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ARTIGOS
(2ª
parte) |
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Artigos de 2000
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TÓPICO 1
Porque o Rio melhora |
Jornal do
Brasil, Opinião, segunda-feira, 10 de janeiro de 2000
Um conjunto de fatores é responsável pela recuperação da
cidade nos últimos anos. Entre eles, por certo, se incluem as
políticas para promover a integração urbanística e social.
Isto é, para democratizar a cidade.
O Rio é a cidade, entre as capitais metropolitanas, que
apresenta o menor índice de desemprego desde 1995, segundo
dados recentemente divulgados pelo IBGE. A propósito, a Gazeta
Mercantil atribuiu responsabilidade por esses resultados aos
investimentos públicos em obras, em especial às da política
habitacional, sobretudo com o programa Favela-Bairro.
Investindo no espaço público, a política habitacional da
cidade estimula as famílias a melhorarem suas casas. A
reportagem destacou, entre outros indicadores, o grande
consumo de cimento a varejo, característico da produção de
moradias por autoconstrução.
O caso é corroborado por outra pesquisa de autoria de Paulo
Borba encomendada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), que estudou o valor dos imóveis em favelas sem
intervenção e com intervenção do Favela-Bairro. Estimou a
diferença em 97% a mais onde há o programa.
Outra pesquisa socioeconômica em comunidades de baixa renda,
realizada pela Science, em 1998, indicou que nas
favelas estudadas integrantes do programa o número de
estabelecimentos com atividades econômicas aumentou de 1.163
para 2.250.
Hoje, estão participando do programa Favela-Bairro 115
comunidades, envolvendo aproximadamente 450 mil moradores,
incluindo aquelas com obras já concluídas, em andamento e com
ação de projeto em desenvolvimento. Se agregarmos os demais
programas da política habitacional desenvolvida pela
prefeitura desde 1994, tais como o Morar sem Risco, o Morar
Legal e o Morar Carioca, o número de cariocas diretamente
beneficiados alcança mais de 700 mil. Setecentas mil pessoas
diretamente atendidas, e justamente entre as mais carentes.
Esses programas não são de obras - embora as obras sejam
vitais. São de obras e de integração, onde assumem relevo as
políticas de desenvolvimento social, tais como a construção de
creches, implantação de equipamentos para a geração de renda e
de capa- citação profissional, de saúde, esporte e lazer.
O inovador nessa política foi o conceito
que a estruturou: reconhecendo as experiências anteriores, a
diversidade morfológica e ambiental do Rio de Janeiro, deu
prioridade ao investimento público nas ações próprias da
coletividade. Diferentemente das
políticas habitacionais precedentes, que privilegiavam a
construção de moradias, agora a prioridade é construir
"cidade" onde as famílias já investiram nas casas. E que, não
obstante, vivendo por gerações no mesmo sítio, mesmo assim não
dispunham do mínimo necessário à vida urbana moderna: infra-
estruturas, acessos e equipamentos públicos.
Esse
entendimento conformou o conceito de "déficit urbano" em
oposição ao de "déficit habitacional" , canalizando
prioritariamente os investimentos da cidade na superação do
primeiro. Os recursos públicos aí
investidos beneficiam um número de famílias cinco a seis vezes
maior em comparação ao número de famílias que poderiam ser
atendidas com produção de moradias.
É claro que construir casas legais na dimensão da demanda é
condição indispensável para a sustentabilidade urbana. A
cidade constrói o seu futuro, tornando acessível a todos
o morar integrado. Mas as novas moradias
têm que ser construídas através de crédito, onde as
famílias detêm o protagonismo sobre onde e como morar.
É assim, aliás, que se desenvolvem os programas de
financiamento da Caixa Econômica (CEF) e o de Cartas de
Crédito do Previ-Rio. Construir na dimensão da demanda - que
se amplia com a diminuição do tamanho médio da família - é um
grande desafio programas de crédito, não necessariamente
através de recursos públicos.
Nesse caso, o ano de 1999 também foi promissor:
utilizando os programas CEF, a prefeitura foi parceira
incentivando a promoção de novas moradias. Unindo os
esforços do Executivo, da Câmara de Vereadores e de
empreendedores privados, concluiremos o ano aprovando só no
âmbito da moradia popular um número equivalente ao que a
cidade aprovou para todas as faixas de renda em 1998. Isto é,
deveremos dobrar o número de novas aprovações de 1998 para
1999! Nesse caso não são investimentos da
municipalidade, mas são investimentos na cidade,
possibilitados pela ação pública.
Investir os recursos públicos na área pública e
incentivar a construção de através do crédito são dois fatores
dentre os responsáveis pela recuperação que o Rio de Janeiro
experimenta nos últimos anos. A democratização da cidade é,
com certeza, o grande fator da melhora do Rio de nesses
últimos anos.
SÉRGIO MAGALHÃES
Secretário Municipal de Habitação |
Voltar ao
Topo TÓPICO 2
Em defesa
do Plano Lucio Costa |
Jornal O
Globo, Opinião, sexta-feira, 28 de janeiro de 2000
CESAR MAIA
A maior homenagem a Lúcio Costa, a melhor maneira de honrar
sua memória, não é mudar o nome da Avenida Sernambetiba.
Aliás, ele também teria preferido preservar o nome do porto
que ali, nos idos de 1700, permitia escoar a produção dos
engenhos de açúcar de Jacarepaguá e fluir o comércio de
farinha, milho, carne seca e arroz, manufaturas, vinhos e sal
estocado em depósitos. Certamente, Lúcio Costa, com quem tive
a honra de contar como assessor especial da Prefeitura, teria
preferido ver a preservação do Plano que desenhou para a
região da Barra da Tijuca.
Infelizmente, nos últimos meses, decisões frouxas das
autoridades públicas, sejam elas passivas ou ativas, estão
colocando em risco - um sério risco - o Plano Lúcio Costa. As
decisões soltas e esparsas, que hoje já se cristalizam
perigosamente, exigem um amplo e aberto debate público sobre a
região da Barra da Tijuca e o Plano Lúcio Costa. As
intervenções desviantes do planejamento original têm caráter
urbanístico, ambiental, fundiário, paisagístico, viário,
patrimonial e logístico. Autorizações de construções, sejam
elas respaldadas por operações interligadas ou de discutível
legalidade urbanística, afetam ocupação do solo através de
novos gabaritos, nova volumetria, impacto populacional
concentrado, impacto ambiental imprevisto ou avanços que
deformam a paisagem urbana. Isto ocorre tanto na Avenida
Sernambetiba quanto na periferia da Avenida das Américas, da
Barra ao Recreio dos Bandeirantes.
O afunilamento visual da Avenida das Américas, na área de
bifurcação para Jacarepaguá e Recreio, onde foi autorizado um
shopping de entretenimento com fachada de gosto duvidoso, é
apenas um exemplo de descuido em relação à paisagem urbana. A
tentativa de transformar uma rua de serviços, a Via Parque, em
avenida, com canteiro central e seus insuportáveis postos de
gasolina, afetando o valor patrimonial dos condomínios
limítrofes e o equilíbrio ambiental das margens da Lagoa, é
outro exemplo. Esta decisão, pelo menos, está sustada pela
Justiça.
A autorização para postos de gasolina e painéis publicitários
tornou-se uma verdadeira orgia. Não se respeitam mais sequer
os elementos de segurança das pessoas quanto à localização e
as distâncias previstas na legislação. Num trecho linear de
menos de dois quilômetros de raio já surgiu uma dúzia de
postos de gasolina de todos os tipos e tamanhos. Os painéis
publicitários entram por todos os lados, sem regras
paisagísticas. Um painel gigantesco estimula o fumo na margem
da lagoa, logo na entrada da Barra. Perto, um outro,
verdadeira muralha que enaltece famosa marca de automóveis,
fecha o alcance visual dos shoppings. Para concretizar estes
painéis, surgem empresas lastreadas em curiosos parentescos
políticos.
Os loteamentos e construções irregulares na região de Vargem
Grande e Vargem Pequena proliferam como coelhos, sob o olhar
omisso das autoridades. As invasões, no Recreio dos
Bandeirantes, nas áreas do Terreirão-Canal das Tachas,
quintuplicaram nos últimos dois anos. No final de 1996, os
levantamentos registravam a presença de duas mil pessoas e as
intervenções governamentais procuravam estabilizar este
número. Um estudo recente mostra que aquele número se
transformou em dez mil pessoas. Nenhum cuidado é adotado nos
acessos, transformando a Avenida das Américas, na região do
Recreio, num engarrafamento paulistano tanto no trecho onde
diminui o número de pistas quanto na entrada e saída de um
parque de entretenimento, cujos investidores teriam atendido
facilmente as exigências que garantissem os fluxos de
trânsito.
Isto tudo para não falar em mais uma rodada de promessas
quanto à licitação do sistema de saneamento da Barra da Tijuca
e do emissário submarino, esperados ansiosamente por todos os
moradores da região. O sistema lacustre da Baia já vive
situação crítica. Diariamente são lançados nele 200 mil metros
cúbicos de esgotos sem tratamento. A lâmina das águas, em
vários trechos, é inferior a 20 centímetros. Enquanto isso,
atrás do mercado do produtor, na Avenida Ayrton Senna,
continuam estocados, deteriorando-se, as tubulações que
deveriam ter sido destinadas à rede de esgoto.
Certamente, são estas e outras questões de um longo rosário de
lágrimas urbano-ambientais que incomodam o sono eterno de
Lúcio Costa. Sua memória, sua imagem e seu anjo da guarda
estão aflitos. E se todos nós, cariocas, moradores ou não da
área, que vemos a Barra da Tijuca como uma estratégica e
decisiva região de nossa cidade, não nos mobilizarmos já, um
dia, inexoravelmente, seremos obrigados a retomar este tema.
Só que, aí, a situação será irreversível.
CESAR MAIA
é ex-prefeito do Rio. |
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TÓPICO 3
Num novo
panorama urbano para o Brasil |
O Estado de São Paulo, Sábado, 19 de fevereiro de 2000
-
JAIME LERNER
-
- Há uma idéia mais ou
menos generalizada de que as nossas grandes cidades são na
maioria palco de uma guerra contínua, caóticas e violentas,
sem qualidade e perigosas demais para cidadãos acostumados a
um padrão mínimo de civilidade.
-
- Confirmar nas ruas essa
impressão não será possibilidade remota, mas entender a real
dimensão dos nossos problemas urbanos e vislumbrar soluções
plausíveis demandam uma observação mais demorada e
criteriosa, que às vezes foge até mesmo aos moradores, quase
sempre assustados demais com o cotidiano que os cerca e, por
isso mesmo, excessivamente céticos quanto a cenários mais
positivos.
- A primeira questão é
que há muito temos nos entregado a uma visão por demais
pessimista acerca de nossas cidades.
-
- Isso se explica, em
grande parte, pela brutal supremacia do noticiário acerca
das mazelas das cidades - que é, por natureza, massificado -
sobre o debate das questões urbanas, que é restrito,
rarefeito e, muitas vezes, turvado por interesses
imediatistas. É o que quase sempre tem ocorrido nas eleições
municipais, quando é comum a matéria ganhar um enfoque mais
emocional e menos produtivo. Isso acarreta grande efeito
cumulativo sobre a opinião pública e potencializa as suas
impressões desfavoráveis no relacionamento cotidiano com a
cidade, freqüentemente pontuado por dificuldades e, não
raro, por traumas.
-
- Some-se a isso uma
certa carência de gestores urbanos capazes de desenhar
cenários positivos e plausíveis, que a população possa
abraçar com objetividade, e tem-se um agravamento do quadro,
com os desafios urbanos parecendo maiores do que realmente o
são, o que fatalmente induz a uma sensação de impotência e a
uma perniciosa complacência diante dos erros da
administração pública.
-
- Há, no entanto, um
claro sinal de estresse nesse processo. Tendência não é
destino! Quando a sociedade detecta uma tendência
indesejável é a hora de revertê-la. Olhando bem, é possível
identificar claramente isso em nossas maiores cidades, onde
há uma crescente percepção coletiva a respeito dos problemas
urbanos. O que falta é concentrar mais o foco nas soluções,
mas isso pode ser esperado como um passo seguinte natural.
-
- As duas maiores cidades
do País - São Paulo e Rio de Janeiro -, por exemplo, tiveram
um crescimento demográfico na presente década bem próximo
dos níveis ideais e muito longe da problemática explosão
vivida em décadas anteriores, sobretudo nos anos 60 e 70.
Isso é uma clara reversão de tendência, com inequívocos
benefícios para a qualidade de vida nessas cidades, ou pelo
menos um elemento fundamental para reduzir a velocidade do
agravamento de seus problemas. A mesma reversão se deu na
maioria das capitais e dos grandes centros, posto que a
partir dos anos 80 o País começou a transitar dos altos para
os baixos índices de fertilidade, ao mesmo tempo em que
declina o êxodo rural.
-
- Outro fator positivo
dos últimos anos é a questão do ar - item essencial na
aferição da qualidade de vida nas cidades -, que melhorou
consideravelmente, afastando em muito o velho e apregoado
temor de cidades literalmente irrespiráveis. Maior
consciência ecológica das autoridades e da população e
avanço da tecnologia são os responsáveis pela melhoria do
ar, notadamente no caso dos automóveis modernos, cuja
emissão de gases caiu brutalmente.
-
- Tivéssemos um melhor
transporte coletivo nessas cidades, as diferenças seriam
melhor percebidas pela população. Aí vai, seguramente, uma
diferença essencial entre as grandes cidades brasileiras e
as americanas. Enquanto São Paulo dispõe de 40 quilômetros
de metrô e o Rio de Janeiro de apenas 26, Nova York conta
com nada menos que 368 quilômetros.
-
- Mas não convém
ressaltar por demais esse tipo de comparação. Nova York e a
maioria das cidades do mundo que dispõem de vasta rede de
metrô são muito mais ricas e, mesmo assim, construíram os
seus sistemas na virada do século, quando isso era possível
a um custo mais baixo. Sonhar com soluções tradicionais é um
luxo que as cidades brasileiras não se podem dar. É preciso
perseguir soluções compatíveis com a nossa realidade, mas
sem abrir mão da criatividade - que é a característica
essencial e virtuosa dos brasileiros. Curitiba, por exemplo,
criou um sistema de transporte coletivo a partir do modal
ônibus, que nos últimos 25 anos experimentou um
aperfeiçoamento contínuo, ao ponto de hoje transportar 2
milhões de passageiros por dia, quase cem vezes o número
registrado no início de sua operação, em 1974.
-
- O que Curitiba fez foi
potencializar a capacidade do ônibus, passando
sucessivamente do veículo convencional para os articulados e
biarticulados, estes com capacidade para 300 passageiros.
Além disso, a cidade priorizou a circulação do transporte
coletivo sobre o individual, integrando todo o sistema e
criando estações que tornam o embarque tão rápido quanto o
que ocorre num metrô tradicional.
-
- Isso tudo conferiu
dignidade ao transporte coletivo, que, juntamente com uma
visão de hierarquia do sistema viário e de uma nova política
de ocupação do solo, foi fundamental no domínio de processo
de crescimento da cidade. De 1970 até hoje, Curitiba
triplicou sua população, sem com isso perder qualidade. Ao
contrário, a cidade viveu um crescimento o mais harmonioso
possível, especialmente dentro dos parâmetros brasileiros, e
ganhou muito em qualidade, embora não tenha fugido
integralmente dos problemas que afligem o País. Se ficasse
sonhando com o sistema ideal, sem coragem de iniciar um
processo novo e baseado na simplicidade, hoje a cidade
sofreria dos mesmos males que castigam boa parte de nossos
centros urbanos.
-
- Depois de trabalhar por
cerca de 30 anos com a questão urbana e tendo vivido
experiências gratificantes em Curitiba, tenho renovada
convicção de que nós podemos, em espaço de tempo
relativamente curto, provocar uma virtuosa transformação em
nossas cidades, tanto nas grandes como nas pequenas e
médias.
-
- Mas para isso algumas
premissas se impõem.
-
- Primeiro há que se
levar em consideração alguns fatores históricos.
- A despeito do vaticínio
dos profetas do caos, o Brasil viveu neste século uma
transformação notável, ainda que tenha vivido também
terríveis distorções. Para entender o que aconteceu com
nossas cidades, é necessário que se entenda o que ocorreu
neste período.
-
- Nos Estados Unidos, por
exemplo, o processo de urbanização se acentuou a partir dos
anos 20, com a maior parte dos homens do campo encontrando
em pequenas cidades a oportunidade de sobrevivência, o que
proporcionou uma transição do rural para o urbano mais
suave, menos traumática. Além disso, já naquela época os
americanos experimentavam uma taxa decrescente de natalidade
e seu crescimento econômico, que até o início dos anos 80
foi menor que o brasileiro em termos porcentuais, ocorria
sobre uma base maior, muito maior. Ou seja, mesmo a taxa
menores que no caso do Brasil, registrava um crescimento
econômico capaz de aumentar em muito mais do que no nosso
caso a renda per capita de sua população.
-
- Em grandes linhas, isso
resultou num índice de desenvolvimento muito mais elevado e
harmonioso do que o nosso, com melhores oportunidades de
educação e menores deformações urbanas. Basta lembrar que os
Estados Unidos têm nada menos que 19.262 cidades, contra
5.507 brasileiras. Daí que a média de habitantes por cidade
é de 14 mil lá, ante 27 mil aqui. Considerando-se que
somente as dez maiores cidades brasileiras concentram um
quarto de toda a população do País fica mais nítida a
diferença entre a questão urbana dos dois países.
-
- No caso brasileiro, o
processo de urbanização é mais patente a partir dos anos 40
e explode literalmente a partir de meados de 60 até o fim
dos anos 70. Diferentemente do caso americano, no Brasil o
êxodo rural conviveu ainda com altas taxas de natalidade e
com um direcionamento predominante aos grandes centros
urbanos. É que, também contrariamente ao que ocorreu nos
Estados Unidos, aqui o crescimento econômico se deu de
maneira muito concentrada, notadamente na Região Sudeste,
enquanto na maioria dos Estados o processo se afunilou nas
capitais e nos centros maiores. Isso fez com que o migrante
rural, especialmente a partir dos anos 70 - quando a
agricultura se modernizou rapidamente, limitando bruscamente
a perspectiva dos pequenos agricultores - não encontrasse
oportunidades nas pequenas cidades, com as quais tinha
razoável nível de convivência e onde poderia fazer uma
transição mais suave para a vida urbana.
-
- O resultado foi que
esse migrante acorreu em massa para os grandes centros, que
lhe eram hostis mas ao menos lhe permitiam a sobrevivência,
ainda que marginal. Daí decorreu, essencialmente, o inchaço
vivido pelos grandes centros, que repentinamente se viram
sem recursos para atender ao crescimento da demanda social.
-
- Ou seja, enquanto nos
Estados Unidos as pequenas cidades experimentavam uma
contínua consolidação de qualidade de vida e oportunidades e
os centros maiores viviam um crescimento controlado, aqui as
grandes cidades explodiam, acumulando demandas, ao mesmo
tempo que as pequenas definhavam.
-
- Evidentemente não foram
apenas esses aspectos que comprometeram a vida de nossas
cidades. Houve o excesso de centralismo, que por longo tempo
limitou as possibilidades das cidades, e houve também
incontáveis gestores, maus ou equivocados, que agravaram
contenciosos e sacrificaram perspectivas.
-
- O centralismo
governamental parece ter acabado, ao mesmo tempo que o nível
dos gestores urbanos tem melhorado consideravelmente, o que
renova a esperança, mas é preciso atentar para o fato de que
a questão urbana merece um olhar mais generoso por parte da
sociedade e do governo central.
-
- A sociedade precisa ser
despertada para as novas possibilidades que se abrem, e o
governo central precisa criar novos mecanismos de apoio às
cidades, capazes de melhorar a produtividade das gestões e
oferecer respostas mais rápidas à população, especialmente
sobre as suas necessidades básicas.
-
- Nesse sentido, é
essencial que o País vença mais rapidamente o desafio fiscal
e reforme sua legislação econômica, de modo a torná-la
compatível com a comunidade internacional, na qual precisa
se inserir com mais competitividade, com isso abrindo
perspectivas para a retomada do crescimento econômico, o que
ocasionaria um ciclo virtuoso sobre as cidades, reduzindo o
desemprego e aumentando o poder de investimento por parte
dos municípios.
-
- Isso é o óbvio, mas é
também o essencial, visto que possibilitaria pensar com mais
consistência numa política de descentralização do
desenvolvimento, que vem a ser outra premissa básica para
equacionar a questão urbana no País.
-
- Igualmente, não se
poderá desatrelar das questões urbanas a questão do campo,
envolto num clima de crescente tensão.
- A descentralização do
desenvolvimento tem esse condão de decompor grandemente as
tensões sociais, abrindo novas fronteiras de oportunidade,
porque demandará um grande volume de obras, com efeito
multiplicador sobre a economia.
-
- Acrescente-se que, ao
contrário do que muitos imaginavam até há pouco, o Brasil
tem ainda um vasto e promissor caminho a percorrer na cadeia
produtiva do agribusiness, com a possibilidade de incorporar
um número crescente de produtores ao mercado consumidor e de
absorver um contingente significativo de novos
trabalhadores, dos mais variados graus de qualificação, o
que pressupõe uma alvissareira revitalização das pequenas
cidades e, até mesmo, das pequenas comunidades situadas
entre o campo e o meio urbano.
-
- Esse processo,
plenamente plausível num Brasil ainda passível de enorme
mobilidade social, será naturalmente potencializado pelas
novas conquistas da tecnologia, que pressupõem a
possibilidade de viver com qualidade, e conectado com o
mundo, mesmo nos lugares mais distantes.
-
- Daí decorre que muitos
dos traumas urbanos vividos hoje nos nossos grandes centros
e muito do marasmo das pequenas cidades poderão ser coisa do
passado dentro de pouco tempo.
-
- O que se desenha é a
possibilidade de uma transformação positiva com uma
velocidade que até há pouco não poderíamos imaginar. A
equação viciosa do passado - acelerado crescimento
demográfico, intensa migração para os grandes centros,
atraso tecnológico, excessiva dependência dos governos
centrais e falta de perspectivas no interior - pode estar
prestes a ceder para uma equação virtuosa, de florescimento
do interior, estabilidade nos grandes centros, avanço
tecnológico, sensível melhoria da infra-estrutura e taxas
menores de fertilidade, estas já uma realidade.
-
- Mas é necessário que a
sociedade seja crescentemente despertada para as novas
possibilidades e que os gestores urbanos tenham uma visão
estratégica sobre suas cidades.
-
- É preciso um
balanceamento entre o esforço para atender às demandas
cotidianas e o olhar atento sobre as questões essenciais que
irão determinar o futuro. O gestor que se ativer apenas ao
cotidiano deixará passar em branco as possibilidades de
crescimento e desenvolvimento, enquanto que aquele que
exaurir suas energias somente com o futuro acabará se
distanciando da população e conseqüentemente perderá o aval
indispensável para realizar as transformações que propugna.
-
- É preciso levar em
conta, também, que na raiz de toda grande transformação está
a pequena transformação. Ou seja, uma pequena mudança pode
ser o começo de uma grande. Assim, os gestores devem
desprezar os vendedores de complexidade, pois nada é tão
complexo quanto eles querem fazer crer. O mundo está cheio
de vendedores de complexidade. É preciso não temer as
soluções simples e ter a coragem de começar um processo sem
esperar que se tenha em mãos todas as respostas.
-
- Simples são a maioria
das questões urbanas, e as equações complexas só servem para
postergar as soluções.
- O excesso de
diagnóstico é o melhor caminho para imobilizar uma cidade.
-
- É preciso pensar no
ideal, sim. Mas é preciso fazer o possível já.
- Propostas para daqui a
20 ou 30 anos não servem para nada, pois até lá
possivelmente os problemas serão outros e muitos maiores,
porque passou a oportunidade da intervenção possível.
-
- Muitas cidades se
perderam no planejamento do ideal, adiando ações que
poderiam evitar a dimensão do caos que vivem hoje.
-
- Isso não quer dizer que
devamos ter uma visão simplista sobre as questões urbanas.
-
- Antes quer dizer que
devemos ter uma visão estratégica.
-
- Essencialmente, devemos
ter a coragem de propor. Para cada problema há uma equação
de co-responsabilidade. É isso que os candidatos que se
apresentarão ao eleitorado agora, em 2000, precisam ter em
mente. É essencial que eles apresentem à população propostas
assentadas na realidade, soluções que possam ser entendidas
e desejadas pela maioria. Pois será esta maioria que poderá
contribuir decisivamente para levantar os bons cenários que,
espera-se, os candidatos possam desenhar nesta campanha. E
boa parte dos que se disporão a concorrer nas nossas 5.507
cidades certamente se apresentará com um discurso mais
compatível com o novo milênio. Outros insistirão nas velhas
demagogias, contribuindo mais para deturpar do que para
clarear o debate sobre o destino das cidades.
- Seja como for, o certo
é que a maioria da população parece mais permeável hoje a um
entendimento correto de sua realidade do que poderia ter há
alguns anos, e isso é também um fator positivo a nos dizer
que podemos dar um grande salto de qualidade em nossas
cidades, independentemente de seu tamanho.
- Quanto mais
conseguirmos mostrar à população a cidade como maior
invenção do homem, como espaço do encontro, mais poderemos
induzir a uma transformação positiva.
-
- Para isso, é necessário
que recuperemos alguns dos valores tradicionais, a começar
por entender a rua como síntese da cidade, a rua como
integração de funções, a rua que sempre existiu na vida de
qualquer bairro.
-
- Um rua não pode ser
apenas o espaço da circulação, mas tem de ser também o
cenário do encontro, onde a voz do cidadão possa ser ouvida
e onde as atividades urbanas se desenrolem normalmente, em
harmonia com o homem. Isso acontece em grandes e pequenas
cidades européias e americanas. Poderá acontecer novamente
nas grandes cidades brasileiras quanto mais rapidamente
quisermos, quanto antes os seus gestores concentrarem
esforços na prevalência e qualidade do transporte coletivo,
quanto mais cedo se criar um ambiente em que as pequenas
iniciativas para solucionar os problemas possam se
multiplicar.
-
-
Quem imaginou o caos como
tendência irreversível de nossas cidades errou. As novas
condições estão-se desenhando. Quanto mais rápido agirmos, e
quanto mais criatividade agregarmos ao nosso esforço, mais
rapidamente iremos usufruir de seus benefícios. E, bem antes
que muitos imaginam, a maioria das nossas cidades poderá se
transformar em cenários de harmonia e crescimento do homem.
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TÓPICO 4
Miséria só
acaba quando parar de dar lucro |
Jornal O
Globo, março de 2000
Arnaldo Jabor
Salário-mínimo. Todo ano ele nos faz lembrar da miséria. Tanto
falamos da miséria, que ela deve ter algumas vantagens. Quais
serão?
Bem... a
miséria é uma indústria. Por exemplo - quanto lucra a
indústria da seca? Quanto faturam as igrejas evangélicas com a
miséria, quantos milhões de dízimos pingam nos bolsos daqueles
oportunistas de terno e gravata que não acreditam em Deus?
(Edir Macedo não acredita em Deus; só no diabo, que ele usa
como um competidor de mercado). É uma indústria milionária, a
exploração do desespero. Gera estações de TV, casas em Miami.
Quanto se ganha no Brasil faturando a merda? Merda também é
mercado. A miséria produz a maravilhosa ignorância, a bendita
estupidez popular que fazem a delícia dos produtores culturais
do lixo, na música, na TV, no jornalismo. Quanto vale um
Ratinho sem miséria?
A miséria
dá lucro político. Para os demagogos, a miséria tem a vantagem
de ser "insolúvel". Assim, pode-se condená-la sem perigo e
sugerir simplismos. Falar na miséria denota preocupação
humanitária, traz votos. Mais: falar dela com horror é
lucrativo porque é um jeito esperto de esconder a raiz dos
problemas e manter intactas as causas. É uma maneira prática
de mentir e dizer a verdade ao mesmo tempo. Outro dia, o
Departamento de Estado americano fez a grave acusação de que
"somos um país de miseráveis". Verdade e mentira. Habilmente,
os americanos se excluem do problema, tratando a miséria como
causa e não como conseqüência. Assim, posam de bacaninhas,
continuando a nos ajudar a produzir mais miséria, sobretaxando
nossos produtos.
Depois do
socialismo, caiu a ilusão de que éramos úteis em pensamento e
palavras (não em obras...), acabou o tempo em que torcíamos
por Cuba como por um time. Hoje, caímos na fossa pela ausência
de formas de luta contra a injustiça. No início, essa
depressão nos angustiava mas, aos poucos, deu lugar a um
secreto cinismo, quase doce. O fim da ilusão de que éramos
úteis traz um grande alívio, pois, já que não adianta fazer
nada, podemos nos dedicar à elegância, à arte pessoal de
bem-viver. O fim das ideologias é um bálsamo para a culpa.
Há também
o lucro dos "sinceros", que acreditam na caridade, melancólico
sentimento cristão que tem a vantagem de manter a miséria como
algo "fora" do capitalismo, como fruto da maldade humana, como
um erro de percurso e não como uma produção concreta do
sistema. Podemos mantê-la como exceção, quando ela é a regra.
A grande vantagem da caridade é que ela segura os pobres em
seu lugar e ainda nos dá o brinde de um sorriso triste e
grato.
Os patrões
também gostam da pobreza, porque ela diminui os salários.
Podem pagar 200 paus a um desgraçado limpador de fossas porque
o mercado de mão-de-obra é imenso. Se ele não quiser a
graninha, outros virão... Nossa felicidade cotidiana usa muito
a miséria para serviços úteis, desde as empregadas até os
mendigos que aliviam nossa consciência. Se não fossem esses
assaltos, ninguém estaria preocupado... Nossas elites não
querem democracia social, querem o privilégio. Nem pensar em
incluir essas massas no mundo do consumo e dos direitos. A
pobreza é nossa principal riqueza. Não são nem as bundas nem o
futebol; são os pobres...
A miséria
já deu muito lucro a artistas e intelectuais. Com a miséria,
já ganhamos dinheiro fazendo poesia, filmes, até artigos como
este. Os miseráveis eram úteis para nos justificar e absolver
existencialmente. Os miseráveis já tiveram um grande "glamour"
político. Eles eram a bandeira do futuro, o símbolo da
revolução. Eles não sabiam, mas eram nosso tema e esperança.
Os miseráveis eram nossa salvação. Hoje perderam esta função;
nos decepcionaram, pois não sabemos mais para que servem.
A miséria
tem também uma vantagem filosófica, pois é uma categoria que
leva a "aporias", a becos-sem-saída reflexivos. A miséria faz
mais fáceis os raciocínios filosóficos muito complicados. O
mundo anda, apesar da miséria que fica como um detrito sob as
rodas de um carro, uma lata velha que rola presa no chassis.
Estamos à porta de uma sinistra e fascinante revolução
tecnológica. Talvez a maior da História, para o bem ou para o
mal. Ninguém sabe o que vai acontecer. E então, a categoria
"miséria" é um grande álibi para a impossibilidade de
"sínteses", o pau-para-toda obra, para a falta de sentido.
Para muitos acadêmicos, a miséria é usada como uma espécie de
fim-da-história ao avesso, como uma âncora para desconstruir
qualquer novidade: "Nada importa... pois, há a miséria!". É o
uso anti-iluminista da miséria, para esconder falta de estudo
ou de imaginação
E por fim
a miséria tem a vantagem também de nos ajudar a entender o
tempo atual. Nossos doces miseráveis têm uma sabedoria nova,
fatalista, muito de acordo com os tempos pós-utópicos. Eles
são tão generosos que nos ensinam, por exemplo, que a idéia de
continuidade histórica, de evolução do espírito é errada. Um
país pode andar para frente ou para trás. Os miseráveis não
podem se dar ao luxo (há há!) de serem humanistas, como os
ricos. Os miseráveis têm uma sabedoria cínica, como os
alemães. São pragmáticos como os americanos. Os miseráveis não
gostam de abstrações; não se pode falar em "opção" ou
"projeto" com eles. São também desesperançados, mas não são
niilistas; são materialistas, mas não dialéticos (graças a
Deus!). Só pensam em coisas substantivas como casa e comida.
Até
existencialmente, os miseráveis nos são superiores: são mais
corajosos que nós, no crime. E têm uma paz no sofrimento e na
solidão que nos humilha e até nos dá inveja. Eles sabem que a
miséria só vai acabar quando parar de dar lucro. |
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TÓPICO 5
Um problema
social |
Jornal do
Brasil, Opinião, terça-feira, 11 de abril de 2000
As
manifestações comunitárias, quando responsavelmente
organizadas, respeitando o direito de todos, são bem-vindas,
pois representam uma das janelas do sistema democrático. No
último domingo o Rio teve três dessas manifestações, todas
elas à beira da praia. Os participantes, em todos os casos,
sacrificavam seu lazer dominical pelo direito sagrado de
participar de seus próprios destinos, que é, em uma palavra, o
direito de fazer política. Até etimologicamente política é
isso: lutar em benefício da pólis, isto é, de sua cidade e,
por extensão, do país.
Há coisas,
porém, que os organizadores dessas manifestações não podem
perder de vista.
Uma, é que
os governos municipais, estaduais e o federal, eleitos tão
democraticamente quanto a organização da passeata, respeitam
as reivindicações dos manifestantes, mas têm todo o direito de
discordar delas. Outra coisa é que, às vezes puramente
românticas, essas manifestações esvaziam-se em si mesmas.
Vejamos
por exemplo o caso da Praia de Ramos, onde se deu uma das
belas manifestações de domingo. A velha Praia de Maria Angu
não é um problema isolado. Despoluí-la
só será possível se for resolvido o problema de que ela é
parte: a poluição da Baía de Guanabara. Que, por sua vez, só
será resolvido, quando se resolver o problema das favelas à
beira dela.
Digamos
que tudo caminhe bem e em breve seja resolvido o problema da
poluição da Baía de Guanabara. Se restarem, porém, as favelas
- um problema social, muito diferente, portanto -, no dia
seguinte recomeçará inevitavelmente a poluição. E não porque o
queiram os favelados, que certamente preferem a limpeza. Mas
porque é impossível manter alguém morando à beira da baía, sem
esgotos nem coleta de lixo, e não ter de novo a baía poluída -
e muito - a cada dia.
O abraço à
Praia de Ramos dado por 10 mil pessoas foi bonito, teve toda a
boa vontade de Frei Moacir, pároco de Santa Rita, ao
benzer-lhe as águas, a bateria da bicampeã Imperatriz, que é
da região, animou tudo com enorme brilho. Mas o secretário
estadual de Meio Ambiente, André Correia, pôs os pingos nos ii:
a despoluição demorará no mínimo uns 30 anos para chegar, a
praia recebe esgoto in natura e é preciso formar um cordão
sanitário em torno dela. Pergunta-se: só em torno da Praia de
Ramos? Em torno das favelas da baía, não? |
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TÓPICO 6
Hipocrisia
- o mito da cidadania no Brasil |
Retirado do site:
http://www.solar.com.br/~amatra/hipocrisia.html
Gladston
Mamede
Doutor em Filosofia do Direito
Professor da Faculdade de Ciências Humanas da
Fundação Mineira de Educação e Cultura - FUMEC
Cidadão. Cidadania.
Se fosse possível "gastar"
palavras, estas seriam palavras gastas. Desde quando se
começou o afastamento dos militares do comando de Estado,
muito se falou - e ainda muito se fala - em cidadania;
colocou-se "o cidadão" no centro de todo e qualquer discurso
político. Resta, contudo, questionar o que significa e o que
pode significar cidadania para que possamos dizer se somos ou
não cidadãos e qual a amplitude desta qualificação.
1. A Estrutura de Estado
Em Semiologia e Direito,
procurei reconstruir um certo enfoque para a sociedade, tal
qual a conhecemos. Permito-me resumir o que afirmei então: é
possível compreender o termo "Estado" como um adjetivo - não
um substantivo -, indicando uma característica da organização
socio-política humana, determinada ao longo da evolução
histórica da humanidade. Cuida-se de um valor institucional e
uma estrutura de organização social (com mecanismos
protetores). Esta estrutura social e todos os instrumentos que
a asseguram revestem-se de uma significação específica:
significam "Estado". Uma organização de indivíduos (o aparelho
de Estado) controla esta estrutura social, correspondendo-lhe
um poder de Estado, isto é, uma capacidade institucional de
ação reguladora sobre a estrutura social, a partir do manejo e
do emprego de instrumentos repressivos, ou coercitivos, de
Estado (1995: 87).
Conquanto vivamos em uma
sociedade de palavras, este poder de Estado exerce-se por
normas, ou seja, "enunciados do aparelho de Estado (ou seja,
dos detentores do poder de Estado, a elite política organizada
e institucionalizada - em suas estreitas relações com a elite
econômica da sociedade) que visam regular a existência e
convivência social pelo estabelecimento de modelos hipotéticos
de comportamentos (e situações devidas), revestindo-lhes de
uma significação e um valor autorizado (jurídico), dispostos
em um sistema imposto (que é o Direito), de onde cada unidade
retira a sua imperatividade. A norma jurídica deve ser
cumprida voluntariamente pelos súditos de Estado ou poderá ser
aplicada a sanção que lhe corresponde (em sentido lato sensu,
quer dizer, tanto a pena prevista, quanto a execução forçada
da obrigação normativa, ou a anulação do ato etc), usados os
poderes repressivos da estrutura organizada de Estado" (Idem:
86). Por tais razões, denuncio que "o fim último do Direito é
manter a estrutura de Estado o mais estável possível, com o
que culmina por garantir que um modelo de vida e organização
social (e, por conseqüência, um modelo econômico) se perpetue,
referenciado pelos interesses dos que detêm o poder necessário
para validá-los e efetivá-los" (Idem: 87).
Pode-se argumentar que
vivemos em um tempo de democracia, não havendo muitos
ditadores e ditaduras pelo mundo. Muito se evoluiu, reconheço,
mas muito há por evoluir. O objetivo deste trabalho é
justamente demonstrar a existência de falhas no modelo
político vigente. Nossas estruturas políticas estão viciadas
na centralização de poder e no desrespeito ao interesse
público. SOUZA, a propósito, refere-se a "uma elite de
empresários, políticos e servidores públicos dos três Poderes"
que "compõem uma cúpula privilegiada por uma legislação
elaborada meticulosamente para manter esse estado de vantagens
e opressões" (apud MUNIZ, 1994: p. 12).
Não foram consolidadas
formas efetivas para o exercício de cidadania, permitindo a
participação real dos indivíduos na determinação dos destinos
da sociedade (e democracia pressupõe sociedade civil forte,
consciente e participativa. Assim a proposta de um "Estado
Democrático de Direito" fica estéril, carente de instrumentos
que permitam limitar o poder e as ações dos administradores.
Não denuncio - vê-se - ditaduras; alerto para o poder que é
inerente às estruturas de Estado, passível de ser exercido
arbitrariamente, o que cria a necessidade de que cada
indivíduo (e, coletivamente, a sociedade) esteja atento e
participe .
