"Quem pensa que extorquir traficantes é atrativo se engana. Atrativo mesmo é "mineirar" ilustres consumidores de cocaína".
Prefeito Cesar Maia |
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(5ª parte) |
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TÓPICO 1
Um Estado autônomo |
Jornal O Globo, Rio, 09 de outubro de 2005
SÉRGIO MAGALHÃES
A construção de um edifício com onze andares na encosta da Gávea, em plena Rocinha, revelada por reportagem do GLOBO, põe em evidência uma das questões cruciais
da cidade.
Por que o espigão gera polêmica? É porque se construiu um edifício alto na encosta? É porque o edifício alto ajudou a desmatar a floresta? É porque é ilegal,
não foi licenciado pela prefeitura? É porque ele evidencia aumento da favela? É porque ele sinaliza a perenidade da ocupação? A polêmica seria uma reação ao uso
em lugar “ímpio” de um símbolo “sagrado” do progresso moderno, o edifício alto? Todas estas questões podem ser respondidas afirmativamente, o que qualifica o
tema. Mas não o esgotam.
Nos anos setenta, os cariocas reagiram à invasão dos espigões que estavam destruindo a ambiência da Zona Sul. Um movimento vocalizado pelo “Pasquim”, com Millôr
à frente, pôs-lhes uma barreira legal. O edifício alto ficou estigmatizado no conjunto Selva de Pedra, que substituiu a incendiada favela da Praia do Pinto, no
Leblon. Aquele movimento teve desdobramentos, como a consolidação da consciência coletiva de preservação do espaço carioca, o apoio à criação das Áreas de
Proteção Ambiental e Cultural, a defesa da insolação máxima na praia impedindo edifícios altos na orla, entre outras vitórias da cidade. O edifício alto se
mudou para a Barra da Tijuca.
A reação do prefeito, dizendo ser preferível um espigão na Rocinha do que à beira-mar, pode aparentemente estar referenciada a essa polêmica superada; pode,
também, ser interpretada como uma ironia em relação à crítica contra a favela; e, ainda, como um reconhecimento da incapacidade de a prefeitura regular o solo
urbano.
As cartas de leitores, as reportagens, os editoriais reafirmam o significado da questão para a cidade. Todavia, há um aspecto que assume o caráter de matriz de
todos eles. Proponho que esse episódio seja compreendido mais amplamente -onde de fato ele se situa: trata-se da consolidação da Rocinha como um estado
autônomo.
As condições indispensáveis para a existência de um estado autônomo estão postas: há um território próprio, há uma população submetida às suas leis, há um
governo. O território desse estado autônomo era, antes, parte integrante do Estado brasileiro. Nesse estado, autônomo do Brasil, não houve um “grito” que
promovesse a sua independência; ela se constituiu pouco a pouco, em um tempo que já pode ser medido secularmente, mas que se acelerou nas últimas décadas.
No espigão da Rocinha moram famílias que não estão protegidas pelas leis verde-amarelas. Lá não vigora a lei do inquilinato, mas o mais violento dos
capitalismos selvagens, onde o dono do dinheiro pode impor seus “contratos” e exigir pagamentos sem ressalvas; e sem a mediação da Justiça. No capitalismo da
Rocinha, o dono do gás é o dono do transporte, dá as regras de convívio, dirige a vida e a morte. Enganam-se os que pensam que o espigão da Rocinha não foi
aprovado.
Mas não estigmatizemos a Rocinha, ela é apenas mais evidente, por sua inserção na Zona Sul. É uma evidência exemplar da constelação de territórios onde as leis
do Brasil não mais protegem seus cidadãos. Esses territórios são favelas, do Rio e de outras cidades, são loteamentos suburbanos, são, ainda, centenas de
conjuntos residenciais, construídos pelos governos, onde mandam outras leis. Programas como o Favela-Bairro não são uma panacéia, embora sejam indispensáveis se
quisermos a retomada desses territórios.
Empurrados à própria sorte, sem financiamento habitacional, sem transporte adequado, à mercê do capitalismo mais selvagem, esses brasileiros estão sem a
proteção do Brasil. Proponho que o espigão da Rocinha seja um símbolo da retomada verde-amarela dos milhares de loteamentos, conjuntos e favelas que permanecem
ilhados na anomia e subjugados pelos donos de tudo, dos edifícios, das leis, da vida e da morte. Proponho a República do Brasil para todos os brasileiros.
