministério da Cultura para a revitalização da região.

Por ironia, dois dos prédios da Rua Regente Feijó serão, agora, recuperados para servir de moradias para a população de baixa renda. O terceiro é a casa onde a cantora lírica Bidu Sayão viveu no início do século 20, que no momento passa por reformas para se tornar um centro cultural.

— Muitas invasões a prédios e galpões ocorrem em imóveis em péssimo estado de conservação, o que pode provocar tragédias. O risco de acidentes e incêndios por falta de manutenção é grande — disse o subprefeito do Centro Histórico, Roberto Rocco.

Prefeitura desocupa prédios e leva invasores para hotéis

Para retomar os prédios, a prefeitura alojou invasores em hotéis do Centro onde mantém vagas para a população de rua. Outros dois imóveis, na Lapa, permanecem invadidos. Rocco, porém, prefere não divulgar os endereços para evitar que eles sejam procurados por sem-teto.

Cândida Maria Privado, à frente da invasão que deu origem à favela da CCPL em Benfica, diz não estar convencida de que as pessoas cadastradas pelas ONGs realmente não tenham onde morar. Ela sustenta que, no caso do galpão da CCPL, os invasores eram sem-teto e pessoas que não tinham recursos sequer para alugar um barraco numa favela.

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Crescimento nas favelas, êxodo no asfalto



Luiz Ernesto Magalhães

A favelização da Zona Norte entre o Grande Méier e a Pavuna nos últimos anos coincidiu com um avanço da degradação no asfalto. Entre 1991 e 2000, segundo o IBGE, as favelas cresceram em 26 dos 37 bairros da região, prejudicando a economia. Em Madureira, a expansão de comunidades como a Serrinha e o Turiaçu provocou reflexos no comércio que, vez por outra, é obrigado a fechar as portas por ordem do tráfico ou por causa de tiroteios.

— Quando o tráfico entra em confronto nas comunidades, o comércio da Avenida Ministro Edgard Romero, entre a Maternidade Herculano Pinheiro e Vaz Lobo, é obrigado a fechar as portas — disse Cícero Sydrônio, ex-presidente da Associação Comercial de Madureira.

Na década de 90, segundo o IBGE, a população do asfalto nessa região da Zona Norte encolheu 0,8% contra um crescimento de 12,8% nas favelas.

Favela urbanizada em Del Castilho cresce verticalmente

Assim como aconteceu em outras áreas da cidade, o projeto Favela-Bairro, coordenado pela Secretaria municipal de Habitação, não conseguiu conter o avanço das favelas. Entre as comunidades que cresceram após as obras está Fernão Cardim (Del Castilho). A comunidade, que enfrenta problemas de conservação das obras, cresceu verticalmente e foi alvo de novas invasões. Os prédios, alguns com três pavimentos, podem ser vistos da Linha Amarela.

— Quando as obras acabaram, sobraram uns 15 barracos na localidade da Quadrinha. Houve novas invasões e naquele trecho já moram 60 famílias — disse o vice-presidente da Associação de Moradores de Fernão Cardim, Paulo Luiz Perez.

A construção civil já sentiu os efeitos da favelização da região onde ficam comunidades como Acari (21.053 moradores, segundo o Censo de 2000), o bairro de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio, e Jacarezinho (32.068 habitantes). Há ainda outras comunidades, como o Complexo da Cachoeirinha (LIns) e o Morro do Juramento (Vicente de Carvalho).

— Uma local cercado por favelas desvaloriza. Nessa parte da Zona Norte, há hoje poucas áreas atraentes como alguns trechos do Méier e a Vila da Penha — diz Rubem Vasconcellos, presidente da Patrimóvel.

A desvalorização é uma realidade para os moradores do conjunto Village Pavuna, de classe média baixa, um dos maiores da Zona Norte. Dos 3 mil apartamentos, pelo menos 450 estão vazios: os moradores se mudaram temendo a violência. O conjunto fica próximo a favelas, como o Morro do Chapadão, que, segundo líderes comunitários, tem 27 mil moradores. Na Estrada Rio do Pau, um dos principais acessos ao condomínio, já houve falsas blitzes de traficantes. O resultado é que apartamentos de dois quartos no local, que já foram avaliados em R$ 50 mil, agora são vendidos por R$ 30 mil.