Este poder sublinhado não
se restringe ao controle central da estrutura de Estado: ele
transborda por "n" níveis de agentes de Estado (todos aqueles
que ocupam funções na organização de Estado), que o rateiam. A
porção de poder de cada um desses agentes é determinada não
apenas pelo nível hierárquico ocupado, mas também pelas
funções desempenháveis (sua competência funcional) e
desempenhadas (seu trabalho, o "espaço" que ocupa); acresça-se
a capacidade de influenciar outras esferas administrativas
(próximas ou distantes). Tais agentes de Estado, demonstra
AGUIAR, funcionam como "microlegisladores", isto é,
"legislador para pequenos grupos, para parcelas da comunidade
atingidas pelo preceito originário". Sua característica
essencial "é a de ser destinatário do mandamento legal
originário" o que "lhe confere obrigações e direitos que
balizam o âmbito de sua liberdade na questão regulamentada
pela norma geral." (1984: 30-31)
Destarte, os súditos de
Estado não estão apenas à mercê de um poder central (das
cúpulas dos três poderes), mas submetidos a níveis de poder
estratificado, em muitos dos quais as normas jurídicas não
assumem formas clássicas (Constituição, leis, decretos etc);
ex.: por normas verbais, policiais, carcereiros etc exercem
sua parcela de poder. Porém, o exercício deste poder
fragmentado pode realizar-se sob a forma de agressão ao
direito de administrados, em proveito de outros interesses;
segundo AGUIAR, tais agentes, enquanto microlegisladores, via
de regra, confirmam pela exegese que concretizam os parâmetros
que orientam "a norma original, adaptando-a, interpretando-a
em função das características do grupo e da correlação de
forças que o compõem. [...] Mas dentro dos parâmetros
estabelecidos, o microlegislador pode desenvolver uma tarefa
normativa que chega a desfigurar o teor normativo original,
ultrapassando os parâmetros estabelecidos." (Idem: 31)
A situação é
lamentavelmente notória: um agente de Estado, investido de uma
porção de poder e encarregado de determinadas atribuições
específicas (e devendo respeitar o conjunto normativo
vigente), utiliza-se dessa parcela de poder para obter uma
vantagem indevida de qualquer natureza (uma "comissão", uma
recompensa etc), desvirtuando o sentido das normas que deve
aplicar ou simplesmente desconhecendo-o e desrespeitando-o. Um
exemplo simples: o sem número de exigências e dificuldades que
funcionários (mesmo os mais desqualificados) podem impor ao
exercício de um direito, problema endêmico de muitas de nossas
repartições públicas.
Mais: há atos que não são
propriamente ilegais, mas que subvertem o fim das normas,
lesionando parcelas da sociedade. O agente de Estado utiliza a
atribuição de poder e competência que lhe foi atribuída para
negar (total ou parcialmente) a vigência da norma a aplicar.
As omissões constituem hábito endêmico entre nós, face à
prática de legislar retoricamente (sem visar a implementação
das hipóteses definidas); o art. 3°, III, da Constituição
afirma constituir objetivo fundamental da República "erradicar
a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais"; convive, porém, com um quadro de
mortalidade infantil e de miséria. DRUMOND, refere-se ao
contraste entre a Constituição, consagrando "a saúde como
direito do cidadão e dever do Estado" e a entrada do Brasil
"na década de 90 com um inventário na área da saúde que bem
espelha o acentuado desarranjo do tecido social brasileiro
que, é bom enfatizar, beira a tragédia" (1993: 135). Some-se a
omissão no poder/dever de proteger (quer legislando
eficazmente, quer processando e julgando) os bens e interesses
públicos, o que já determinou uma generalizada descrença
pública diante de tantos escândalos financeiros, políticos etc
.
Aqui, impossível não
reproduzir a pertinente análise de FARIA, apontando para a
divisão do aparelho de Estado brasileiro em "anéis
burocráticos", cada um deles: "(a) agindo em função dos
interesses e particularismos de sua clientela específica,
visando a manutençao e a expansão de suas prerrogativas e
reforçando com isso seus traços neocorporativistas; (b)
distorcendo os programas sociais, mediante o sistemático
desvio dos recursos e subsídios de projetos destinados
originariamente aos segmentos mais carentes da população para
os próprios setores estatais, para vários grupos empresariais
e para as próprias classes médias; (c) produzindo uma
distribuição desigual e perversa dos direitos e deveres
consagrados pelas leis, uma vez que os grupos mais articulados
conquistaram não só acesso a foros decisórios privilegiados
mas, igualmente, mais prerrogativas do que obrigações, sob a
forma de incentivos fiscais, créditos facilitados, juros
subsidiados, reservas de mercado etc.; (d) tornando o jogo
político-institucional dependente da ‘jurisprudência’ interna
de cada um desses ‘anéis’, pois os programas sociais foram
convertidos em recursos de poder, razão pela qual a
importância de cada ‘anel’ passou a decorrer de seu orçamento
interno e/ou de seu poder regulamentar; (e) descaracterizando
ideologicamente os partidos e obscurecendo a transparência do
jogo político e das ações públicas, na medida em que a
retórica parlamentar e sua ambigüidade programática jamais
explicitaram critérios e prioridades em termos de gastos
públicos." (1992: 22-23)
Sem dúvida, o exame das
práticas de Estado revela incontáveis situações desconformes
ao Direito, ou, no mínimo, contrárias à ética e à moral
(balizas do processo de interpretação/aplicação das normas),
bem como lesivas aos fins declarados para a República. Estas
situações demonstram a opressão da estrutura (e do poder) de
Estado. Revelam, ademais, que a estrutura de Estado é manejada
para beneficiamento de alguns. SOUZA ressalta que "a
legislação mentirosamente acena com justiça social, direitos
humanos, desenvolvimento, mas tudo não passa de letra morta
diante da inversão cultural que levou ao desconhecimento dos
princípios éticos e dos mais elementares ditames do Direito,
afastando-o do cidadão para tratá-lo como número em
estatísticas quase sempre manipuladas." (Op. cit.: 12) Também
BASTOS já teve a oportunidade de frisar que "as leis são
rasgadas num momento político de imposição da força pela
força; ou são contornadas, elegantemente contornadas na
conduta administrativa ou nas sentenças e acórdãos" (apud
ENCARNAÇÃO, 1995: 52). CARVALHO NETTO, por seu turno,
refere-se a uma "subversão efetiva dos significados possíveis,
originais e primeiros dos textos legais que, ao serem
atualizados por práticas tradicionais inerentes à ordem
anterior, asseguram a continuidade desta" (1992: 207).
Em resumo: estamos
submetidos a um poder de Estado: somos súditos (em maior ou
menor grau) daqueles que o controlam (política ou
economicamente); num segundo nível, somos reféns potenciais de
incontáveis "agentes públicos". Neste quadro, a cidadania
deveria ser uma verdadeira possibilidade de limitação deste
poder, diluindo-o entre toda a sociedade: o indivíduo deixaria
a condição de mero sujeito de direitos e deveres e
tornar-se-ía cidadão, ou seja, tornar-se-ía uma célula
consciente de participação social.
2. A possibilidade de
participação
Enquanto possibilidade de
efetiva participação nos desígnios de Estado (determinadores
do destino da sociedade), será o próprio conjunto normativo
que definirá o que seja cidadania, bem como seu (maior ou
menor) alcance. Em circunstâncias tais, pode-se dizer, como
lê-se em AGUIAR, que as Constituições dos regimes modernos
tendem a estabelecer uma "autolimitação do Estado" (1984: 40).
Ou seja, os sistemas jurídicos contemporâneos, em sua maioria,
exibem um conjunto (maior ou menor, dependendo da evolução
histórico-política das respectivas sociedades) de previsões
normativas que criam limites para o exercício do poder de
Estado, em lugar de obrigações para os súditos. Porém, para
haver, de fato, maior distribuição de poder (ou seja,
democracia) não bastam normas jurídicas definindo limites para
a atuação dos agentes de Estado ou direitos para os súditos
(individualmente ou coletivamente considerados). Faz-se
necessário, isto sim, uma profunda revisão das relações
sociais, que tendem à exploração desmesurada das massas em
benefício de poucos, e dos fins da estrutura de Estado,
tradicionalmente manipulada para conservação da exploração
intrínseca àquelas relações sociais.
Já neste ponto, desenha-se
o "mito da cidadania", fenômeno presente em diversos
ordenamentos jurídicos, dentre os quais destaco o brasileiro.
Poucas transformações (geralmente superficiais, cênicas ou
retóricas) imitam concessões, mas apenas falseiam a
conservação do poder de Estado. No Brasil, os mais variados
textos (normas, discursos políticos, publicidade "oficial"
etc) ressaltam a importância da cidadania para a concretização
de um "Estado Democrático de Direito" (Constituição Federal,
art. 1°); no entanto, por mais que os brasileiros queiram se
acreditar partícipes, por mais que se valorize o poder de
cidadania, conservam-se problemas crônicos, como truculência
policial, abusos de autoridades administrativas, inoperalidade,
corrupção, impunidade, dentre outros .
O exercício da cidadania
no Brasil possui três grandes obstáculos: 1º) o sistema
jurídico brasileiro não possui uma ampla definição de
possibilidades para uma efetiva participação popular
consciente; 2º) a postura excessivamente conservadora de
parcelas do Judiciário, apegando-se a interpretações que
limitam absurdamente o alcance dos dispositivos legais que
permitiriam uma efetiva democratização do poder; por fim, 3º)
uma profunda ignorância do Direito: a esmagadora maioria dos
brasileiros não possui conhecimentos mínimos sobre quais são
os seus direitos e como defendê-los. Desta forma, o poder
continua preservado, como preservados continuam os benefícios
desfrutados por aqueles que podem determinar (ou influenciar),
de fato, os desígnios de Estado.
Neste sentido, para além
do poder de votar e ser votado, os brasileiros dispõem de
poucas e limitadas possibilidades de fazer valer a lei (menos
ainda de fazer valer a sua vontade na lei); e não se olvide
que as eleições são jogos marcados por retórica, teatralidade
e publicidade, onde vendem-se imagens nem sempre verdadeiras e
honestas. Para além desse "poder" de eleger e ser elegido (com
todas as limitações que o jogo político lhe impõe), são poucos
os espaços para a participação popular. BELLO, em artigo ainda
inédito, destaca o problema justamente sob o ângulo da
cidadania, tomando tal conceito "ante uma perspectiva ampla",
ou seja, "como uma célula ou unidade mínima do Estado de
Direito (participativo), que não tem, unicamente, a capacidade
de votar e ser votado" (1996) ou, ainda, como definição de
CLÉVE, encarando o cidadão como "sujeito ativo na cena
política, sujeito reivindicante ou provocador da mutação do
direito." (apud BELLO, op. cit.)
Segundo BELLO, a partir do
art. 1°, parágrafo único (dispondo que todo poder emana do
povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição), a vigente Lei
Maior "estabeleceu hipóteses de participação popular na
Administração Pública: na educação (art. 206, VI), na proteção
do patrimônio cultural (art. 216, § 1°), na fixação da
política agrícola (art. 187), no planejamento municipal (art.
29, X), no controle das contas municipais (art. 31, § 3°), na
seguridade social (art. 194, VII) etc." (Idem). Entretanto,
reconhece, "embora seja uma grande conquista o elenco dessas
normas na Constituição Federal, elas são normas programáticas
e dependem de regulamentação legal para terem ampla
aplicação." É uma concessão periférica : alude, mas não
garante a participação popular na Administração Pública, o que
seria, segundo FERRAZ, um dos "instrumentos cogitáveis para o
desmantelamento do aparato autoritário da administração
pública brasileira e do direito administrativo brasileiro"
(apud BELLO, op. cit.). E, se pequenas brechas foram abertas
pela legislação, não houve ainda uma mobilização para ocupar
tais espaços; "o cidadão também precisa compreender - que a
participação é boa para si mesmo e para a coletividade. A
falta de tradição do Brasil neste aspecto não inviabiliza a
concretitude de tal proposta" (BELLO, op. cit).
Para além da possibilidade
(ou impossibilidade) de participação, resta a questão da
defesa do Direito estabelecido, da busca de efetivação das
normas limitadoras do poder de Estado, normas moralizadoras e
disciplinadoras da ação pública etc. BARROSO, apoiando-se em
JELLINEK, destaca: "as diversas situações jurídicas subjetivas
criadas pela Constituição seriam de ínfima valia se não
houvesse meios adequados para garantir a concretização de seus
efeitos. É preciso que existam órgãos, instrumentos e
procedimentos capazes de fazer com que as normas jurídicas
transformem, de exigências abstratas dirigidas à vontade
humana, em ações concretas" (1993: 115).
De fato, a previsão
normativa de um direito, ou de uma garantia individual ou
coletiva, não exaure, por si só, o embate entre dominadores e
dominados, entre exploradores e explorados. Não basta a
Constituição dizer, em seu art. 1°, III, que o Estado
Brasileiro possui como fundamento "a dignidade da pessoa
humana"; a tal previsão não corresponde um meio pelo qual um
cidadão possa impedir a degradação de uma família (conduzida
pelo desemprego para a mendigância), a prostituição infantil,
a exploração de trabalho em carvoarias etc.; o texto
normativo, assim, não é mais que retórica. Aliás, a
Constituição Brasileira é um amplo discurso retórico: repleta
de previsões normativas não implementadas. O art. 3° da
Constituição Federal afirma constituirem objetivos
fundamentais da República "construir uma sociedade livre,
justa e solidária", "garantir o desenvolvimento nacional",
"erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais", e "promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e
quaisquer outras formas de discriminação". Como um cidadão
pode exigir a sua concretização? Mesmo munido da comprovação
estatística de que a pobreza, a marginalização e as
desigualdades sociais e regionais estão se ampliando, um
cidadão não pode exigir o cumprimento da norma constitucional
(base de todo o sistema jurídico pátrio).
Aliás, nosso sistema
jurídico (normas e jurisprudência) é extremamente injusto e
elitista: estimula, quer pelo processo (previsto e praticado),
quer pelo estabelecimento de penas (em abstrado e em
concreto), a impunidade dos mais abastados (empresários,
administradores públicos, parlamentares, entre outros). Assim,
pune-se de forma basicamente igual aquele que lesa o
patrimônio público (subtraindo-o, apropriando-se, desviando,
superfaturando etc) em milhões e aquele que lesa o patrimônio
público e/ou privado em pequenos valores. Note: desviar
milhões de reais, destinados a programas de saúde, é fato que
provavelmente não será apenado (via de regra, há prescrição da
pretensão punitiva, quando não há absolvição face à
precariedade da instrução probatória), e se o for, merecerá
condenação inferior a de um roubo com ameaça de violência e
concurso de agentes), face à primariedade, bons antecedentes,
etc. O absurdo está em não agravar a pena de acordo com a
gravidade da lesão (chegando a décadas de privação da
liberdade quando o dano for de grande monta, o que
incentivaria a reposição do patrimônio público).
Existem alguns
instrumentos processuais previstos para a defesa de alguns dos
direitos elencados. Apenas possibilidade, já que, como dito,
restam dois grandes embaraços para o manejo amplo e irrestrito
de tais caminhos procedimentais: despreparo jurídico
(desinformação) da população (ignorante de seus direitos, bem
como dos deveres de seus concidadãos e dos agentes públicos) e
uma endêmica resistência de parte da magistratura em
concretizar os avanços sócio-políticos, insistindo em posturas
(inclusive hermenêutica) excessivamente conservadoras,
formalistas, contribuindo para a impunidade (não apenas
penal). Em defesa dessa postura, as hierarquias superiores do
Judiciário insistem em invocar uma desvirtuada necessidade de
separação e harmonia dos poderes; vale dizer: obrigar os
outros Poderes a cumprir normas estabelecidas constituiria
risco à independência destes, atentando contra a separação e
harmonia entre todos. Mesmo quando há uma evolução legal,
verifica-se, ainda assim, uma resistência judiciária em
aceitar o avanço. BARROSO, a respeito, apoia-se em BARBOSA
MOREIRA para criticar uma tendência de "interpretação
retrospectiva", ou seja, aquela que "lê o novo texto com
espírito nostálgico, em o ímpeto de buscar novas soluções.
Tanto a timidez como a eventual hostilidade do Poder
Judiciário tirar-lhe-íam as honras de colaborador sincero e
empenhado da restauração democrática, para transformá-lo em
coadjuvante do fracasso, como sabotador voluntário ou
involuntário." (Idem: 120)
Exemplo desta "timidez
judiciária" é o Mandado de Injunção (art. 5º, LXXI, da
Constituição). Foi previsto para que a ausência de normas
regulamentadoras não impedisse a aplicação de normas
constitucionais: o Judiciário poderia suprir a lacuna para o
requerente, permitindo a efetivação do dispositivo
constitucional. Entretanto, como lê-se no Mandado de Injunção
288-6/DF, "a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal
Federal firmou-se no sentido de atribuir ao mandado de
injunção a finalidade específica de ensejar o reconhecimento
formal da inércia do Poder Público em dar concreção à norma
constitucional positivadora do direito postulado, buscando-se,
com essa exortação ao legislador, a plena integração normativa
do preceito fundamental invocado pelo impetrante do writ como
fundamento da prerrogativa que lhe foi outorgada pela Carta
Política."(rel.: Min. CELSO DE MELLO; DJU de 3.mai.95, p.
11.629)
O Supremo Tribunal Federal
transformou o Mandado de Injunção numa mera ação declaratória
de "mora legislativa": em lugar de suprir a ausência de
regulamentação de um dispositivo constitucional, garantindo
sua eficácia plena, limita-se a declarar a existência da
lacuna, reconhecendo a inadimplência do Poder Legislativo no
cumprimento de seu dever de regulamentar os direitos e as
garantias previstas na Lei Básica. Via de conseqüência,
exterminou-se a possibilidade de dar eficácia imediata às
normas constitucionais; mesmo notificado de sua mora, o
Legislativo pode não suprir a lacuna. É o que ocorre, por
exemplo, com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, norma
que, há muito, o STF já declarou carecer de regulamentação
(cf. ADIn 4/DF); a interposição de Mandado de Injunção sobre a
matéria, a exemplo do nº 457-9/SP, merece apenas o
reconhecimento da inadimplência, mas não o suprimento da
lacuna: o mandado é "deferido em parte, para que se comunique
ao Poder Legislativo a mora em que se encontra, a fim de que
adote as providências necessárias para suprir a omissão" (cf.
DJU de 4.ago.95, p. 22.440).
A mesma timidez (ou
resistência) envolve certos aspectos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Como já tive ocasião de analisar
alhures, "tal como posto em nossa legislação, essa - efetiva -
participação de Estado é praticamente impossível de ser
exercida: o ordenamento jurídico brasileiro cria, assim, uma
cidadania parcial, na medida em que retira do cidadão o poder
de agir para a preservação dos interesses sociais (depois de
já ter retirado, da grande maioria da população, o poder de
compreensão, não lhe fornecendo condições para uma formação
educacional, minimamente satisfatória que fosse). A isto
acresça-se uma exegese judicial que dificulta ainda mais o
exercício da cidadania: o Supremo Tribunal Federal, por
exemplo, erige todas as dificuldades possíveis para o
exercício das ações diretas de constitucionalidade." (1995b:
153, nota 2)
Entre as dificuldades
erigidas, pode-se exemplificar com a definição e compreensão
do que seja "entidade de classe de âmbito nacional" (cf. ADIn
334-8; DJU de 31.mar.95, p. 7.772), bem como a exigência de
que haja uma "relação de pertinência entre o interesse
específico da classe" defendida por tal entidade e "o ato
normativo que é argüido como inconstitucional" (cf. ADIn
913-3; DJU de 5.mai.95, p. 11.904). O Supremo Tribunal Federal
transformou tais requisitos em elementos mais importantes do
que o próprio exame da pertinência da alegação de
inconstitucionalidade. Destarte, mais do que requisitos
procedimentais, tais elementos cumprem a função de entraves
colocados justamente para dificultar o exame da
inconstitucionalidade, passando a questão de mérito a ocupar
posição secundária, justamente em função do formalismo
exacerbado que impede o seu conhecimento.
Outros instrumentos
processuais do Direito vigente dirigem-se à defesa de direitos
e interesses coletivos e difusos ou seja, respectivamente: (a)
interesses e direitos de um grupo de indivíduos que se pode
determinar, ligados entre si por elemento comum; ex.:
profissionais de uma mesma área - associados em entidade
profissional -, empresas de uma região ou área econômica -
organizadas em entidade representativa -, alunos ou pais de
alunos de uma instituição de ensino, condôminos etc.; (b)
interesses e direitos que dizem respeito a um conjunto não
enumerável de indivíduos - não identificados ou identificáveis
-, como "a sociedade", os moradores de uma região, os
consumidores de um certo produto etc.. A proteção destas duas
ordens de direitos e interesses (destacada a difusão)
constitui tema inegavelmente central no debate jurídico
contemporâneo. Infelizmente, no Brasil, não se consolidou
ainda uma legislação, e muito menos uma tradição judiciária
adequadas a uma ampla defesa de interesses e direitos dessas
naturezas (uma lamentável falta de amplitude democrática).
A Constituição Federal de
1988 (art. 5°, XXI) avançou ao permitir que as entidades
associativas pudessem buscar a defesa dos direitos de seus
membros, judicial ou extrajudicialmente. O texto da norma,
contudo, refere-se à necessidade de "autorização expressa" dos
membros, o que, em conjunto com a disposição do inciso XX, do
mesmo art. 5° (prevendo que "ninguém poderá ser compelido a
associar-se ou permanecer associado"), tem sido utilizado como
argumento para limitar o âmbito de atuação das associações. O
argumento impeditivo deve ser analisado com seriedade, mas,
principalmente, com razoabilidade, certo que em inúmeras
situações esta autorização chega a se presumir (ex.:
associação de pais e mestres em procedimentos que dizem
respeito à administração de unidade escolar, preço de
mensalidade, prestação de contas; associações de aposentados,
em procedimentos que visem a melhoria de pecúlios ou serviços
assistenciais etc). Sem este bom senso na interpretação do
dispositivo constitucional, fugir-se-á aos fins visados pela
norma, um inegável retrocesso na busca da consolidação de um
Estado Democrático de Direito.
Ainda para a defesa dos
interesses difusos, pode-se listar a ação civil pública,
pretendendo determinar a responsabilidade por danos causados
ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico e turístico. A capacidade de
aforamento da ação civil pública é limitada pelo texto legal
(Lei 7.347/85): o Ministério Público, os entes políticos e
seus órgãos descentralizados, as associações velhas de um ano,
cujos estatutos prevejam a tutela do interesse cogitado in
concreto. Um inegável instrumento para a proteção dos bens e
dos interesses públicos. Entretanto, como anota BARROSO, a
legislação que a disciplina já está a comportar uma evolução:
"extensão da legitimidade ativa a particulares, agindo em nome
da coletividade", assim como a ampliação dos "interesses
tutelados", "não havendo razão para restringir as ações
coletivas aos temas que a lei, numerus clausus, delimita" (Op.
cit.: 140-141).
O art. 5°, LXXIII, do
Texto Constitucional de 1988 lista a "ação popular" que pode
ser proposta por "qualquer cidadão", visando "a anular ato
lesivo ao patrimônio público ou entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência". Destaca BARROSO que "a legislação ordinária que
disciplina a ação popular ampliou-lhe largamente a área de
incidência", tutelando não apenas as "pessoas estatais, mas
também autarquias, as sociedades de economia mista, as
empresas públicas, as fundações instituídas pelo poder público
e os serviços sociais autônomos, dentre outras (Lei n°
4.717/65, art. 1°). Além disso, ao fixar o conceito de
patrimônio público, dilatou-o para abranger os bens e direitos
de valor econômico, artístico, histórico ou turístico (art.
2°)." (Op. cit.: 134)
O mandado de segurança,
atualmente previsto no art. 5°, LXIX, da Constituição, é
instrumento que surgiu já na Carta de 1934, estando
regulamentado pela Lei 1.533/51. O art. 5°, LXX, da vigente
Constituição, criou a figura do manejo coletivo do mandado de
segurança, determinando uma "ampliação da legitimação ativa",
"uma hipótese de substituição processual", com o que "poderá
uma entidade de classe intervir em nome da coletividade como
um todo, na defesa de um interesse geral, que apenas se
reflete, sem com ele confundir-se, no interesse individual de
cada um dos seus membros", o que implica em uma "grande
simplificação e economia de tempo e trabalho", assim como
suprime a "possibilidade de decisões logicamente conflitantes"
(Idem: 136-137). Mas também quanto ao mandado de segurança
coletivo paira a sombra de uma interpretação limitadora que
poderia ser impingida a partir da invocação do inciso XX, do
mesmo art. 5° (cf. supra), exigindo seriedade e razoabilidade
do Judiciário, certo que pode-se limitar em excesso o emprego
do mandamus coletivo com uma exegese ortodoxa, lamentavelmente
reiterada por certa parcela da magistratura.
No âmbito dos direitos
individuais, há o habeas-corpus, cuja presença no direito
brasileiro (hábil à proteção da liberdade de locomoção - art.
5°, LXVIII) é clássica, não merecendo, no âmbito deste
trabalho, maiores considerações. A Constituição de 1988, em
seu art. 5°, LXXII, criou uma nova ação, qual seja o
habeas-data, permitindo o "conhecimento de informações
relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou
bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público", bem como a retificação destes dados. Para a
interpretação deste art. 5°, LXXII, é indispensável que se
lance atenção para outro direito e garantia individual,
anotado no art. 5°, XXXIII, da vigente Constituição
Republicana: "todos têm direito a receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse
coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob
pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja
imprescindível à segurança da sociedade e do Estado."
O constituinte procurou
sepultar uma antiga prática de Estado no Brasil, onde os
administradores insistem em práticas abusivas. Já "ao tempo do
Império, havia expedientes em que a simples afirmativa ‘Consta
que’ era suficiente para a cassação até de direitos políticos
dos cidadãos, demonstrando com isso o arbítrio que havia, no
tocante ao fornecimento de dados pessoais comprometedores da
honorabilidade do cidadão, utilizados por terceiros, sem que o
prejudicado tivesse ciência do fato ou pudesse corrigir
eventuais abusos, por lhe serem negadas informações referentes
à sua pessoa. Na atualidade, ocorrem abusos semelhantes, que o
preceito em tela procura evitar, facultando o acesso do
interessado às informações de que necessite." (SOARES,1990:
136)
3. Cidadania: participação
consciente
Para além da questão
relativa à definição normativa das possibilidades de
participação nos desígnios da sociedade e sua organização em
Estado, restam as condições sócio-políticas em que se insere o
tema cidadania. Parte do problema já foi analisada: refiro-me
à uma postura conservadora de parte do Poder Judiciário,
limitando a evolução social do país (e o quadro de miséria
vigente entre nós aponta a necessidade urgente de reformas
sociais). FARIA confessa desapontamento semelhante: "à medida
que surgem novos tipos de conflitos, a maioria das leis vai
envelhecendo. Embora os legisladores respondam ao desafio da
modernização das instituições de direito com a criação de
novas leis, a cultura técnico-profissional da magistratura
parece defasada, insensível, portanto, aos problemas inerentes
à aplicação de leis mais modernas em sua concepção" (1992: 9)
A posição assumida pelo
Judiciário constitui um dado forte nas mazelas da máquina
estatal brasileira. Era inevitável, portanto, que, mais cedo
ou mais tarde, o Judiciário fosse colocado nos debates
nacionais, o que aos poucos vem ocorrendo. Durante anos, foi
um Poder intocado, como que posto para além do bem e do mal.
Houve, contudo, excessos. Por certo, garantir independência
aos juízes é um princípio de democracia; mas não expô-los à
opinião pública é permitir o exercício do arbítrio de quem,
possuindo o poder de interpretar as normas, pode até mesmo
negá-las. Este debate, contudo, deve ser criterioso: a muitos
interessa apenas garantir que o Judiciário não obstaculizará
suas ações ilegítimas. Permiti-lo seria um enorme retrocesso.
Mas esquecer-se que também no Judiciário se praticam atos
reprováveis constitui, no mínimo, ingenuidade. A discussão,
portanto, exige bom senso e respeito à primazia dos interesses
da sociedade sobre os interesses individuais.
Há também o problema do
acesso dos pobres à Justiça. CARNEIRO, pretendendo analisar "a
pobreza crítica de milhões de latinoamericanos", refere-se a
uma correlata "pobreza política", vale dizer, não há "nenhum
acesso ao poder político e nenhuma oportunidade de
participação" (apud OLIVEIRA F°, 1995: 23). É o terceiro
obstáculo, já referido: como se pode ter cidadania
(participação consciente nos desígnios de Estado) com
indivíduos que não possuem condições mínimas de compreender
seus direitos e deveres? Afinal, como diz CARNEIRO, "para
exercitar direitos e cumprir obrigações pessoais e sociais,
para participar de uma democracia sólida, madura e ativa, é
necessário que as pessoas tenham a possibilidade de
informar-se, de conhecer, quer dizer, de participar." Porém,
na realidade, os pobres "não tem oportunidade de conhecer seus
direitos, não possuem acesso aos serviços apropriados e
disponíveis. Para eles, a lei, o Direito, é algo inacessível,
amedrontador, olhado com bastante reserva, pois sempre que os
pobres tem contato com a lei e a justiça, é em geral no campo
do direito penal, e sempre para sancioná-lo, coibi-lo; em
nenhum momento o pobre encara a justiça como um serviço social
capaz de outorgar-lhe benefícios - as experiências pessoais,
os abusos de autoridades mostram a realidade
expressada."(Idem: 25)
Milhões de brasileiros
vivem em pobreza política: não se lhes permitiu uma educação
apta a desenvolver um senso político e crítico.
Especificamente quanto ao Direito, este enorme contingente
populacional vive em ignorância jurídica, desconhecendo
informações elementares que lhes tocam o cotidiano, como a Lei
do Inquilinato, normas sobre o poder de prisão, direitos
trabalhistas etc. Chamar-lhes de cidadão, neste contexto, é
pura retórica dentro de um mito de democracia participativa
que não possui condições mínimas de ser implementada por não
estar alicerçada em uma efetiva (possibilidade de)
participação popular. Curiosamente, os "esforços de
redemocratização" (denominandos assim os atos e processos de
transição entre os regimes militares, autoritários, para
regimes civis, pretensamente democráticos) pelos quais
passaram - e/ou passam - os países da América Latina, não
foram acompanhados por uma popularização do conhecimento
jurídico, permitindo a formação de cidadãos conscientes de
seus poderes, suas faculdades, e de suas obrigações. Ao
contrário, este conhecimento continua sendo um privilégio
daqueles que podem pagar a assessoria de qualificados
profissionais do Direito (e quanto mais qualificados, mais bem
remunerados).
Como se só não bastasse,
CARNEIRO também reconhece que "existem em nossas instituições
judiciais inegáveis dificuldades que impedem o acesso dos mais
despossuídos ao sistema judicial. As experiências demostram
que os processos são lentos, burocráticos, gerando decisões
inoperantes, e que terminam por causar frustrações e
ressentimento a tais setores" (Op. cit.: 26) Há que se
acrescer, por óbvio, o problema do custo de estar em juízo,
principalmente no que se refere à possibilidade de se fazer
representar por um bom advogado, capacidade que, justamente em
razão da limitação econômica, os pobres rarissimamente podem
exercitar. CARNEIRO, assevera que a atenção para as demandas
dos pobres, por parte de advogados nomeados pela Ordem dos
Advogados ou pelos Tribunais para defender gratuitamente as
pessoas pobres, por parte dos Defensores Públicos, escrivães,
funcionários do judiciário, é "escassa, negligente e
descuidada" (Idem: 29-31).
4. O MITO DA CIDADANIA
A cidadania entre nós,
vê-se, não é uma realidade: é uma promessa. E se não temos
cidadania (e, por conseqüência, cidadãos), se não temos
participação consciente (um amplo contingente de pessoas
conscientes e dispostas a participar da e) na condução da
sociedade organizada em Estado, não temos democracia.
Destaque o elemento
humano. É preciso não esquecer que, para além da definição
jurídica de "cidadão", estamos nos referindo a seres humanos
(e a uma sociedade). É a qualidade política de cada um desses
indivíduos que marca a qualidade política da sociedade (num
somatório não aritmético). ALTHUSSER, escorando-se em MARX,
adverte que "a sociedade não é composta de indivíduos"; "o que
a constitui é o sistema de suas relações sociais, onde vivem,
trabalham e lutam seus indivíduos". Realça-se a questão da
formação do ser humano pela e na sociedade ; afinal "cada
sociedade tem seus indivíduos, histórica e socialmente
determinados" (1978: 30; grifei) .
A questão da cidadania não
é apenas normativa e doutrinária, mas sociológica: apura-se
também no plano dos fatos que compõem (e afetam) a vida dos
seres humanos. Assim, importa também verificar a cidadania
efetivamente experienciada pela sociedade, pois, para além das
teorias e das normas, está a vida de cada ser humano que
constitui a sociedade. De pouco adianta propagar que cada um é
um agente de seus destinos político, social, econômico,
jurídico (o mito da cidadania), se não há condições jurídicas
e mesmo pessoais para que isto ocorra. Este ser humano que se
crê agente é, antes de mais nada, um objeto de cultura: ela o
precede e o forma. Pensamos agir com liberdade, mas agimos
segundo parâmetros de "normalidade" desse tempo histórico
(repetindo atos e pensamentos que nos são anteriores e podendo
influenciar a história apenas em certos limites - variáveis de
caso a caso, mas, via de regra, extremamente reduzidos).
Confira-se FIGUEIREDO (1994): o tempo histórico forma o
indivíduo, constrói seu pensamento, marca a tendência de seus
comportamentos, seus desejos principais, suas "necessidades".
Sob o enfoque da psicologia, FIGUEIREDO demonstra o acerto das
afirmações de MARX sobre as influências das condições
materiais, econômicas, sociais sobre o o ser humano.
Assim, o ser humano
medieval (europeu) acreditava em (vivia com) fadas,
feiticeiros, magos, maldições etc: um tempo de luta religiosa
(contraste de seitas em um mundo que crescia) e de forte
influência da Igreja Católica: a vida como mera provação,
entre Deus e o diabo (luta marcada pelo sacrifício e pelo
sofrimento; o prêmio: a salvação eterna; o castigo: o
inferno). O agnosticismo de nosso tempo, por sua vez, segue
também a história: a religião foi substituída do centro das
atenções e referências pela ciência e pela economia (e a vida
eterna pelo conforto, riqueza, sucesso). Sim! Somos seres
feitos de história , formados em um tempo e lugar, em uma
sociedade e sua prática social; não só nosso comportamento,
mas nossa visão de mundo (a forma como a realidade se
manifesta em nós) nos são anteriores em suas linhas mestras.
Cada ser humano compreende a si e à realidade em que se insere
(na forma como crê que seja esta realidade e esta inserção) a
partir de referenciais que lhe são exteriores e anteriores
(que lhes foram dados).
No caso brasileiro,
deixando de dar formação educacional (crítica e política) a
parte da população, mantém-se a prática espoliatória que
beneficia uma elite (narcísica, incompetente, inconseqüente)
em desproveito de milhões de pessoas (miseráveis e
trabalhadores das classes baixas). Permite-se uma certa ordem
de privilégios para uma classe intermediária (classe média),
que, na estrutura social, funciona como suporte para as
classes dominantes: fornece-lhe profissionais que administram
seus interesses (nestes incluídos tanto os negócios
particulares, quanto os "negócios de Estado", ou seja, a
administração do aparelho de Estado, sempre no estrito
respeito à conservação de seus benefícios), assim como
assimila (motivada pelo desejo de conservar sua própria
parcela - ainda que limitada - de benefícios) a fobia - e a
luta - contra um possível "levante" das massas exploradas.
A este quadro de dominação
e a exploração serve o "mito da cidadania": nossa sociedade é
induzida a crer-se democrática e os indivíduos a crerem-se
cidadãos; segundo este discurso (falso, nos termos vistos),
haveria entre nós respeito ao Direito (não só às normas
estabelecidas, como aos "elevados princípios de justiça") e
oportunidades de participação. Mas examinando-se os indivíduos
isoladamente, encontrar-se-á apenas uma pequena minoria que
possui condições pessoais e sociais de, efetivamente, conhecer
e utilizar-se das possibilidades (limitadas, como viu-se) de
participação consciente nos desígnios de Estado. A
consolidação do (verdadeiro) Estado Democrático de Direito, em
contraste, exige muito mais. Há que repensar nossas posturas:
a pretensa inocência da alienação política provou, durante
anos, ser uma irresponsável adesão à continuidade do sistema
espoliativo que polvilhou nosso país de miseráveis,
despreparados, até mesmo, para perceberem que o trabalho e a
organização das iniciativas poderia ser uma possibilidade de
superação do estado em que se encontram. Assim, muitos se
entregam às seduções do vício (que aliviaria) e da
criminalidade (onde crêem poder exercitar algum poder).
Os que possuem uma visão
crítica precisam posicionar-se e buscar conquistas que
efetivem a democracia. Trabalhar quer no plano político (na
luta pela construção de um sistema educacional capaz de criar
seres humanos aptos a compreender, de forma crítica e
participativa, a realidade social e política; a alteração das
legislações que cuidam da participação popular na
Administração Pública e da defesa dos direitos previstos etc),
quer no plano jurídico (criando organizações não
governamentais para o exercício dos meios processuais
disponíveis, concretizando uma defesa dos direitos
individuais, coletivos ou difusos previstos, bem como defesa
dos bens e interesses públicos; alteração das práticas
judiciárias e administrativas de Estado, onde a busca de
formalismo determina que se tratem de forma igual fracos e
fortes, espoliados e espoliadores).
Este o desafio que se
coloca diante de nós; assumí-lo é uma opção de justiça, opção
humanista, evolucionária (em lugar de revolucionária).
.Referências
Bibliográficas
AGUIAR, Roberto A. R. de.
Direito, Poder e Opressão. São Paulo: Alfa-Omega, 1984.
ALTHUSSER, Louis. Posições
I. Trad. Carlos Nelson Coutinho et alli. Rio de Janeiro: Graal,
1978.
ALTHUSSER, Louis.
Aparelhos Ideológicos de Estado. Trad. Maia L. V. Castro. Rio
de Janeiro: Graal, 1983.
BARROSO, Luís Roberto. O
Direito Constitucinal e a Efetividade de suas Normas: limites
e possibilidades da Constituição Brasileira. Rio de Janeiro:
Renovar, 1993.
BELLO, Raquel Discacciati.
"A Participação Popular na Administração Pública". [artigo
ainda não publicado]
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A Sanção no Procedimento Legislativo. Belo Horizonte: Del Rey,
1992.
DRUMOND, José Geraldo de
Freitas. O Cidadão e o seu Compromisso Social. Belo Horizonte,
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ENCARNAÇÃO, João Bosco da
(coord.) Seis Temas sobre o Ensino Jurídico. São Paulo:
Cabral: Robe, 1995)
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Justiça e Conflito: os juízes em face dos novos movimentos
sociais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
FIGUEIREDO, Luís Cláudio.
A Invenção do Psicológico: quatro séculos de subjetivação
(1500-1900). São Paulo: EDUC: Escuta, 1994.
MAMEDE, Gladston.
Semiologia e Direito: tópicos para um debate referenciado pela
animalidade e pela cultura. Belo Horizonte: Editora 786, 1995.
MAMEDE, Gladston.
Neoliberalismo e desadministrativização. Revista de Informação
Legislativa. Nº 81, p. 151-159, jul./set. 1995(b).
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Camargo. Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais,
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MUNIZ, Marco Antônio
(org.). Direito e Processo Inflacionário. Belo Horizonte, Del
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OLIVEIRA Fº, Paulo de
(org.). Parolagem: ensaio e crítica. São Paulo: Editorial
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SOARES, Orlando.
Comentários à Constituição da República Federativa do Brasil.
Rio de Janeiro: Forense, 1990.
(Publicado na Revista de
Informação Legislativa. Brasília, n° 134, páginas 219-229,
abr./jun. 1997.) |
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TÓPICO 7
A favela
invisível se debruça sobre o Rio |
Revista Época, 24 de
fevereiro de 2000
Marcos Sá Corrêa
Além da pobreza, o morro
deu vez ao mercado
Como a floresta tropical,
a favela é um laboratório de biodiversidade nas encostas do
Rio de Janeiro. A Rocinha tem estacionamento rotativo, balcão
do McDonald's, casa de vinhos, rede própria de televisão a
cabo, clínica privada com UTI e cadeia de pastelarias,
novidade trazida por imigrantes chineses que se espalhou por
cinco pontos-de-venda em quatro meses.