SÉRGIO MAGALHÃES é arquiteto.
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Topo TÓPICO 2
A boa política de Negrão para as favelas |
Jornal O Globo, Rio,Opinião, 16 de outubro de 2005
SILVIO FERRAZ
O prefeito Cesar Maia definitivamente escolheu o morro. A cidade fica relegada ao quinto plano em suas preocupações e seus habitantes-contribuintes de elevados impostos, como o
IPTU, assistem à favela placidamente tomar conta do espaço urbano, da mata atlântica, dos símbolos da cidade, como exemplarmente vem documentando este jornal. Além dessa
invasão, os moradores do asfalto ainda são obrigados a ouvir do prefeito absurdos como “o morro é deles” e “a remoção é impossível”. Para temperar mais a salada de absurdos, o
prefeito salpica frases como “a verticalização no morro é melhor do que na orla, porque sombreia as praias”.
Prefeito, a remoção não é a única solução para o crescimento desordenado dos chamados aglomerados subnormais, terminologia ao gosto de arquitetos, urbanistas e antropólogos. O
governador Francisco Negrão de Lima, último a ser eleito pelo voto popular antes de a ditadura instituir a votação indireta pelo Congresso e assembléias, penou sob o tacão dos
militares e dos tecnocratas que com ele compartilharam o poder em todo o seu mandato. Ditadura que tomou de assalto o falecido Banco Nacional de Habitação e fez da remoção sua
única bandeira para as favelas. Remando contra a maré, Negrão teve a coragem de criar a Companhia de Desenvolvimento de Comunidades (Codesco) com o objetivo de resolver a
questão das favelas: urbanizar ou desadensar
O lema da Codesco, atuante miniestatal com apenas 40 funcionários, era urbanizar favelas passíveis de integração aos bairros adjacentes. Novas ruas poderiam se ligar às
existentes no bairro, assim como as redes de esgotos e águas pluviais. Integrá-las nas vantagens e desvantagens. Nada de construir creches ou escolas para o gueto modernizado.
Os moradores da favela integrada teriam que entrar em filas junto aos vizinhos dos bairros do asfalto. Para as parcialmente urbanizáveis, a solução seria reduzir a densidade —
removendo a parte remanescente para terrenos urbanizados, do Estado ou desapropriados, o mais próximo possível da ex-favela, para que continuassem próximo a seus empregos e não
se apagassem os vínculos de convívio de seus moradores.
As chamadas favelas inurbanizáveis — que agrediam o coração da cidade, e cuja topografia e condições geológicas não possibilitariam a implantação de redes de esgoto sanitário,
fornecimento de água e tampouco a ampliação de ruelas permitindo a passagem de ambulâncias, viaturas do Corpo de Bombeiros e polícia, estas, sim, seriam removidas
integralmente.
Como a estatal de Negrão para esta finalidade só foi criada nos dois últimos anos de seu governo, apenas a então favela de Brás de Pina, com quase dez mil habitantes, foi
totalmente urbanizada. E a favela Morro União — metade no plano e metade no morro — com cerca de sete mil habitantes, foi parcialmente urbanizada. O êxito começou pela
aceitação dos moradores. O traçado de suas ruas foi escolhido democraticamente. O segundo fator que contribuiu para o êxito foi o financiamento do material de construção
concedido pelo Estado, com recursos do BNH. Aí sim, tivemos uma política social — acesso às fontes de financiamento a juros reduzidos para a classe social que não podia
enfrentar as tabelas price da vida. A inadimplência não ultrapassava 2% e as casas construídas pelos próprios favelados eram mais amplas que as do BNH.
O que seria feito, à época, nas favelas da Rocinha e do Dona Marta? Seriam removidas, aos poucos, para a região de Santa Cruz, nas vizinhanças do Distrito Industrial, então em
construção. A proximidade com as fábricas garantiria empregos. Mesmo assim, a título de incentivo, os ex-favelados teriam isenção do pagamento de taxas municipais e estaduais
durante uma década e transporte subsidiado até o limite da Zona Sul, para quem preferisse seu emprego. Tudo isso, no entanto, seria feito na base do convencimento, do diálogo.
Naquela época, diga-se, os morros não eram depósitos de drogas, tampouco as quadrilhas os haviam ocupado. Havia clima para diálogo.