No Chapadão, onde estão prestes a começar obras do Favela-Bairro, o presidente da associação de moradores, Lázaro Francisco, diz que a entidade se mobilizou para evitar a expansão. Mas afirma não ter como conter o crescimento vertical da favela.
 
 

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Favelas avançam pela floresta em Petrópolis

Jornal O Globo, domingo, 18 de dezembro de 2005

Daniel Engelbrecht

Uma das principais áreas remanescentes de Mata Atlântica no estado está sendo ameaçada pelo crescimento de favelas. A constatação é do presidente da Comissão de Meio Ambiente da Assembléia Legislativa, deputado Carlos Minc (PT), que sobrevoou a Região Serrana semana passada, com o diretor-executivo do Ibama no Rio, Rogério Rocco. A situação é mais grave, segundo o deputado, na Serra da Estrela, em Petrópolis, que forma um corredor florestal unindo a Reserva do Tinguá e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Com boa parte dos recursos oriundos do turismo, os municípios da região podem sofrer também impacto econômico devido ao problema.

Casas de classe média ocupam margens de rio

A Serra da Estrela integra a Área de Proteção Ambiental (APA) de Petrópolis (unidade federal). No sobrevôo, o deputado observou o crescimento de quatro comunidades. O que mais chamou a atenção no local foram os deslizamentos causados pelo acúmulo de lixo e uma cachoeira de água escura no bairro Independência.

— É a primeira cachoeira de esgoto que vejo — disse Minc. — A função do corredor florestal é evitar que a mata fique separada em ilhotas. A expansão dessas comunidades é uma ameaça séria. Em todo o estado, só restam 12% da Mata Atlântica, a maior parte localizada na Região Serrana.

Também foi constatado o crescimento de favelas e do número de casas de classe média nas margens do Rio Piabanha. A maior parte está localizada entre o distrito de Pedro do Rio e o município de Areal, mas também há construções ilegais no distrito de Itaipava. Parecer do Instituto Estadual de Florestas (IEF) também aponta o crescimento da Favela Mata-Cavalo dentro da APA de Petrópolis e nos arredores da Reserva Biológica de Araras (unidade estadual).

A favelização no município não foi detectada pelo IBGE no último censo. Em 2000, o instituto calculava existir só uma favela com 820 moradores. Em 1991, eram duas, com 693 pessoas. A explicação, segundo o secretário de Planejamento de Petrópolis, Eduardo Ascoli, reside no fato de não existirem comunidades inteiramente irregulares ou ocupando lugares de risco, mas sim construções isoladas. Ele calcula haver hoje 2.500 domicílios em áreas de preservação ou de risco.

— Petrópolis tem 85% do seu território como área de preservação ambiental e sua topografia naturalmente leva à ocupação das encostas. A prefeitura, sozinha, não tem recursos suficientes para cobrir esse déficit de moradias — justificou.

O Instituto Civis, ONG que atua na preservação ambiental e do patrimônio histórico de Petrópolis, relaciona o aumento da favelização ao enfraquecimento econômico do município. Em 1991, Petrópolis tinha a nona economia do estado. Em 2000, já havia caído para a 13 posição. O período coincide com o da proliferação das favelas.

— Houve o empobrecimento da população e o aumento do desemprego. O pior é que essa situação perdura. Pesquisa da Firjan mostrou que este ano a oferta de empregos diminuiu 45% em relação a 2004 — afirmou o vice-presidente do instituto, Marcos Nóbrega. — A partir do momento em que a cidade começa a se igualar a outras do estado, repleta de favelas, perde seu atrativo turístico, o que prejudica ainda mais a economia.

Em quatro anos, 180 construções ilegais demolidas

O volume de investimentos da prefeitura e do governo estadual, apesar de estar crescendo, é insuficiente para mudar o quadro. Desde 2001, foram construídas no município 400 casas populares ou unidades multifamiliares, totalizando R$ 5,5 milhões. O número é mais de quatro vezes superior ao total entregue na década de 90. Outras 108 casas estão sendo construídas no bairro Carangola.

Segundo a prefeitura, nos últimos quatro anos foram demolidas 180 construções ilegais, incluindo algumas localizadas às margens da BR-040.

 
 
 

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