Viva-Cred, programa de crédito para negócios domésticos, banca
involuntariamente a consolidação do senhorio: investidores
locais pegam o dinheiro, constroem prédios e alugam quartos
para viver de renda. Brotam nos morros cariocas franquias de
supérfluos, como a De Plá, que vende e revela material
fotográfico para amadores. São inumeráveis as academias de
ginástica, as locadoras de vídeo e os cursos de informática.
Há lugares carentes que necessitam até de vagas para
automóveis.
Puxada pelo mercado, a favela esgarçou-se. A palavra só serve
agora para igualar o que é cada vez mais desigual. Favelada é,
por exemplo, a vice-governadora Benedita da Silva, cujo
difícil começo no Morro Chapéu Mangueira está há muitos anos
soterrado pelas compensações e vantagens da vida pública.
A olho nu, é visível que no Rio a favelização não é mais uma
exclusividade da miséria. Multiplica também as casas vazias,
às vezes com mato saindo pela janela, para mostrar que nelas a
pressa dos especuladores superou a urgência dos problemas
habitacionais. Mas, como toda essa evidência ainda não é
reconhecida por políticos, jornalistas, líderes comunitários e
cineastas, recomenda-se a leitura do artigo da socióloga Licia
do Prado Valladares na revista Inteligência, publicação
trimestral editada pelo professor Wanderley Guilherme dos
Santos.
Ela conseguiu empacotar em cinco páginas todas as
transformações que esperavam havia décadas um convite para
descer ao asfalto, escondidas "na neblina de um tempo mítico".
Para começar, as 604 favelas cariocas são em geral áreas
pobres, mas não "necessariamente mais pobres do que os outros
bairros". Existem na cidade "áreas onde a concentração dos
muito pobres é maior e onde a presença do equipamento urbano
é menor".
São, além disso, heterogêneas. Nos dados do censo de 1991,
velhos de quase uma década, já havia sinais de excessiva
diversidade social para que se defina o favelado por renda,
educação, infra-estrutura ou mesmo pela propriedade irregular
da casa em que mora.
Diga-se de passagem que Licia Valladares sabe o que está
dizendo. Estuda o assunto há mais de 30 anos. Em 1978,
encurralou os programas de erradicação de favelas então em
voga no livro Passa-se uma Casa. Removidos a muque para
conjuntos populares, os favelados negociavam suas vagas nos
programas habitacionais do governo e voltavam ao mercado
informal de tetos. Não era pura teoria. Durante a pesquisa,
ela morou na Rocinha.
Atualmente, dá aulas na Universidade de Créteil, na França,
mas deixou no forno Desigualdade entre os Pobres, um estudo
feito para o Ipea. Sobra-lhe experiência para abrir alas ao
milhão de favelados que têm um novo enredo para desfilar.
Ei-lo: "Enormes e modernos mercados de consumo". |
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TÓPICO 8
Que favelas
são essas? |
Retirado do site:
http://www.informe.com.br/inteligencia/index.html
AGOSTO/
SETEMBRO/OUTUBRO 1999
Licia do Prado Valladares
Socióloga
No
coração da Rocinha, em apenas
quatro meses, imigrantes chineses
abriram cinco pastelarias; em inúmeras outras favelas a cadeia
de material fotográfico De Plá
compra cada vez mais pontos; as
lojas de colchões Ortobom abrem sucursais;
academias de ginástica, com equipamento
moderno, se multiplicam; cursos de informática e de inglês
sediados nas próprias favelas atraem
cada vez mais moradores; empresas de
mototáxi e de motoboys, dotadas de modernas motocicletas,
levam rapidamente passageiros a qualquer lugar; pizzarias
entregam em casa; restaurantes a quilo
atraem enorme clientela; imobiliárias
começam a organizar o mercado de aluguel antes restrito aos
proprietários; alguns prédios já chegam ao 4° andar; lojas de
eletrodomésticos vendem a prestação e no
cartão de crédito modernas lavadoras,
aparelhos de vídeo e fornos de
microondas; empresas privadas de seguro-saúde agregam cada vez
mais clientes nesses locais; as
locadoras de vídeo se multiplicam,
concorrendo agora com as tevês a cabo
que descobriram nas favelas um
mercado seguro e promissor. Tudo isso para não falar do
telefone celular cada vez mais
popularizado... e dos automóveis, que em inúmeras favelas da
Zona Sul do Rio de Janeiro disputam vagas com
caminhões, ônibus e táxis...
No entanto, às vésperas do século XXI, não é esta a
representação da favela que nos chega, entre outros, através
do cinema nacional que tem levado às telas - em
documentários, ficção e clipes - a
vida dos moradores dos morros cariocas
resumida a "pó, tristeza, camaradagem, miséria, amor e
realidade", segundo o Jornal do Brasil.
Chocantes e belas imagens parecem
ultrapassadas, insistindo no barraco de madeira, na birosca
que vende fiado, nos porcos e galinhas
perambulando pelos becos imundos, nos
terreiros de umbanda e na
preparação da escola de samba para o desfile na Avenida,
apenas recobertas pelas novidades
da violência, do rap e da substituição do
Estado pelo narcotráfico.
Convenhamos, porém, que já não é mais possível manter o mesmo
e velho discurso sobre a favela carioca, no qual ela aparece
como o território-mor da pobreza
e da cultura popular, como um enclave
dentro da cidade excluído dos processos
econômicos gerais, como a outra
metade de uma Cidade Partida onde a vida local se reduz à
violência e à pobreza...
Por que, no entanto, as imagens diluídas na neblina de um
tempo mítico, ainda se fazem tão presentes? Por que se insiste
tanto em representações da antiga
favela? No Rio de Janeiro quem pensa favela pensa pobreza,
pensa precariedade, associação tão velha quanto a
própria favela e muito presente no
imaginário social. A quem interessaria enfatizar essa visão?
Antes de tentar responder a tais indagações, será necessário
examinarmos os "dogmas" que parecem inspirar quem pensa, quem
age e quem olha de fora as
favelas.
OS DOGMAS
O
primeiro "dogma" se refere à especificidade da favela.
Desde sempre considerada diferente, com
história e padrão de crescimento percebidos como distintos dos
outros bairros da cidade, sua
marca seria a especificidade. Os geógrafos chamam a atenção
para um tipo de ocupação do
espaço inusitado no tecido urbano, ou seja,
totalmente irregular, sem o arruamento
de um bairro, e subequipado em termos de serviços e
equipamentos coletivos. Os arquitetos ressaltam a diferença
através da existência de um hábitat, um
urbanismo e uma estética mirabolantes
que fogem aos padrões da
racionalidade arquitetônica. Os órgãos oficiais vêm insistindo
há décadas na irregularidade e na
ilegalidade da ocupação, justificando com isso um tratamento
específico para as favelas. Indicadores
demográficos ainda mostram ali que o
perfil de sua população é mais
jovem, com grande número de migrantes, que a densidade
por domicílio é mais acentuada, e que o
crescimento das áreas de favela
apresenta taxas maiores que o crescimento geral da cidade.
Coroando essa diferença está a concepção do IBGE que considera
as favelas como aglomerados
subnormais, com um mínimo de cinqüenta domicílios...
Pesquisas realizadas por sociólogos e antropólogos também
acabam desembocando nessa especificidade, quando identificam
uma cultura da favela. O último
livro sobre o assunto, Um Século de
Favela, organizado por Alba Zaluar e
Marcos Alvito, dentre doze textos, quatro tratam da cultura
popular - samba, carnaval, capoeira,
bailes e galeras funk; cinco tratam de
crime, medo, drogas e delinqüência, ou seja, da violência na
favela; e apenas três tratam de
mudanças na política e na estrutura social da favela.
A academia vem insistindo em que, a favela, inicialmente berço
do samba, é hoje, também, o coração do
funk e do rap. Território-mor do
jogo do bicho no passado, é hoje identificada como a central
do tráfico de drogas no Rio de
Janeiro. Espaço propício às diferentes formas de religiosidade
popular, é vista como terreno fértil onde floresceram a
macumba, a umbanda, e mais recentemente uma multiplicidade de
cultos protestantes e pentecostais. Lugar onde até mesmo
a política seria diferente, com
associações de moradores originalmente presas do clientelismo
político passando ao controle do tráfico que hoje
representa o papel de um Estado ausente. Em suma: o que se
defende é a forte identidade desses espaços, marcada não
apenas por uma geografia própria, como também pela condição
ilegal da ocupação do solo, pela sua persistência em
permanecer favela (conforme a música
Opinião, de Zé Keti, popularizada por Nara Leão) e por um
modus vivendi cotidiano não encontrado
em outras áreas que levaria, por exemplo, o jovem pobre frente
ao fracasso escolar e ao fascínio do tráfico -
poder, dinheiro - a ingressar no chamado
movimento. Sendo diferente, a favela também condicionaria o
comportamento de seus moradores: à diferença na favela
corresponderia uma diferença da favela. Os fenômenos sociais
ali acontecendo apresentariam teor e coloração distintos que
lhes seriam particulares. Uma versão nova do meio
condicionando o homem?
O segundo "dogma"
corresponde à idéia amplamente compartilhada da favela
enquanto o locus da pobreza. Espaço "número
um", território da cidade por excelência
onde residem os pobres. A idéia de um espaço que lhes
seria próprio vem de longe, desde que os cortiços da Avenida
Central, postos abaixo pelo prefeito Pereira Passos, forçaram
a população pobre a subir os morros dando início ao processo
de favelização. A lenda aponta o Morro da Favela, ocupado por
ex-combatentes da guerra de Canudos em 1897, como origem desse
nome que acabou passando de próprio a substantivo. A partir
dos anos 20, com o crescimento desmedido da cidade do Rio de
Janeiro as ocupações se multiplicaram, assim como se
multiplicaram as tentativas de acabar com as favelas e
conseqüentemente... com os pobres. Sob a inspiração dos meios
acadêmicos, a favela começou a ser defendida como solução de
moradia barata e plausível, gratuita como convém a quem tem
renda irregular ou simplesmente não tem renda e não pode pagar
aluguel. À medida que passou a reunir uma proporção cada vez
maior de quem não tinha acesso ao mercado imobiliário regular,
não tinha acesso à cidade legal, acabou adquirindo a categoria
de enclave. Enclave abandonado pelos poderes públicos,
entregue à própria sorte, território da partição, pobre,
marcado intramuros por leis próprias, por códigos próprios,
símbolo mesmo da segregação sócio-espacial, imagem muito bem
sintetizada no livro Cidade Partida do
jornalista Zuenir Ventura.
Elegendo a favela como local privilegiado para realizar suas
pesquisas ou dissertações, a academia, por sua vez, dá fortes
sinais de que partilha da crença nesse "dogma". Aluno
ou pesquisador interessado nos temas da pobreza ou das
desigualdades sociais não pensa duas vezes, e vai para a
favela atrás da empiria. O pressuposto inconteste da favela
enquanto área de moradia dos pobres, espaço popular, tem
levado à utilização cada vez maior da favela como "campo" para
o estudo de todos os fenômenos associados à pobreza e ao
universo popular: religião, saúde, política, associativismo,
setor informal, mulher, criança, juventude, escola, violência
etc.
Enquanto território da pobreza a favela passou a simbolizar o
território dos problemas sociais, numa associação do espaço
físico ao tecido social, que assim passa a ser precário
também. Sem normas ou, melhor dizendo, com outras normas, a
sociedade local além de diferente
é também qualificada como
problemática. Sobre isso não faltam evidências quanto à
marginalidade em geral e ao fascínio do tráfico em particular.
A denominação de favelado, originalmente qualificativo de
lugar geográfico, passou a representar também um lugar social
na pobreza, e morar na favela é sinônimo não apenas de ser
pobre e pertencer ao mundo popular, mas também ao mundo dos
problemas. Com a crescente difusão da idéia de favela como
enclave ou "guetto",
como espaço social territorializado, parece reafirmada a idéia
da pobreza que gera pobreza e da pobreza que gera problemas.
Um circulo vicioso que estigmatiza?
O terceiro "dogma"
se refere tanto ao tratamento analítico quanto político da
favela enquanto unidade. Sobre a favela se fala, se
escreve e sobretudo se age e pensa no singular. Muito embora
todos reconheçam estar diante de uma realidade vária -
diversas partes populacionais, antigas e recentes,
consolidadas e precárias, de morro e do plano, do Centro, da
Zona Sul, Zona Norte, Zona Oeste ou periferia - o hábito
nos leva a transformar um universo plural em categoria única.
Nós mesmos, até agora, neste texto,
falamos da favela nos reportando ao universo das favelas.
Uma das implicações do tratamento da favela no singular deve
ser ressaltada. O parâmetro de referência para pensar sobre
ela passa a ser aquele da homogeneidade e não o da
diversidade, tornando secundárias as diferenças internas desse
universo. Desse modo a linguagem oral, escrita, visual,
utilizada pelos atores mais variados acaba sendo aquela que
trata o universo das favelas como um universo homogêneo onde
as dessemelhanças praticamente não teriam vez. O apelo
sistemático a um "tipo ideal", ou a um arquétipo, é a melhor
expressão desse tipo de retórica em que a favela se torna
sinônimo de morro, de área de ocupação irregular, de zona
ilegal, de espaço da precariedade dos serviços e equipamentos
urbanos, de lugar onde estão concentrados os pobres urbanos.
Unificando sob uma mesma denominação genérica situações muito
diferentes frente às características tanto dos espaços, quanto
de suas populações.
O PORQUÊ DOS DOGMAS
Em dois trabalhos anteriores em co-autoria com Edmond
Preteceille (A desigualdade entre os pobres: favela, favelas,
IPEA, 1999; e Favelas no Plural, ANPOCS, 1999) a partir de
dados do Questionário 1 do Censo de 1991, mostramos que,
contrariamente à visão dominante, hoje existem fortes sinais
da heterogeneidade física, espacial e social das favelas sendo
quase impossível, e até mesmo incorreto, tratar a favela como
uma categoria única e distinta. Trabalhando com o conjunto dos
10.542 setores censitários correspondentes à Região
Metropolitana do Rio de Janeiro, isolamos aqueles que o IBGE
considerou como de favelas em um total de 1.291 setores (12%
do total) para poder compará-los aos setores censitários que
não correspondiam às favelas mas sim ao restante da metrópole.
Construímos tipologias referentes às condições de urbanização
dos domicílios (grau de acesso aos serviços de água, esgoto,
lixo), condição de ocupação dos domicílios (propriedade ou não
da construção e/ou do terreno), e nível educacional e nível de
renda dos chefes dos domicílios. Comparando os setores
censitários de favela e não-favela, verificamos que aqueles
que correspondem às favelas se distribuem em cada uma das três
tipologias por praticamente todos os tipos - exceto os
superiores - o que indica uma diversidade entre os
setores de favela tanto no que se refere às condições de
urbanização, quanto de ocupação do domicílio, quanto ao nível
de educação e renda do chefe. O resultado é que não apenas a
suposta homogeneidade das favelas cariocas foi contestada. Mas
também a comparação dos setores onde existem favelas com
aqueles onde elas não existem revelou que os setores de favela
não são necessariamente os piores equipados da metrópole, os
únicos onde aparece a "propriedade só da construção", ou
aqueles onde residem a grande maioria dos chefes de domicílio
mais pobres e com nível educacional mais baixo.
Muito embora nosso trabalho tenha apenas se pautado em
alguns indicadores do Censo, ele sugere uma grande diversidade
dentro de um mesmo universo. Aponta, por outro lado,
para um must metodológico: a necessidade
de comparar sempre as áreas de favela com as demais
áreas da cidade, ou seja, com o restante do território
urbanizado. Somente através desse procedimento temos condições
para discutir a especificidade ou não desses espaços.
No presente artigo queremos responder a uma outra pergunta.
Como explicar a persistência dos "dogmas"? Afinal de contas
por que existe interesse em que eles perdurem? E até que ponto
sua permanência no imaginário coletivo e social reverte em
benefícios para as favelas e suas populações?
Ao longo da história das favelas cariocas três grupos de
atores sociais têm tido papel de destaque: o governo, as
associações de moradores e, na década de 90, as ONGs. A defesa
da especificidade da favela, de sua concepção enquanto
território por excelência onde residem os pobres e do seu
tratamento enquanto universo homogêneo tem interessado, por
razões diferentes, a esses três grupos.
Comecemos pelas políticas públicas, lembrando que elas
sempre sustentaram a especificidade do universo das favelas.
Propostas muito diversas e até mesmo opostas como a remoção e
a urbanização, partiram do pressuposto de que essas áreas -
ilegais, irregulares e subequipadas - deveriam receber
tratamento especial. Caso contrário,
como justificar uma política para a favela?
Como justificar a parafernália de instrumentos e procedimentos
técnicos, a legislação especializada, as medidas e "soluções"
alternativas que em diferentes momentos foram sendo
concebidos por distintos órgãos públicos? Arriscaríamos
responder que, para justificar a política pública, é
necessário defender a especificidade da favela.
Quando se trata de políticas operando em larga escala,
trabalhar com a unidade - "a" favela - também tem se
mostrado muito mais "lógico", "adequado" ou "eficaz". Normas
gerais, critérios comuns, definições básicas, parecem
necessários para garantir uma operacionalização eficiente,
qualquer que seja o tipo de programa implementado. Muito
embora as diferenças entre favelas e dentro delas existam -
e o poder público sabe muito bem disto - para as
políticas e os programas especiais é sempre mais simples que o
alvo seja definido como uniforme, e não heterogêneo. A
operacionalização de qualquer política ou medida fica
simplificada quando se dirige para "a" favela, para um tipo
único de espaço que corresponderia a um tipo único de
realidade social.
Por conseguinte, o público-alvo também é visto e entendido
como único, com as diferenças zeradas, e as características
gerais e dominantes salientadas. Não se trata apenas de uma
população igualada por residir na favela mas por ser toda ela
constituída de pessoas de baixa renda.
Uns e outros podem se inserir de forma diferenciada no
mercado de trabalho, dispor de renda irregular ou fixa, baixa
ou até mesmo bastante elevada morar de aluguel ou ser
proprietário de uma ou várias moradias, não saber ler nem
escrever, ter o secundário completo ou ser doutor. Serão
sempre referidos como os pobres. Para fins políticos e
operacionais o que vale é ressaltar o grupo
enquanto categoria una, enquanto
um todo.
Mas não é só a política pública que, para se justificar e
tirar proveito político, necessita continuar defendendo o
discurso da especificidade da favela e da homogeneidade da
pobreza. As associações de moradores, apesar de uma história
de atuação diversificada ao longo do tempo, ora em oposição
ora cooptadas pelo governo, também batem na mesma tecla. Hoje
em dia é pelo termo comunidade, que as lideranças se referem
ao conjunto que representam. Esta noção, utilizada como
substituto do termo favela, considerado pejorativo, escamoteia
as diferenças e os conflitos presentes seja no universo das
favelas, seja no interior dos seus espaços, seja entre seus
moradores. Além de supor uma idéia de união, nem sempre
aparente na história dessas associações
e de seus respectivos territórios, a noção de
comunidade esconde uma grande diversidade de situações sociais
e de interesses, presentes no interior de uma estrutura que
tende mais para atomística do que para comunitária.
Vale lembrar que na tradição carioca ajudar o pobre sempre deu
voto, e que as associações de moradores sempre tiveram parte
ativa nesse jogo. A política na favela tanto tem um pé na
tradição clientelista da bica d'água, em que votos são
trocados por recursos pessoais ou
destinados à unidade de vizinhança, quanto nos programas mais
modernos e contemporâneos como o Favela-Bairro que atende à
reivindicação do direito de morar nas favelas. As associações
de moradores tratam assim de reafirmar a idéia de que
os espaços que representam são específicos, marcados por uma
precariedade que vai desde a situação
jurídica do terreno até o equipamento urbano e a qualidade
dos serviços públicos.
Se quiserem continuar carreando ajuda e
recebendo apoio de que sem dúvida necessitam, as associações
precisam insistir nesse discurso da "comunidade carente". As
favelas sempre carecem de tudo. Inacabadas, incompletas,
espaços em construção, dependem da ajuda dos outros e dos
órgãos do Estado, aos quais têm que necessariamente recorrer.
Sozinhas não resolverão seus problemas, deixadas à própria
sorte jamais conseguirão resolver suas carências e pendências.
Será que o aspecto geral de uma paisagem precária e insólita
não corrobora uma imagem que interessa manter?
As ONGs também se constituem como um outro ator social que
defende e sustenta diante do imaginário
coletivo o mesmo tipo de representação da favela. Mais
próximas dos pobres do que qualquer outro agente social, com
sedes ou filiais funcionando nas próprias
favelas, partilham do mesmo tipo de
discurso das associações de moradores insistindo na
"comunidade", na idéia de união, de solidariedade e de coesão.
Essas organizações têm clientelas específicas -
entre outros, mulheres, crianças, jovens
e negros - mas a insistência é sobre os despossuídos, os
excluídos, as vítimas da violência etc., todos segmentos de
uma pobreza uniformizada por um
discurso de tendência globalizante que acaba opondo os
"pobres" ao resto. Muito embora constituindo um conjunto
heterogêneo, já que não são todas
filiadas à mesma crença nem à mesma ideologia, insistem todas
na pobreza como forma de justificar sua própria existência. No
caso das organizações estrangeiras, sobretudo dos países
europeus que querem ajudar o "Terceiro
Mundo", a ênfase no miserabilismo
é central para continuar garantindo o fluxo de recursos
necessários à continuidade da atuação da ONG no Brasil e mais
especificamente no Rio de Janeiro. À medida que representam a
sociedade civil que se mostra engajada e tecem alianças com
segmentos do setor público, elas sem
dúvida alguma prestam um valioso
serviço às "comunidades carentes". Não temos aqui a intenção
de negligenciar seu papel e contribuição, muito pelo
contrário, queremos
apenas chamar a atenção para o fato de as ONGs reforçarem esta
visão da favela enquanto locus da pobreza e enquanto espaço
social dotado de grande especificidade.
À GUISA DE CONCLUSÃO:
FAVELAS NO PLURAL
Toda regra tem exceção e não são todos, absolutamente todos,
que defendem os "dogmas" aqui
enunciados. Queremos deixar bem
claro a nossa preocupação maior
com a força de um consenso que
cada vez mais se propaga
através da mídia, notadamente as telas de
cinema e tevê. Até onde esse
consenso nos ajudaria a compreender a
pobreza em sua dinâmica e
relação com a estrutura social? Tais imagens, além de
pragmáticas, não corresponderiam à visão simplista
de uma realidade muito mais complexa?
A ênfase na "especificidade" e na "diferença" acabou por se
transformar em uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo em que
deu destaque e chamou a atenção
para as favelas, colocando-as em evidência, fez com que
parecessem mais pobres do que qualquer outro
espaço pobre da cidade,
ofuscando outras áreas urbanas tão ou mais
carentes, igualmente
necessitadas de apoio e investimentos públicos, de programas
"especiais" como, por exemplo, os loteamento irregulares ou
certas áreas centrais decadentes. Concentrando e focalizando
sobre si mais políticas, programas e iniciativas do que
quaisquer outras zonas, as
favelas não apenas se tornaram pólos de
atenção como pólos de atração.
Segundo o Instituto Pereira Passos,
antigo IPLAN-RIO, em abril de
1999, haviam 604 favelas cadastradas no município, enquanto os
loteamentos irregulares e clandestinos eram 783 e os conjuntos
habitacionais populares 508. Os dois
últimos espaços populares
juntos somam muito mais do que o total
de favelas existente no
município do Rio de Janeiro. No entanto, tudo que é
estudado, promovido e filmado sobre a pobreza, está nas
favelas. Exceção feita ao conjunto habitacional Cidade de
Deus, reiteradamente pesquisado e filmado, mas que reina
sozinho entre mais de 500 unidades que é suposto representar!
A escolha da favela, enquanto prioridade, conferiu-lhe uma
posição que só se sustenta a partir de um ponto de vista
político e simbólico. De um ponto de vista sociológico, quando
a favela é comparada aos demais espaços da cidade, sobretudo
às outras áreas também carentes além de pouco e/ou mal
equipadas, desaparecem os sinais de distinção. Na
academia e no jornalismo ocorre uma grande mistura entre
aquilo que acontece na favela e
aquilo que pertence à favela, em uma operação truncada que
distingue mal o que lhe é específico como fenômeno ou processo
social, e o que se passa na favela mas também se passa
alhures. Como a prática tem sido
recortar a favela, fazendo um zoom, situações consideradas
específicas certamente não o
seriam em se tratando de uma panorâmica. Concluir sobre a
especificidade de um caso implica
necessariamente adotar uma perspectiva comparativa e
holística.
A idéia da unidade - "a favela" - só faz sentido quando
ela é entendida como símbolo de pobreza. Vista como uniforme,
homogênea, ela esconde uma dupla diversidade, primeiramente as
enormes diferenças presentes no universo das 604 favelas, e em
seguida as diferenças substanciais presentes no interior de
inúmeras favelas, sobretudo as mais populosas ou resultantes
de sucessivos e diversos processos de ocupação.
Não reconhecer hoje as diferenças cada vez mais importantes em
áreas que juntas reúnem mais de um milhão de habitantes,
representando enormes e modernos mercados de consumo
corresponde, de fato, a querer negar processos econômicos e
sociais que apontam as favelas como parte integrante de um
mundo igualmente capitalista, entrecortado pelas mesmas
globalização e desigualdades. Insistimos que as favelas são
áreas pobres, mas não são as únicas áreas pobres da cidade
pois é inquestionável a existência de pobreza fora das
favelas. Tampouco são, necessariamente, mais pobres do que
todos os outros bairros, pois existem áreas onde a
concentração dos muito pobres é maior do que nas favelas e
onde a presença de equipamento urbano é menor. Ainda é bom
lembrar que as favelas não mais reúnem, exclusivamente, uma
população pobre nem os mais pobres entre os pobres, os
sem-teto. Segmentos médios e algumas vezes até mesmo altos,
podem ser ali encontrados, apontando uma estrutura social onde
já podemos identificar fortes sinais de segmentação e
mobilidade social.
Reduzir as favelas à pobreza nos parece uma afirmação
indevida. Falar da favela como a outra metade da cidade é cair
em uma visão dualista, é desconhecer a cidade como uma, e as
diversas partes da engrenagem urbana como interdependentes e
indissociáveis, remetendo a um todo que,
embora desigual, é, indubitavelmente, uma totalidade. |
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TÓPICO 9
Lugar para
morar |
Jornal O
Globo, Opinião, terça-feira, 2 de maio de 2000
O déficit
habitacional no Brasil é hoje estimado em pouco mais de cinco
milhões de domicílios. O Governo tem um programa para a
construção de dois milhões de novas habitações até 2002 que,
se for cumprido, será o mais importante passo em direção à
eliminação total deste que é um dos mais graves problemas
sociais do país.
Para que
sejam construídas habitações na escala de milhões em tempo tão
curto não bastam os planos tradicionais. Os mecanismos de
mercado têm de ser acionados para se adequarem às condições
das famílias de renda baixa. Neste sentido, está indo bem o
PAR (Programa de Arrendamento Residencial), destinado a
famílias com renda de até seis salários-mínimos. Para dar
resultado, o PAR exige empenho das prefeituras e espírito
empreendedor de construtoras.
O preço
unitário de cada habitação no PAR não pode ultrapassar R$ 20
mil. Assim, as prefeituras geralmente entram com parte do
custo dos terrenos ou da infraestrutura de urbanização. As
construtoras fazem as casas e/ou apartamentos e têm um lucro
referente à obra, já que os candidatos às casas são
cadastrados diretamente pelas prefeituras, e não há despesas
de venda. O financiamento é concedido pela Caixa Econômica
Federal.
As
famílias que em breve se mudarão para as primeiras casas
construídas por meio desse sistema reduzirão pela metade seus
gastos com habitação.
O Rio de Janeiro é o
estado onde está sendo construído o maior número de habitações
através do PAR.
A construção civil é o
segmento da indústria que mais empregos pode gerar a curto
prazo. As habitações financiadas pelo PAR são edificadas em
áreas com oferta de mão-de-obra. Assim, o programa atinge
vários objetivos, pois acaba gerando também emprego e renda
direta e indiretamente para as famílias que têm poucos
recursos e precisam de uma casa. Como os empreendimentos não
são necessariamente gigantescos, firmas de pequeno e médio
portes podem se habilitar a construir as residências.
Se essa experiência se
multiplicar, de fato será possível alcançar a meta de dois
milhões de novas habitações até 2002. |
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TÓPICO 10
O Nó da
Questão |
Jornal do
Brasil, Opinião, quinta-feira, 18 de maio de 2000
Depois de Santa Teresa e Copacabana, tumultos em favela
Laranjeiras. A insegurança, com foco nas favelas, tomou-se
crônica. Armamentos pesados, trazidos pelos traficantes,
anulam a ação policial que no entanto deveria ser permanente,
com base sólida, e não temporária, corno se exerce hoje em
dia. É evidente que a falta de ocupação policial das favelas é
a grande falha do sistema de segurança.
Estourado algum conflito, em ritmo cada vez mais amiudado,a
polícia dá combate e depois se retira, deixando atrás de si um
vácuo que toma a ser preenchido pelas quadrilhas. A
favelização bate sempre seus próprios recordes. Da noite para
o dia surgem novas favelas, como cogumelos. De 500 elas
saltaram para mais de 600, considerando apenas informações
oficiais, sem falar das favelas que brotam das próprias
favelas, nem minifavelas que avançam por baixo dos viadutos ou
se aboletam nas margens dos rios. Dos 180 morros cariocas, 68
já foram devastados pela ocupação irregular que abate a
vegetação e permite que a água das chuvas escorra mais
facilmente para a planície, com seu cortejo de lixo e lama, a
entupir bueiros e a destruir calçamentos.
A inversão de valores se origina daí. Com a polícia ausente,
os traficantes seguem suas trilhas de morro para morro,
atualmente imersos em guerra por controle de territórios. No
restam-, te da cidade, as famílias se trancam em suas casas
enquanto os traficantes andam à vontade nas ruas. Depois de
certa hora, à noite, não se sai mais de casa. O crescimento
das favelas causa perturbação urbana incalculável,
transformando em incomodados os cidadãos das regiões
circunvizinhas, acossados pela violência dos marginais e a
indiferença das autoridades. Tudo se enquadra em equação fatal
para o Rio: não há plano para as favelas e as tentativas
tímidas feitas nos últimos anos, tipo Favela Bairro, apenas
sublinham a impotência de conter o crescimento desvairado
delas, de uma forma que as maiores convergem para uma fusão
monumental.
Nelas ocorre até cacoete de especulação imobiliária,
provocando o extravasamento de favelados mais desfavorecidos
para outros locais, reiniciando-se assim o ciclo da
favelização contínua. Mesmo os urbanistas sensíveis à condição
existencial das favelas concordam que elas devem ser limitadas
em seu crescimento, para que o poder público enfim garanta os
serviços básicos. Do ponto de vista urbano, o rolo compressor
das favelas se expandindo em todos os bairros é a antevisão da
anarquia em seu estágio mais explosivo.
O verdadeiro nó da questão é: ou o Rio se reurbaniza e se
policia ou caí na decadência. O tráfico de drogas percebeu há
muito que poderia tirar proveito dessa ambigüidade e. dominou
as favelas com mão de ferro. Exemplo dessa ocupação está na
Linha Vermelha - 21 quilômetros de rodovia cercados de ambos
os lados por 10 favelas, entre elas a Nova Holanda e o
Complexo da Maré, controladas pelos traficantes.
No início dos anos 90 o professor Mário Henrique Simonsen
expressou a convicção de que "a crise econômica e social do
Rio é caso de polícia; quando a polícia cumprir sua obrigação,
a economia voltará a funcionar" . O diagnóstico continua
atual. |
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TÓPICO 11
Hanôver |
Jornal do Brasil,
quinta-feira, 1º de junho de 2000
Fritz Utzeri
Os alemães passaram meses paparicando os americanos e para que
participassem da Feira de Hanôver. Reservaram-lhes o melhor
terreno e o pavilhão americano, com cerca de 30 mil metros
quadrados, seria monumental, todo construído em madeira. Custo
da empreitada? US$38 milhões. Barato, se comparado à nossa
participação, sem qualquer construção, sem licitação, por
"notória especialização , e que custou US$ 10 milhões, num
momento em que o governo anuncia austeridade e corta programas
sociais.
Mais uma
vez, vamos mostrar ao mundo nossa pujança, e que somos - nas
palavras do primeiro-filho, Paulo Henrique Cardoso - "um país
biodiversificado, tecnodiversificado e cultidiversificado .
Num trecho de longo artigo, publicado. ontem no JB, PH diz: "É
dever do Estado garantir a toda a população, água potável,
saneamento básico, ar limpo, habitação condizente com a
dignidade humana, lazer, educação, emprego, etc . Ouviram?
Garantir emprego é DEVER DO ESTADO. LSN nele Malan!
Os Estados
Unidos que, como todos sabem, são um país sem qualquer visão,
chegaram à conclusão de que não valia a pena ir à feira. O
Congresso americano, depois do prejuízo da exposição
internacional de Sevilha, em 1992, resolveu que os Estados
Unidos não participam mais de exposições internacionais com
dinheiro público. Estranho país os EUA, onde o Congresso se
preocupa com essas ninharias...
O Executivo americano (lá
se diz administração Clinton), não conseguiu convencer os
parlamentares e decidiu-se que se os EUA quisessem ir a
Hanôver, a conta teria que ser paga pela iniciativa privada e
os empresários, por sua vez, concluíram que não valia a pena.
Nós, os ricos, gastamos US$ 10 milhões para mostrar nossa
biodiversidade a alemães e europeus. Se aplicássemos o
dinheiro em programas de educação ambiental nas escolas daqui
mesmo, atingiríamos milhões de crianças brasileiras e
prestaríamos um serviço muito melhor à causa da ecologia e do
desenvolvimento sustentável do que apostar numa feira que já
se anuncia como um fracasso. |
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TÓPICO 12
Novas
tentativas |
Jornal O Globo, Caderno
Rio, quarta-feira, 31 de maio de 2000
OPINIÃO
PODE-SE
TENTAR de diferentes maneiras a integração de uma favela ao
resto da cidade. O conjunto Pavão-Pavãozinho,Cantagalo conhece
praticamente todas as que não deram certo.
NO GOVERNO
Brizola, anunciou-se como obra redentora o plano inclinado
construído no Cantagalo. Desacompanhado de outras medidas no
plano social, o plano Inclinado se revelou apenas um meio de
transporte - mas não uma forma de aproximação social.
OUTRAS INICIATIVAS, desde creches comunitárias amparadas pelo
empresariado a bolsas de emprego, frustraram-se pela falta de
persistência. Não faltaram também, nos últimos anos, incursões
e ocupações pela Polícia Militar. Até hoje, no entanto, o
tráfico de drogas não perdeu sua força no conjunto de favelas.
AGORA, O
Governo Garotinho faz a sua investida. Ela inclui, no universo
social, cursos oferecidos em centros comunitários e
iniciativas como o Mutirão pela Paz (banco de empregos, bolsas
para estudantes trabalharem como agentes comunitários,
atendimento jurídico).
A
EXPERIÊNCIA marginal - e impecável na intenção será a estréia
do Batalhão de Áreas Especiais da PM, que está sendo treinado
para agir em duas frentes: a defesa da população e o combate
ao traficante. Certamente não é impossível conciliar os dois
objetivos; com alguma simplificação, pode-se dizer que quase
tudo dependerá da relação entre tiros certeiros e balas
perdidas. |
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Topo TÓPICO 13
TEMA EM
DEBATE - Favela-Bairro |
Jornal O
Globo, Opinião, terça-feira, 6 de julho de 2000
Já
indispensável
FRANCIS BOGOSSIAN
"O
ambiente está saneado, há praças com crianças brincando"
Quando se lançou a idéia.
de urbanizar as favelas da cidade do Rio de Janeiro para
transformá-las em bairros, pensou-se que era mais um daqueles
projetos que não sairiam das pranchetas. Era um sonho de
arquitetos e sociólogos que a engenharia considerava em
princípio inviável, não apenas em face das dificuldades
executivas como pelos custos delas decorrentes.
Isso sem
falar nas questões políticas e fundiárias. Era a aceitação de
se legalizar as invasões, na maioria, de morros e áreas
de mangue, e a antítese da solução lacerdista de remoção dos
favelados para sítios afastados dos centros urbanos da cidade.
Um ponto,
porém, era incontestável: o gigantismo que já haviam assumido
muitas dessas ocupações ilegais elevava a índices astronômicos
os custos materiais e sociais de uma erradicação.
Também não
era mais possível a convivência do Rio urbanizado com os
desconfortos e riscos sanitários dos esgotos a céu aberto, da
água racionada, transportada e armazenada sem qualquer
higiene, da falta de coleta de lixo, dos "gatos de toda a
sorte para se dispor de energia nas habitações.
As favelas já não eram
mais poéticas como nas canções de Ari Barroso, Orestes
Barbosa, Herivelto Martins, dentre outros. Já não havia mais
barracos de tábuas ou de pau-a-pique e telhados de zinco
furados, com a lua salpicando estrelas pelo chão.
Eram, sim,
habitações simples, com estrutura de concreto armado,
alvenaria e telhados convencionais, esquadrias de madeira ou
alumínio, porém construídas ilegalmente e longe das posturas,
através dos mutirões familiares e comunitários. Cada casa
já há muitos anos representa um patrimônio cuja construção
seguramente consumiu trabalho, dinheiro e muito suor de cada
núcleo.
A despeito da
insalubridade e falta de conforto, o acesso ao mercado de
trabalho facilitado pela proximidade do coração da cidade é
trunfo considerável para uma população que, além de não poder
pagar aluguel, não dispõe de recursos para se transportar ao
local do emprego.
Há muitos
anos as favelas são realidades tão absolutas quanto
insofismáveis. Nas comunidades estabelecidas com atividades
comerciais instaladas, os problemas de água, de esgotos, de
iluminação pública, com carência de creches e áreas de lazer,
bem como de estruturas viárias, já estavam beirando o caos.
Sem acessos para coleta de lixo, assistência médica e
bombeiros e também para a polícia, as favelas se tornaram o
abrigo de focos da marginalidade e o lugar ideal para se
estabelecerem as chamadas fortalezas do tráfico de drogas.
As
intervenções de engenharia nas favelas localizadas nas
encostas dos morros, através de obras de contenção,
primeiramente como ação corretiva dos muitos acidentes e
posteriormente como ações preventivas nas áreas com potencial
de risco, foram uma primeira melhoria que atingia pontos
localizados mas nem de longe pretendia enfocar os aspectos
habitacionais e urbanísticos de cada favela como um todo.
O sucesso,
hoje em nível internacional, do projeto Favela Bairro deve ser
creditado à coragem dos que o conceberam e acreditaram
possível sua Implantação.
Como
presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de
Janeiro, tenho tido oportunidade de conhecer projetos e
visitar obras já concluídas ou em adiantada fase de execução.
Quem
conheceu qualquer favela antes e depois das intervenções do
Favela Bairro, mesmo com todas as limitações geográficas, pode
aquilatar a importância do projeto. O ambiente hoje está
saneado, há praças com crianças brincando e dotadas de um
mobiliário urbano sem luxo, mas adequado. Não há mais cheiro
de lixo ou de esgotos, as vias estão convenientemente
pavimentadas e drenadas, as creches e as associações de
moradores são ativas, o comércio foi melhorado nos níveis do
novo ambiente, enfim são bairros simples e pobres, mas
dignos.