Hoje, há ainda condições para a recriação desse clima. Desde que o governo não chegue lá impondo sua fórmula — como no caso favela-bairro. Nesta última tentativa de intervenção
habitacional, o governo sempre chegou com o bolo pronto. Quem quisesse comer, comesse. Não é assim. Bandido é uma coisa, favelado é outra. É gente boa. Favelado pode e deve
opinar, como faz nas urnas. Dialogar é possível. O que o prefeito lamentavelmente está mostrando aos contribuintes é ter tomado irreversível partido pelos não-contribuintes,
embora tanto um como outro compareçam às urnas com seus votos. Cesar fez sua escolha. Façamos a nossa: pagar IPTU, só na Justiça.
SILVIO FERRAZ é jornalista e foi diretor-executivo da Codesco, empresa estatal que urbanizou favelas do Rio no governo Negrão de Lima.
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Não ao Rio-favelão |
Jornal O Globo, Rio, 09 de outubro de 2005
PAULO RABELLO DE CASTRO
Tudo na vida depende da nossa perspectiva. Vista de baixo, qualquer barreira parece mais alta. Visto de cima, nenhum obstáculo é
intransponível. Que o diga quem já experimentou a sensação de haver chegado ao topo da sua montanha.
Os problemas do Rio são múltiplos, crônicos e entremeados. Daí a dificuldade do seu equacionamento. Saídas existem sim. Aliás, a maioria delas já foi alguma vez pensada e,
até mesmo, aplicada em algum tempo passado. A grande reforma urbana de Pereira Passos, no início do século passado, é apenas uma lembrança de alguém que ousou mudar a cidade
para melhor... e conseguiu!
Estimo e respeito o prefeito Cesar. Mas não posso concordar com sua perspectiva “de baixo”. Ele vendeu desesperança e inação em sua infeliz entrevista ao GLOBO, ao
contestar a busca de soluções a respeito da ocupação ilegal do solo na nossa cidade. A população do Rio quer ter, da sua liderança maior, a perspectiva “de cima”, a visão de
superação dos problemas, por mais difíceis que pareçam.
Tudo começa por admitir nossa realidade, nua e crua. O Rio está morrendo. E ponto. Mas não um ponto final. Estamos vivos, embora presos, como náufragos na cidade que
afunda lentamente. O declínio econômico da ex-capital federal deve ser visto como dado fundamental da favelização. É a nossa classe média, mal remediada, que se acomoda nas
encostas da informalidade. Não são bandidos que promovem a favelização. É a inapetência sucessiva de dirigentes que não dirigem.
A reversão de expectativas, no entanto, deve se dar até antes da retomada da prosperidade. É decisão voluntarista, porque política. O Rio exige um reordenamento urbano
amplo. Ele começa pela titulação integral dos atuais ocupantes e posseiros. A propriedade, imitida ainda que por fração ideal das áreas ocupadas, emulará o ímpeto de
progresso de cada novo cidadão-proprietário. O diálogo prefeitura-proprietário, ou estado-proprietário, será, daí para a frente, um diálogo de igual para igual.
Sem assistencialismos. Sem os vícios da esmola política. A fase seguinte será mais fácil: com os especialistas, reprojetar o
espaço urbano e redefinir como habitáveis apenas as áreas acessíveis e seguras. Acessibilidade e segurança, especialmente ambiental, são as chaves.
Não haverá remoção de favelas. Haverá eventual mudança de endereço do cidadão, por decisão do próprio,
sujeita a critério técnico e recompra da fração titulada, acompanhada de transporte fácil e confortável, com os serviços
essenciais, na nova moradia.
Difícil de implantar? Certamente. Mas não impossível, isso nunca. Temos é que suar a camisa em prol da Cidade Legal.
Um programa como esse seria capaz, numa só gestão administrativa, de mudar a cara do Rio, tendo como principal desdobramento, à parte o impacto
bilionário de valorização patrimonial para milhões de cariocas, ricos e pobres, o resgate da tão necessária e perdida segurança pública.
Auto-estima, também. Porque tudo depende da perspectiva. O Rio não será nada enquanto, para ele, não pensarmos
nem sonharmos nada. De fato, a perspectiva “de cima” nasce da capacidade de sonhar. É o sonho que nos faz
levitar e voar.
PAULO RABELLO DE CASTRO é economista.