Quem
poderia hoje imaginar o Rio sem o Parque do Flamengo sem
os túneis Santa Bárbara r Rebouças, sem a Auto-estrada
Lagoa-Barra, sem o alargamento e urbanização da Av. Atlântica,
sem o Metrô, sem a Linha Vermelha, sem a Linha Amarela,
sem os Rio-Cidades, etc...etc...? Com toda a tranqüilidade eu
acrescentaria, nesse rol os Favela Bairros. E, desafio os
incrédulos a visitarem os que já estão entregues às
comunidades.
__________________________________________________________________________________
FRANCIS BOGOSSIAN é presidente da Associação de Empresas de
Engenharia do Rio de Janeiro.
Uma
unanimidade?
EDUARDO DANTAS
"A
integração da favela pode acarretar erros estratégicos"
Ao ler o artigo do
arquiteto Paulo Casé - "Finalmente, uma unanimidade - senti
impulso imediato de levantar-me da cadeira para manifestar
outra opinião, menos pela condução do projeto e seus reflexos
para os favelados, que são muito positivos, mais pelo tom
excessivamente vitorioso que a pretensa unanimide possa
conceber.
O caminho
da integração da favela à cidade formal pode, à luz da
unanimidade, acarretar erros estratégicos, visto que existem
outras soluções que não podem ser desprezadas.
Olho para
o Parque da Catacumba, que com toda a sua beleza transforma
aquela região da Lagoa em um dos metros quadrados caros da
cidade, gerando um belíssimo cartão-postal para ser visto por
todo o mundo, trazendo riqueza para nossa cidade, que pode e
deve ser distribuída para os cariocas, em especial os
subcidadãos, e penso que, felizmente, a Catacumba hoje não
precisa de Favela-Bairro. Mas, e se a favela ainda estivesse
lá?
Com toda a
mortandade de peixes, é inegável que muitos turistas vêm ao
Brasil, porque o Rio de Janeiro é sua porta de entrada, para
ver a Lagoa Rodrigo de Freitas em festa, e o turismo é, sem
dúvida nenhuma, nossa maior vocação natural. Mas, e se a
favela ainda estivesse lá?
Com todos
os cocôs do mar poluído de Copacabana, os turistas em peso a
visitam, porque 70% da rede hoteleira da cidade estão lá. Mas,
e se as favelas não estivessem lá? E se as pessoas do
Cantagalo e do Pavão-Pavãozínbo tivessem a oportunidade de se
integrar à sociedade formal de forma imediata e não gradual? E
se elas pudessem escolher onde morar, com os recursos que
receberiam pela venda do solo que ocupam pelo valor que o
mesmo teria se estivesse "limpo"? E se elas pudessem de um dia
para o outro desfrutar da liberdade das leis da sociedade, com
direitos e obrigações que a lei da droga não pode conceder?
Há muito a
se ganhar com a erradicação daquelas favelas, se considerarmos
o mundo do valor, o mundo da qualidade de vida, o mundo das
oportunidades.
Por tudo
isso é que me sinto inquieto, pela perspectiva de que o
programa Favela-Bairro, cujo valor é inquestionável, merecendo
nosso total apoio para continuidade, venha a produzir o
conforto da missão cumprida, pois não "redime os discursos por
justiça social, e não "repara a enunciação de conceitos de
difícil comprovação", limitando-se a traduzir ações concretas
e visíveis que arquitetura pode produzir para saciar as
necessidades básicas infra-estrutura que as pessoas favela têm
que ter atendidas.
Espero,
honestamente, que somatório de erros que nossa elite vem
cometendo possa resultar, por outro lado, na maturada vontade
política de produzir programa ainda melhor do que o
Favela-Bairro, envolvendo a cidade como um todo:
O programa
Subcidadão-Cidadão.
__________________________________________________________________________________
EDUARDO DANTAS é engenheiro, compositor e professor de
matemática financeira. |
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TÓPICO 14
Outras
respostas |
Jornal O
Globo, Opinião, terça-feira, 13 de junho 2000
Fora de
Duque de Caxias, a Favela Beira-Mar praticamente só é
conhecida pela associação com o nome de guerra do traficante
Fernandinho Beira-Mar, que iniciou lá a sua caminhada para a
má fama.
Mas essa
comunidade de quatro mil moradores pode dentro de pouco tempo
tornar-se notável mais do que notória. No próximo dia 18, ela
decidirá em plebiscito se aceita uma proposta do prefeito Zito
dos Santos para mudar de endereço.
A
Prefeitura se propõe a construir casas de dois e três quartos
em ponto próximo do município para abrigar todos os moradores.
Aceito o plano e prontas as novas casas, a atual Favela
Beira-Mar será demolida. Do ponto de vista da segurança
pública, a idéia tem a considerável vantagem de destruir a
base logística do traficante (que também perderá os 50 imóveis
de que é proprietário na atual Beira- Mar). Mas a grande
importância está na questão social. Ao depender da vontade dos
moradores, a idéia da remoção deixa de ter os aspectos
antipáticos, mesmo cruéis, a que sempre foi associada. E passa
a ser alternativa legitima para a urbanização, desde que vá
além da casa nova: é indispensável a infra-estrura de serviços
públicos e apoio que impeça a favelização do conjunto e a
invasão por traficantes.
O êxito do
projeto Favela-Bairro é internacionalmente proclamado. Não
fosse isso verdade - e como, em política, o fracasso é órfão -
sua paternidade não estaria sendo arduamente disputada por
candidatos nas próximas eleições. Mas salta aos olhos que não
pode ser uma solução universal.. Cada favela tem seu perfil
social, suas dimensões, suas características topográficas. É
simplesmente ilógico que uma única solução sirva para todas.
Só precisará ser único, na verdade, o objetivo final: moradia
decente, com todos os benefícios da cidadania plena ao alcance
da comunidade, que terá, entre outros, o direito de se sentir
a salvo da tutela de bandidos ou demagogos.
O que se fizer bem-feito
em relação à favela nunca será, por definição, agressivo em
relação ao resto da cidade. Com outras palavras, boa parte
desses argumentos está em artigo do engenheiro Eduardo Dantas,
na página 7 do GLOBO de terça-feira passada. Ele fala do
encanto do carioca e do turista pela Lagoa Rodrigo de Freitas
e deixa no ar pergunta de difícil resposta: seria assim, se a
Catacumba ainda estivesse lá? A consciência social de hoje não
admitiria a remoção forçada dos favelados (com a possível
exceção das situações de sério risco de vida). Mas o que
estaria errado com a solução que está sendo oferecida aos
moradores da Beira-Mar?
O desafio
proposto pela diversidade das favelas cariocas tem uma de suas
respostas no Favela-Bairro, com sua admirável combinação de
soluções urbanísticas e sociais. É esse o padrão: igualmente
admiráveis têm de ser as outras respostas, como se espera que
seja o caso do projeto apresentado em Caxias. |
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TÓPICO 15
Relatório
do BIRD |
Retirado do site:
http://www.insidebrasil.com.br/b_mundial1.htm
INSIDEBRASIL - Revista de
Informação - EDIÇÃO ONLINE
O
relatório do Banco Mundial - Parte 1
Uma análise de conjuntura
do Brasil e América Latina com projeções para até 2003
O documento do Banco
Mundial "Perspectivas para Crescimento e Redução da Pobreza
nos Países em Desenvolvimento - 2000" faz diagnósticos e
projeções sobre a realidade global. A população mundial em
estado de miséria - sobrevive com menos de US$ 1 per capita
por dia - é de 1,5 bilhão. O Bird considera que o aumento da
miséria no mundo é decorrência da crise econômica na Ásia .
Pacotes internacionais de ajuda financeira para os países
asiáticos impuseram medidas recessivas que acabaram atingindo
duramente as camadas mais baixas da população. "Hoje, os
países que ainda recentemente acreditavam estar ganhando a
luta contra a pobreza estão testemunhando a reemergência da
miséria, com a fome e o sofrimento humano", comenta o
presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn.
No Leste Asiático, a
Indonésia, Tailândia e Coréia do Sul estão sofrendo "aumentos
significativos da pobreza". Há também uma tendência acentuada
para declínios do crescimento e aumento da pobreza na Rússia,
Ucrânia e Romênia, e também no Oriente Médio, Norte da África
e América Latina.
As crises econômicas da
Ásia e da Rússia tiveram um impacto no Brasil. Se entre 1994 e
1996, a pobreza diminuiu 30% no Brasil esse resultado foi
desfeito em um terço em seguida. O relatório do Bird mostra
que "um terço dos ganhos obtidos com o Plano Real, no que diz
respeito à redução de pobreza, foram perdidos" a partir da
crise financeira internacional. E o Brasil foi atingido pela
crise em janeiro de 1999 em decorrência, em parte, de seu
desequilíbrio fiscal. O atraso na realização das reformas
poderá tierar o fôlego da recuperação dos países em
desenvolvimento a partir de 2002.
O número de pobres nas
áreas metropolitanas do país aumentou 10% até fevereiro de
1999. A desigualdade de renda aumentou no Brasil nesse
período, apesar de uma exitosa defesa dos salários no setor
formal e o pequeno aumento do desemprego. Pelas estimativas do
Bird, é improvável que o país consiga cumprir a meta de
reduzir a pobreza à metade até 2015.
Para o Brasil o Bird
projeta um crescimento de 2,5% do PIB no ano 2000 - bem abaixo
dos 4% estimados pela equipe econômica do Governo Federal - e
3,5% em 2001. De 2002 a 2008, o crescimento anual projetado é
de 4%. O resultado previsto é quase o dobro da média alcançada
entre 1991 e 1998, que foi de 2,6%. Mas é menor do que a
estimativa que o Bird fez para o Brasil em 1998, de 4,2%. Para
o Bird os números mais otimistas do crescimento econômico em
1999 e 2000, salientou, escondem a fragilidade dos países em
desenvolvimento.
Uma ameaça que pode
potencializar a fragilidade são os os fatores externos que
afetam o crescimento futuro dos países. A perspectiva de
desaquecimento da economia dos Estados Unidos é o principal
risco. A economia dos EUA com a expansão do nível de atividade
e o dinamismo tem ajudado a reduzir os efeitos da crise, o
aumento dos preços de petróleo (para importadores como o
Brasil) e a queda dos preços das commodities (que têm um peso
importante na pauta de exportações do Brasil e de outros
países em desenvolvimento.
Uri Dadush, o principal
responsável pelo relatório alerta para os perigos da inércia
no Brasil. "O déficit orçamentário brasileiro é o resultado da
falta de reformas e o governo do País infelizmente não tem
outra opção: precisa fazer o ajuste fiscal, mesmo que as
reformas tenham um custo social", explicou. "Caso contrário,
as conseqüências serão mais graves."
As análises de conjuntura
e projeções a seguir tem como base o Documento 2000 do Bird.
O impacto inicial da crise
do leste asiático nos países da América Latina não foi grande.
A maioria das economias estavam no pico dos ciclos de
negócios. Todavia, o impacto adverso da crise do leste
asiático no mundo - pela queda dos volumes e preços das
exportações, e redução do fluxo de capital para países
desenvolvidos - eventualmente teve sua maior repercussão
negativa nos países da América Latina. Em 1998, as transações
comerciais da região cairam cerca de 4% (uma perda equivalente
a 0,6% do PIB) e o crescimento do volume de exportações cairam
de 11,5% em 1997 para 5,6%, aumentando o déficit em conta
corrente da região em US$ 22 bilhões.
O México, que se
beneficiou do forte crescimento da demanda de importação dos
Estados Unidos e que teve uma flexível taxa de câmbio, foi o
menos afetado pelo refreamento no comércio internacional.
Excetuando-se o México, o crescimento do volume de exportações
da América Latina caiu de 9,5% em 1997 para 3,3% em 1998
devido ao agravamento da competitividade. Os países viram suas
taxas de câmbio efetivas aumentarem numa média de 17% acima
dos níveis do período de 1990-96 (antes da crise do leste
asiático), comparada ao declínio de 25% nos países em crise do
leste asiático.
Os fluxos de capital dos
mercados internacionais secaram no despertar da crise da
Rússia em agosto de 1998, levando a novos fluxos caírem 25% em
1998 comparado aos níveis de 1997. Isto precipitou uma
compressão de crédito massiva e uma forte redução de déficites
em conta corrente em muitos países. O efeito contagioso da
crise russa tornou impossível para os países financiarem a
parte do impacto nas transações comerciais que poderia ser
tratado como temporário. Até o Chile, um país com níveis de
crédito sólidos, experimentou um ataque especulativo e foi
eventualmente forçado a flutuar sua moeda.
A combinação de uma
deterioração no ambiente externo, níveis de débito iniciais
altos, grande dependência de poupanças externas, e rígidas
políticas monetária com o objetivo de preservar os regimes de
taxas de câmbio existentes durante um ano eleitoral para a
maioria dos grandes países, incluindo o Brasil - causaram uma
queda no crescimento do PIB da região de 5,4% em 1997 para
2,1% em 1998. No último trimestre de 1998, Argentina, Brasil,
Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela estavam todos
experimentando recessão. No Brasil, Colômbia, Equador, e
Venezuela fortes interesses domésticos na segunda metade de
1998 - a mairia marcados por campanhas eleitorais como o caso
da Reeleição no Brasil - somaram ao governo serviço de débito
e, juntamente com a volta de taxas mais baixas no início do
refreamento da economia, ampliaram déficits fiscais e
pressionaram as taxas de câmbio. Com exceção da Venezuela,
esses países foram forçados a abandonar uma política de taxa
de câmbio estável - mas potencialmente insolvente -, sendo a
brasileira e a do Equador as mais agudas, após perdas massivas
de reservas cambiais.
No caso da Colômbia e
Chile, a decisão de flutuar a moeda não foi acompanhada de uma
grande desvalorização porque as reservas ainda estavam em
níveis razoáveis. Como em outros casos, Rússia e Turquia, a
crise do leste asiático pode não ter sido a causa principal do
declínio que se sucedeu, mas foi um fator que contribuiu e
acionou uma reação a problemas que estavam subjacentes. Os
países onde as políticas estão mais aprofundadas - Chile e
talvez o México - evitaram o pior.
A desvalorização no
Brasil, incertezas na corrida eleitoral, e uma política
monetária americana mais rígida ajudaram espalhar o declínio
econômico na região em 1999. A desvalorização cambial no
Brasil piorou o ambiente externo para muitos países na região,
apesar de isso ter se dado numa extensão muito menor do que na
crise russa. Os preços dos commodities chaves exportados pelo
Brasil - café, soja, e açúcar - caíram drasticamente no
primeiro semestre do ano, ao mesmo tempo em que a demanda de
importação brasileira entrou em colapso, reduzindo
significativamente a arrecadação com exportações em vários
países.
O relatório do Banco Mundial -
Parte 2
Prospecções a curto prazo
para a América Latina
Uma recuperação econômica
em 2000 e 2001 é provável que seja gradual na medida em que,
mais adiante, um ajuste fiscal é necessário em muitos países.
A recuperação para muitos países que experimentaram recessão
em 1999 deve começar por volta do quarto trimestre entrando em
2000. Fatores externos por trás da reação incluem: uma
aceleração do comércio internacional; a estabilização dos
preços dos commodities e a alta de outros (por exemplo, óleo e
metais); uma lenta recuperação do fluxo de capital, uma maior
flexibilidade nas taxas de câmbio em muitos países; e menos
amortizações de dívidas externas em 2000. Domesticamente,
fatores como avaliações mais elevadas no mercado de ações
devem dar suporte à estabilização e uma conseqüente ascensão
da produção. Todavia, existem um número de razões pelas quais
a recuperação econômica em 2000 é esperada ser modesta
comparada com a de 1996 (pós crise do México). Primeiro, o
ajuste fiscal é necessário em um número de países para dar
sustentação à confiança do investidor e ajudar a estabilidade
da taxa de câmbio (Argentina, Colômbia, Equador, Venezuela e
Brasil). A implementação do ajuste fiscal pode encontrar
resistência, especialmente porque os níveis de desemprego
estão altos.
Segundo, indefinições
políticas devem persistir em 2000 já que México e Peru elegem
novos presidentes e muitos novos administradores carecem de
maiorias claras em seus respectivos congressos - Brasil,
Colômbia e Equador. Estas incertezas resultam, provavelmente,
na cautela dos investidores. Além disso, a esperada
desaceleração na economia norte-americana em 2000-2001 deve
limitar o crescimento das exportações da América Latina. A
combinação desses fatores provavelmente leva a uma recuperação
econômica moderada, com o PIB da região crescendo entre 2,7%
em 2000 antes de acelerar para 3,5% em 2001. O atual déficit
em conta corrente durante os próximos dois anos é esperado
crescer a níveis de US$ 60 a US$ 70.
INCERTEZAS A CURTO PRAZO
Se o ingresso de capital
privado se mantém fraco em 2000, ou a saída deste aumenta de
forma aguda em resposta aos desdobramentos políticos, pressões
sobre algumas moedas devem aumentar. Apesar do cenário tomado
como base pressupor que a Argentina implementará o ajuste
fiscal e obterá suporte externo suficiente para financiar seu
déficit fiscal e o pagamento de suas obrigações externas,
ainda assim continuam os riscos de que o processo não seja
suave. As condições monetárias mais apertadas nos países
industriais devem manter o custo de capital da Argentina
relativamente alto e o volume de entrada de capital modesto.
Venezuela tem insistido em manter rasteira a banda da taxa de
câmbio, apesar da taxa de câmbio real efetiva do país ser
agora 50% mais alta do que sua média de 1990-96. Apesar da
Venezuela ter sido capaz de resistir a ataques especulativos à
taxa de câmbio no passado, e a alta nos preços do óleo
ajudarem com potenciais episódios futuros, incertezas nas
políticas podem levar à fuga de capital além da habilidade
administrativa de contra-atacar. Ambos Chile e Colômbia, com
uma historia de gerenciamento macroeconômico muito melhor,
foram forçados a se moverem em direção a taxa flutuante em
1999.
PROSPECÇÕES A LONGO PRAZO
O crscimento da produção
para a América Latina a longo prazo é projetado agora para a
média de 4,2% (2,8% em termos per capta), o que representa uma
redução de pontos percentuais (0,2%) comparada às Prospecções
da Economia Global 1998/1999. Isso devido a vários fatores os
quais, embora característicos da região por vários anos,
tornaram-se mais evidentes em 1999. As taxas de poupança
nacional em muitos grandes países não cresceram na década de
90 e muitos continuam se confiando em poupança externa para
acomodar aumentos em investimento. Endividamentos externos
altos aumentaram a confiança no mercado de capital
internacional para financiar o pagamento de débitos. No
Brasil, o grande aumento do débito doméstico entre 1997-1999 e
uma continuada baixa taxa de poupança exigirá um forte ajuste
fiscal, o qual vem enfrentando resistência. Situação
semelhante acontece na Argentina, onde a poupança permanece
insuficiente para o crescimento sustentável. O crescimento do
GDP per capta para os países do Caribe provavelmente ficarão
na média de 2,5% ao ano refletindo a difícil transição
estrutural pela qual esses países terão que passar face ao
aumento da competição global das exportações de commodities
para mercados tradicionais.
Apesar das incertezas, as
prospecções de crescimento a mais longo prazo - contrastadas
com as das décadas de 80 e 90 - são favoráveis à medida que
sejam realizados ganhos de eficiência por reformas feitas.
Crescimento em produtividade, na região, é provável continuar
sua tendência ascendente na medida em que o Brasil, a última
das grandes economias na região a embarcar na liberalização,
supere as atuais dificuldades. A privatização das grandes
empresas de água, energia elétrica, transportes e
telecomunicações deve começar a dar frutos na primeira década
de 2000. Privatização, combinada com o aumento da poder do
mercado dos países do Cone Sul, através do Mercosul, devem
encorajar investimentos do FDI, e a natureza do FDI deve mudar
da aquisição de bolsa de capital através de privatização, para
investimento em setores de serviços e manufatura. |
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TÓPICO 16
A Barra do
futuro |
Jornal do
Brasil, Opinião, sexta-feira, 14 de julho de 2000
AFONSO
KUENERZ - arquiteto
A Barra é um fenômeno extraordinário, testemunho da capacidade
empreendedora dos brasileiros. Em meio a essa ocupação
vertiginosa, temos de nos perguntar: qual será o amanhã dessa
região?
O primeiro homem a vislumbrar o verdadeiro destino da Barra
foi Lúcio Costa, seu idealizador. A Auto-Estrada Lagoa-Barra
estava prestes a escancarar o acesso a essa planície
providencialmente preservada. Contratado para estabelecer os
parâmetros de ocupação da Baixada de Jacarepaguá, Lúcio
divulgava, em 1969, o seu plano piloto, definindo
magistralmente as potencialidades e diretrizes urbanísticas
das diversas regiões e reconhecendo sua grandiosa vocação: a
metrópole, novo pólo estadual de convergência e irradiação. O
Centro Metropolitano, no coração da planície, situado entre o
que é hoje é o Rio-2 e a Avenida Ayrton Senna, foi destinado a
ser o centro nervoso da nova metrópole, a ser inter1igado por
metrô, monotrilho e via livre aos núcleos principais do Rio.
Essa área, de 4 milhões de metro quadrados, cujos edifícios
terão até 35 andares, está prestes a realizar seu destino,
atraindo hoje o interesse das grandes incorporadoras. Lúcio,
urbanista genial, previra, há 31 anos, que é evidente que a
ocupação dela não será para tão cedo. Durante muito tempo
ainda, deixe-se á várzea tal como está, com o gado solto,
pastando. E só quando a urbanização da parte restante, da
Barra a Sernambetiba, se adensar; quando a infra-estrutura,
organizada nas bases civilizadas e generosas que se impõem,
existir; e a força viva da expansão o impuser - aí então sim,
terá chegado o momento de implantar o novo centro que,
parceladamente embora, já deverá nascer na sua escala
definitiva.
Essa visão da Barra como o centro nervoso do Rio de Janeiro já
é mais perceptível nos dias de hoje. Inicialmente limitada ao
lazer, à moradia e aos hipermercados como pólo de atração, a
atual migração de empresas e serviços começa a deslocar o eixo
de negócios para a Barra, processo que tende a se intensificar
nos próximos anos. Do ponto de vista urbanístico - já o previa
Lúcio Costa -, esse processo é altamente benéfico para a
cidade, pois elimina o bipartismo Zona Norte-Zona Sul,
formando assim um triângulo de convergência, desde que, é
claro, se estabeleçam as ligações viárias adequadas.
Lúcio vislumbrou não apenas a metrópole. Homem sensível,
adepto do belo, setorizou a imensa planície, deu-lhe
volumetria e sentido. .A Barra de hoje é, em grande parte,
decorrência direta das idéias de Lúcio. No que tange à
volumetria, por exemplo, ele estabeleceu núcleos, espaçados de
quilômetro a quilômetro ao longo da Avenida das Américas, para
dar-lhe ritmo e balizamento. Isso já está realizado: Nova
Ipanema, Mandais, Barra Bali etc. Como contraponto ao Norte, o
Centro Metropolitano e a Pedra da Panela. Com a
verticalização, criaram-se amplos espaços abertos e
perspectivas grandiosas e diferenciadas.
Outro aspecto crucial é o aproveitamento do espetacular
sistema lacustre, hoje poluído e praticamente inaproveitado. A
Barra pode se tomar um paraíso dos barcos e lanchas, com
marinas e condomínios de deixar Miami de água na boca. Para
tanto, além de promover a despoluição e elevar algumas pontes,
basta executar as ligações com o mar preconizadas por Lúcio em
1969: deve-se prever a possibilidade de dois ancoradouros, um
na própria Barra, protegido pelo morro da Joatinga, outro no
extremo oposto, na embocadura do Canal de Sernambetiba. Também
importante é a implantação em nível adequado das vias
marginais das lagoas, para que dessa forma o paraíso aquático
seja visível pela população - o que hoje mal acontece.
Lúcio Costa dizia que o urbanismo da Barra deveria ser como um
laboratório: com muita flexibilidade para adaptar, inovar,
enfim, um organismo vivo de interação entre as iniciativas e o
planejamento global. Com seu afastamento do processo
decisório, na década de 70, criou-se um esquema rígido,
consolidado através do Decreto 3046 de 1981, que até hoje
perdura com poucas alterações. Com o Plano Diretor de 1990,
que remete ao Legislativo a decisão sobre assuntos
urbanísticos, a cidade ficou "engessada . Diversos projetos de
lei enviados pelo Executivo ao Legislativo estão lá encalhados
há anos. Isso está causando graves prejuízos à cidade, e
poderá comprometer o porvir da Barra. Em Vargem Grande, por
exemplo, Lúcio Costa previu a localização de sítios com área
mínima de 5.000 metros quadrados. Hoje essa área é muito
cobiçada para moradia. A legislação permanece inalterada,
inibindo qualquer iniciativa dentro da lei. Com isso,
proliferam os loteamentos clandestinos, com lotes em
torno de 100 metros quadrados, muitas vezes sem qualquer
infra-estrutura. Recentemente, o Executivo enviou à Câmara
Municipal projeto de lei reduzindo de 5.000 para 600 metros
quadrados a área do lote mínimo, o que permitirá reverter o
quadro atual. Contudo, se a Câmara demorar vários anos para
aprovar o projeto
- o que tem ocorrido em vários casos semelhantes - a solução
chegará tarde demais.
Na mesma linha de falta de adaptação da legislação, há o
problema de proliferação explosiva das comunidades carentes,
das quais Rio das Pedras é o maior exemplo. Como a legislação
da Barra não contempla a população carente, a esta não resta
alternativa senão o assentamento desordenado, geralmente em
absoluta insalubridade, com valas negras conduzindo às lagoas.
Se adequarmos a legislação, realizarmos as obras de
infra-estrutura e aproveitarmos a riqueza lacustre, o futuro
da Barra tem tudo para ser espetacular, realizando, assim, o
sonho e as bases lançadas por Lúcio Costa. E nossa nova
metrópole refletirá a beleza de seu idealizador: um ser humano
em toda a acepção da palavra, amante do belo, entusiasta das
iniciativas, protetor da natureza, e, acima de tudo, um homem
simples e despreocupado com honrarias é bens materiais -
marcas claras daqueles que são verdadeiramente grandiosos. |
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Topo TÓPICO 17
TEMA EM
DEBATE - Favelas do Recreio |
Jornal O Globo, Opinião,
domingo 13 de agosto de 2000
TEMA EM DISCUSSÃO: Favelas
do Recreio
NOSSA OPINIÃO
Bairro ameaçado
Há muitas
explicações para o crescimento desordenado do Recreio dos
Bandeirantes, mas nenhuma exime a Prefeitura de suas
responsabilidades.
Alega a
Secretaria municipal de Urbanismo que as construções ilegais
na Gleba Finch começaram em 1954, quando não havia um plano
organizado de ocupação do solo - o que é uma razão histórica
para a desordem atual, mas não serve como desculpa para a
inércia das autoridades.
A falta de
respeito por planos de urbanização e de alinhamento das
construções pode ser verificada em toda parte, a qualquer
momento. Nas Ruas 13 e 14, e na Praça 8, áreas de lazer e de
ventilação foram tomadas por imóveis. No lugar destinado ao
centro comercial, mais de cem construções irregulares fecham a
Rua Ernesto Trotta. A Rua A-3 simplesmente desapareceu.
Espaços
públicos - como avenidas, praças, áreas de lazer e canteiros -
são rotineiramente invadidos, sem que ninguém tome
providências; favelas surgem de uma hora para outra onde
deveria haver pistas arborizadas; e, o que é mais absurdo,
constrói-se no meio da rua.
Mesmo em
lugares onde a Prefeitura conseguiu impedir a farra da
ocupação ilegal, as irregularidades continuam. Seguros da
Impunidade, muitos moradores ignoram os gabaritos permitidos
pela legislação e, acrescentando à vontade novos pavimentos,
vão cometendo uma irregularidade em cima de outra.
Peculiaridades da geografia do Rio tornam difícil impor
limites, ou algum tipo de disciplina, às favelas que nascem
nas encostas, em áreas remotas e de fiscalização problemática.
Nesses locais, a natureza do terreno favorece as invasões.- às
vezes comandadas por especuladores. Mas há processos de
favelização em áreas nobres de bairros residenciais, a bem
dizer no meio da rua - como é o caso do Recreio. Esses são
indesculpáveis.
OUTRA
OPINIÃO
Conter e
criar
FRANCISCO SAMPAIO
Estão
enganados os que pensam que o município tolera as invasões de
terra na cidade do Rio de Janeiro. Na verdade, há muitos anos
a administração municipal promove a desocupação de áreas
ilegalmente loteadas e construídas, apelando para alternativas
em conformidade com a lei e em condições satisfatórias de
habitação, saneamento e proteção do meio ambiente.
Ao
implementar a política desocupação daquelas áreas, como ocorre
no Recreio dos Bandeirantes, o município se defronta, porém,
com forte oposição da Defensoria Pública que, no legítimo o
exercício de sua missão constitucional, postula, assim como
outros advogados, a permanência a dos ocupantes irregulares,
por meio de medidas liminares, muitas vezes concedidas pelo
Judiciário do estado. Ou seja: é o município sozinho contra
todos
Bom
exemplo é a ocupação da área conhecida como Vila Autódromo.
Naquele caso, há anos
permanece vigente medida liminar que assegura o prosseguimento
da ocupação irregular às margens da Lagoa de Jacarepaguá. Ali
há, inclusive, edificações que revelam elevado poder
aquisitivo de parte dos ocupantes, aspecto que, até o momento,
não sensibilizou o Judiciário.
Desocupar
áreas invadidas é trabalho difícil que deve ser complementado
com políticas de moradia. O mais importante programa do setor,
no município, é o Favela-Bairro, que leva a cidadania às
comunidades carentes. Copiando por várias cidades do país e da
América Latina, foi apontado pelo BID como projeto "estrela".
Até agora, o Favela-Bairro está beneficiando 40 comunidades e
550 mil pessoas.
Com o Morar sem Risco, o
município transfere famílias que residem em áreas sujeitas a
inundações e desabamentos para lugares seguros. Já foram
atendida 56.720 pessoas, A urbanização e regularização de
loteamentos si efetivadas pelo Morar Legal. Entre as áreas já
regularizadas e a em processo de regularização, a com obras em
andamento e concluídas, e as em licitação, já são 123 as
beneficiadas, no total de 135 mil pessoas.
O programa Morar Carioca
oferta terrenos já com infra-estrutura urbana. Estimula a
construção de casas e seleciona por sorteio os interessados.
Integrado o Morar Carioca há o Programa de Requalificação de
Conjuntos Residenciais, que recupera áreas públicas e comuns e
organiza comunidades. Já foram investidos em cinco conjuntos
R$ 4.429.083.
Há, ainda, o Programa
Novas Alternativas, que tem no Centro da cidade 35 projetos de
reabilitação de cortiços, prédios históricos e em ruínas. Eles
serão transformados em moradias.
FRANCISCO SAMPAIO é procurador-geral do município do Rio de
Janeiro
|
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Topo TÓPICO 18
Arquitetura
para pensar |
(entrevista com Henri-Pierre
Jeudy)
Jornal do Brasil, Caderno
B, terça-feira, 12 de setembro de 2000
Sociólogo e filósofo do
Centre National de la Recerche Scientifique ,CNRS, e
co-diretor do Laboratoire d’Anthropologie des Instituitions et
des Organisations Sociales, LAIOS, o francês Henri-Pierre
Jeudy se dedica ao estudo de diversas questões relacionadas ao
patrimônio cultural, espaços públicos, arquitetura e
urbanismo. Jeudy é também o atual curador (com Jean Nouvel,
Humbert Tonka e François Geindre) do pavilhão francês da 7ª
mostra de arquitetura da Bienal de Veneza (junho a outubro de
2000), que ganhou o Leão de Ouro pela melhor interpretação do
tema geral da mostra, Menos Estética, Mais Ética. Árduo
questionador dos valores contemporâneos, Henri-Pierre Jeudy
levantou, recentemente, grandes polêmicas em Veneza, a começar
pela contestação do próprio tema da Bienal. "Por que opor
ética à estética?", se pergunta o sociólogo, autor de diversos
livros, dois deles traduzidos para o português, Memória do
social (Forense) e Ardis da Comunicação (Imago). No Rio para
palestra Ética e globalização : o futuro das cidades, que faz
hoje no Instituto Arquitetos do Brasil (Rua do Pinheiro, 10,
Flamengo), às 19h, Jeudy falou ao JORNAL DO BRASIL sobre
questões emergentes da arquitetura mundial, a influência da
globalização sobre os projetos arquitetônicos e a realidade
brasileira.
ANA CECÍLIA MARTINS
- Por que um sociólogo e
filósofo se preocupa com arquitetura?
- O que interessa ao
filósofo é o pensamento do sistema e sua confrontação imediata
com a existência humana. Para o sociólogo, o que interessa é a
questão da construção e da reprodução da sociedade. O
arquiteto está sempre tratando do conjunto dessas questões.
Uns e outro dividem o mesmo defeito (ou a mesma virtude), o
gosto pela soberania absoluta. Os primeiros pensa que são
sábios e o segundo que é um Deus.
- A estética pode suscitar
questões políticas?
- Nós vivemos atualmente
em meio a uma estetização generalizada e esse olhar
estetizante para a cidade oculta a questão política. A
estética é política somente quando ela não pode ser aplicada a
qualquer coisa. Por exemplo, se a violência de conflitos
urbanos é um puro espetáculo estético, a questão política
desaparece.
- O que devemos levar em
conta quando pensamos no futuro das cidades?
- É deplorável a ausência
de um pensamento sobre a cidade. Esse pensamento foi
substituído por um totalitarismo da gestão urbana. Os
políticos estão cada vez mais preocupados em produzir sua
própria imagem, sua grife. E não se pode duvidar que estes
políticos saibam usar como ninguém os arquitetos para figurar
sua própria monumentalidade.
- Já existe uma influência
da globalização na arquitetura mundial?
- O que é importante acima
de tudo é a resistência à globalização. O liberalismo da
globalização se satisfaz tanto da grande obra arquitetônica,
como símbolo de tempos futuros, quanto da obra arquitetônica
efêmera, como autoconstrução local, as favelas cariocas, por
exemplo. Dentro da globalização, a singularidade estética dos
ricos coexiste com a singularidade dos pobres. A crença em uma
autonomia local e precária acaba fazendo promoção das grandes
obras arquitetônicas mundiais. É o círculo vicioso da
globalização.
- A Bienal de Arquitetura
de Veneza, em junho, utilizou como tema menos estética e mais
ética. Qual problema que envolve tal afirmação?
- É bem verdade que é um
jargão moralista e com náuseas humanitárias. Essa fórmula é
uma injunção moral lançada aos arquitetos. Toda atitude
estética passa a ser escandalosa diante da miséria do mundo. O
arquiteto é obrigado a ter consciência do exagero de suas
intenções estéticas. A inovação moral da ética tem como função
liquidar o político. Quando triunfa o culto da transparência,
o dever da cidadania se traduz por uma demonstração de um
compromisso moral e humanitário que permite de se estar acima
de qualquer suspeita.
- Por que a reflexão da
arquitetura desempenha um importante papel no debate cultural
contemporâneo?
- O arquiteto não ocupa o
mesmo lugar do artista na dinâmica cultural das sociedades.
Sua obra compromete a vida das pessoas, ele cria maneiras de
se habitar, ele define implicitamente modos de vida urbanos,
ele é obrigado a representar uma necessidade social. Ele não
pode então, como o artista, impor o puro arbítrio de sua
criação. O arquiteto não pode evitar seu próprio
comprometimento político e social no futuro cultural das
cidades.
- Como se caracteriza o
espaço público contemporâneo?
- O que transforma hoje a
representação comum do espaço público é a mídia. Não podemos
mais considerar o espaço público de uma forma somente
concreta. As pessoas ocupam o espaço público já como uma
imagem deles próprios. Não existe de um lado a televisão e do
outro o espaço público vivenciado. Como prova disso, o que
cada um defende a todo preço hoje é o seu espaço vital, sua
intimidade, sempre ameaçada. Mas não é ela própria cada vez
mais violada? É o exibicionismo que passa a ser uma qualidade
usual do espaço urbano contemporâneo.
- Como podemos falar em
arquitetura num país como o Brasil, com total falta de
infra-estrutura?
- Não se pode mais pensar
o urbanismo como se pensava no pós-guerra, construindo
conjuntos habitacionais gigantescos que eram chamados na
França de cabanas para coelhos. Os políticos e os urbanistas
são cada vez mais obrigados a respeitar o que já existe, tanto
do ponto de vista do patrimônio, quanto do ponto de vista das
habitações efêmeras realizadas pelos próprios habitantes, como
o caso da atual urbanização nas favelas do Rio.
- Podemos dizer que existe
ética na arquitetura brasileira, que convive com o contraste
entre grandes obras e as favelas?
- Será o reconhecimento do
valor estético das construções das favelas um valor moral?
Será que os arquitetos das grandes obras reconhecem a
qualidade da estética da autoconstrução por pura
condescendência? Mais parece que existem duas tendências
diferentes em arquitetura que comprometem posições políticas
mais engajadas da parte dos defensores da arquitetura das
favelas.
- Qual será o futuro das
cidades e como a estética, a ética e a globalização agem
dentro desta reflexão?
- Nada parece se opor ao
processo de globalização. As questões éticas, estéticas e
políticas não abrem nenhuma brecha crítica nesse sentido. Toda
a sociedade, no mundo inteiro, se acha capaz de se ver no
próprio espelho para poder se gerenciar melhor. Não existe
mais posição exterior à própria globalização.
- Qual o grande desafio da
arquitetura contemporânea?
- Se tornar uma
arquitetura do pensamento urbano. Mas isso é muita pretensão. |
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TÓPICO 19
A Cidade
Ordenada |
Jornal do
Brasil, Editorial, domingo, 10 de setembro de 2000
Construir
nas zonas mais valorizadas é uma tendência natural da
especulação imobiliária. Assim como é tendência normal do
comprador decidir-se por um imóvel residencial na área que aos
seus olhos apresente mais encanto, comodidade e serviços. Mas
por trás desses desejos comerciais ou humanos é preciso haver
ordenação e equilíbrio, pois a cidade, a urbis, vai virar um
caos se não houver uma ampla visão de conjunto e uma pitada de
bom senso. Os responsáveis por essa avaliação de conjunto são
as autoridades municipais, executivas ou legislativas, que,
claro, só funcionam com o concurso de técnicos qualificados
(arquitetos, engenheiros, urbanistas, sociólogos, etc) e de
políticos.
No
momento, voltam a ser discutidos pontos com ampla repercussão
popular sobre o Plano Diretor do Rio. E o item mais quente são
os apart-hótéis, cuja construção foi suspensa na cidade há 16
anos. O Rio não pode deixar de ter apart-hotéis: esse tipo de
moradia é uma tendência mundial crescente nas grandes cidades
à qual não se pode fugir. Outra tendência mundial é que os
apart-hotéis sejam dirigidos por grandes empresas hoteleiras
internacionais, que adquiriram grande experiência no setor. Os
próprios compradores preferem contar com empresas altamente
capitalizadas na direção, que consideram uma garantia.
O
desentendimento em torno dos apart-hotéis já dura quatro anos.
A cidade precisa contar outra vez com eles, ninguém contesta.
Mas os apart-hotéis têm de estar dentro de certos padrões.
Segundo alguns, 30 metros quadrados bastam. Segundo outros, 40
metros quadrados é o mínimo ideal. Cada apartamento deve ter
uma vaga na garagem ou basta uma vaga para cada dois
apartamentos? Tudo ficou resolvido agora com a aprovação do
novo projeto de lei complementar: 40 metros quadrados e uma
vaga por apartamento. A votação final da lei será dia 19. O
projeto dos vereadores exige a manutenção dos serviços de
hotelaria, proíbe a mudança de destinação. E determina que os
apart-hotéis construídos nas praias tenham altura tal que não
projetem sombra sobre a areia.
Para onde
a cidade deve crescer é outro ponto a ser discutido no Plano
Diretor. Certamente, o crescimento não pode ir todo para a
Barra e arredores, tendência maior há algum tempo. Uma
revitalização do Centro é pouco quanto à criação de novos
espaços residenciais, mas muito importante para a vida da
cidade. A solução para o Centro, a partir da própria
arquitetura da área, é a criação de pólos de arte e cultura
que representam oxigênio novo. A integração entre os bairros
também é receita indispensável, antes tida como única. Está aí
a Linha Amarela, exemplo admirável. Vários bairros suburbanos,
antes distantes de tudo,.com ela ficaram mais próximos do
Centro, do conjunto Barra-Jacarepaguá e mais próximos uns dos
outros. A cidade tem de ser voltada para quem nela mora, seja
ordenando o caos com regras exigentes para a construção, seja
dando vida nova a algumas áreas e integrando os bairros.
Difícil é discutir isso em época eleitoral, sempre propícia à
demagogia. Mas logo depois o Rio precisa parar para tratar de
si com seriedade. Ou a cidade será paralisada por um nó que
ninguém mais desata. |
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TÓPICO 20
Déficit
Habitacional do Estado do Rio de Janeiro |
Retirado do site:
http://www.ippur.ufrj.br/observatorio/index.html
Déficit
Habitacional do Estado do Rio de Janeiro
|
Apresentação |
|
Introdução |
Metodologia |
|
Notas
Metodológicas |
|
Composição
do Déficit e da Inadequação |
|
Critérios de
Inadequação |
Considerações |
Estimativa
Déficit Habitacional - 2000 |
Tabelas |
Apresentação
A
Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos
Humanos - Habitat II - realizada em Istambul, em 1996,
consolidou um plano internacional de ação, onde foram
priorizadas as políticas mundiais com foco no
desenvolvimento social e erradicação da pobreza, gestão
ambiental, desenvolvimento econômico, governança e
cooperação internacional.
Considerado um marco do debate social na década de
noventa, esse evento colocou em evidência a necessidade de
reestruturação dos mecanismos institucionais de promoção
do bem- estar social dos Estados compromissados com a
AGENDA HABITAT, no
sentido de transformá-los ou ajustá-los para o cumprimento
dos novos compromissos exigidos pela sociedade.
No
Brasil, o rebatimento deste processo veio a se somar a um
intenso movimento político e social, que já vinha
ocorrendo desde a década de oitenta, quando se iniciou uma
reformulação das políticas públicas com ênfase no campo
urbano-habitacional. A Constituição de 88 incorporou parte
das propostas que emergiram deste debate, que reuniu
setores da sociedade civil organizada, órgãos de classe,
instituições acadêmicas e segmentos políticos. Entre as
inúmeras inovações introduzidas nesta Constituição, cabe
aqui ressaltar a reforma tributária e a municipalização
das políticas habitacionais. Tais inovações, frente às
demais transformações em curso nos cenários nacional e
internacional, suscitaram uma revisão geral de atribuições
e funções desempenhadas pelas diversas instâncias do poder
público.
Tornou-se evidente também a necessidade de elaboração de
um sistema de indicadores que auxiliasse na construção de
parâmetros homogêneos, com o objetivo de viabilizar
comparações, elencar prioridades, identificar padrões e
tendências para subsidiar o processo decisório de
planejamento e alocação de recursos.
Assim
sendo, a Fundação CIDE, tanto quanto outras instituições
de estatística, pesquisa e planejamento, está sendo
instada a participar ainda mais desse processo, no sentido
de contribuir com aquilo que estiver compatível com sua
missão: a produção e a disseminação da informação,
sintonizada com os mais diversos e importantes segmentos
da sociedade.
A
divulgação do quadro de Necessidades Habitacionais do
Estado do Rio de Janeiro, apresentadas aqui por município,
representa um avanço nessa direção, pois veio ao encontro
de uma carência de parâmetros homogêneos e confiáveis, que
pudessem balizar minimamente a discussão de temas tão
relevantes.
Para
cumprir essa função, o CIDE firmou um convênio com o
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional -
IPPUR, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
que, através do Observatório de Políticas Urbanas e Gestão
Municipal, havia recém-concluído estudo sobre o assunto.
Desenvolvida com o apoio da FINEP e com base no censo de
91, a pesquisa foi inicialmente programada para a Região
Metropolitana, tendo sido agora concluída para todo o
Estado. Seus resultados já foram atualizados para 2000, a
partir de estimativas feitas com base nas PNADs.
Abordando o conceito de déficit de maneira mais
abrangente, o presente estudo incorpora algumas inovações
metodológicas, que avançam na caracterização qualitativa
das carências. Analisando tanto as condições físicas da
moradia quanto o acesso aos serviços urbanos, o conceito
de necessidades habitacionais está mais afinado com o
perfil atual das políticas habitacionais, permitindo a
mensuração da demanda social não só pela produção de novas
unidades, como também por investimentos em infra-estrutura
básica em todo o Estado.
Como
desdobramento deste projeto, está prevista uma publicação
conjunta, com a análise dos resultados desta pesquisa,
além da constante atualização deste "site" com diversas
informações e "links" relacionados à temática
habitacional.
TOPO
Introdução
O debate
sobre as necessidades sociais em termos de moradia surgiu
em meados do século passado, no âmbito do pensamento e das
práticas de médicos e engenheiros, que buscaram instituir
critérios básicos de normalidade - a moradia higiênica, a
partir dos quais se poderia, então, classificar parte do
estoque habitacional existente como "sub-normal". Este
conceito, implementado como política, implicou numa enorme
operação de demolição dos bairros populares, classificados
como "degradados", anti-higiênicos, insalubres etc..
Tratava-se de uma ação de "limpeza", cujo propósito básico
era a demolição dos bairros ou quarteirões inadequados,
considerados como focos de transmissão de doenças
epidêmicas.
Logo se
verificou, porém, que não bastava demolir, como fez
Haussmann, em Paris, e Pereira Passos, no Rio de Janeiro,
mas que também era necessária uma intervenção de regulação
do mercado habitacional, com base nos padrões mínimos
estabelecidos para a habitação higiênica. Os primeiros
regulamentos de edificações e leis de zoneamento
cumpriram, então, essa finalidade.
Todavia, com
a constatação de que mesmo a ação regulatória era
insuficiente, passou-se a discutir e implementar políticas
de provisão da moradia para setores da população que, se
deixados por sua própria conta, não conseguiriam acesso ao
mercado habitacional formal.
Foi nesse
momento que surgiu a noção de déficit, ou seja, uma
insuficiência do parque domiciliar construído, não suprida
pela oferta de novas moradias ou suprida por uma oferta de
baixa qualidade, criando uma lacuna de atendimento à
demanda pela via do mercado. Todas as demais formas
alternativas de acesso à moradia eram desconsideradas. Com
base nesses princípios, os números do déficit tinham como
fundamento a substituição de todas as moradias
identificadas como sub-normais, mais o atendimento à
demanda não solvável, isto é, a parcela da população sem
capacidade de endividamento para adquirir uma moradia no
mercado.
Com a
evolução na concepção das políticas habitacionais,
ocorrida ao longo dos últimos 40 anos, o conceito de
déficit passou a ser alvo de críticas no âmbito de uma
forte contestação às políticas tradicionais de construção
de grandes conjuntos habitacionais padronizados, nas
periferias das cidades, tidos por algum tempo como solução
para o habitat sub-normal. A este modelo se contrapôs a
idéia de "habitat evolutivo e autoconstruído".
A
autoconstrução em favelas e periferias passou, então, a
ser vista não mais como um "problema", mas como a
"solução" para as necessidades habitacionais da população.
A resistência ao processo de remoção de favelas uniu
moradores, lideranças políticas e parte dos setores
técnicos, levando a que, a partir do início dos anos 80, a
política de urbanização passasse a prevalecer, em
substituição às remoções.
Essa nova visão acrescenta outros
elementos à discussão sobre o déficit, cuja definição
muda, sendo influenciada, por um lado, pelas mudanças
culturais, históricas e políticas, a partir de um
redimensionamento das aspirações e necessidades da
população e, por outro, pelas novas alternativas para as
políticas de moradia desenvolvidas pelo poder público.
Isso implica na necessidade de se tratarem de forma
diferenciada as carências da população, deixando de lado a
idéia de déficit como um conceito global que possa dar
conta dessas carências de forma abrangente e sistemática.
TOPO
Metodologia
Notas Metodológicas
Para o
estudo das necessidades da população em termos de moradia,
em um território tão amplo e diversificado como o Estado
do Rio de Janeiro, é fundamental que se disponha de
informações da mesma natureza, obtidas através da mesma
metodologia, que possam ser comparáveis. É também
importante que apresentem um elevado grau de
confiabilidade.
Nesse
sentido, as informações do IBGE, principalmente o Censo
Demográfico e as PNADs - Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios - mostram-se como as melhores fontes de
informação disponíveis. As PNADs tem, como limite, a
impossibilidade de sua desagregação espacial e, como
virtude, a sua atualidade. Já o Censo permite a
desagregação até em níveis intramunicipais, mas a sua
periodicidade é decenal, sendo 1991 o último ano para o
qual se conta com informações censitárias completas. Em
96, foi realizada uma contagem populacional, mas as
informações são limitadas.
A presente
avaliação partiu de informações básicas do Censo
Demográfico de 1991, cujos valores foram tabulados para a
produção dos indicadores que compõem o déficit e a
inadequação habitacional, conforme a metodologia a ser
apresentada. Esses indicadores foram agregados, em nível
geográfico, segundo a base municipal de 1997 e a divisão
em Regiões de Governo vigente. |
|
Como
ocorreram diversas emancipações de municípios entre 1991 e
1997, os dados básicos, tomados por setor censitário,
foram reagrupados para se adaptarem à nova malha
municipal. |
|
Mesmo
considerando que se tratam das melhores informações
disponíveis, os dados do Censo apresentam alguns limites,
não permitindo a identificação de alguns problemas
habitacionais sérios, como, por exemplo, o das habitações
localizadas em áreas de risco.
Para que se
calculem as necessidades habitacionais, é preciso que
sejam estabelecidos parâmetros mínimos de habitabilidade,
a partir dos quais possam ser mensurados o tamanho e a
natureza do problema habitacional local. Para esta
questão, entretanto, pode-se chegar a uma solução
plausível, desde que se tenha em conta que a cada padrão
definido corresponderá uma opção de olhar a problemática
da população.
Este estudo
toma como referência analítica o trabalho desenvolvido
pela Fundação João Pinheiro ("O Deficit Habitacional no
Brasil", Belo Horizonte, 1995), onde se busca estabelecer
parâmetros de habitabilidade, tomando como base as
variáveis censitárias.
Propõe-se
aqui o conceito de necessidades habitacionais, que tem um
caráter mais amplo, incluindo 3 dimensões:
· O déficit
habitacional, correspondendo à necessidade de reposição
total de unidades precárias e ao atendimento à demanda não
solvável nas condições dadas de mercado;
· A demanda
demográfica, compreendendo a necessidade de construção de
novas unidades, para atender ao crescimento demográfico;
· A
inadequação, que aponta para a necessidade de melhoria de
unidades habitacionais com determinados tipos de
carências. O conjunto das necessidades habitacionais seria
estabelecido, portanto, pelo somatório: |
|
déficit +
demanda demográfica + inadequação |
|
Em última
instância, pode-se dizer que a diferenciação entre déficit
e inadequação é a expressão das diferenças entre as
soluções técnicas e políticas adotadas para o tipo de
precariedade habitacional identificado. |
|
EQUAÇÃO |
|
Necessidades
Habitacionais = déficit + demanda demográfica +
inadequação |
|
|
PERFIL
DA NECESSIDADE |
PERFIL
DA POLÍTICA HABITACIONAL INDICADA |
|
Déficit |
Construção de novas unidades
para atender à necessidadede reposição do estoque de
moradias considerado totalmente inadequado para se viver. |
Construção de novas unidades
(ou oferta de lotes) para atender à demanda reprimida (ou
seja, atender àqueles que não conseguem comprar através do
mercado). |
Demanda Demográfica |
Oferta de moradias (ou
lotes) para atender às necessidades novas geradas pelo
crescimento futuro da população. |
Inadequação |
Melhoramentos das unidades
habitacionais existentes precárias em relação a um padrão
mínimo estabelecido. |
|
|
COMPOSIÇÃO DO DÉFICIT E DA INADEQUAÇÃO |
|
Déficit |
domicílios improvisados |
domicílios rústicos |
coabitação familiar |
famílias conviventes |
quartos/cômodos alugados |
|
famílias pobres com aluguel
excessivo |
Inadequação |
infra-estrutura |
|
adensamento domiciliar
excessivo |
irregularidade da
propriedade da terra |
risco ambiental |
Cabe
ressaltar que, embora tomando como ponto de partida o
trabalho da Fundação João Pinheiro, foram feitas algumas
pequenas modificações na classificação dos problemas
habitacionais e em alguns parâmetros de habitabilidade
mínimos.
Considerou-se também que as informações relativas à
regularidade da propriedade da terra e às situações de
risco ambiental seriam fundamentais para a avaliação do
quadro habitacional. Estas informações, porém, são
raramente coletadas ou produzidas e, mesmo existindo, não
são obtidas de forma sistemática para todo o Estado.
TOPO
Composição do Déficit e da Inadequação
-
Déficit Habitacional:
Tomando como
referência a base de informações do IBGE (Censos e PNADs),
o déficit habitacional, no que se refere às condições de
moradia, é composto por 3 elementos
-
domicílios
improvisados – construções para fins não residenciais,
mas que estavam servindo de moradia por ocasião do Censo
-
domicílios
rústicos – domicílios permanentes, cuja construção é
feita, predominantemente, por material improvisado* e
que correspondem à parcela da necessidade de reposição
que pode ser definida como os domicílios a serem
restaurados, substituídos ou repostos.
-
coabitação familiar – representa a insuficiência do
estoque habitacional para atender à demanda,
compreendendo a convivência de mais de uma família no
mesmo domicílio (famílias conviventes**) ou o aluguel de
quartos ou cômodos para moradia de outras famílias.
|
|
* Paredes de taipa não
revestida, madeira aproveitada ou material de vasilhame;
cobertura de madeira aproveitada, palha, sapé ou material
de vasilhame. |
|
** O pressuposto do conceito
de famílias conviventes é o de que, para cada família,
deve haver a disponibilidade de pelo menos uma unidade
habitacional. Esse pressuposto poderia ser criticado,
tendo em vista a sobrevivência, principalmente nos meios
populares, das famílias ampliadas. Isso implicaria na
necessidade de se investigar em que medida a coabitação é
uma opção voluntária ou um constrangimento gerado pela
limitação do mercado de moradias. Dada a impossibilidade
de se estabelecer parâmetros quantitativos que
estabelecessem essa diferenciação, sem o recurso a uma
pesquisa de campo, decidiu-se manter esse indicador,
conforme estabelecido pela Fundação João Pinheiro. |
- Déficit
por Aluguel:
Uma outra
categoria de déficit habitacional é aquela que engloba as
famílias que pagam um aluguel excessivo, comprometendo
assim grande parte de sua renda familiar. Optou-se por
apresentar as informações para todas as faixas de renda,
considerando como excessivo o comprometimento acima de 30%
da renda familiar. Não obstante, a situação mais crítica
refere-se ao caso das famílias com faixa de renda até 2
SM. Estas famílias compõem uma parcela da população em
situação de carência extrema e, portanto, mais vulneráveis
a esse tipo de problema. Neste caso, o acesso à moradia
tem importância crucial na manutenção das condições
básicas de vida, o que aponta para uma demanda por novas
moradias em condições especiais, na ausência de políticas
de controle de aluguéis ou de complementação de renda.
|
|
Os
dados referentes ao aluguel maior que 30% da renda
familiar são apresentados em separado, para evitar a
sobreposição com os outros componentes do déficit
habitacional. |
|
-
Inadequação:
As moradias
classificadas como inadequadas são aquelas que necessitam
de melhoramentos para que alcancem um padrão mínimo de
habitabilidade, definido a partir de critérios de
qualidade da infra-estrutura de serviços, relacionados ao
ambiente em que a moradia está inserida, e de quantidade
de cômodos do domicílio, em relação ao tamanho da família.
As moradias
classificadas como inadequadas podem ter problemas
relacionados ao adensamento excessivo ou ao acesso à
infra-estrutura:
-
Para
caracterizar as habitações com adensamento excessivo foi
considerada a densidade de moradores por domicílio
urbano, excluindo-se aqueles com presença de famílias
conviventes ou quartos/cômodos alugados, para não haver
sobreposição com a coabitação familiar, componente do
déficit. Tomou-se como suportável o limite de até 3
moradores por dormitório, nas casas e apartamentos
urbanos com família única.
-
Os
problemas de acesso à infra-estrutura, por sua vez,
podem estar vinculados à carência ou deficiência de
alguma de suas modalidades (iluminação, abastecimento de
água, instalação sanitária ou destino do lixo) como está
demonstrado no quadro a seguir:
Quadro -
Critérios de Inadequação
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instalação do Adobe Acrobat Reader 4.05 (gratuito 5,41Mb),
clique aqui para baixar
direto do FTP do CIDE. |
|
|
Após visualizar o arquivo
PDF, pressione
ALT+Seta Esquerda para
retornar à página. |
|
|
|
TABELA -
Período |
On-line |
Download |
|
|
Critérios de
Inadequação de Infra-Estrutura para Faixas de Renda |
PDF |
Excel |
TOPO
Considerações
O Déficit
Habitacional no Estado, em 1991, foi estimado em 360.703
unidades. Esse número corresponde ao que poderíamos chamar
de "déficit primário", abrangendo as famílias em maior
grau de precariedade habitacional. Já o "déficit por
aluguel" corresponde a 213.420 unidades, considerando-se
todas as faixas de renda. Se tomarmos como referência,
porém, apenas as famílias que comprometem mais de 30% de
seus rendimentos em pagamento de aluguel, na faixa de
renda familiar até 2 SM, esse valor cai para 114.594
unidades. Poderíamos, assim, considerar que o déficit
total (correspondendo à soma do déficit primário com o
déficit por aluguel das famílias até 2 SM) atingiria o
total de 474.895 unidades. Esse valor apresenta uma
magnitude não desprezível, já que significa 63% do total
do acréscimo domiciliar no Estado, na década de 80 (que
foi de 750.150 novos domicílios).
Um outro
indicador importante é o que relaciona o déficit à
situação já existente ("déficit relativo"), ou seja, a
relação entre o déficit estimado e o parque domiciliar
total. Para o déficit primário, chega-se a 10,3% do total
de domicílios, em 1991. Tomando como referência os dados
da Fundação João Pinheiro, este número é inferior à média
nacional de 14,3%, mas é idêntico à média da Região
Sudeste.
Cerca de 63%
do déficit primário (aproximadamente 227.000 unidades)
correspondem à faixa de até 2 SM de renda familiar
(enquanto essa faixa corresponde a 33% do total de
domicílios). Cabe ressaltar que essa população tende a ser
desatendida pela maioria dos programas habitacionais, já
que não se constitui como demanda solvável, mesmo para
programas públicos, necessitando de forte subsídio. 25%
das famílias estão na faixa de 2 a 5 SM e 8%, na faixa de
5 a 10. Se, agregarmos o déficit primário com o déficit
por aluguel, na faixa até 2 SM, chegaremos a um total de
342.072 unidades, que correspondem a 31% do respectivo
parque domiciliar.
Para termos
uma idéia do esforço necessário para atender a essa
demanda, que deveria ser priorizada no desenho das
políticas habitacionais, é importante considerar que a
produção total de unidades em conjuntos habitacionais
(para todas as faixas de renda) da CEHAB-RJ, na década de
70, foi de 34.274 unidades e, na década de 80, de 36.215
unidades. Ou seja, toda a produção da CEHAB-RJ nas décadas
de 70 e 80 atingiu apenas 21% do déficit habitacional
total, na faixa de até 2 SM.
Nas áreas
urbanas, pode-se constatar que 71% do déficit primário
correspondem ao componente "famílias conviventes" e 19%,
aos "domicílios rústicos". Já nas áreas rurais, esses
últimos correspondem a 61%.
O déficit se
distribui entre as Regiões de forma relativamente
proporcional à distribuição da população: 76% estão na
RMRJ (contra 77% dos domicílios). Entre as outras Regiões,
destacam-se a Serrana, o Médio Paraíba e o Norte
Fluminense, variando entre 5 e 6% , aproximadamente, do
total do déficit primário. É importante destacar, do ponto
de vista regional, o déficit relativo. Enquanto a média
geral é 10,7%, a Região da Baía da Ilha Grande apresenta
um índice de 14,8% e o Centro-Sul Fluminense, 12,4%. Isso
significa que, se do ponto de vista macro, essas Regiões
apresentam números relativamente pequenos, do ponto de
vista local, a situação é grave. Essa variação do déficit
relativo também é forte no nível municipal, como se pode
ver nas tabelas gerais.
Em síntese,
pode-se dizer que o problema a ser enfrentado no Estado do
Rio de Janeiro é significativo, tornando necessário um
esforço governamental e social amplo, de forma a buscar
soluções adequadas e eficientes. O problema maior é que,
desde a extinção do BNH, o que se verifica é a adoção de
programas limitados que não conseguem ter impacto
quantitativo significativo sobre os números aqui
apresentados. É importante ressaltar que, sem a adoção de
programas de oferta de novas moradias, a população
continuará a buscar soluções precárias, como ocupações de
áreas de risco, favelas, cortiços ou loteamentos
clandestinos, criando situações cuja solução técnica, pode
ser muito mais difícil. Esses programas deverão buscar
alternativas inovadoras, com participação popular e de
Organizações Não Governamentais e em parceria com os
governos locais, compondo um leque de iniciativas
diversificado, abrangendo financiamento, oferta de terras,
novas unidades etc.. Os números apresentados podem servir
como sinalizadores de prioridades para a ação dos governos
(estadual e municipais) ou da sociedade organizada. De
qualquer forma, o mais relevante é que soluções
permanentes e consistentes possam ser desenvolvidas,
buscando, a longo prazo, reverter o quadro aqui
apresentado.
TOPO
Estimativas
Déficit Habitacional - 2000
A
estimativa do déficit habitacional entre 1992 e 1997 foi
elaborada a partir dos dados da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios - PNAD. Esta pesquisa, realizada
anualmente pelo IBGE, atualiza a maioria das informações
levantadas nos Censos Demográficos, com foco maior na área
de trabalho e renda. Infelizmente, algumas informações e
os cruzamentos utilizados na composição da inadequação,
não constam destes levantamentos anuais impossibilitando
com isso, a estimativa desta categoria de necessidade
habitacionais.
Com relação ao déficit, utilizando os dados da renda
familiar e das características dos domicílios foi possível
calcular os números para a Região Metropolitana e para o
restante do Estado, isto é, das áreas para as quais a
amostra é significativa.
Para o período de 1998 a 2000, como não são disponíveis
todos os resultados necessários da PNAD que permitem este
cálculo, foi elaborado um modelo de projeção que considera
as tendências de crescimento do número de domicílios e de
variação do déficit por faixa de renda familiar
verificadas na década. As etapas intermediárias do cálculo
incluíram:
1. Projeção do número total de domicílios - com base nos
dados do Censo Demográfico de 1991 e da Contagem da
População de 1996 é possível estimar os valores para cada
município do Estado.
2. Projeção do déficit relativo, por faixa de renda -
determinado como sendo médias móveis trienais, para a
Região Metropolitana e Demais Regiões.
3. Aplicação dos percentuais projetados ao total de
domicílios, obtendo o déficit absoluto, por faixa de renda
para as áreas citadas. Estes valores não foram divulgados
visto que o método adotado não garante as estimativas com
tal grau de desagregação.
4. Soma dos déficits absolutos obtidos no item 3 para
obtenção do déficit total para as áreas de interesse. De
acordo com esta metodologia, obteve-se os resultados
indicados na tabela a seguir: |
|
Estimativa
do Déficit Habitacional - 2000
Estado do Rio de Janeiro |
|
Local |
Déficit
Absoluto |
Déficit
Relativo(%) |
Região Metropolitana |
286.951 |
9,22 |
Demais Regiões |
92.326 |
9,75 |
Estado |
379.277 |
9,35 |
Fonte:
CIDE
TOPO
Na
variação do déficit entre 1992 e 2000, verifica-se um leve
declínio representado pelo decréscimo de 12,6 % no déficit
relativo médio do Estado que era de 10,70% em 1991. No
acompanhamento, pelas PNADs, da variação entre 1992 e
1997, verificou-se uma acentuação do declínio no ano de
1994, voltando a subir e estabilizar de novo em 95. Esta
alteração verificada em 1994, fortemente associada ao
impacto do plano real na economia, ocorre em função da
diminuição do número de famílias com até dois salários
mínimos, faixa de renda onde se concentra o déficit
habitacional. A partir de 1997 o percentual de domicílios
em situação de déficit em relação ao total de famílias com
até 2SM, aumentou. Ou seja, se em 94 houve uma melhoria do
perfil de renda da população do Estado do Rio de Janeiro,
a partir de 97 verificou-se um achatamento geral do poder
aquisitivo, acarretando um novo aumento do déficit
relativo ,ainda que num patamar mais baixo. Os gráficos a
seguir, demonstram esta variação até 1997.
TOPO
Gráficos
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Gráficos |
On-line |
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Total de Domicílios
Estado do Rio de Janeiro |
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Déficit Habitacional
Estado do Rio de Janeiro |
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Tabelas
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Inadequação
Habitacional e Total de Domicílos por Regiões |
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Estado do Rio de Janeiro -
Geral |
PDF |
Excel/Zip
-
arquivo
contendo
todas as
tabelas. |
|
Região Metropolitana |
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Região Noroeste Fluminense |
PDF |
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Região Norte Fluminense |
PDF |
|
Região Serrana |
PDF |
|
Região das Baixadas
Litorâneas |
PDF |
|
Região do Médio Paraíba |
PDF |
|
Região Centro-Sul Fluminense |
PDF |
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Região da Baía da Ilha
Grande |
PDF |
TOPO
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Déficit
Habitacional |
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Estado do Rio de Janeiro -
Geral |
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todas as
tabelas. |
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Região Metropolitana |
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Região Noroeste Fluminense |
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Região Norte Fluminense |
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Região Serrana |
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Região das Baixadas
Litorâneas |
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Região do Médio Paraíba |
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Região Centro-Sul Fluminense |
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Região da Baía da Ilha
Grande |
PDF |
TOPO |
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Observatório de Políticas Públicas e Gestão Municipal |
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional |
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Topo TÓPICO 21
Problema nº
1 |
Jornal do Brasil,
Editorial, domingo 29 de outubro de 2000
Mais uma campanha eleitoral se passa sem a que os políticos
cariocas enfrentem a fundo o problema urbano nº 1
do Rio: a favelização. A discussão sobre a paternidade do
Favela Bairro sequer arranha a questão. Desvinculam-se
insegurança e expansão das favelas, embora uma questão esteja
relacionada à outra como cordão umbilical difícil de cortar.
Os tiroteios das favelas demonstram que o tráfico de drogas
ganha terreno, no alto dos morros e nas ruas circunvizinhas.
Cada vez com mais freqüência os traficantes abrigados nos
morros tomam conta das ruas, determinam abusivamente quem pode
transitar por elas, não raro forçando o comércio de
determinados bairros a fechar as portas quando um de seus
dirigentes é abatido. Seria uma conseqüência do mito - já
desmascarado - da inexpugnabilidade dos morros, onde a lei e o
governo não entravam. Criaram-se verdadeiros "estados
paralelos", preenchendo a ausência da autoridade.
Origina-se daí uma inversão de valores. Com a polícia ausente,
traficantes seguem suas trilhas de morro para morro. No
restante da cidade, famílias se trancam em suas casas enquanto
os traficantes circulam à vontade pelas mas. Depois de certa
hora, à noite, não se saí mais de casa. O crescimento das
favelas causa perturbação urbana incalculável, transformando
em incomodados os outros cidadãos, acossados pela violência e
a indiferença das autoridades. Tudo se enquadra em equação
fatal para o Rio: não há plano geral para as favelas e as
tentativas tímidas dos últimos Favela Bairro, apenas sublinham
a impotência de conter o crescimento desvairado delas, de uma
forma que as maiores convergem para uma fusão descomunal.
Um estudo do IBGE divulgado há dois anos revelou que a
população das maiores favelas cariocas está se multiplicando
até 50 vezes mais rapidamente que a do município. Hoje em dia
a prefeitura ignora até mesmo quantos são os favelados no Rio.
Estatística antiga, de l2 anos atrás, fala em 1 milhão. A
Secretaria de Habitação admite que os favelados dos morros,
dos loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais
degradados, sejam 2 milhões. A Federação das Favelas
calcula-os, no entanto, por alto, em 2,5 milhões, com base nas
660 favelas filiadas a ela. Enfim, na dança dos números, não
resta dúvida de que pelo menos um terço dos habitantes do Rio
mora em favelas. E este terço em breve será maior: a rigor o
Rio passará a ser uma grande favela cercada por cidadãos
pagadores de impostos por todos os lados.
Dos 180 morros cariocas, 68 já foram devastados pela ocupação
irregular que abate a vegetação e permite que a água das
chuvas escorra mais facilmente para a planície, com seu
cortejo de lixo e lama, a entupir bueiros e a destruir o
calçamento das ruas. Consolidou-se no Rio a idéia de que
qualquer sem-teto pode morar debaixo do viaduto ou invadir
terrenos, na margem dos rios, do mar e nos morros. O poder
público perdeu a autoridade. Como não se tomam providências,
as favelas pequenas, médias e grandes se estratificam
geograficamente e passam a crescer populacionalmente.
Prefeitos e governadores são assistencialistas... com a
propriedade alheia e a pública. Remoção de favelas, mesmo
daquelas praticamente deslizando dos morros íngremes,
tornou-se palavrão. O poder público prefere fechar os olhos à
ocupação irregular a enfrentar o problema de frente.
Por sua vez, as favelas hoje se dão ao luxo da especulação
imobiliária interna, o que provoca extravasamento de favelados
mais desfavorecidos para outros locais, reiniciando-se assim o
ciclo da favelização contínua. Mesmo os urbanistas sensíveis à
condição existencial das favelas concordam que elas devem ser
limitadas em seu crescimento, para que o poder público possa
enfim garantir os serviços básicos. Tudo o que estoura os
limites é anárquico, violento. Do ponto de vista urbano, o
rolo compressor das favelas se expandindo em todos os bairros
é a antevisão da anarquia em seu estágio mais explosivo.
O verdadeiro nó da questão é: ou o Rio se urbaniza ou cai na
decadência. O tráfico de drogas percebeu há muito que poderia
tirar proveito dessa alternativa e caiu sobre as favelas com
mão de ferro. Um exemplo dessa ocupação está na Linha Vermelha
-21 quilômetros de rodovia cercados de ambos os lados por 10
favelas, entre elas a Nova Holanda e as do Complexo da Maré,
controladas pelo tráfico de drogas.
Antes de ser engolido pela favelas (e pelo tráfico de drogas)
o Rio precisa reavivar antigos planos de urbanização das
favelas urbanizáveis e remoção das favelas removíveis. Da
última vez que se falou no assunto, de maneira abrangente, em
1988, um plano da Secretaria (municipal) de Desenvolvimento
Social calculou que com 950 milhões de dólares se poderia
urbanizar todas as favelas do Rio - o mesmo que o Moreira
Franco destinou às obras de extensão do metrô até Ipanema.
Inútil constatar que nem o metrô foi até Ipanema e nem as
favelas pararam de crescer desordenadas. Uma décima parte
desse dinheiro bastaria para livrar a cidade de 223
áreas de risco que a cada verão amargam desabamentos e
inundações. Há favelas, como a Rocinha, em que a
urbanização é a única saída, tal o estágio da área ocupada.
Mas uma favela como a do Morro Dona Marta deve ser erradicada,
pois seus moradores correm eterno risco de vida. Como se não
bastasse a natureza constantemente violada, os traficantes,
com suas guerras internas, contribuem para a exacerbação dos
riscos.
Na grande cidade, ameaçada pela violência de lados, não se
pode continuar atribuindo as causas da criminalidade apenas
aos problemas sociais. Por culpa da sociedade, no seu
conjunto, desde os políticos assistencialistas aos meliantes
entocados nos morros, criou-se enorme área de permissividade
que está na base dos distúrbios urbanos. A multiplicação dos
pequenos delitos e a tolerância aos maus hábitos abriram
caminho para a grande criminalidade, em constante relação de
influência mútua. O resultado está aí, nos tiroteios, nas
balas perdidas, no medo da população de sair às ruas. Chegou a
hora de enfrentar sem rodeios o problema nº 1 do Rio. |
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TÓPICO 22
Casas e
justiça |
Jornal O Globo, Opinião,
domingo, 19 de novembro de 2000
O Brasil
tem hoje um déficit habitacional estimado em mais de cinco
milhões de domicílios. Esse dado fornece boa parte da
explicação para o grande número de favelas existentes tanto
nas grandes cidades como na periferia das regiões
metropolitanas e mesmo em cidades médias.
O Governo federal
estabeleceu como meta a construção de dois milhões de casas
até 2002; a maior parte será destinada a famílias de baixa
renda. Nesse esforço para redução do déficit habitacional
devem estar presentes também governos estaduais e prefeituras.
O município do Rio já tem um programa bem-sucedido na área de
habitação que é o Favela- Bairro. Graças a investimentos em
infra-estrutura e recuperação urbana, os próprios moradores se
sentem estimulados a valorizar seu patrimônio, reformando ou
reconstruindo com material mais apropriado as habitações onde
vivem.
No
entanto, seria um erro se as autoridades, embaladas pelas
virtudes evidentes de um projeto que aqui nasceu, vissem nele
a solução única, universal, para o problema da moradia
popular. A Prefeitura precisa construir casas populares por
conta própria. Em alguns lugares, como parte do Favela-Bairro,
para eliminar pontos específicos de risco ou criar espaço para
ruas ou praças. E também haverá lugares em que casas populares
precisarão substituir inteiramente favelas - porque existem
aquelas em que o Favela-Bairro seria um equívoco urbanístico e
um desserviço à população carente.
Em suma,
embora o programa tenha pleno sucesso e mereça ser
estendido a todas as comunidades carentes do município, é
evidente que no Rio o déficit habitacional tem de ser
enfrentado em várias frentes, o que inclui a construção de
maior número de casas populares.
Essa
atribuição já foi do Governo estadual; agora, se a próxima
administração municipal tiver condições e meios de executar o
seu próprio programa ambicioso de casas populares, melhor
ainda.
Na
verdade, tudo que se puder fazer para reduzir o déficit
habitacional contribuirá para que o Brasil tenha menos
desigualdade e mais justiça social. |
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TÓPICO 23
Voltar ao
Topo TÓPICO 24
Especulação, Desmatamento e Favelas |
Retirado do site:
http://www.alternativacarioca.org.br/site/sirkis/artigos.shtml#especulacao
Alfredo Sirkis
Especulação, Desmatamento e Favelas
Iniciado
no governo anterior, fruto de uma discussão que vinha desde os
ano 80, o programa Favela Bairro vem sendo apresentado como
uma panacéia para o problema da "cidade partida", essa
dicotomia entre o asfalto regulado e a o morro ou terreno
baixo, sem lei. O Favela Bairro é essencialmente um bom
programa pois leva à favela algumas intervenções urbanísticas,
viárias, de saneamento e outras destinadas a melhorar sua
acessibilidade, tratá-la como um bairro em situação especial e
não mais um conglomerado de fato mas não de direito. Ele
trabalha a autoestima das populações beneficiadas o que é
muito importante. Mas tem problemas. Em algumas comunidades as
obras são de má qualidade, noutras arrastam-se penosamente ao
sabor de empreiteiras de baixo desempenho mas preço baratinho
--como condiciona a lei 8 666-- ou ao capricho dos chefetes
locais do tráfico de drogas. Mas os risco maiores para o
Favela Bairro não estão relacionados ao seus eventuais
problemas, paradoxalmente, ao seu eventual sucesso urbanístico
desassociado de uma enérgica intervenção ambiental e de uma
pactuação prevendo o futuro e instituindo regras do jogo lá
onde hoje não existe lei.
O Favela
Bairro pode efetivamente melhorar as condições de uma
comunidade e faze-la aproximar-se da idéia de um bairro formal
--com nome de rua, numeração, regularização fundiária, esgoto,
coleta regular de lixo-- como no caso do Vidigal e da Rocinha.
Mas esta melhoria pode redundar, perversamente, em novos booms
da especulação imobiliária informal atraindo maiores
contingentes de moradores para novas áreas precariamente
construídas na mata acima das beneficiárias do Favela Bairro.
Isto compromete o programa? Certamente, não! Mas ressalta que
não bastam os projetos e as obras físicas. Eles constituem o
hardware da integração da favela à cidade formal, mas é
preciso também um software. A intervenção urbanística não pode
dar-se desassociada da implementação de uma estratégia
enérgica de limitação da expansão futura, da criação de
mecanismos de regulação e licenciamento adptada à realidade
específica da favela, de mecanismos de pactuação, geração de
renda, dissuasão e repressão aos crimes ambientais.
Em
primeiro lugar deve-se conter a subsequente expansão da favela
sobre áreas verdes. E como se faz algo aparentemente tão
complicado? Pactuando limites. Além das obras em si o poder
público, sobretudo a prefeitura, dispõe de um poderoso
mecanismo: os projetos geradores de renda como são os mutirões
remunerados de reflorestamento, saneamento, catação e
reciclagem de lixo. Pessoas da comunidade escolhidas passam a
receber uma ajuda de custo regular, com quantias que
correspondem a uma leque entre um e meio a três e meio
salários mínimos, mais taxa de produtividade, pela realização
de uma destas rotinas diárias de grande interesse ambiental e
sanitário. Isso produz um afluxo de renda que beneficia direta
ou indiretamente dezenas de moradores e cria uma base objetiva
para um pacto de não expansão da comunidade sobre a área
verde. Sua eventual violação engendraria a suspensão imediata
dessa geração de renda.
Os
resultados deste tipo de estratégia são comprovados. Na época
em que tive sob minha responsabilidade os mutirões de
reflorestamento, em 47 favelas, foi possível conter, em todas
elas, os desmatamentos da área florestal contígua. Os
moradores passavam a ser os fiscais e as raras ações
repressivas necessárias tinham seu respaldo, provinham de seus
próprios alertas. É preciso também construir muros, grades ou
cercas para proteger a área verde. Por si só eles não garantem
nada --é muito facil derrubá-los-- mas no contexto de uma
pactuação comunitária ajudam bastante, funcionam como
fronteiras visíveis. As famílias pobres que buscam um teto
devem ser tratadas sempre com humanidade e respeito. Já o
desmatador, o especulador, o construtor informal não pode
permanecer impune. É preciso criar um grupo de trabalho
especial reunindo o ministério público, a delegacia móvel de
meio ambiente, a PM e a prefeitura para reprimir e instruir os
processos contra os responsáveis pelo crime de parcelamento
ilegal e delitos ambientais conexos.
Finalmente
é preciso prever realisticamente uma margem de crescimento
destas comunidades, regula-la e pactua-la. Neste sentido a
verticalização, dentro de certos limites, sobretudo de
segurança, é mais solução que problema. É preciso estabelecer
reservas de área e definir critérios de acesso a elas. É
sobretudo importante criar, em cada uma dessas comunidades, um
código de obras e um código ambiental específicos, mediante um
processo participativo e democrático, com os indispensáveis
mecanismos de intervenção corretiva. Obras físicas representam
apenas o primeiro passo para a efetiva integração da favela à
cidade formal. A presença de bandos armados de traficantes é
naturalmente um complicador imenso, mas o caminho, por mais
difícil que seja, é um só: o do estabelecimento dos direitos e
dos deveres de cidadania na favela como no bairro.