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Projeto viável |
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Jornal O Globo, Rio, Editorial, 26 de outubro de 2005
A favelização se expande em função de certos fatores. No caso do Rio, o populismo cumpriu e cumpre papel destacado na formação e no crescimento da verdadeira
cidade de barracos distribuída em praticamente todos os bairros. Hoje, com uma população na faixa do 1,2 milhão de pessoas, ou pouco mais de 20% do total dos
cariocas, o conjunto de favelas, ou de habitações “subnormais”, pelo jargão técnico, já representa um curral eleitoral avantajado, à disposição de especialistas
em pavimentar carreiras públicas explorando grotões urbanos. E dessa forma as favelas se eternizam, sob a proteção de deputados, vereadores etc.
Há também a falta de programas de habitação popular capazes de atender à enorme demanda por residências formais existente entre os favelados. Extinto o Banco
Nacional da Habitação — em que pese o BNH também ter funcionado como instrumento de transferência de renda para a classe média — ficou um vazio no sistema de
financiamento habitacional. Estados e municípios criaram mecanismos próprios, mas na maioria dos casos incipientes. Porém, agora, com a aprovação da lei 11.124,
acabam de ser criados o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e um fundo nacional para subsidiar os mutuários. Originada há 13 anos de movimentos de
sem-teto ligados à Central Única de Trabalhadores, a idéia da lei foi apoiada por um abaixo-assinado de milhares de pessoas e, na condição de projeto de origem
popular, como previsto na Constituição, foi encaminhado ao Congresso. Terminou apoiado pelo setor da construção civil, e agora precisa ser regulamentado e
receber o aporte de recursos necessários do Tesouro para subsidiar, como é imprescindível, parte dos empréstimos.
O importante é que surge um instrumento para viabilizar projetos habitacionais que poderão estancar e reverter a favelização. No Rio, empresários tiveram a boa
idéia de propor a criação de bairros, com toda a infra-estrutura urbana — a maior parte da qual já existe — às margens da Avenida Brasil.
Para a execução desse e de outros projetos o município e o estado têm de aderir ao programa. Se tudo acontecer segundo o melhor cenário, recursos financeiros
não faltarão. Será preciso, então, haver vontade política nos governos e vencer a tentação do populismo.
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Caos em marcha |
Jornal O Globo, Rio, 27 de outubro de 2005 Pode-se ter qualquer posição sobre as favelas. Só não se pode deixar de reconhecer que a favelização
está no centro da crise do Rio - até mesmo por ter uma relação direta com a criminalidade. A existência de duas cidades,a formal e a informal, vem de muito longe. Há até um marco histórico: no final do
século XIX, a construção de casebres, na área do Morro da Providência,por ex-soldados combatentes da Guerra de Canudos.O problema,porém, é que a cidade à margem das leis e das normas - que constrói sem
licenças, rouba energia elétrica, não paga impostos e assim por diante - cresce em alta velocidade e já sufoca o Rio formal, o que cumpre alei,financia os gastos públicos por meio dos tributos. E que por
causa desse processo de degradação se sente cada vez mais acuado pelo Rio informal. Os bairros de Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e adjacências servem de termômetro dessa degradação: em dez anos,
de 1991 a 2000, segundo o IBGE, a população de 29 favelas existentes na região aumentou em 123%, contra um crescimento de 69% no número de habitantes dos bairros formais, o asfalto. A deterioração da cidade
por causa da ocupação desordenada das encostas e das margens de lagoas (Zona Oeste) e o avanço de favelas em áreas outrora industriais (Avenida Brasil) já há algum tempo alerta para a necessidade de um
programa amplo, de emergência, com a participação dos governos municipal,estadual e da União, para conter a favelização e fazê-la retroceder. Para o bem de todos, incluindo, claro, os favelados, hoje cerca
de 20% da população total de cariocas (7% em 1950). Projetos tópicos não têm mais possibilidade de êxito: favelas-bairros, ecolimites, controle do desmatamento. É tratar câncer com aspirina. Muito menos é
sensato esperar que um longo (e incerto) ciclo de crescimento econômico venha transformar a Rocinha e o Vidigal em reproduções de vilarejos da Côte D'Azur e da Costa Amalfitana. A única semelhança entre a
Niemeyer, São Conrado e Gávea com a costa européia no Mediterrâneo são o mar e a montanha.
Mudanças na lei
O crescimento das favelas foi certamente um dos fatores que favoreceram a perda, no Estado do Rio de Janeiro, de exuberantes faixas de Mata Atlântica. Mas se não se pode simplesmente
culpar as ocupações, elas tiveram um papel preponderante e histórico, a exemplo do que ocorreu nos ciclos econômicos extrativista e agrícola, com o adensamento da ocupação urbana na Região Metropolitana.
Por isso, quando o percentual de moradores em área urbana em nosso estado ultrapassa os 93% da população, o restabelecimento de um debate sobre a expansão dessas comunidades vem em boa hora! Pois, de
fato,enfrentamos muitas dificuldades em coibir tais invasões. Atesto isso nestes quase 15 anos como ocupante de sucessivos cargos públicos na área de meio ambiente. Só obtemos sucesso quando da remoção de
construções ainda não consolidada se, mesmo assim, dependendo da ocupação estar ou não ocorrendo em propriedade privada. A Fundação Instituto Estadual de Florestas (IEF/RJ), que presido desde
2003,ampliou, consideravelmente, suas ações de demolição em áreas inseridas em Unidades de Conservação da Natureza. Vale registrar que ampliamos, em 2004,em 850% o número de demolições feitas em 2002,
passando de sete demolições para 43. Apesar disso, enfrentamos embargos que têm buscado impedir a diligente ação de nossos fiscais, em áreas de residências e construções de alta e de baixa renda.
Precisamos, sim, rever a legislação, e com urgência, para assegurar em nosso estado os valiosos 17% de remanescentes da floresta tropical atlântica. Para isso são necessárias leis mais eficazes e uma ação
efetiva do poder público na fiscalização, informação, educação e controle ambiental.
MAURICIO LOBO é presidente da Fundação Instituto Estadual de Florestas |
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Favela S.A. x Rio, urgente |
Jornal O Globo, Opinião, segunda-feira, 31 de outubro de 2005
Favela S. A.
JÚLIO LOPES
Recentemente, durante um debate na Firjan sobre revitalização do Rio, o secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, declarou que o município havia se
transformado em uma grande favela com pequenos pedaços da Cidade Maravilhosa em volta. Exageros à parte, a afirmação do secretário tem um fundo de verdade.
Em 1980, segundo o IBGE, havia 637.518 moradores nestas áreas. Em 2000, pulou para 1 milhão.
Mas por que as favelas crescem tanto? Há a questão social, mas, tão importante quanto ela, está o conjunto de atividades econômicas das favelas e que
estimulam seu crescimento, comprometendo a segurança de todos. Uma dessas atividades é a especulação imobiliária informal que domina favelas como Rocinha e
Vidigal. Protegidos por milícias armadas, os donos desses imóveis conseguem, à margem da lei, construir prédios e lojas em proporções geométricas. São os
verdadeiros donos dos morros.
Na região do Boiadeiro, na Rocinha, uma pesquisa feita por meu gabinete apontou a existência de 149 prédios com 1.200 apartamentos. Todos irregulares. Ao
invés de coibi-los, o prefeito Cesar Maia reforça essa situação ao publicar um decreto, de 12 de julho, em que isenta de taxas de licença estabelecimentos
comerciais nas favelas.
Esse mercado clandestino fortalece, em alguns casos, milícias armadas que cobram taxas dos donos desses imóveis para terem a certeza que seus inquilinos
pagarão em dia o aluguel. Já aquele que mora num imóvel clandestino não tem a garantia que, ao voltar do trabalho, continuará na sua casa.
É preciso fazer um pacto pela legalidade. Ou seja: realizar uma ampla regularização fundiária para trazer ao mercado formal milhares de pessoas que hoje
vivem na ilegalidade. Uma das saídas para este problema está na regularização fundiária referenciada por satélite (georreferenciamento). Este trabalho é
precedido de um questionário, aplicado in loco , para levantar o número real de domicílios da favela, identificando seus moradores, condições
socioeconômicas, bens de consumo e regime de ocupação do imóvel. As informações colhidas no campo formam um banco de dados, digitalizados e importados para
uma base cartográfica.
A partir daí, os dados dos domicílios são georreferenciados por satélite, tornando-se possível a produção de mapas para um projeto de regularização. Com o
georreferenciamento, pode-se desenvolver não só a legalização da terra em comunidades como a Rocinha e o Vidigal, como também monitorar por satélite seu
crescimento.