Desafio
Urbano
Mais que
embates políticos nacionais ou ideologias pensamos que serão
algumas questões de gestão local as mais candentes nas
eleições municipais de 1º de outubro. A sociedade despertou
para nossas cidades doentes: engarrafamentos sem fim, ar
poluído, praias contaminadas, águas sujas, inundações,
desabamentos, áreas verdes e arborização de rua diariamente
agredidas, lixo avolumando-se cada vez mais, poluição sonora,
incivilidade, neuroses e paranóias que realimentam a
violência. Estes problemas se articulam perversamente com
nosso drama social: desemprego sobretudo dos jovens pobres
--mais propensos a serem atraídos para a violência, as drogas
e o tráfico; falta de moradia; fome ou alimentação de má
qualidade; sistema de saúde precário sem ênfase na prevenção
de doenças e acidentes; educação fraca e inadequada. O quadro
é agravado pelos graves erros urbanísticos cometidos nos
últimos 30 anos: a ocupação e impermeabilização de várzeas e
outras áreas de acumulação de cheias, o desmatamento de
encostas, o apartheid socio - urbanístico com aquela sua
famosa tríade: condomínios isolados, shoppings e automóvel,
por um lado, e seu avesso assimétrico: as favelas e periferias
da informalidade, da exclusão.
Não é
fortuito que nossa capital federal seja uma monumental
não-cidade construída fora de escala humana, sem ruas,
calçadas, esquinas e praças, esses espaços fundamentais de
encontro e interação cidadã onde se forja um tecido social
plural e integrado. Não é gratuito o abandono e o esvaziamento
das áreas centrais de nossas megalóples: o centro do Rio de
Janeiro, subutilizado, com suas oito ou nove horas de vida por
dia, cinco dias por semana, e, depois, deserto compondo o
reverso das cidades-dormitórios da baixada fluminense que vão
se enchendo a medida em que ele se despovoa. Entre o downtown
subaproveitado, sem moradias e o dormitório-depósito, sem vida
econômica, personalidade ou cultura, uma longa viagem em
ônibus apinhados. O centro de São Paulo, no passado mais
equilibrado e plural, com usos múltiplos, hoje está abandonado
por políticas urbanas criminosas.
Se nossas
grandes cidades forem definitivamente partidas entre as torres
paranóicas e as atrozes periferias, estaremos possivelmente
cultivando guerras civis do futuro. Mas a leitura de nossas
cidades não pode ser apenas a de suas mazelas e ameaças. As
cidades são a forma mediante a qual a humanidade escolhe cada
vez mais se agrupar, em todo o planeta, onde nossas
necessidades podem melhor ser atendidas, em todos os níveis,
onde podemos encontrar no outro aquilo que procuramos e
vice-versa. A urbanização é um processo irreversível, no norte
como no sul. Com ela, apesar dos traumas, cresce o
conhecimento, a educação, a expectativa de vida, cai a
mortalidade infantil, a explosão demográfica. As mais
diferentes oportunidades de interatividade, de trabalho, de
lazer, de prazer, de afirmação se esboçam, embora muitas vezes
sem se potencializar. Nas cidades aparecem concentradas as
bipolaridades da existência humana: a dor e o prazer, a
esperança e a frustração, a inclusão e a exclusão, a riqueza e
a pobreza, a vida e a morte concentradas.
O grande
desafio verde do novo século não será de que maneira escapar
das cidades, qual de Sodoma e Gomorra, sem poder olhar para
trás, para viver em comunidades rurais alternativas, mas de
como "esverdea-las" , fazendo delas aglomerações humanas
social, cultural, urbanística e ambientalmente mais sadias,
livres, justas para se viver. A noção de ecologia urbana não
se prende à simples proteção de áreas verdes ou gestão de
parques. Seu postulado é o entendimento de que o ambiente
construído faz parte da natureza, interage com ela
constantemente, para o bem ou para o mal, e de que ambos
necessitam integrar-se com sabedoria. Também se relaciona com
a idéia de que não podemos separar as questões ambientais das
sociais. A recuperação do meio ambiente e sua proteção devem
transformar-se em fontes geradoras de emprego, educação
ambiental, cultura e cidadania para os setores mais pobres e
excluídos das nossas cidades.
Por outro
lado é preciso reinventar o próprio significado do ativismo
político não pode mais continuar preso ao protesto, à
denúncia, a interesses corporativos, à mera canalização de
energias negativas contra o que está errado. Porque não haverá
uma grande noite da revolução a partir da qual tudo será
diferente. Explosões se houverem só produzirão estilhaços,
lacerações. Nossa intervenção precisará ser cada vez mais a da
construção, no dia-a-dia, dos projetos que de fato transformem
a realidade, melhorem de alguma forma a vida das pessoas,
articulem o poder público, a sociedade civil organizada e
setores sensíveis da iniciativa privada para gerar ciclos
virtuosos socioambientais e culturais. Do fundo do poço da
repulsa hoje existente em relação aos políticos tradicionais
--ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, o clientelismo e a
distritalização se fortalecem cada vez mais-- pode surgir, em
alternativa ao fisiologismo, ao sectarismo e também ao
abatimento, àquela entropia niilista do "não tem jeito"; uma
dimensão sonhadora mas realista da política, cujo mote deve
ser, simplesmente: "vamos organizar as pessoas para melhorar
as coisas". A começar pela nossa rua, pela nossa cidade. |
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TÓPICO 25
Por quê? |
Jornal O
Globo, quarta-feira, 17 de janeiro de 2001
CESAR MAIA
Os primeiros dados do Censo 2000 nos trazem uma notícia
inquietante. Ainda não diria preocupante. As taxas de
crescimento das populações das maiores cidades brasileiras Rio
e São Paulo - voltaram a crescer. E, provavelmente, este
crescimento é semelhante ao do Início dos anos 80.
Vejamos. Comparando apenas os censos demográficos nos anos 70,
a população do Rio cresceu à taxa de 1,82% ao ano, enquanto a
de São Paulo o fez à taxa de 3,67% em Igual período. Nos anos
80 - entre 1980 e 1991, quando ocorreu o censo - esta taxa
caiu espantosamente para 0,67% ao ano, no Rio, e 1,16% ao ano
em São Paulo. Na década de 90 - entre 1991 e 2000 - segundo
dados divulgados este ano pelo IBGE, esta mesma taxa cresce
para 0,73% ao ano, no Rio, e 1,41% ao ano em São Paulo.
Poderia parecer um leve recrudescimento, talvez até explicável
por ajustes estatísticos e imprecisões censitárias. Porém, os
dados do IBGE relativos a ajustes populacionais, checados
pelas amostragens que são feitas em períodos curtos, nos
mostram que a partir de 1996 esta inflexão da curva de
crescimento populacional é abrupta. Entre 1996 e 2000 a
população do Rio teria crescido 1,32% ao ano, um valor que
apresenta o dobro da taxa dos anos 80, enquanto na mesma
década a de São Paulo teria crescido 1,41%, um aumento de
cerca de 20%. E mais. Se os números de 1996 apresentados pelo
IBGE são críveis, a taxa de crescimento populacional entre
1991 e 1996 foi de apenas 0,26% para o Rio e 0,40% para São
Paulo. Mesmo que os ajustes feitos pelo IBGE em 1996 careçam
de precisão, nota-se uma clara inflexão nas taxas de
crescimento demográfico durante os anos 90. No Rio, da
primeira metade da década até a segunda, a taxa pode ter
quintuplicado. Em São ti Paulo, ela pode ter mais do que
triplicado.
De qualquer forma, os números mostram um recrudescimento da
explosão demográfica nas duas metrópoles. Isto tanto pode ter
acontecido por fatores positivos, como atratividade econômica,
quanto por fatores negativos, como desordem no solo urbano ou
ausência de atratividade no entorno. E também pode ter sido
ocasiona- da tanto pela atração principal de setores sociais
médios, quanto pela atração de setores socialmente excluídos.
Pode, ainda, ser um fenômeno da globalização, onde as cidades
metropolitanas voltam a ser eixos do desenvolvimento.
Poder, pode. Mas não sabemos por que isto ocorreu. É básico
que os pesquisadores, professores, intelectuais se debrucem
imediatamente sobre os detalhes destes números - detalhes
sociais, econômicos, etários, sub-regionais - e ajudem ambas
as cidades a compreender este fenômeno, para que as políticas
públicas possam agir sobre as tendências, de forma a produzir,
como conseqüência, os melhores desdobramentos em termos de
qualidade de vida.
Se tivermos estas análises e informações rapidamente,
poderemos adotar medidas gerenciais de curto prazo. Se
esperarmos saber o porquê através das teses que certamente
virão daqui a dez anos, olharemos para trás contemplativos e
começaremos um novo ciclo de intervenções de alto custo e
baixo rendimento. Lembro que programas como o Favela-Bairro
são possíveis e necessários em função da baixa taxa de
crescimento demográfico existente no início dos anos 90. E que
se o ocorrido na segunda metade dos anos 90 tiver relação com
os fenômenos observáveis nos anos 70, e ainda na metade dos
anos 80, alguns ajustes de política habitacional, tatu sensu,
devem ser feitos. No entanto, se o fenômeno for um
desdobramento do processo de globalização, então as
intervenções terão outro caráter e serão de ajustes para a
criação de condições capazes de gerar desenvolvimento local.
Não sabemos nada. Não sabemos o porquê. São Paulo e Rio
tiveram dinâmicas distintas nos anos 90 com São Paulo vivendo
problemas crescentes. Mas os efeitos demográficos são
semelhantes. Por quê? Precisamos que as universidades e os
órgãos técnicos nos ajudem a entender esta nova dinâmica para
que todos possamos agir.
CESAR MAIA é o prefeito do
Rio de Janeiro |
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TÓPICO 26
A Carga
Tributária Incidente no Preço de Habitações Populares em São
Paulo |
Retirado do site:
http://www.sindusconsp.com.br/publica/sumario/cargatrib.htm
A
Carga Tributária Incidente no Preço de Habitações
Populares em São Paulo |
Apresentação
O adquirente de uma moradia popular paga em impostos 40%
do valor do que custaria produzir este imóvel sem
tributos. Esta é a conclusão do presente estudo feito pelo
professor da Unip, Jorge Oliveira Pires, doutorando pela
FGV-SP, em parceria com o Setor de Economia do
SindusCon-SP.
O estudo mostra a incidência, no custo da habitação
popular no município de São Paulo, de tributos e encargos
específicos, tais como ITBI, ISS, IOF, IPTU, IPI, ICMS,
INSS, Incra, Salário-Educação, Seguro de Riscos e
Acidentes, além dos gerais – IRPJ, Cofins, CLS, PIS e
CPMF.
O documento foi entregue recentemente ao presidente da
Caixa Econômica Federal, Emilio Carazzai, com o objetivo
de sensibilizar o governo federal para que promova uma
redução de tributos e encargos na construção de habitação
popular.
Com esse estudo, o SindusCon-SP dá sua contribuição,
disponibilizando uma metodologia que demonstra a urgente
necessidade de diminuir tributos e encargos, para
impulsionar as políticas públicas de estímulo à aquisição
de moradia pela
população de baixa renda.
Sergio Porto
Presidente SindusCon-SP
|
|
|
Jorge Oliveira Pires é
professor da Unip
e doutorando pela EAESP/FGV-SP.
1. Introdução
O intuito deste
estudo é identificar quanto do custo total de um
empreendimento de habitações populares é composto por
tributos recolhidos aos cofres públicos. Nesse sentido,
são levados em conta tanto os impostos que são
internalizados nos custos da atividade de construção
civil, pela simples aquisição de material e serviços, como
também os tributos oriundos da contratação de mão-de-obra.
Há que se considerar ainda, além do custo tributário acima
citado, a incidência de vários outros tributos sobre o
faturamento das empresas do setor, o que eleva o custo
final das unidades produzidas.
Este documento apresenta a metodologia, as hipóteses de
trabalho utilizadas para estimar a incidência de impostos
na atividade e, por fim, traz breves comentários sobre os
resultados.
2. Metodologia
O custo da habitação
popular pode ser decomposto em dois grandes grupos: (i) os
de construção, nos quais estão inclusos o custo direto
total, o BDI, o custo do equipamento comunitário, custo
total de urbanização, e (ii) os demais, nos quais estão
inclusos: o valor do terreno, as despesas de legalização e
o seguro de término de obra.
preço = custo de construção + demais custos
Sobre
esses componentes incidem diferentes impostos com
distintas alíquotas, o que requer um tratamento
diferenciado entre os grupos. Os custos de construção, por
exemplo, podem ser subdivididos em despesas com material e
despesas com mão-de-obra, as quais pagam impostos e
contribuições distintos. A tabela 1 lista os componentes
de custo e os respectivos tributos, específicos e gerais,
incidentes sobre eles.
|
|
|
TABELA 1 - Composição dos Custos e Tributos Incidentes |
|
|
|
|
Custo da construção |
Demais custos |
|
Componentes |
• Custo unitário básico
- Material
- Mão-de-obra
• BDI
• Equipamento comunitário
• Urbanização |
• Terreno
• Despesas de
legalização
• Seguro de
término de obra |
Impostos específicos |
IPI, ICMS, INSS, INCRA,
Salário Educação,
Seg. Riscos e Acidentes |
ITBI, ISS, IOF, IPTU |
|
|
Impostos Gerais
IRPJ, COFINS, CSL, PIS/PASEP, ISS,CPMF |
|
|
2.1 Impostos sobre o
consumo intermediário
de material e serviços
Os custos de
construção podem ser divididos em dois grandes blocos:
aqueles referentes aos materiais utilizados ou serviços
contratados e os que dizem respeito à mão-de-obra. Sobre
esses dois blocos incidem tributos diversos que oneram os
custos de produção.
Sobre os materiais utilizados na construção incidem o IPI
e o ICMS. Buscou-se, assim, identificar os valores desses
impostos embutidos em seu preço. O peso de cada grupo de
material no custo por m2 construído é o empregado no
cálculo do custo unitário básico de habitações populares
realizado pelo SindusCon-SP.
A partir desses pesos e das alíquotas vigentes para os
dois tributos em questão (IPI e ICMS) pôde-se estimar o
quanto de imposto foi pago na compra dos materiais
necessários na construção de um m2 de habitação popular.
Para o IPI a alíquota varia bastante, conforme o tipo de
material, enquanto para o ICMS a alíquota genérica de 18%
vigora para a grande maioria dos produtos, salvo algumas
exceções, que têm alíquota reduzida para 12% (ver tabela
2).
Para o cálculo dos impostos sobre a folha de pagamento
adotou-se procedimento semelhante ao descrito acima. Sobre
a folha de pagamento incidem três grupos de encargos:
Grupo I:
composto pelos Encargos Básicos Tributários relativos a
INSS, Salário Educação, INCRA e Seguro Obrigatório Contra
Riscos e Acidentes, totalizando 25,7% da folha, que são
efetivamente recolhidos aos cofres públicos.
Grupo II:
composto pelos Demais Encargos Básicos, incluindo FGTS,
SESI, SENAI e SEBRAE, SECONCI, totalizando outros 12,1% da
folha, que no entanto não têm como destino o caixa do
governo.
Grupo III:
composto pelos Encargos Adicionais (Repouso semanal
remunerado, Feriados, Férias + 1/3, Auxílio enfermidade e
acidentes do trabalho, 13o Salário, Licença paternidade,
Faltas justificadas por motivos diversos), os quais
totalizam 52,55% da folha. Sobre este último grupo há
incidência dos encargos descritos nos grupos I e II.
Contudo, apenas aqueles relativos ao grupo I são de
natureza tributária.
Como nosso interesse reside no cálculo do total de
impostos recolhidos aos cofres públicos, os encargos do
grupo III acima descritos (e que basicamente são
benefícios adicionais auferidos pelo trabalhador) foram
computados apenas na medida em que compõem a base de
incidência dos encargos dos grupos I e II – como dissemos,
apenas o do grupo constitui carga tributária.
Desconsiderou-se, neste estudo, os encargos ligados às
eventuais demissões de trabalhadores e outros, tais como:
dias de chuva e outras dificuldades, café da manhã,
almoço, jantar, equipamento de segurança e vale
transporte.
2.2 Impostos
sobre o valor da produção ou sobre
componentes específicos
2.2.1 Impostos
sobre o valor da produção (faturamento)
Além dos impostos
sobre a folha de pagamento e aqueles embutidos no custo
dos materiais, incidem sobre o faturamento da empresa:
IRPJ, COFINS, PIS/PASEP, Contribuição Social sobre o Lucro
(CSL) e a CPMF² . Com relação a esses tributos cabem as
seguintes notas:
|
|
Grupos de produtos e alíquotas vigentes
no Estado de São Paulo |
|
|
|
Família de produto |
Código NBM |
Custo unitário
preços de set/99 |
Alíquotas |
|
IPI |
ICMS |
|
|
Tábua pinho |
4407.10.0399 |
0,09 |
10 |
18 |
|
Viga peroba |
4407.99.0203 |
8,95 |
0 |
18 |
Chapa compens. plast. |
4412.11 |
0,13 |
10 |
18 |
Portas |
4418.20.0000 |
0,98 |
10 |
18 |
Concreto usinado |
6810 |
13,19 |
10 |
18 |
Cimento |
2523.2 |
7,63 |
4 |
18 |
Areia |
2505 |
2,40 |
0 |
12 |
Brita |
2517.10 |
1,58 |
0 |
12 |
Cal |
2523.2 |
0,85 |
4 |
18 |
Bloco |
6810.11.0000 |
22,03 |
10 |
18 |
Tijolos |
6904.10 |
0,22 |
0 |
12 |
Telha Paulista |
6905.10 |
5,69 |
0 |
12 |
Caixa d`água |
6811.90.0101 |
1,55 |
10 |
18 |
Aço |
7214.20.010 |
5,13 |
5 |
12 |
Prego |
7317.00.02 |
0,23 |
15 |
18 |
Tintas |
3208 |
2,52 |
10 |
18 |
Liq. Desmoldante |
3403 |
0,15 |
15 |
18 |
Impermeab.Normal
(vedacit) |
3823.40.0100 |
4,14 |
10 |
18 |
Vaso sanitário |
6910.10 |
4,13 |
10 |
18 |
TUBO PVC (esgoto) |
3917.2 |
1,55 |
10 |
18 |
Tubo PVC rígido
(soldável) |
3917.2 |
1,36 |
10 |
18 |
Tubo ferro galvaniza. |
7304.3 |
0,72 |
8 |
18 |
Torneira cromada p/
pia cozinha |
8441 |
6,25 |
12 |
18 |
Fio termoplástico |
8544.5 |
3,85 |
15 |
18 |
Eletroduto PVC rígido |
3917 |
0,23 |
10 |
18 |
Caixa passagem |
3925 |
30,25 |
15 |
18 |
Disjuntor |
8535.2 |
1,00 |
15 |
18 |
Interruptor |
8535.3 |
2,06 |
15 |
18 |
Vidro liso transparente |
7004.90 |
3,70 |
10 |
18 |
Dobradiça em ferro
polido |
8302.10 |
2,44 |
10 |
18 |
Caixilho de ferro |
8302.4 |
39,75 |
10 |
18 |
²
Alguns desses impostos incidem sobre o lucro, mas sua
aferição estimativa é realizada tendo por base o
faturamento.
O IRPJ foi calculado
aplicando a alíquota de 15% sobre a base de incidência,
representada por 8% do faturamento (i.é, do valor total do
empreendimento), excluído o valor do terreno, e 10%
adicionais sobre o que exceder R$ 20.000,00. Tudo se
passa, pois, como se o empreendimento proporcionasse um
lucro de 8%. Esse número é utilizado em razão de ser o
valor usado para o cálculo da base de incidência do
imposto das empresas de construção que optam pelo
recolhimento mensal com base no lucro estimado.
• A COFINS recolhida
na operação foi calculada usando-se a alíquota de 3% sobre
o valor do empreendimento.
• A Contribuição
Social sobre o Lucro (CSL) foi calculada utilizando-se
como base de incidência 12% do faturamento, aos quais
foram aplicados a alíquota de 12%. Como previsto em lei,
há a possibilidade de se compensar neste tributo um terço
do valor da COFINS paga. Esse valor (1/3) foi, portanto,
aqui descontado.
• A CPMF recolhida foi
calculada aplicando-se a alíquota de 0,38% sobre o valor
total do empreendimento.
• O ISS recolhido
sobre a atividade da construção foi calculado
empregando-se a alíquota de 5% (vigente na cidade de São
Paulo³ ) sobre o valor total do empreendimento,
excluindo-se o valor do terreno e o valor do material
utilizado. A alíquota foi aplicada sobre 42% da soma Custo
Global de Edificações + Custo do Equipamento Comunitário +
Custo Total de Urbanização. Os 42% acima referidos
correspondem à participação da mão-de-obra no custo total
por m² calculado para as edificações (os 58% restantes
correspondem aos materiais). Supõe-se, assim, que a mesma
composição vigora para o equipamento comunitário e a
urbanização.
2.2.2 Outros
Impostos sobre componentes específicos do custo
Sobre a transmissão de
bens imóveis incide o ITBI. A alíquota de 2% sobre o valor
do terreno foi utilizada para cálculo do imposto pago na
operação de compra do mesmo4 . Sobre as despesas de
legalização incide o ISS. A alíquota utilizada é a vigente
no município de São Paulo: 5%.
Sobre o seguro de término de obra incide o IOF, com
alíquota de 4%, conforme legislação vigente.
3
Essa alíquota varia bastante de cidade para cidade.
4 Essa alíquota varia de 2% a 6% de
acordo com o valor do imóvel. No presente trabalho
consideramos alíquota de 2% devido a uma liminar que assim
determina.
|
|
Grupos de materiais e arrecadação
no Estado de São Paulo |
|
|
|
Família de produto |
|
|
|
|
Custo unit.
preços set/99 |
impostos |
|
|
|
IPI |
ICMS |
Total |
Alíq. |
|
|
Tábua pinho |
0,09 |
0,007 |
0,016 |
0,024 |
26,2% |
|
Viga peroba |
8,95 |
- |
1,611 |
1,611 |
18,0% |
Chapa compen. plast. |
0,13 |
0,011 |
0,023 |
0,034 |
26,2% |
Portas |
0,98 |
0,080 |
0,176 |
0,257 |
26,2% |
Concreto usinado |
13,19 |
1,082 |
2,374 |
3,456 |
26,2% |
Cimento |
7,63 |
0,250 |
1,373 |
1,624 |
21,3% |
Areia |
2,40 |
- |
0,288 |
0,288 |
12,0% |
Brita |
1,58 |
- |
0,190 |
0,190 |
12,0% |
Cal |
0,85 |
0,028 |
0,153 |
0,181 |
21,3% |
Bloco |
22,03 |
1,806 |
3,965 |
5,772 |
26,2% |
Tijolos |
0,22 |
- |
0,026 |
0,026 |
12,0% |
Telha Paulista |
5,69 |
- |
0,683 |
0683 |
12,0% |
Caixa d`água |
1,55 |
0,127 |
0,279 |
0,406 |
26,2% |
Aço |
5,13 |
0,226 |
0,616 |
0,841 |
16,4% |
Prego |
0,23 |
0,028 |
0,041 |
0,070 |
30,3% |
Tintas |
2,52 |
0,207 |
0,454 |
0,660 |
26,2% |
Liq. Desmoldante |
0,15 |
0,018 |
0,027 |
0,045 |
30,3% |
Impermeab.Normal
(vedacit) |
4,14 |
0,339 |
0,745 |
1,085 |
26,2% |
Vaso sanitário |
4,13 |
0,339 |
0,743 |
1,082 |
26,2% |
TUBO PVC (esgoto) |
1,55 |
0,127 |
0,279 |
0,406 |
26,2% |
Tubo PVC rígido
(soldável) |
1,36 |
0,112 |
0,245 |
0,356 |
26,2% |
Tubo ferro galvaniza. |
0,72 |
0,047 |
0,130 |
0,177 |
24,6% |
Torneira cromada p/
pia cozinha |
6,25 |
0,615 |
1,125 |
1,740 |
27,8% |
Fio termoplástico |
3,85 |
0,474 |
0,693 |
1,167 |
30,3% |
Eletroduto PVC rígido |
0,23 |
0,019 |
0,041 |
0,060 |
26,2% |
Caixa passagem |
30,25 |
3,721 |
5,445 |
9,166 |
30,3% |
Disjuntor |
1,00 |
0,123 |
0,180 |
0,303 |
30,3% |
Interruptor |
2,06 |
0,253 |
0,371 |
0,624 |
30,3% |
Vidro liso transparente |
3,70 |
0,303 |
0,666 |
0,969 |
26,2% |
Dobradiça em ferro
polido |
2,44 |
0,200 |
0,439 |
0,639 |
26,2% |
Caixilho de ferro |
39,75 |
3,260 |
7,155 |
210,415 |
26,2% |
Total |
174,75 |
13,802 |
30,554 |
44,356 |
25,4% |
3. Estimativa do total de impostos pagos numa habitação
popular
As
estimativas do total de impostos pagos sobre o valor de
uma habitação popular feitas neste estudo tomaram como
base um empreendimento constituído por 10 edifícios com 5
pavimentos e 4 apartamentos por andar, totalizando 200
unidades residenciais. A área total equivalente de
construção desse projeto, previsto para a cidade de São
Paulo, é de 9.407,39 m2. O custo unitário básico apurado
para este empreendimento é de R$276,09 por m2.
O primeiro passo dado foi calcular a alíquota média
incidente sobre os custos de material e de mão-de-obra.
Para tanto, utilizou-se o valor de R$301,09 por m2
equivalente ao custo unitário básico da habitação popular
calculado pelo SindusCon-SP5 . Este procedimento foi
adotado, pois permitiu que fossem: (i) discriminados os
custos de cada tipo de material e de cada categoria de
mão-de-obra, (ii) relacionadas as alíquotas de impostos
incidentes sobre eles e (iii) calculado o respectivo
imposto pago.
Dessa forma, para se chegar à alíquota média, dividiu-se o
valor total pago de tributos (IPI, ICMS, INSS e INCRA) em
cima desses insumos pelo custo total do m2. Essa alíquota,
de 22,6%, foi então aplicada sobre parte dos custos totais
do empreendimento (i.é., sobre o custo global de
edificações, o custo do equipamento comunitário, o custo
total de urbanização). Abaixo se descreve o cálculo do
imposto total pago sobre os custos de construção que
possibilitou estimar da alíquota média acima citada.
A tabela 3 apresenta a listagem dos materiais usados na
construção de habitações populares, o custo unitário por
m2 de casas populares (calculado pelo Sinduscon-SP para
setembro de 1999), as alíquotas do IPI e do ICMS e a
arrecadação desses dois impostos. Dessa forma pôde-se
computar uma totalização parcial IPI + ICMS, a qual gerou
a alíquota média de 25,4%.
Na tabela 4 procedeu-se ao cálculo dos impostos pagos
sobre a folha aplicando-se a alíquota de 25,7% sobre o
custo unitário de cada tipo de serviço, referente à soma
das alíquotas parciais do INSS (20%), Salário Educação
(2,5%), INCRA (0,2%) e Seguro Obrigatório Contra Riscos e
Acidentes (3,0%). Para efeito do cálculo do custo unitário
referente aos serviços da mão-de-obra contratada
utilizou-se o peso de cada tipo de serviço executado no m2
de construção de habitações populares e o salário médio
por hora correspondente (livre de encargos), ambos
calculados pelo SindusCon-SP para setembro de 1999. O peso
acima citado nada mais é que o número de horas de trabalho
de cada tipo de profissional (servente, carpinteiro, etc.)
empregadas em cada m2 construído (representa, portanto,
uma medida física da quantidade de trabalho utilizada).
O valor obtido de impostos pagos por tipo de serviço
executado está na coluna referente à arrecadação. A soma
dos valores de todos os tipos de serviço nos dá um total
parcial de impostos sobre a folha de R$15,45 por m2
construído. Porém, esse número não representa ainda o
total geral de tributos sobre a folha de pagamento, uma
vez que a alíquota de 25,7% deve incidir também sobre os
encargos do grupo III e que representam benefícios
auferidos diretamente pelo trabalhador (13o salário,
férias etc.).
Os encargos do grupo III correspondem a um custo adicional
de 52,55% da folha, e sobre estes 52,55% aplica-se
novamente a alíquota de 25,7% (o que nos levaria a uma
alíquota efetiva de 13,51% incidente diretamente sobre o
total da folha de pagamento). Temos assim, R$8,12 por m2
construído adicionais de tributos relativos à reincidência
dos impostos do grupo I sobre os encargos do grupo III.
Podemos agora achar o total geral de imposto pago sobre a
folha somando os primeiros R$15,45 aos R$8,12, o que nos
dá um valor de R$23,57 por m2 construído; vale lembrar que
esses valores monetários referem-se ao custo unitário
básico de R$301,09 que aparece na tabela 4, e não ao custo
efetivo do projeto em questão.
O valor de R$23,57 pode agora ser acrescido ao valor dos
impostos pagos sobre os materiais utilizados – R$ 44,35
por m2 (R$ 13,80 de IPI e R$ 30,55 de ICMS), totalizando
R$67,92 de impostos por m2. Esse valor corresponde a 22,6%
do custo por m2, a alíquota média que será empregada para
estimar a carga tributária sobre o projeto que serviu de
base para este estudo.
Sobre os demais custos do empreendimento, a saber, valor
do terreno, despesas de legalização, seguro de término de
obra, incidem respectivamente, ITBI, ISS e IOF,
devidamente computados conforme as alíquotas vigentes.
Sobre o custo total do empreendimento incidem ainda, IRPJ,
COFINS, PIS/PASEP, CSL e CPMF e ISS (conforme descrito no
item 2.2). A soma desses impostos corresponde a 7,8% do
custo total do empreendimento.
Dessa forma, estima-se que, no empreendimento popular, de
cerca de R$3,9 milhões, considerado neste estudo,
arrecada-se 28,6% em impostos. Isso significa que, do
preço de R$ 19.624,46 de uma unidade habitacional, R$
5.611,36 são impostos recolhidos pelo governo. Se levarmos
em consideração a carga tributária calculada com base no
preço de produção, excluídos os impostos, chegamos a uma
alíquota média de aproximadamente 40%, ou seja, o preço
para o consumidor é 40% maior que o custo de produção. O
gráfico a seguir ilustra essa relação.
DIRETORIA
PRESIDENTE Sergio Porto
VICE-PRESIDENTE
FINANCEIRO
Sérgio Tiaki Watanabe
VICE-PRESIDENTES Artur
Quaresma Filho,
Eduardo Ribeiro Capobianco,
Eduardo May Zaidan,
Fernando Silva Chaves Neto,
João Claudio Robust,i
João de Souza Coelho Filho,
José Carlos Molina,
José Romeu Ferraz Neto,
Luiz Antonio Messias,
Mario Cotrim Sartor,
Paulo Tadeu Rivalta de Barros,
Sérgio Renato Fernandes Novaes
DIRETORES REGIONAIS
Carlos Guilherme R. Gargantini,
Iskandar Aude,
José Alberto Dias Martins,
José Luiz G. Botelho,
José Regino Jr.,
Lupércio Simão Conde,
Norton Guimarães de Carvalho,
Paulo Piagentini,
Sérgio Benedito Abibe Aranha
REPRESENTANTES JUNTO A
FIESP:
Eduardo Ribeiro Capobianco,
José Romeu Ferraz Neto,
Atushi Yamauchi,
Gianfranco Asdente
|
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TÓPICO 27
A invasão
das favelas |
Jornal O
Globo, Opinião, terça-feira, 20 de fevereiro de 2001
A invasão
das favelas
SERGIO MAGALHÃES
De tempos em tempos a
imprensa noticia o crescimento das favelas no Rio. Causas
estruturais da sociedade e da economia nacionais explicam essa
ocorrência e sua expansão. No entanto, quase sempre, o assunto
é tratado como se decorresse exclusivamente da vontade dos
governantes _ seja a sua contenção,
seja o seu crescimento.
A
simplificação da questão, a sua glamourização ou a sua
satanização pouco ajudam para compreendê-la.
O inegável é que favela e asfalto constituem a cidade de hoje
de um modo biunívoco; a cidade é partida na sua configuração
mas é inteira na interdependência entre seus setores.
Vivemos
numa sociedade capitalista,
onde os cidadãos vendem sua força
de trabalho e recebem moeda em troca.
A economia
urbana está totalmente monetarízada; já não há escambo. Os
recursos que faltaram para o crédito às famílias mais pobres,
com o qual teriam acesso à moradia em condições legais, são os
mesmos que estiveram disponíveis para a construção de
shoppings e edifícios de luxo.
Sem
investimentos coletivos na construção das infra-estruturas
urbanas, e sem crédito, abundante, democrático e em condições
compatíveis com a renda das famílias, não é possível construir
uma cidade sustentável e de moradias produzidas ao abrigo das
leis. Mas tornar disponíveis os investimentos coletivos e os
créditos necessários não é decisão voluntarista, de um ou
outro dirigente. É trama mais complexa, de construção
política. A recorrência do noticiário
sobre crescimento das favelas pode reforçar em algumas áreas
sociais o medo ou o desconforto perante a "favelização" da
cidade. Mas também pode ajudar a situar o tema na pauta do
debate, caminho para o seu equacionamento.
Assim,
espero que frutifique matéria dominical recente do GLOBO ("A
Invasão silenciosa das favelas"), embora seu embasamento
estatístico seja discutível.
Afirma, com dados do censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, que surgiu uma favela por mês na
última década na cidade do Rio de Janeiro. Seriam 384 favelas
com mais de 50 domicílios em 1991 e em 2000 contaram 513.
Diferentes
desses são os números publicados pelo Anuário Estatístico do
Iplan-Rio de 1992-93, tendo como fontes o próprio censo do
IBGE de 1991 e os dados do órgão municipal.
Segundo o
Anuário, neste ano foram listadas 485 favelas com 50 ou mais
domicílios. Moravam em favelas 962 mil pessoas, 24% das quais
viviam nas 15 maiores favelas, de mais de 2.500 domicílios
cada uma. Quinze por cento delas viviam em 362 favelas
pequenas, de até 250 domicílios.
Por um ou
outro estudo, quase um milhão
de cariocas moravam em favelas em 1991. Número em si
suficiente para atestar o acerto da
política habitacional constituída a partir de 1994 na cidade,
que deu ênfase à construção de infra-estruturas e à
regularização do espaço urbano nas favelas consolidadas do
município do Rio de Janeiro. Ao invés de desconhecê-las,
ou esperar pela sua remoção,
criou-se o programa Favela-Bairro, o qual, ao mesmo tempo em
que as urbaniza, contém e limita sua área ocupada. Com
outros sete programas de trabalho da política habitacional,
ele veio a se constituir num exemplo de enfrentamento do
problema, reconhecido mesmo fora das fronteiras brasileiras.
Mesmo
assim, se os investimentos feitos são expressivos para
centenas de milhares de cariocas, é inegável que a questão
habitacional terá que ter suporte numa política nacional de
garantia de crédito a todas as famílias.
Investimentos públicos, massivos, na produção de
infra-estruturas e serviços necessários à vida urbana nas
condições que a modernidade nos impõe, de um lado, tornando
democrático o acesso à cidade, e, de outro, a poupança
coletiva permitindo a
expansão da moradia legal a todo cidadão.
Se continuarmos trilhando o caminho
apontado nesses últimos anos pela política habitacional
desenvolvida no Rio, se construída
uma política urbana nacional
de valorização da cidade e
garantido o protagonismo das famílias na decisão de onde e
como morar, os próximos censos do IBGE nos indicarão
números compatíveis com uma cidade que se
democratiza.
SERGIO MAGALHÃES é secretário
de Projetos Especiais do Rio de Janeiro. |
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Topo TÓPICO 28
A
Responsabilidade Civil da Administração Pública |
Retirado do site:
http://www.travelnet.com.br/juridica/art22c96.htm
Autor:
*Marcílio Toscano Franca Filho
Data: 20/julho/96
SUMÁRIO: I) Abordagem
inicial: noção de responsabilidade civil da Administração;
responsabilidade civil da Administração e responsabilidade
civil do Estado. II) As construções doutrinárias acerca da
Responsabilidade Civil da Administração; o Estado Absoluto e o
Estado de Direito sob o aspecto da responsabilidade civil da
Administração Pública. III) O Direito brasileiro e a
regulamentação da Responsabilidade Civil da Administração
Pública; breve notícia histórica; a Constituição Federal de
1988; IV) Reparação do dano; a Ação de Indenização; a Ação
Regressiva; excludentes de responsabilidade civil. V) À guisa
de conclusão. VI) Bibliografia.
I. Tradicionalmente, entende-se por Responsabilidade Civil a
obrigação que tem todo sujeito de direitos de reparar
economicamente os danos por ele causados à esfera
juridicamente protegida de outrem, independentemente de lei ou
acordo de vontades. É princípio fundamental de justiça que, em
se lesando qualquer dos direitos de outrem, há de se lhe
indenizar, independentemente de prévio ajuste ou ato
normativo, evitando-se, assim, enriquecimento sem causa de uns
em detrimento de outros.
Desde o momento em que se reconheceu que todas as pessoas,
quer físicas ou jurídicas, quer de direito público ou de
direito privado, estão subordinadas à lei (positivados nos
princípios constitucionais da legalidade e da isonomia)
surgiu-lhes o dever de responder pela violação do direito
alheio. O Estado portanto, como sujeito de direitos e
obrigações, também está subordinado aos princípios da
Responsabilidade Civil. Nasce, assim, a noção de
responsabilidade Civil do Estado, por onde se entende a
obrigação que se impõe à Fazenda Pública de compor
financeiramente o dano causado ao particular por agentes
públicos (lato sensu), no desempenho de suas funções estatais
ou a pretexto de exercê-las, em decorrência de comportamentos
lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou
meramente jurídicos.
A ResponsabilidadeCivil da Administração Pública, o nosso
objeto de reflexão, é pois uma espécie do gênero maior que é a
Responsabilidade Civil do Estado, a quem se subordinam também
a responsabilidade por atos judiciais e a responsabilidade por
atos legislativos.
No afã de atender às necessidades públicas, a Administração
Pública, através de seus agentes, presta serviços, levanta
obras, proíbe comportamentos, delega poderes, policia
atividades, concretiza atos administrativos... Todas as vezes
em que destas ações ou omissões resultarem danos a bem
juridicamente protegido do administrado (quer pessoa física ou
jurídica) surge a obrigação de reparação deste dano, ou seja,
a obrigação que se impõe à Fazenda Pública de compor
financeiramente o dano causado ao administrado por agentes
públicos, no desempenho de suas funções ou a pretexto de
exercê-las, em decorrência de comportamentos lícitos ou
ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou meramente
jurídicos.
Resta notar que não se fala de Responsabilidade Civil da
Administração Pública quando não se viola diretamente um
direito alheio. Quando a Administração apenas debilita um
direito do particular, por expressa ordem de um mandamento
legal e em nome de um interesse público, não se fala em
responsabilidade, mas tão só em sacrifício de direito. A
responsabilidade pressupõe dano, sempre. Tal fato diferencia,
p. ex., a obrigação de indenização decorrente de
responsabilidade civil da decorrente de desapropriação (onde a
própria norma constitucional prevê o sacrifício do direito
individual da propriedade em nome do interesse público
genérico).
II. A evolução doutrinária acerca da Responsabilidade Civil da
Administração tem sido sempre um crescendo em direção à
proteção dos Administrados, em decorrência das especificidades
do ente estatal e da crescente ampliação dos afazeres do
Estado. As construções teóricas acerca da
ResponsabilidadeCivil da Administração, ao longo da história,
evoluíram da total irresponsabilidade para um conceito de
responsabilidade pública da Administração, diferente e mais
rígida que a tradicional responsabilidade patrimonial
civilística.
A mais antiga destas concepções teóricas é a da total
irresponsabilidade da Administração, que é contemporânea do
absolutismo e dos regimes despóticos. Neste período, devido à
máxima da infalibilidade real (“o rei nunca erra”) e da
identidade do monarca com o Poder/Estado (“o estado sou eu”),
negou-se vigência à Responsabilidade Civil da Administração.
Com a instituição do Estado de Direito e de suas garantias de
legalidade e igualdade como direitos fundamentais (Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão -1789), deixaram de existir
autoridades fora da abrangência da lei e conseqüentemente
sujeitos irresponsáveis. Superada completamente a doutrina da
irresponsabilidade da Administração, adveio, paralelamente à
constituição do Estado Liberal (Estado Igualdade, no dizer de
Paulo Bonavides), a doutrina da culpa civil comum, ou teoria
subjetivista da responsabilidade. Segundo ela, o
Estado/Administração equiparava-se ao cidadão em sede de
Responsabilidade Civil e, por isso, deveria reger-se também
por princípios do direito privado clássico. Assim, a obrigação
de indenizar da Administração surgia da conjugação de QUATRO
fatores: FATO + DANO + NEXO CAUSAL + CULPA OU DOLO do agente,
onde as noções de dolo e culpa eram as mesmas da
contemporaneidade - vontade consciente e intencional (dolo) e
imprudência, negligência e imperícia (culpa).
Tal situação exigia muito do administrado, que além do dano
teria que provar a conduta culposa ou dolosa da Administração
Pública.
Em razão das peculiaridades da atividade administrativa, da
privilegiada posição de superioridade de que dispõe a
Administração e do desenvolvimento do Direito Público
(sobretudo o Constitucional), a doutrina passou a resolver o
problema da Responsabilidade Civil da Administração por
critérios mais objetivos. Surgem, assim, as TEORIAS
OBJETIVISTAS, representadas, em suma, por três correntes
distintas: a teoria da culpa administrativa; a teoria do risco
administrativo e a teoria do risco integral.
Pela teoria da culpa administrativa, o primeiro - e por isso
ainda nebuloso - estágio para o objetivismo na
responsabilidade civil, tem-se que a Administração é
civilmente responsável desde que provada a falta do serviço -
aqui entendida como inexistência, mau funcionamento ou retardo
do serviço. As tradicionais noções de dolo e culpa do agente
são substituídas pelo conceito um pouco menos subjetivo de
falta do serviço da administração. Do mesmo modo que a
doutrina subjetivista, esta teoria ainda exige em demasia da
vítima já que, além da lesão injusta, fica ela no dever
comprovar a falta do serviço - a sua inexistência, seu mau
funcionamento ou retardo.
Posteriormente, advém a teoria do risco administrativo,
consubstanciando a passagem definitiva para o objetivismo na
doutrina sobre a Responsabilidade Civil da Administração. Por
esta teoria a obrigação de indenização surge tão só da
equação: FATO + DANO + NEXO CAUSAL. Não se indaga mais sobre
qualquer intenção do agente ou ocorrência de serviço da
Administração. Para a indenização basta que a vítima mostre
que a lesão ocorreu sem o seu concurso e adveio de ato
administrativo omissivo ou comissivo. A culpa da administração
é presumida.
Tal teoria tem fundamento no próprio risco que a atividade
administrativa gera para os administrados e na possibilidade
de dano sobre certos indivíduos não suportado pelos demais.
Daí porque o ressarcimento é integralizado por toda a
coletividade através do tesouro público. RISCO e SOLIDARIEDADE
são pois os pilares desta teoria.
Embora dispense a prova da culpa da Administração (por
presumi-la), a teoria do risco administrativo admite a prova
da culpa da vítima para eximir-se da responsabilidade ou
atenuá-la, nos casos de culpa concorrente ou exclusiva. Este é
o ponto chave que diferencia a teoria do risco administrativo
da teoria do risco integral, que passamos a ver em seguida.
A última das teorias objetivistas é a do risco integral. Se,
segundo a doutrina do risco administrativo a Administração
Pública pode eximir-se da sua responsabilidade civil
comprovando a culpa da vítima/administrado, tal não ocorre
pela construção do risco integral, modalidade extrema de
responsabilidade, segundo a qual a Administração é sempre
culpada e responsável por toda lesão à esfera jurídica do
particular. Por ser draconiana, a elaboração teórica do risco
integral é uma rara exceção nos ordenamentos jurídicos atuais.
III. No ordenamento pátrio, o debate entre civilistas e
publicistas (entre estes sobressaindo-se Amaro Cavalcanti)
sobre a regulamentação da responsabilidade civil da
Administração rendeu grandes e proveitosas discussões.
Saliente-se que jamais se discutiu se havia ou não
obrigatoriedade do Estado em responder civilmente por seus
atos (necessidade fundamental do nosso Estado de Direito), mas
tão só a maneira de ser exercida esta responsabilização:
subjetiva ou objetivamente.
Inicialmente, ainda no Império, prevaleceu a tese da culpa
civil, embasada nas categorias de dolo e culpa, conforme
dispositivo constitucional da época (1824) e vastas
construções doutrinárias e jurisprudenciais. Tal entendimento
foi mantido no raiar da República e em sua Constituição de
1891. Este entendimento da responsabilidade subjetiva da
Administração perdurou até mesmo quando da edição do Código
Civil, em 1916, que em seu art. 15 estabelecia que as pessoas
jurídicas de direito público eram civilmente responsáveis por
atos de seus representantes, ressalvado o direito regressivo.
Embora insatisfatória, como já visto anteriormente, a teoria
subjetiva foi recepcionada e mantida nos textos
constitucionais subseqüentes de 1934 e 1937.
Foi apenas no Texto Constitucional de 1946 que houve a radical
mudança para a adoção da teoria do risco administrativo. Este
dispositivo constitucional perdurou tanto na Carta de 1967
como na de 1969 (E.C. 1/69).
A atual Constituição, permanecendo na orientação objetivista
do risco administrativo, de modo geral, trata do tema no seu
art. 37, §6º, que assim estabelece:
Art. 37 - ....................
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa”.
Do exame deste artigo resulta que todas as entidades estatais
e seus desmembramentos (autarquias, fundações, empresas
públicas, sociedades de economia mista, permissionários,
concessionários e autorizatários de serviços públicos estão
obrigados a indenizar os danos causados a terceiros por seus
agentes, independentemente da prova de culpa no cometimento da
lesão. Bastando portanto o fato, o dano e relação da
causalidade entre ambos.
Ao se referir a agentes, o texto constitucional se refere não
só a servidores públicos, mas também a funcionários (ocupantes
de função pública), empregados (públicos ou privados com
serviços delegados, concedidos ou permitidos), agentes
políticos no exercício de funções administrativas e tantos
outros executantes de atos e serviços administrativos. O
essencial para caracterizar a obrigação indenizatória é que o
ato ou omissão haja sido praticado no exercício de suas
funções.Ressalte-se que é constitucionalmente irrelevante
(desde 1946) se a atitude lesiva da Administração é omissiva
ou comissiva, legal ou ilegal, legítima ou ilegítima, material
ou jurídica. Observa-se sempre o lado do administrado, parte
mais fraca na relação protegida. Do mesmo modo, o abuso e o
desvio de poder não eximem a Administração de sua
responsabilidade, já que deveria ser diligente na escolha de
seus funcionários, evitando aqueles que se apresentem nocivos
à comunidade. Neste sentido são as decisões:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. ART. 107, DA CF/69. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. 1.
A CF/69, art. 107, adotou a teoria do risco administrativo e
não a teoria do risco integral. 2. O ‘risco administrativo’ ao
contrário do ‘integral’ não induz a que a Administração deva
indenizar sempre e em qualquer caso o dano sofrido pelo
particular, significa apenas que a vítima fica dispensada da
prova da culpa da administração, podendo esta, todavia,
demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento
danoso, com o que ficará eximida total ou parcialmente da
responsabilidade de indenizar. 3. Remessa desprovida. (Remessa
Ex-Oficio nº 116485/90-BA, TRF 1ª Região, Relator Juiz Gomes
da Silva, DJU 02.04.91, p. 6135)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO
ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE CULPA POR PARTE DA VÍTIMA.
PENSÃO VITALÍCIA. 1 - Inocorrência de culpa da vítima
atropelada e morta por veículo oficial. Responsabilidade da
Administração, segundo a teoria do risco administrativo, que
não exige a culpa do seu agente, bastando o fato do serviço e
o nexo de causalidade entre este e o evento danoso. 2 - Pensão
vitalícia bem fixada. 3 - Remessa denegada. (Remessa Ex-Oficio
nº 105031/90-BA, TRF 1ª Região, Rel. Juiz Tourinho Neto, DJU
06.08.90, p.16636)
A Constituição Federal de 1988, entretanto, cobriu apenas o
risco administrativo, não a atividade predatória de terceiros
ou fenômenos da natureza. Por tais fatos a Administração só
pode ser responsável civilmente conforme a doutrina subjetiva,
demonstrada a sua negligência, imperícia e imprudência. Nesses
casos, a Administração Pública só responde pelos danos a que
estivesse obrigada a impedir, como o alagamento de casas em
decorrência de má conservação de galerias pluviais, a explosão
de um paiol ainda que decorrente de raio ou no caso de omissão
de um policial ao presenciar um assalto. Sobre
responsabilidade administrativa por ato omissivo, veja-se:
ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO BACEN - FALTA DO
SERVIÇO DE FISCALIZAÇÃO NO MERCADO DE CAPITAIS - LEIS NS.
6.024/74 E 4.728/65 - PREJUIZO CAUSADO PELO GRUPO COROA S/A.
1. (...) 2. (...) 3. Superadas as preliminares de carência de
ação, porque situada a controvérsia no campo da
responsabilidade civil da autarquia, art. 159 do Código Civil
e art. 37, § 6º da CF. 4. Prova documental comprobatória da
falta de fiscalização pelo BACEN, em transgressão aos deveres
funcionais - Lei nº 4.595/65. 5. Indenização dos valores
desembolsados pela autora, inclusive pelo que foi obrigada a
ressarcir aos seus clientes, devidamente atualiza dos, a
partir da data da liquidação como pedido, recompondo-se,
assim, os danos emergentes. 6. Nega-se a incidência de lucros
cessantes pelas circunstâncias fáticas do investimento, de
hipotética possibilidade de lucros, pelo risco do mercado. 7.
Verba honorária criteriosamente fixada na sentença. 8. Agravo
retido não conhecido. Apelo do BACEN improvido - provimento
parcial ao recurso da autora. (Apelação Cível nº 108590/90-DF,
TRF 1ª Região, Rel. Juíza Eliana Calmon, DJU 20.02.92, p.
3300)
ADMINISTRATIVO E CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS. FALTA DO SERVIÇO.
TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. 1. A omissão da Administração
em não promover as obras de captação e drenagem de águas
pluviais nas vias públicas, onde se desenvolvia processo de
erosão, traduz falta de serviço, justificadora da
responsabilidade civil da Administração pela Teoria do risco
administrativo. 2. Apelo improvido. (Apelação Cível nº
105074/89-MG, TRF 1ª Região, Rel. Juiz Gomes da Silva, DJU
15.08.94, p.43660)
Uma exceção à teoria do risco administrativo adotada
constitucionalmente é a responsabilização por risco integral
referente à exploração de serviços e instalações nucleares de
qualquer natureza e à lavra, o enriquecimento, o
reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios
nucleares e derivados, estabelecida no art. 21, XXIII, ‘c’, da
Carta de 1988.
IV. Como já dito anteriormente, a responsabilidade civil é
obrigação pecuniária e como tal extingue-se apenas com a
indenização - a reparação do dano. Essa compensação pode ser
obtida amigavelmente, por via administrativa, ou
judicialmente, por via da Ação Indenizatória, contra a Fazenda
Pública respectiva, sendo plenamente desnecessário o
litisconsórcio passivo do agente administrativo causador do
dano.
Neste procedimento judicial, como corolário lógico do risco
administrativo adotado pela legislação, há de se provar apenas
o fato, o dano e o nexo causal entre ambos.
Dois são os argumentos excludentes de responsabilidade civil
da Administração. A defesa da Fazenda Pública deverá
evidenciar que: 1) ou a vítima se houve com culpa ou dolo para
o evento danoso (exclusiva ou concorrentemente); 2) ou
inexiste nexo causal entre o fato praticado pelo agente
administrarivo e o dano (a rigor, a força maior e o caso
fortuito são exemplos de ausência de nexo causal).
A indenização abrangerá o que a vítima perdeu (danos
emergentes), o que deixou de ganhar (lucros cessantes),
honorários advocatícios, custas judiciais, correção monetária
e juros de mora (12% a.a.). No caso de lesão pessoal ou morte
da vítima, contemplará ainda o tratamento médico-hospitalar, o
sepultamento e a prestação alimentícia a pessoas sob sua
responsabilidade. Uma vez liquidado, o débito é pago através
de precatório (art. 100 da CF/88).
A indenização por dano moral também é cabível (art. 5º, X,
CF/88).
Uma vez indenizada a lesão da vítima, fica a Administração
autorizada pelo texto constitucional - trata-se na verdade de
um poder-dever - a voltar-se contra o seu agente através de
Ação Regressiva, para exigir dele que reponha as despesas que
causou ao erário. São necessários dois requisitos para
legitimar a Ação Regressiva: 1) que já tenha havido a
indenização ao particular/administrado, e 2) que o agente
tenha agido com dolo ou culpa (para ele a responsabilidade há
de ser comprovadamente subjetiva).
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. CULPA
EXCLUSIVA DA VÍTIMA. 1 - O nosso ordenamento jurídico adotou a
responsabilidade objetiva da Administração, sob a modalidade
do risco administrativo e não do risco integral. Havendo culpa
exclusiva da vítima, o Estado não responde pela indenização do
dano. 2 - Embargos acolhidos. (Embargos Infringentes na
Apelação Cível nº 101078/89-MG, TRF 1ª Região, Relator Juiz
Tourinho Neto, DJU 23.10.89)Como ação civil, a Ação Regressiva
transmite-se aos herdeiros e sucessores (até o valor do
quinhão) e pode ser executada até mesmo depois da cessação do
exercício no cargo ou função, podendo também a Administração
descontar até 10% da remuneração do seu agente.Note-se que as
instâncias penal, civil e administrativa não se confundem. As
únicas exceções ocorrem quando há sentença penal condenatória
e sentença penal com negativa de autoria trânsitas em julgado
(que fazem coisa julgada civil e administrativa). Em qualquer
outro caso a responsabilidade civil independe da penal e da
administrativa. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO.
TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. CF/88, ART. 37, PARAGRAFO 6.
PREPOSTO. CULPABILIDADE. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA NO JUÍZO
CRIMINAL. EFEITOS NO JUÍZO CÍVEL. COD. PROC. PENAL, ART. 66.
COD. CIVIL ART. 1525. INDENIZAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS.
1 - A ação civil poderá ser proposta ainda que tenha ocorrido
sentença absolutória no juízo criminal, salvo se tiver sido
reconhecida categoricamente a inexistência material do fato ou
de ter ficado demonstrado não ter sido o réu o autor da
infração. 2 - Fundamentando-se a responsabilidade civil na
culpa, e tendo o réu sido absolvido no juízo criminal,
cabível, mesmo assim, é a ação civil, desde que não negado o
fato ou a sua autoria, pois pode não haver ilicitude penal e
haver a civil, além de o juízo penal ser mais exigente em
matéria de aferição da culpa para a condenação, enquanto no
juízo cível a mais leve culpa obriga o agente a indenizar
(Carlos Alberto Gonçalves, in Responsabilidade Civil). 3 - Na
responsabilidade objetiva não se exige a culpa do agente da
Administração, bastando o fato do serviço e o nexo de
causalidade entre este e o evento danoso. 4 - A correção
monetária deve incidir a partir da data em que se apurou o
valor dos danos (precedentes da Turma - REO 90.01.16295-9 -
DF). 5 - Os juros - 6% a.a. - devem ser contador a partir da
citação. 6 - Apelação provida. (APELAÇÃO CIVEL
nº 101981/91 -DF, TRF 1ª Região, Rel. Juiz Tourinho Neto, DJU
15.04.91, p .7363)
V. Ao concluir, temos que:
1. A Administração Pública é objetivamente responsável pelos
atos danosos que seus agentes, nessa qualidade, venham a
produzir, sendo esse um dos princípios basilares do Estado
Democrático de Direito (art. 37, § 6º, CF/88).
2. Contra o agente causador do dano, desde que tenha agido com
dolo ou culpa, tem o Estado/Administração o poder-dever de
exigir-lhe o ressarcimento dos prejuízos causados à Fazenda
Pública através de ação regressiva.
3. À exceção de danos decorrentes de atividades nucleares
(risco integral), a culpa da vítima e a inexistência de nexo
causal entre o fato e o dano excluem a responsabilidade da
Administração Pública.
VI. Bibliografia
CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidade Civil do Estado. Rio de
Janeiro, Borsoi Editor, 1957.
ENTERRÍA, Eduardo García
de et FERNÁNDES, Tomás-Ramón. Curso de Direito Administrativo.
Trad. Arnaldo Setti. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle.
Responsabilidade dos Agentes Políticos e dos Servidores. In:
Revista de Direito Administrativo, nº 196, Abril/Junho 1994,
pp. 36-42.
GASPARINI, Diógenes.
Direito Administrativo. São Paulo, Saraiva, 1989.
MEIRELLES. Hely Lopes.
Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1995.
MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo,
Malheiros, 1995.
SILVA. José Afonso da.
Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo,
Malheiros, 1995.
*O autor é Aluno do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas da
Universidade Federal da Paraíba, professor substituto de
Direito Administrativo da Faculdade de Direito da UFPB e
assessor do Juiz Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária da
Paraíba.
e-mail:
potsdam@openline.com.br |
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TÓPICO 29
Inchaço
urbano |
Jornal O
GLOBO, Opinião, quarta-feira, 30 de maio de 2001
Inchaço
urbano
Ainda não
estão claras as razões da forte aceleração do
crescimento populacional do Rio de Janeiro na segunda metade
da década de 1990, quando a média anual passou de 0,26% para
1,31%. O que já se sabe é que a cidade está crescendo -
ou, melhor dizendo, inchando - pelas favelas, principalmente
na Zona Oeste.
Seja
conseqüência de migração mais intensa ou de aumento da taxa de
natalidade nas famílias de baixa renda, o fato é que, segundo
estudo da prefeitura, baseado em dados do IBGE, a ocupação de
áreas pelas comunidades carentes expandiu-se intensamente nos
últimos anos - e bairros como os da Zona Sul continuaram a
perder população.
Essa
tendência, antes apenas perceptível, acentuou-se intensamente
Hoje, saber o que fazer com ela deve ser o capítulo principal
de qualquer política de urbanismo do Rio. É pelas
necessário, antes de mais nada, reconhecer a alta
prioridade dessa forma perigosa de crescimento; a partir daí,
descobrir como atingir três objetivos óbvios: contenção do
crescimento em geral, - integração das comunidades
estabelecidas em áreas não perigosas e preservação do meio
ambiente em pontos violentados pela ocupação descontrolada. |
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Topo TÓPICO 30
Leis
urbanas |
Jornal O
Globo, Opinião, terça-feira, 17 de julho de 2001
Leis urbanas
A
regulamentação do uso do solo urbano é necessidade
universalmente reconhecida. Isso não significa que haja apoio
unânime ao Estatuto da Cidade, sancionado há dias pelo
presidente Fernando Henrique. Não há discussão sobre a
necessidade de planos diretores e plurianuais nos níveis
estadual e municipal. Mas existe debate acirrado sobre a
regulamentação do usucapião e a criação do IPTU progressivo
para áreas não construídas.
A sanção
põe a lei em efeito, mas não a congela. Resta muita coisa a
ser regulamentada, assim como a possibilidade de recursos ao
Judiciário, O que importa é que um passo importante foi cada
dado para conter o crescimento desordenado das cidades.
Trata-se de uma verdadeira avalanche, a cada dia mais
ameaçadora para a qualidade de vida e para a própria paz
urbana.
Na guerra
contra a explosão urbana, a propósito, é sempre mais animador
falar de iniciativas concretas do que de textos legais. É o
caso dos programas de limitação física da área ocupada por
favelas do Rio. Segundo a Secretaria municipal de Meio
Ambiente, numa etapa inicial serão instalados 24 quilômetros
de delimitadores (trilhos, cabos de aço etc.) marcando as
fronteiras intransponíveis de 31 favelas. A iniciativa impede
a ocupação de áreas de risco, protege a área verde da cidade e
possibilita a expansão do programa Favela-Bairro.
As duas
primeiras vantagens dispensam explicação. A propósito da
última, basta lembrar que é impossível planejar e orçar a
reforma de uma favela que muda de tamanho a cada dia.
Os moradores sabem disso, e praticamente não há oposição ao
estabelecimento de fronteiras: a posse do terreno (que o
Estatuto da Cidade regulamenta, por meio da titularidade
coletiva das favelas), passa a ser valorizada a partir da de
limitação da área total.
Certamente, deter a expansão das favelas é meia solução: o
Estado também precisa atender às necessidades de moradia
daqueles que hoje buscam erguer seus barracos onde seriam os
subúrbios das favelas. Nenhum candidato a invasor está lá por
prazer: é necessário dar-lhe destino digno e teto adequado. |
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TÓPICO 31
O Rio e a
favelização |
Jornal O Globo, Opinião,
quarta-feira, 24 de julho de 2001
O Rio e a favelização
RICARDO CRAVO ALBIN
Ao começo do século XX, quando o Rio assistia à expansão das
primeiras e ainda tímidas favelas, cronistas do porte de Lima
Barreto e João do Rio vociferavam contra os “cogumelos abjetos
da desordem urbana”. É claro que não culpavam os pobres e
desassistidos que nelas iam parar mas sim os governantes,
responsáveis diretos pelo abastardamento da paisagem do Rio.
Abastardamento também das condições de vida dos favelados,
vítimas da política de avestruz dos dirigentes cariocas. De lá
para cá a situação se deteriorou em alarmante progressão
geométrica. Os últimos 25 anos foram especialmente trágicos.
Segundo dados do IBGE (último censo de 2000), o Rio
contabilizou mais 119 favelas a partir de 1991, uma por mês,
fechando o número quase inacreditável de 513 comunidades
faveladas na capital, isso sem contar a última, nascida da
noite para o dia (21 de junho último) em Jacarepaguá, que
ergueu 650 barracos em menos de 24 horas.
Quando me refiro às favelas, desordenado braço de explosão
urbana e esvaziamento do campo, males que infelicitam o Brasil
de 1950 para cá, devo logo esclarecer que a maioria delas está
fora das vistas da Zona Sul da cidade, nossa área nobre. Na
verdade, elas se concentram em Jacarepaguá (68 favelas), Bangu
(21) e Realengo (14). A seguir vêm Itanhangá, Anchieta,
Recreio dos Bandeirantes e Complexo do Alemão, com 11 favelas
cada. Rio Comprido e Cordovil têm dez comunidades carentes
dentro dos seus limites.
Essa realidade se torna escandalosa e inaceitável por várias
razões. A primeira, clara como água, é a falta de planejamento
a longo prazo por parte dos administradores do Rio, que
deveriam prover, com apoio obrigatório dos governos do estado
e federal, uma política minimamente decente para o problema
habitacional da população de renda mínima, dos migrantes e dos
desvalidos em geral — que gravitam em torno da antiga capital
federal.
Há outros focos de tensão, afora o aflitivo problema humano —
hordas de miseráveis (ou quase) que não têm como morar
decentemente nesses núcleos favelizados, hoje também reféns da
violência provocada pelo tráfico de drogas. O fato concreto é
que a expansão das favelas vem provocando o maior desmatamento
que as outrora verdejantes colinas do Rio jamais
experimentaram.
O que fazer de imediato?
O Estatuto da Cidade — sancionado há pouco pelo presidente
Fernando Henrique — percorre um caminho razoável para
restabelecer o bom senso no caos urbano. Mas silencia sobre a
necessidade de planos diretores e plurianuais (estaduais e
municipais) para a solução definitiva do problema.
Várias alternativas de combate à favelização já foram
imaginadas por urbanistas, sociólogos e até filósofos.
Ultimamente o assunto chegou até a ser debatido na sede da ONU
pela Conferência Habitat + 5, usando-se como exemplo a
Rocinha, no Rio. De acordo com o conceito de welcoming
(acolhimento), a contenção do crescimento da maior favela do
Rio consistiria em identificar futuros moradores e, em vez de
se admitirem novas construções, oferecer-lhes moradia
temporária e gratuita, em comunidades populares dotadas de
melhor infra-estrutura.
Outra idéia recente é a tentativa de delimitação das favelas
cariocas, anunciada há poucos meses por organismos oficiais do
município, preocupados em preservar o verde no Rio. Por que
não começar esse cinturão de limite pelos corredores
ecológicos que ligam os maciços da Tijuca e da Pedra Branca,
já tão comprometidos pela desordem urbana consentida? O
projeto-piloto que delimitará as favelas deverá, a meu ver,
ser acompanhado por fiscais ambientais. Caberá às secretarias
de Meio Ambiente (municipal e estadual) unirem esforços (e
reforços) para que isso ocorra. E é bom não nos esquecermos de
uma verdade cristalina: torna-se inútil planejar qualquer
Favela-Bairro para uma comunidade que acrescenta novos
barracos a cada dia.
Demarcar fronteiras para favelas, senhores administradores, é
urgentíssimo. Aliás, vale reconfirmar alguns números que nos
intimidam: quase metade dos morros cariocas (68 dos 180
existentes) já foi devastada pela ocupação canhestra. Isso
significa um acúmulo de problemas que abate a cidade em
cascata. O primeiro, claro, é desmatamento e aviltamento da
paisagem turística do Rio, uma jóia preciosa que por séculos
orgulhou tanto brasileiros quanto turistas do mundo inteiro
que aqui sempre aportaram. De mais a mais, dos morros desnudos
e ocupados sem qualquer infra-estrutura, desce a cada grande
chuva uma escumalha de lama e lixo que entope os bueiros,
alaga as ruas e ajuda a destruir as calçadas dos bairros
abaixo.
Outro dia, flanando pelo Rio como me apetece, fui parar em
Paquetá, onde não pisava há muitos anos. Qual não foi meu
desapontamento ao verificar que a favela também se instalara
no paraíso, o santuário dos amantes celebrado em canções
célebres, o cenário de “A moreninha”, de Joaquim Manuel de
Macedo. Quatro favelas brutalizam o antigo verde das colinas
baixas e gentis da ilhota. E invadem área nobilíssima de
preservação ambiental. Hoje — dramática realidade — para cada
morador que paga imposto existe um favelado, que, no geral,
agride os hábitos necessariamente conservadores de uma pequena
classe média de aposentados. O que já começa a provocar, como
é mesmo de se imaginar, o êxodo dessa população de velhinhos.
Que ameaça bater em retirada pela chegada da sujeira que desce
dos morros e pelo funk — suprema bofetada em ouvidos
acostumados e serestas, violões e flauta, cultuados em Paquetá
desde o pioneiro Anacleto Medeiros.
O filósofo espanhol Eduardo Subirats (professor da New York
University), em seu novo livro “A penúltima visão do paraíso”,
adverte que São Paulo e Rio, megalópoles do terceiro mundo,
não são mais cidades. Transformaram-se em ruínas de cidades
rodeadas por favelas descontroladas: um processo social,
cultural e ecologicamente suicida. Ou seja, o descontrole e a
vergonha da nossa deteriorada realidade urbana já chegaram aos
fóruns internacionais e ao pensamento acadêmico do mundo.
Favelas? Melhor não tê-las. Mas se existem, em proporção tão
avassaladora, que a elas se dêem soluções dignas, que possam
defender a cidade e o ser humano. Por que os administradores
não começam a admitir — sem hipocrisia e sem assistencialismo
demagógico — a remoção de algumas delas, especialmente as que
ficam em áreas de risco para os favelados, ou aquelas
instaladas em área de preservação ecológica indispensável? A
palavra “remoção” acabou por virar um tabu, um fetiche
negativo, um palavrão. Confinar-se uma idéia por causa de uma
palavra é preocupante sintoma de despreparo. Ou de pura
burrice.
RICARDO CRAVO ALBIN é jornalista e escritor. |
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TÓPICO 32
Favelas:
Existe solução? |
Retirado do
site:
http://www.rberga.hpg.com.br/pia2.htm
Favelas:
Existe solução?
Questão:
temos competência e vontade real para resolver este problema
social secular?
*Paulo
Maurício Piá de Andrade
A
exposição repetitiva a determinadas situações torna o ser
humano resistente a enfrentá-las e insensível quanto ao fator
emocional que elas carregam.
Um exemplo
é a existência das favelas, estes aglomerados humanos caóticos
e na maioria das vezes inadequado e indigno como local de
moradia a seres humanos.
Nós nos
acostumamos a vê-las como um fator "normal" no cotidiano das
cidades onde vivemos, talvez inevitável.
Mas as
favelas não são um fator "normal", se considerarmos que temos
todos nós iguais direitos a ter moradia digna, e muito menos
"inevitável", pois sabemos que o que causa indignação a uma
Sociedade, geralmente tem neste fator a sua mola propulsora de
mudança de determinada realidade.
As favelas
surgem e se mantém por quatro motivos fundamentais:
1) êxodo
rural para as cidades
2) falta
de renda familiar adequada, que pode ter quatro causas:
2a)
desemprego
2b)
sub-emprego ou emprego informal com remuneração irregular
2c)
emprego formal de baixa remuneração
2d) falta
de planejamento e orientação familiar
3) opção
pessoal pela exclusão social
4) Omissão
do Estado:
a) por não
possuir políticas habitacionais adequadas e dirigidas às
causas da formação destes aglomerados sociais;
b) por não
possuir política de segurança pública e permitir que o crime
organizado preencha desta forma o vácuo de autoridade nestes
locais, tornando-os refúgio ideal de criminosos e traficantes
que passam a ser o "poder" na favela, fornecendo "emprego" aos
desocupados e "proteção" aos demais habitantes em troca do seu
silêncio, da sua conivência e cumplicidade implícita.
c) por não
ter como prioridade uma política educacional abrangente e
efetiva;
d) e,
finalmente, por ter uma política tributária obtusa e
incoerente, por tributar a produção e o investimento e não o
consumo, como em qualquer país civilizado do mundo. Em
decorrência, quem emprega uma pessoa tem que pagar tributos
como se tivesse empregando duas, causando baixos salários sem
que esta carga tributária tenha oferecido, em retorno,
qualquer benefício efetivo ao trabalhador.
Portanto,
tendo sido encontradas e definidas as causas da formação
destes aglomerados populacionais chamados comumente de
favelas, podemos inferir, com clareza e objetividade, as ações
a serem implementadas para eliminá-las.
1) criar
uma política agrícola que estimule o pequeno agricultor a
permanecer em sua terra produzindo alimentos, o que significa
uma política de financiamento ao produtor rural compatível e
justa, para que o mesmo possa assumí-lo sem receio de perder
seu patrimônio por inadimplência, como ocorre atualmente. Sem
outra opção, este agricultor migra para as cidades a procura
de emprego, geralmente indo morar justamente nas favelas.
Ainda com
referência ao êxodo rural para as cidades, outro fator a ser
analisado é o dos bóias-frias e os sem-terra.
Todos
concordamos que é necessário uma reforma agrária séria, justa
e que propicie não somente área para assentamento, mas também
assistência técnica e fomentos para que o recém-assentado
tenha reais e efetivas condições de tornar-se um novo produtor
rural.
Para este
objetivo se concretizar, é necessário :
# um
cadastramento competente dos pretendentes às terras a serem
negociadas, para se evitar falsos "sem-terra",
# um
inventário nacional das terras disponíveis para reforma
agrária, incluindo áreas públicas ou não, sem distinção,
incluindo-se, portanto, terras pertencentes a empresas
estatais, privadas, devolutas e também a instituições
religiosas, tratadas até hoje no Brasil como se estivessem
acima da lei, intocáveis,
# inclusão
efetiva de terras desapropriadas por terem sido utilizadas
para o plantio de maconha e outros alucinógenos, como é
previsto em lei mas não aplicada por absoluta falta de pulso e
competência das autoridades constituídas,
# a
proteção efetiva de áreas produtivas, coibindo de forma
vigorosa invasões e outros tipos de violência intimidatórias,
quer sejam dos chamados "sem-terra" ou dos donos das áreas
produtivas, apesar destes estarem defendendo seus direitos.
Estes
conflitos ocorrem pela omissão das autoridades constituídas em
saber inibir abusos e violações da lei, permitindo que pessoas
queiram fazer a lei com suas próprias mãos.
# criar
condições para que estes assentamentos tenham direito à
Cidadania, através da criação de mais escolas rurais, postos
de saúde e consultoria técnica adequada, tais como agrônomos e
veterinários
# criar
formas criativas de financiamento a estas pessoas, geralmente
descapitalizadas e sem garantias além da própria terra
recém-conquistada. Uma possibilidade é a do pagamento através
da própria produção agrícola que será colhida.
# é
necessário analisar aos olhos da Cidadania e dos Direitos
Humanos o fenômeno dos bóias-frias, que é outro fator social
que tem importância no aumento das populações faveladas nas
cidades de médio e grande porte.
2) quanto
à causa "falta de renda familiar adequada", várias ações
governamentais multi-disciplinares são necessárias:
# criar
condições macro-econômicas que permitam o investimento em
novos empreendimentos geradores de empregos, dando especial
ênfase à facilitar a criação de novas micro e pequenas
empresas.
# realizar
uma reforma tributária coerente pela primeira vez na História,
tributando o consumo e não a produção, como ocorre atualmente.
Diminuir a
carga tributária ( atualmente de 31% do PIB!! ) e aumentar a
base de arrecadação.
Como esta
deverá se basear na tributação do consumo ( e não da produção
), ao se fomentar a criação de novos empregos, através da
simplificação na burocracia exigida atualmente para a criação
de novas micro-empresas, estar-se-á aumentando automaticamente
a base arrecadatória tributária.
# criar
estímulos, através de incentivos fiscais, para a melhor
escolarização dos empregados dentro das próprias empresas.
Já está
provado que o nível de escolaridade influencia de forma
benéfica na produtividade do funcionário.
# ampliar,
melhorar e universalizar o acesso à informação e aos meios de
planejamento familiar, propiciando um melhor esclarecimento
aos casais sobre paternidade responsável, o que inclui a
conscientização sobre o binômio "realidade econômica familiar"
X "custos envolvidos na criação e na educação de um filho".
3)
incrementar os serviços sociais que prestam atendimento a
estas populações, de forma a identificar melhor as causas que
levaram cada família a se instalar nas favelas, o que poderá
levar a ações preventivas mais efetivas.
4)
melhorar as condições de trabalho do serviço de segurança
pública, o que implica em melhores salários aos policiais,
melhor capacitação técnica, melhor seleção de pessoal e um
efetivo setor de corregedoria, coibindo e eliminando policiais
corruptos e que abusam de sua autoridade.
Desta
forma, se poderá combater com melhor competência e eficiência
o crime organizado, que é um dos fatores subversivos e
prejudiciais à imensa maioria da população que vive nestes
locais, que não é criminosa mas acaba convivendo com marginais
e com a violência que os mesmos praticam inevitavelmente.
Devemos
lembrar que onde existir ausência do Poder Estabelecido, que é
o Estado, sempre surgirá uma forma alternativa de poder, a
qual pode ser benéfica à comunidade local, como as associações
comunitárias de bairros, ou maléfica, como ocorre quando o
crime organizado e o tráfico de drogas preenchem o vácuo
deixado pela ausência do Poder Constituído.
5) criar
políticas habitacionais que permitam e estimulem as populações
destes locais a trocarem seus casebres por condições dignas de
moradia, em locais adequados, urbanizados e com
infra-estrutura social, tal como posto de saúde, segurança
pública, escola e transporte coletivo.
A
conjuntura atual no Brasil, de crise econômica e desemprego,
associada a um crônico déficit habitacional, possui uma
oportunidade clara de minimização de ambos os problemas
através de uma política de incentivo à indústria da construção
civil, a qual, sabidamente, é uma das maiores empregadoras de
mão de obra, portanto, de geração de empregos.
O que se
faz atualmente em muitas favelas é a instalação desta
infra-estrutura nestes locais, mesmo quando estes são ilegais
ou inadequados à moradia humana.
Estas
ações só incentivam para que estes aglomerados se perpetuem,
através de tentativas irracionais de "urbanização" de áreas
sem qualquer condição técnica ou legal para tal, como morros (
principalmente em cidades litorâneas ), matas ciliares de rios
e invasões.
Os morros,
particularmente, são áreas de difícil, senão inviável,
urbanização, além de oferecer perigo constante aos moradores
devido à possibilidade de deslizamentos de terra sempre que há
chuva mais intensa.
A FALTA DE
DETERMINAÇÃO E VONTADE POLÍTICA DE ENFRENTAR ESTA REALIDADE,
DE FORMA SÉRIA E COMPETENTE, BASEADA EM ESTUDOS TÉCNICOS
ADEQUADOS, SOMENTE AGRAVA O PROBLEMA PELO CONSTANTE AUMENTO DO
CONTINGENTE POPULACIONAL NESTAS ÁREAS, TORNANDO A SOLUÇÃO CADA
DIA MAIS COMPLEXA.
Portanto,
acredito que deveríamos ter uma fiscalização mais efetiva e
amparada em uma legislação coerente e moderna, que leve em
consideração aspectos de proteção e de conservação ambiental e
a possibilidade de execução de saneamento e de estrutura de
urbanização básicos para a definição das áreas urbanas
passíveis de serem ocupadas para habitação humana.
Áreas que
não preenchessem estas normas, deveriam ser desocupadas, PARA
A PRÓPRIA SEGURANÇA E BEM-ESTAR de seus habitantes!
Por outro
lado, naquelas favelas onde há possibilidade de urbanização
adequada, esta deve ser realizada sob supervisão da autoridade
municipal, para que seja fornecido à população água tratada,
esgoto, arruamento, escola, posto de saúde, telefone
comunitário e posto avançado policial.
Deve ser
dado especial atenção a ações preventivas para que a falta de
ocupação das pessoas desempregadas e a evasão escolar não
levem estas pessoas para ações criminais, primárias ( assaltos
) ou induzidas ( tráfico de drogas ).
Dentre
estas ações, além das óbvias, como o combate à evasão escolar
e ao desemprego, destacam-se a construção de quadras
poliesportivas e escolinhas de esportes, como de futebol, para
as crianças e adolescentes e a criação de hortas comunitárias.
Além de
evitar que os desempregados ficassem desocupados, as hortas
comunitárias auxiliariam a minimizar a fome e a desnutrição
destas populações.
Tais ações
poderiam ser supervisionadas por alunos de faculdades
públicas, que assim, estariam indo ao encontro das
comunidades, incutindo a mentalidade de ações voluntárias
nestes estudantes, ações estas tão comuns em países
desenvolvidos como os EUA.
Finalizando, em minha opinião, para se mudar este fenômeno
social urbano que é a favela, é necessário, fundamentalmente,
uma mudança de mentalidade.
Esta
mudança de mentalidade implica em uma melhor objetividade e
real vontade política de implementar massivamente a educação,
estimular a geração de empregos e a melhoria dos salários,
criar políticas agrícolas que incentivem a permanência do
homem no campo e fazer cumprir a legislação de uso do solo
urbano, que distingüe as áreas que podem ser usadas para
construção de moradias daquelas que não podem.
O fenômeno
social da favela é o retrato secular inequívoco da
incompetência, do descaso e da iniqüidade com que as elites,
salvo raras e honrosas exceções, sempre governaram este país.
Faz-se
mister mudar este panorama através da mudança de mentalidade
de todos nós, brasileiros que temos consciência desta triste
realidade.
Portanto,
as respostas às perguntas do título deste texto são:
1) Sim, existe solução
para o problema das favelas
2) Sim, temos
competência para tal, mas...
3) não, não temos demonstrado vontade real de
efetivar as mudanças sócio-econômicas necessárias para
resolver o problema das favelas ( que na verdade é somente uma
das conseqüências sociais desta falta de empenho para
implementar as mudanças necessárias para o Brasil livrar-se
das amarras que emperram seu desenvolvimento sócio-econômico
).
Também
devemos aprender que as soluções dos problemas deste país
devem ter sua parcela de implementação através de ações
voluntárias oriundas da própria Sociedade Civil, sejam elas
ações práticas individuais, como o auxílio pessoal a
comunidades carentes, seja esta participação de que forma for,
seja através da participação em ONGs, ou mesmo, simplesmente,
através de contato com seus representantes políticos,
manifestando seu apoio ou protesto diante de alguma medida ou
ação do Governo ou do Legislativo.
Para esta
cobrança junto aos políticos, precisamos ter mais consciência
da necessidade de sermos mais críticos e participativos no
processo decisório político e ao mesmo tempo exigir melhor
representatividade política, como a criação do voto distrital,
no qual se torna muito mais fácil o contato real entre o
eleitor e seu representante eleito. E é justamente por este
motivo, que alguns políticos entravam o trâmite legal para que
o voto distrital seja criado...
Incluem-se
entre estas medidas, o estímulo à criação de organizações
comunitárias populares, como as associações de bairros, para
representar os moradores locais junto aos vereadores eleitos
pela região e ao prefeito local, para que trabalhem
efetivamente por melhorias nas condições de vida da
comunidade.
Nós,
brasileiros conscientes da magnitude dos nossos problemas
sociais, temos que escolher lideranças políticas ponderadas e
lúcidas, não comprometidas com radicalismos de qualquer
natureza, mas somente preocupadas em melhorar as condições de
vida neste país.
O Brasil
Social Atual é o nosso retrato.
E nós
sabemos que somos melhores que isto.
Ou será
que não somos??
É hora de
provarmos!
* O autor
é Médico Cardiologista em Curitiba, autor do Projeto para a
Erradicação da Miséria no Brasil, exposto na Internet em
<http://bbs2.sul.com.br/brasil/index.htm>
<pia@sul.com.br> |
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Topo TÓPICO 33
A urgência
de uma reforma urbana |
Jornal O Globo, Opinião,
terça-feira, 25 de dezembro de 2001
PAULO HARTUNG
Ao longo dos últimos 50 anos, o Brasil transformou-se num país
urbano. O fluxo migratório do campo para as cidades, em
conseqüência da industrialização, provocou um crescimento
desordenado das áreas urbanas, tornando-se um entrave ao nosso
desenvolvimento.
Hoje, essa é a questão central de qualquer projeto nacional de
crescimento econômico e social. Por isso, a nação está a
exigir uma reforma urbana urgente e, para isso, o melhor
caminho é o fortalecimento dos municípios. Essa, porém, não
será tarefa fácil, uma vez que, segundo o IBGE, apenas 15% das
nossas cidades são dotadas de plano diretor urbano, que é uma
peça indispensável para tal.
Apesar do estado caótico de algumas metrópoles e o contágio
que esse processo leva a cidades menores, ainda há tempo para
o reordenamento urbano do país. O Estatuto da Cidade, por
exemplo, aprovado pelo Congresso Nacional, em 2001, já
mobiliza um grande número de municípios, que estão debatendo
com a comunidade local os caminhos de adaptação à nova lei.
Esse debate é uma excelente oportunidade para resgatarmos a
necessidade de se definir a agenda de uma reforma urbana
nacional. Três vertentes organizariam os trabalhos na
perspectiva do desenvolvimento sustentável:
1. Pacto federativo e redesenho territorial e institucional
das cidades brasileiras;
2. Fortalecimento da capacidade de gestão dos municípios;
3. Política urbana integrada no âmbito nacional.
Segundo o Censo 2000, divulgado pelo IBGE, 81,23% da nossa
população habitam em cidades. E mesmo considerando que uma boa
parcela deste percentual englobe sedes municipais
profundamente vinculadas às atividades rurais, isso não reduz
a importância da questão urbana, mas aumenta sua complexidade.
São realidades muito heterogêneas.
É necessário, portanto, repensar o nosso desenho federativo.
Em primeiro lugar, abrindo uma discussão sobre a necessidade
de que em cada município, independentemente do tamanho de sua
população, território e economia, reproduza-se uma idêntica
estruturação, papel e presença dos três poderes e de
representações dos estados e da Federação.
A estrutura do Judiciário e a organização dos órgãos de
segurança pública podem ser revistas, tendo como base
critérios logísticos que englobem desenhos regionais sem a
obrigatoriedade de reproduzir sua presença em cada município,
economizando recursos e simplificando a cadeia de decisões.
Assim, os poderes Legislativo e Executivo seriam exercidos com
base no conceito de voluntariado e gestão participativa da
sociedade.
Para um conjunto de serviços e funções, tais como saneamento
básico, transporte público, planejamento, promoção econômica,
o estabelecimento de consórcios multimunicipais ou
territoriais seria mais adequado que uma titularidade estadual
ou municipal. Já nas grandes cidades e regiões metropolitanas,
é perfeitamente possível se imaginar uma combinação de
descentralização política e administrativa em nível
submunicipal, simultânea ao estabelecimento de governos
supramunicipais.
Não há uma solução pronta para esta vertente. O importante é
abrir a discussão e estudar as experiências brasileiras e
internacionais de gestão para se buscar um modelo adequado às
nossas necessidades.
Apenas 16% de toda a arrecadação de impostos no país ficam com
os municípios. Mesmo assim, eles são responsáveis por quase
metade dos investimentos públicos. Se considerarmos que a
maior parte desses recursos está dirigida para serviços
essenciais à população, aumenta a importância da evolução da
capacidade de gestão local.
Além de serem poucos os municípios que possuem instrumentos
organizados de gestão urbana, é baixa a participação da
sociedade na discussão do modelo de desenvolvimento urbano e
na própria definição do uso social dos espaços públicos e
privados. As experiências brasileiras de sucesso em gestão
urbana, na qual se inclui a de Vitória (ES), ensinam-nos que a
participação direta da população é o caminho para a maior
eqüidade na distribuição dos investimentos públicos e na
permanência de projetos e programas de sucesso ao longo de
diferentes administrações.
No âmbito da reforma urbana, deve ser feito um esforço
particular para que cada município desenvolva sua Agenda 21,
numa ação nacional de criação das bases para o desenvolvimento
sustentável das nossas cidades.
Apesar do avanço do poder local a partir da Constituição de
1988, ainda é muito forte a presença do Estado. Questões
vinculadas ao cotidiano da administração local e a aspectos
inseparáveis de realidades locais dependem de políticas
setoriais. A reforma urbana deve ser o redesenho dessas
políticas públicas, tendo como foco o planejamento local. Uma
espécie de nova leitura dos problemas sociais do país e das
suas respectivas políticas setoriais, do ponto de vista do
munícipe.
Assim, o combate e a reversão da favelização das cidades, por
exemplo, integrariam políticas de habitação, urbanização,
saneamento, recuperação ambiental, geração de trabalho e
renda, segurança, promoção social e de fortalecimento da
identidade cultural em uma única iniciativa. O mesmo princípio
serve para o tratamento dos municípios pobres, desprovidos de
infra-estrutura urbana básica e para buscar soluções ao
crescimento desenfreado das metrópoles.
No plano federal, o melhor caminho seria o da subordinação das
políticas setoriais a um novo ministério, que desenvolveria,
em conjunto com os municípios, uma política nacional integrada
para o desenvolvimento sustentável das nossas cidades.
PAULO HARTUNG é senador pelo PSB/ES.
|
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Topo TÓPICO 34
Recreio dos
Bandeirantes – Um bairro sustentável |
FÓRUM 21
-DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
EURICO
PESSOA
(economista e morador do Recreio dos Bandeirantes )
I. -
Introdução
O propósito desta apresentação é o de contribuir para o
aprimoramento da qualidade de vida dos moradores da região,
ressaltando seus aspectos ambientais e a importância de sua
preservação sem o que, um dos últimos bairros litorâneos desta
cidade, ver-se-á mitigado pelas conseqüências do adensamento
demográfico irregular e do binômio urbanização X lucro,
natural das grandes metrópoles que não tiveram a oportunidade
de elaborar uma gestão ambiental compatível com suas
necessidades.
Com esta finalidade, faremos uma pequena apreciação do Plano
Lucio Costa precursor do ideal de urbanismo-ecológico da
imensa Baixada de Jacarepaguá, com a planificação desta imensa
área que perfaz 82 Km2. urbanizáveis, na época 1/5 do total da
área urbanizável na cidade.
Em seguida teceremos alguns comentários a cerca de algumas
convenções firmadas durante a ECO-92, na expectativa de
correlacionar os fatos ali considerados com o Recreio dos
Bandeirantes e, subseqüentemente detectar a situação atual do
Bairro.
E, finalmente, conjeturarmos em torno de propostas para a
região.
II. - O
PLANO LUCIO COSTA
II-1. O
Ordenamento
Lúcio Costa recebeu, em fins de 1.968, a incumbência do
equacionamento da ocupação urbanística disciplinada da
Baixada, resultando, então, no Plano Piloto da Baixada de
Jacarepaguá (Plano Lúcio Costa); transformado no Decreto
42/69; posteriormente, incorporado ao Decreto “E” n.° 3800 de
20.04.1970, regulamento da Lei do Desenvolvimento Urbano e
Regional do Estado da Guanabara, onde ficou ordenado que a
região constituída pela Baixada de Jacarepaguá, nos limites
definidos pelo P.A. 5.596 seria disciplinada pelo plano
elaborado pelo arquiteto. Na mesma data, foi criado, pelo
Decreto “E” n.° 2913, o grupo de trabalho encarregado de
coordenar e dirigir as atividades de desenvolvimento e
implantação desse plano. Em 25 de junho de 1.974, esse grupo
de trabalho, através do Decreto “E” n.° 7.118, transforma-se
na Superintendência de Desenvolvimento da Barra da Tijuca.
A partir de 15 de março de 1.975, já na fase municipal da
cidade, subordina-se a Secretaria Municipal de Planejamento e
Coordenação Geral e, em 05 de março de 1.976, através do
Decreto n.° 324, são aprovadas as instruções normativas de
natureza comum a toda área da ZE-5 - Baixada de Jacarepaguá.
Fica, então, institucionalizado, em termos definitivos, o
plano piloto para a Baixada de Jacarepaguá.
II-2. O
Pensamento de Lúcio Costa
A grandiosidade prospectiva desse privilegiado profissional
antecede, em trinta anos, todos os protocolos firmados durante
o Fórum Ambientalista de 1.992. Sua motivação para a
realização da incumbência que lhe foi entregue reflete-se na
memória descritiva do projeto:
“ O que atrai na região é o ar lavado e agreste, o tamanho -
as praias e dunas parecem não ter fim - é aquela sensação
inusitada de se estar num mundo intocado. Assim, o primeiro
impulso, instintivo, há de ser sempre o de impedir que se faça
lá seja o que for.
Mas, por outro lado, parece evidente que um espaço de tais
proporções e tão acessível não poderia continuar,
indefinidamente, imune; teria mesmo de ser, mais cedo ou
mais tarde, urbanizado. A sua intensa ocupação é, já agora,
irreversível.
É pois natural que encare os aterros, os andaimes, as
estruturas, o casario que se vai adensando e toda essa
prevista poluição paisagística, gradativa e crescente, com
certa dose de constrangimento e pesar -para não dizer com
sentimento de culpa-, na esperança de que a futura definição
dos núcleos devidamente espaçados, as áreas livres e o denso
envolvimento arbóreo confiram ao conjunto coerência
urbano-ambiental capaz de compensar, numa certa media, pelo
agreste perdido.”
Pode-se, portanto, constatar sua compreensão de que esse
espaço teria que ser ocupado mas, que o fosse, então, de forma
planejada, minimizando-se os impactos ambientais, bem como sua
degradação, resultantes de uma urbanização desenfreada.
II-3.-
O Plano Lúcio Costa
Em seu plano, Lucio Costa definiu toda a infra-estrutura
urbana da região, considerando áreas “non aedificandi”, áreas
verdes, adensamentos populacionais, transportes (já previa a
linha 3 do pré-metro, ligando o subúrbio ao Recreio), centros
ecológicos, educacionais, turísticos, e comerciais.
Em seu projeto, Lúcio Costa previa uma relação entre as áreas
livres e as ocupadas de 2/3 para 1/3, respectivamente, com
abundância de áreas verdes contínuas. Para detalhamento do
plano urbanístico a região foi dividida em cerca de 45
sub-zonas, para as quais foram elaboradas condições de
ocupação específicas, contemplando todas as atividades e
camadas sociais.
Utilizando-se de novos conceitos urbanísticos instituiu
núcleos de áreas unifamiliares e multifamiliares. harmonizando
a existência de edifícios, com gabarito limitado,com a de
casas, dando ritmo espacial a paisagem urbanizada. Projetou
para o interior do bairro centros comerciais e de serviços e,
para a faixa litorânea limitou as construções a pequenos
prédios, preservando-a do adensamento populacional e o impacto
ambiental resultante das grandes edificações.
Assim, face a sua percepção do amanhã e em vista da inevitável
ocupação do bairro, preocupou-se em estabelecer condições de
ocupação, que apesar de impactarem “o ar lavado e o agreste”,
minimizassem a degradação ambiental que poderia ocorrer.
III- A
PREOCUPAÇÃO AMBIENTALISTA - ECO 92
A fonte motora para a realização de qualquer fórum
ambientalista é o comportamento do próprio homem, principal
agente no processo de degradação ambiental e, a imperiosa,
necessidade de normatiza-lo a fim de, disciplinando-o,
preservar as condições de vida sobre o planeta, assegurando as
condições naturais da existência do solo, ar, da flora, fauna,
hidrografia e demais recursos inerentes a própria vida.
Parte, portanto, do princípio de que é necessário que haja uma
mudança virtual em todos os aspectos da existência do ser
humano: sócio-político, econômico, costumeiro, a fim de que se
alcance a sustentabilidade sócio-ambiental, partindo da
máxima: “ crescer sem destruir “.
A Agenda 21 brasileira é, portanto, um processo participativo
que diagnostica e analisa a situação do País, das Regiões,
Estados e Municípios, para, em seguida, planejar seu futuro de
modo sustentável; compreensão amplamente ratificada pelo
Presidente da República que sinalizou sua determinação em
redefinir o modelo de desenvolvimento brasileiro, que passa a
ser fundamentado pelo conceito de sustentabilidade social e
ambiental.
Assim, considerando-se a íntima ligação do meio ambiente com a
própria vida, bem maior e sujeito a tutela do Estado e mais,
que a degradação de qualquer elemento do meio ambiente resulta
na interação reflexa em qualquer outro, inclusive no homem,
que dele faz parte, vamos nos utilizar da conceituação
jurídica de meio ambiente defendida por Silva, com o propósito
de salientar a responsabilidade e o direito de cada um com a
manutenção da qualidade de vida.
“Trata-se de um bem jurídico essencial à vida que integra um
conjunto de elementos naturais (solo, ar, água, flora e
fauna), culturais (patrimônio artístico, histórico,
paisagístico, arqueológico e espeleológico) e
artificiais. Portanto, é a interação harmoniosa desse conjunto
de elementos é que vai propiciar o desenvolvimento equilibrado
da vida humana.”
III-1-
Sustentabilidade
Da máxima “crescer sem destruir” resulta que o
desenvolvimento sustentável implica, de um lado, o crescimento
do emprego, da produtividade, do nível de renda das camadas
pobres, dos capitais (produtivo, humano e social), da
informação, do conhecimento, da educação, da qualidade de vida
nas cidades e, de outro, a diminuição das contaminações, do
desperdício, da pobreza e das desigualdades. Os indicadores de
progresso, deveriam, então, confundir-se com a melhoria
dos indicadores sócio-ambientais nos espaços urbanos.
A Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento
apresentou o conceito de Desenvolvimento Sustentável como: um
modelo que busca satisfazer as necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas
próprias necessidades. Utilizar os recursos naturais sem
comprometer sua produção, fazer proveito da natureza sem
devasta-la, com o propósito de melhorar a qualidade de vida da
sociedade.
Como podemos observar, a preocupação com a sustentabilidade
implica diretamente com a degradação provocada pelo homem em
decorrência de sua atividade produtiva e social, salientando a
importância de planejarmos as práticas atuais para preservar a
qualidade da habitabilidade do planeta amanhã.
III.2-
Condicionantes Ambientais
Na ocasião foram salientados itens de relevância para atingir
a sustentabilidade, em especial a integração entre a
sociedade, os poderes federais, estaduais, regionais e
municipais, destacando dentre outros itens:
A- A
necessidade de regulamentar o uso do solo urbano, promovendo a
melhoria das condições de vida da população.
B- Buscar
o equilíbrio dinâmico entre a população e sua base
ecológica-territorial.
C-
Ampliação da responsabilidade ecológica, ou seja, aumentar a
capacidade dos agentes sociais na identificação das relações
de inter-dependência entre os elementos ambientais, assim como
também o reconhecimento de que o dano ambiental é um fato
punível.
D-
Promover a existência integrada de infra-estrutura ambiental:
água, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de resíduos
sólidos.
E-
Promover a produção e o consumo racional, com a redução de
resíduos sólidos e menor utilização de produtos recicláveis.
F- Gestão
participativa
G- Gestão
eficaz dos recursos naturais
H-
Recuperação de áreas degradadas.
I -
Manutenção da biodiversidade.
III.3-
Diagnóstico (RJ)
De acordo com dados do Fundo Mundial para a Natureza, o
desmatamento na Amazônia, no período 1.992-2.000, subiu 44%,
sendo que 15% só entre 1.999 e 2.000. As águas também ficaram
mais poluídas. A agência Nacional de Águas estima que 5.1
milhões de quilos de poluentes foram jogados nos rios
brasileiros em 1.992, passando a 6.5 milhões de quilos em
2.001, levando seu presidente a salientar a importância do
tratamento dos esgotos.
Como um dos principais itens, e comum às principais metrópoles
brasileiras, é o desenfreado adensamento demográfico, pois
basicamente dele resultam todos os outros (desde a poluição
atmosférica, transporte ate ao saneamento ambiental), o
grande vilão e o responsável pelos maiores impactos
ambientais.
Como fator predominante do referido adensamento,
foi assinalado o problema do acentuado crescimento da cidade
ilegal, ocupações ilegais sem serviço de infra-estrutura
urbana. A nível Brasil, o crescimento de moradores dessas
comunidades foi de 2.248.336 habitantes em 1980 para 5.020.517
habitantes em 1.991.
No Rio de Janeiro, esse adensamento tem sido mais
expressivo, superior, inclusive, ao crescimento
populacional da cidade. (IBGE: 1.998).
A principal conseqüência desse elemento é o elevadíssimo
índice de poluição ambiental dos mananciais cariocas
resultante da falta de atendimento, a essas comunidades,
de esgotamento sanitário, resultando no despejo doméstico
(águas servidas e depósito de lixo) diretamente nas bacias
hidrográficas.
Cabendo salientar, portanto, que esta condição
favorece a formação de nutrientes indesejáveis que
estimulam a procriação de micro-organismos indesejáveis a vida
aquática, agravando a situação dos recursos hídricos. Além
deste mal direto, resultam outros tais como a dificuldade ao
combate de vetores e doenças resultantes da utilização
de águas poluídas; indo de doenças erradicadas (entre outras.
a esquistossomose, o impaludismo e a dengue), hepatite e até o
câncer de fígado.
As doenças decorrentes da falta de saneamento são responsáveis
por cerca de 65% das internações em hospitais públicos e
conveniados no país, estimando-se que a cada R$ 4,00
investidos em saneamento representam R$ 10,00 economizados em
internações.
A situação é de alerta geral. A degradação ambiental atinge
todos os cursos d’água urbanos, tanto pelo esgotamento
sanitário como pelo lançamento de resíduos sólidos. De acordo
com a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária-ABES, o
custo de tratamento de 1.000 M3 de água de baixíssima
contaminação é de R$ 2,00, enquanto passa a R$ 8,00 quando se
trata de água muito contaminada.
IV.- O
RECREIO DOS BANDEIRANTES
Os problemas que se registram são inúmeros, entretanto, vamos
nos deter, apenas, no da poluição hídrica, visto serem suas
causas e suas resultantes as de maior expressão no momento;
por conseguinte, podemos afirmar que o cenário
retro-apresentado se confirma também no Recreio dos
Bandeirantes, face as invasões de terras e a intensa
favelização.
A grande extensão de áreas livres e planas, a facilidade e o
reduzido custo da construção de barracos, aliado a facilidade
de acesso a outros bairros, bem como a proximidade do litoral
e, porque não, a falta de fiscalização dos órgãos competentes,
torna-se altamente favorável ao surgimento dessas comunidades.
De acordo com o Instituto de planejamento da Cidade do Rio de
Janeiro, em 1.986, existiam 6.906 domicílios em favelas, com
uma população de 26.985 habitantes. Em 1.991, dados do mesmo
Instituto, informavam a existência de 67 favelas com uma
população de 73.871 habitantes, em toda a Baixada de
Jacarepaguá.
Como resultante, toda a Bacia Hidrográfica do bairro
encontra-se com elevados níveis de poluição, fruto do despejo
de esgotos sanitários, resíduos sólidos e toda espécie de
lixo. Assim, desde os canais, passando pelas lagoas, até os
rios estão com sua águas comprometidas; problema que,
atingindo magnitude alarmante, chega a contaminar poços
artesianos, tornando-os inutilizáveis. Em conseqüência, o mau
cheiro e a proliferação de mosquitos alcança condições nunca
verificadas, principalmente nas redondezas do Canal das Taxas
e Rio Morto, onde o crescimento das gigogas esconde,
totalmente, o espelho da água, dificultando o combate
aos focos de mosquitos.
Atualmente, cerca de 12 mil toneladas de esgoto, sem
tratamento, são lançados no complexo de lagoas da baixada
(Lagoas de Marapendi, Camorim, Jacarepaguá e Tijuca), onde,
prolifera a alga chamada de micricistis aeruginosa, que
transmite hepatite e mesmo o câncer de fígado se
ingerida em grande quantidade. Os peixes, que ainda vivem ali,
se alimentam destes organismo sendo, em seguida, pescados e
consumidos pela população local, podendo provocar uma
contaminação por hepatite de grandes proporções.
Portanto, considerando-se os custos de tratamento da água com
baixo nível de poluição e a economia em despesas hospitalares
decorrente da melhoria de suas condições, confrontadas com
situações adversas, bem como, se tomarmos em conta que, como
todos os outros recursos naturais, a água é esgotável, e
estimando-se que apenas 0.85% da água existente no planeta
seja consumível, verifica-se a importância de sua preservação,
visto ser, ela, fundamental para a própria existência humana.
Assim, torna-se primordial o combate as causas de degradação
dos recursos hídricos.
IV.1-
Os Manguezais
Os manguezais são ecossistemas de grande importância
ecológica, sendo considerado um berçário natural. Em seu meio,
e através dele, vivem variadas espécies. Destaque-se que são
naturais desse ecossistema camarões, caranguejos, algumas
espécies de mariscos e peixes, além de uma variada gama
de aves, répteis e mamíferos.
Sua, rica, vegetação fornece matéria prima para a produção de
inúmeros medicamentos, do tanino, para o adoçante, álcool e
óleos. Desta potencialidade, resulta a importância econômica
dos manguezais. No entanto, além dos agentes degradantes
mencionados acima, os manguezais sofrem com a ação do homem
que o desmata para a industrialização da vegetação dali
retirada.
IV.2-
Os Recursos Florestais
Mapeamento realizado pelo Município do Rio de Janeiro registra
que uma das áreas em que a cobertura vegetal nativa da Mata
Atlântica sofreu maiores modificações, no período se 1.984/88,
foram as adjacências do Maciço da Pedra Branca, sendo que,
tais perdas foram confirmadas no período de 1.988/1.992, ai,
incluindo as encostas do maciço da Tijuca. Nos últimos três
anos do período analisado (1.992, 1.996, 1.999) verificou-se
aumento da velocidade da redução da área de floresta;
registrando-se também uma redução de 20.000 hectares para
16.000 hectares, em 1.999, da área em análise.
IV.3-
Restingas
Esta foi a categoria que apresentou maiores reduções
percentuais em relação ao ano de 1.984, chegando a 30% de
perda. As principais alterações foram no bairro de Grumari,
onde cerca de 42 hectares foram substituídos por floresta
alterada. logo nos dois primeiros anos da série. Pequenas
modificações puderam ser detectadas em remanescentes
constituídos por fragmentos menores nas proximidades das
Lagoas de Marapendi e da Tijuca.
V. -
RÁPIDAS RECOMENDAÇÕES
Não pretendemos a presunção da verdade, portanto, por
concordarmos, e visto, em sua maioria, estarem em consonância
com o Plano Lucio Costa, basearemos nossas recomendações
em proposições apresentadas ao longo do Fórum Ambiental
realizado no Rio de Janeiro em 1.992, com pequenas adaptações
ao contexto regional.
São elas:
A. A
integração política entre as diversas esferas governamentais:
Federal, Estadual e Municipal.
B. Ações
democraticamente integradas com a população local.
C. A
produção de normas ambientais que punam, de forma eficaz, as
ações danosas ao meio ambiente.
D. A
descentralização político-administrativa face as diversas
características das sub-zonas, com a criação de organismos,
aos moldes do antigo grupo de trabalho, visando o cumprimento
de normativas urbanístico-ambientais setoriais.
E- A
implementação de política que estimule o setor da construção
civil a incrementar seus investimentos na região, visando sua
ocupação ordenada.
F.
Estímulo para o aproveitamento dos recursos humanos locais
pela construção civil.
G. Redução
dos bolsões de pobreza.
H. A
implementação de uma política habitacional e urbana compatível
com as características ambientais e sócio-culturais do bairro.
I.
Revitalização do Plano Paralelo de Lucio Costa.
J.
Implantação de currículo escolar que brinde os conceitos
ambientalistas.
K. A
eliminação das causas da degradação ambiental.
L. A
recuperação de áreas degradadas
V.1-
Justificativa
a.) A construção civil, é um segmento produtivo de uso intenso
da mão de obra não qualificada, que aufere recursos até quatro
salários mínimos. Além disso, estimula outros segmentos
produtivos - como siderurgia, cimento e acabamento -, por
conseguinte é de grande interesse para a redução do
desemprego.
b.) A utilização de mão de obra local contribuiria para a
elevação da renda familiar dos residentes na região, reduzindo
os bolsões de pobreza, preservando a dignidade humana e,
capacitando o indivíduo a exercer sua cidadania em toda a sua
amplitude.
c.) O implemento de políticas (que podem ser tributárias ou
creditícias) que estimulem o investimento do setor da
construção civil na região, visando sua ocupação ordenada, com
o propósito de coibir a ocupação irregular das áreas livres.
d.) A descentralização político-administrativa visando o
cumprimento e a eficácia das normas ambientas definidas com o
propósito de preservar as condições ecológicas com, inclusive,
a aplicação de sanções, sociais, administrativas e penais
e.) O implemento de uma política habitacional e urbana
compatível com os padrões verificados nas sub-zonas com
o propósito de minimizar os impactos ambientais e conflitos
sócio-culturais.
f.) A implantação nos currículos escolares de disciplina que
contemple a educação ambiental, face o poder disseminatório
familiar do conhecimento e da reprovação de costumes.
g.) A eliminação das causas da degradação ambiental, porque só
com sua eliminação eliminam-se os seus efeitos.
h.) Revitalização do Plano Paralelo de Lucio Costa porque ele,
de forma realística, e, junto com o emprego, re-estabelece a
dignidade do povo humilde, preservando-lhes a identidade e a
cultura, sem priva-los de qualquer conforto.
VI. -
UMA PROPOSTA PARA O BAIRRO
O bairro, de grandes dimensões e ainda pouco explorado, com
grande extensão litorânea - o último da região metropolitana
-, encontra-se, ainda em condições de obedecer uma
planificação compatível com sua vocação ecológico-turística
mantendo sua sustentabilidade. Já existem grandes
investimentos realizados na área hoteleira, em especial
flats e hotéis-residência, clubes aquáticos, sítios
ecológicos, shoppings, cinemas, teatros, um autódromo, um
grande centro de convenções, além de um pólo gastronômico de
reconhecimento nacional.
Observando-se, ainda, seu relevo, os aspectos hídricos e
lacustres da região, constata-se a sua tendência natural para
o ecológico. Na região situam-se os maciços da Pedra
Branca e da Tijuca e uma grande bacia hídrica formada por
rios, lagoas, lagos e canais. Além de sua bacia hidrográfica,
encontram-se na região, grande quantidade de manguezais e
restingas, sem contar com a significativa parcela de Mata
Atlântica existente na encosta dos maciços retro-mencionados.
São protegidos pela legislação ambiental:
* Bairro
da Freguesia (Jacarepaguá) - Decreto Municipal 11.830 -
11.12.92
* Das
Brisas (Pedra de Guaratiba) - Lei Municipal 1.918 - 05.10.92
* Grumari
- Lei Municipal 944 - 30.12.68
* Orla
Marítima - Lei Municipal 1.272 - 06.07.88
* Parque
Municipal Ecológico de Marapendi - Decreto Municipal 10.368 -
15.08.91
* Maciço
da Pedra Branca - Lei Municipal 1.206 - 28.03.88
* Prainha
- Lei Municipal 1.534 - 11.01.90
* Reserva
Biológica e Arqueológica de Guaratiba - Decreto Estadual 7.549
- 20.11.74
* Reserva
Biológica do Pau da Fome (Jacarepaguá) - Lei Municipal 1.540 -
15.01.90
* Bosque
da Freguesia - Decreto Municipal 11.830 - 11.12.92
* Parque
Arruda Câmara - Decreto Municipal 4.105 - 03.06.83
* Parque
Ecológico Municipal Chico Mendes - Decreto Municipal 8.452 -
08.05.89
*Parque
Municipal Bosque de Jerusalém - Lei Municipal 2.331 - 28.06.95
* Parque
Municipal Ecológico de Marapendi - Lei Municipal 61 - 03.07.78
* Lagoa do
Camorim
* Lagoa de
Jacarepaguá
* Lagoa de
Marapendi
* Lagoa da
Tijuca
* Lagoinha
* Maciço
da Tijuca
* Pedra de
Itaúna
* Morro do
Rangel
VI-1-
Algumas sugestões para exploração turística
(Colaboração de Cezar Liper/Maria Lucia Massot)
*
Inclusão dos pontos turísticos da região, nos mapas oficiais
da cidade da Riotur e Embratur,tais como:
- capela
de Monserat;
- capela
de Curicica;
- morro do
Rangel e demais morros tombados pelo Departamento de
Patrimônio Histórico, onde terão mirantes e em alguns
restaurantes;
- Parque
Chico Mendes;
- Parque
de Sernambetiba;
- Bosque
da Barra;
-
Cemitério indígena;
- Casa do
Pontal;
- Pólo
gastronômico de Vargem Grande;
- Parques
aquáticos e outros;
-
Shoppings Centers;
*
Promoção de eventos
- Criação
do Calendário Anual de concursos, com:
- Concurso
de fotografia para o lançamento de cartões postais da
região;
- Concurso
de " O Recreio da Gata " e o " O Recreio do gato
", que cederão a sua imagem aos cartões
postais dos pontos turísticos;
-
Campeonatos esportivos: surf, longboard, canoagem,
wind-surf, natação, jet ski, fisiculturismo, tênis,
futebol, pesca e outras modalidades...
- criados
vários roteiros de passeios de barco, aproveitando as
exuberantes lagoas, canais e oceano;
- Concurso
de música: rock, MPB, ritmos nacionais, etc...
-
Calendário anual de feiras e congressos;
-
Construção de trilhas para passeios ecológicos;
-
Construção de mirantes;
-
Construção de decks para pescaria;
*
Poderão ser criados também:
- passeios
ligando Itaipu ao Recreio, como forma de estimular a
integração e o turismo entre Rio de Janeiro e
Niterói.
- Criação
de selos postais com as riquezas turísticas da região, fauna,
flora, etc...
- As
margens das lagoas e rios poderiam ser exploradas
comercialmente, como já acontece na orla, e instalados
quiosques.
-
Reativação e ampliação do antigo prédio da Fundação Parques e
Jardins na Via 9, na Reserva de Marapendi, para abrigar
um Centro de Esportes Aquáticos, comportando o museu de várias
modalidades esportivas, como o surf, do jet ski, dentre
outras.
- Uma
parte da reserva de Marapendi poderia ser reservada para
criação de plantas nativas de manguezais e de restinga, sendo,
então, utilizadas para a reposição das áreas que se encontram
degradadas;
VII -
NOSSAS CONCLUSÕES
Ratificando nosso pensamento inicial, a preocupação mundial
com a preservação do meio ambiente decorre do princípio
natural da preservação da espécie humana, pois, inserido neste
mesmo sistema ecológico e, dele também dependente, é o único
agente racional que o habita, portanto, principal responsável
por sua preservação.
Assim, todo e qualquer esforço dedicado ao sucesso deste
intento é justificável pelo benefício resultante para a
espécie humana. É fundamental que nos conscientizemos que o
horizonte da existência humana não se limite ao horizonte
temporal individual, sendo muito maior, segundo a trilha de
todos os nossos descendentes.
Disto resulta a responsabilidade de cada um com meio em que
habita, envidando o máximo empenho visando a preservação
ambiental, protegendo-o da degradação. Assim, só com o efetivo
comprometimento de todas as pessoas e do poder público, ambos,
interagindo, poderá ser alcançada a sustentabilidade
ambiental. E para isso precisamos dar um primeiro passo,
sociedade e poder público.
Assim, em consonância com as diretrizes traçadas durante a
ECO-92, ratificadas na Conferência Preparatória Regional para
a Cúpula Mundial de Desenvolvimento Sustentável da América
Latina e Caribe, assim como, com os objetivos propostos na 2.°
Conferência Estadual da Agenda 21 que espera maior
participação das prefeituras na execução de programas que
efetivem o desenvolvimento sustentável .
E, por tudo que foi exposto, propomos que o Recreio dos
Bandeirantes seja transformado no primeiro bairro-ecológico do
País, destacando-se nacionalmente e apresentado na Conferência
de Joanesburgo, Rio +10, em set.2.002, como sinal de empenho
para que a sustentabilidade seja alcançada.
Eurico
Pessoa
Cidade
Maravilhosa
Recreio dos Bandeirantes-Barra Bonita
18/12/2001 |
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Topo TÓPICO 35
Impostos para
quê? |
Jornal do Brasil, Editorial,
sexta-feira, 28 de dezembro de 2001
A independência dos Estados Unidos baseou-se num princípio
simples. Sem representação o povo não deve pagar impostos. Bom
princípio que faz, até hoje, com que os cidadãos americanos
tenham como uma das maiores preocupações o destino que o poder
público dá ao dinheiro dos contribuintes. No Rio, hoje, os
cidadãos não estão representados pelas autoridades, que se
acusam pelas conseqüências das enchentes e dão triste espetáculo
aos fluminenses, já tão castigados pelo clima e pela incúria.
Brigam prefeitos e o governador. Acusam-se de incompetência
mútua. E (o que é pior), com razão. Enquanto brigam, parecem não
ter tempo para cuidar dos recursos do Estado. Do orçamento da
União, aprovado para o combate às enchentes no Rio - um total de
R$ 66,3 milhões nos últimos seis anos - as autoridades só
retiraram R$ 11,1 milhões, cerca de 17% do total destinado à
desobstrução de rios e canais e construção de obras em encostas.
O mais novo bate-boca envolve o prefeito de Duque de Caxias,
José Camilo, o Zito (PSDB), o governador Anthony Garotinho (PSB)
e César Maia (PFL). Zito diz ter entregue, em vão, ao governador
uma lista de rios que deveriam ser dragados há dois anos e que
não são limpos há cinco. Garotinho responde que alertou os
prefeitos, incluindo Zito, sobre as enchentes e recomendou que
abastecessem seus depósitos com colchonetes, cobertores,
equipamentos e comida. Acusa também o prefeito de Caxias e
outros de construírem casas em lugares não autorizados e
sujeitos a inundações. Cesar Maia ataca e acusa o governador de
construir ''casinhas de papelão'' em Sepetiba, em área
imprópria, onde a lama chegou ''até os joelhos''.
Os cidadãos/contribuintes/eleitores assistem, perplexos, à troca
de baixarias sobre a situação na Baixada. Enquanto as
autoridades permutam incompetências, muitos moradores
sinistrados ainda tentam salvar algo da fúria das águas e da
lama, contabilizam mortos e feridos e procuram sobreviver em
meio ao caos urbano e administrativo.
Ao serem eleitos, os políticos devem parar de fazer política
partidária, abandonar o palanque e passar a administrar para
todos os cidadãos. O interesse comum de todos os políticos do
Estado que estão no Poder Executivo (seja de que partido forem)
é (ou deveria ser) o progresso e bem-estar dos cidadãos do Rio
de Janeiro. Nisso, todos devem (ou deveriam) trabalhar em
conjunto.
Oposição precisa existir. É fundamental. Mas sua expressão terá
de ser feita através do canal próprio: o Legislativo. Prefeitos
e governador do mesmo Estado em briga politica, acusando-se de
omissão e incompetência - enquanto dinheiro posto à disposição
para resolver problemas prioritários é esquecido - é,
simplesmente, crime de lesa-cidadania.
Uma das razões por esse desinteresse deve-se ao fato de
tratar-se de dinheiro ''carimbado'', isto é, que só pode ser
usado para o fim a que foi destinado. Os governos, em geral, não
têm grande entusiasmo por esse tipo de recurso. Ele não pode ser
manipulado (afinal vivemos uma sucessão de anos de poucas
chuvas), e, por isso, deixaram de programar e fazer várias obras
que seriam possíveis caso os R$ 55,2 milhões, desprezados nos
cofres de Brasília, tivessem sido usados.
Se o governador (socialista) não ajuda um prefeito
(social-democrata), briga com outro (da frente liberal) e
ninguém se entende no palanque em que transformaram a
administração pública do Estado do Rio, seria muito justo que o
cidadão - ao não se sentir representado pelas autoridades, ao
perceber-se excluído desse jogo de políticos menores - passe a
pleitear isenção de taxas e impostos. Afinal, os americanos
preferiram jogar o chá dos navios ingleses ao mar a pagar pelo
que não recebiam. E eles tinham tanta razão que a democracia
deles funciona bem há mais de 200 anos.
Vota-se para escolher um governante mas, uma vez terminada a
eleição, o escolhido deve lembrar que todos os cidadãos,
independentemente de seu sufrágio, pagam impostos e são,
portanto, responsáveis e patrões dos eleitos (ou pelo menos
assim deveria ser numa verdadeira democracia). Omissões,
conivência e disputas estéreis, como é comum ver-se no Brasil,
deveriam ser duramente sancionadas pela população, através do
voto e até da desobediência civil, e pelo Poder Judiciário,
processando os responsáveis, por ação ou omissão, pelas
calamidades que todos os anos se renovam quando chegam as chuvas
de verão. |
(continuação) |
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