Ao dar cidadania àqueles que não a têm, a regularização fundiária colabora com a segurança pública, pois corta o vínculo entre o mercado informal de
imóveis e as milícias armadas.
JÚLIO LOPES é deputado federal (PP-RJ).
Rio, urgente!
EDSON SANTOS
A discussão sobre favelização é oportuna e, felizmente, está gerando ações concretas do Poder Público. Nos últimos 10
anos, não tivemos políticas habitacionais que fizessem frente ao crescimento populacional.
Em nossa cidade estamos marcados pelo crescimento urbano desordenado. Nenhum dos recentes governos municipais executou
qualquer política que permitisse a oferta de moradias populares dignas, em locais com infra-estrutura básica de
saneamento, iluminação, transportes e serviços públicos. O mesmo acontece em relação a moradias para a classe média,
que ficou à mercê da especulação imobiliária, e, exaurida por perdas econômicas, acabou sendo empurrada para cada vez
mais longe dos locais de trabalho. Ou pior, tendo que morar em condições precárias para poder garantir acesso ao
emprego e aos serviços básicos.
Infelizmente, o prefeito do Rio demonstrou falta de sensibilidade à questão e fez da inércia sua política habitacional.
E em uma tentativa de se eximir de suas responsabilidades, tentou inculpar apenas a Câmara dos Vereadores, dizendo que
a legislação precisava ser alterada para que a prefeitura pudesse agir. Para o bem da cidade, no entanto, o debate
levou Cesar Maia a reconsiderar sua defensiva posição. Quase caímos numa discussão maniqueísta sobre as remoções quando
o principal não é isto.
A prefeitura diz que poderia construir oito mil casas por ano. O Sindicato da Indústria da Construção Civil tem
diversos projetos, assim como estudiosos do setor. O governo federal tem, por meio do Ministério das Cidades, diversos
programas habitacionais. A Caixa Econômica Federal tem financiamentos e programas para moradias populares e de classe
média.
É urgente unir esforços. Precisamos agir rapidamente para que o déficit de mais de 126 mil moradias na cidade seja
reduzido, e para isso precisamos também estar atentos à revisão do plano diretor. Áreas que eram estritamente
industriais ou agrícolas e hoje estão esvaziadas como a Avenida Brasil, por exemplo, podem ter permissão de uso
alterada para garantir a construção de moradias populares. Há também diversas áreas, especialmente na Zona Oeste, que
podem ser tratadas como áreas de expansão.
O que propomos é a geração de novos espaços residenciais para moradias de diversas faixas de custo. Mas temos que
oferecer alternativas reais, porque só assim teremos uma cidade como merecemos.
EDSON SANTOS é vereador (PT) no Rio.
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Topo TÓPICO 7
Queremos mais favelas? |
Jornal do Brasil, Aloísio Araújo, 28/dez/2005
Com efeito, nos últimos anos não paramos de incentivá-las, à custa da habitação formal. De saída, destruímos nosso sistema financeiro de habitação, que,
embora precário, fornecia algum crédito ao segmento popular. E isto era importante para um país cuja população urbana se multiplicou por 12 em um período de 50 anos. A favela num certo sentido substitui o
crédito, pois, ao contrário da habitação formal, ali é possível construir aos poucos, substituindo o pagamento das prestações pela compra de tijolos. E isto se agrava com as exigências absurdas de nosso
código de obras que dificulta construções de alta e baixa rendas. Nosso esforço para a destruição do crédito habitacional foi intenso, desde a criação de condições para a inflação alta ao populismo
primário que perdoou a dívida da classe média com as fórmulas de ajuste de prestação abaixo da variação dos preços.
Pior que isto são as boas intenções de nosso Judiciário, que evita ao máximo o despejo e a repossessão, protege os poucos que já tiveram créditos e prejudica
os muitos que poderiam tê-lo não fosse o desencorajamento dos credores.
Mas aí vem a parte mais desastrosa, o incentivo direto à construção na favela. Para isto colaboram muitos de nós, os economistas. Estou me referindo aos
programas como o Favela-Bairro, distribuição de títulos de propriedade, micro-crédito, etc. Em vez de inverter esta situação, o que se tem proposto é justamente agravá-la ainda mais através da adoção das
idéias do economista peruano Hernando De Soto, de titulação massiva de propriedade urbana. O maior erro é o de não considerar os efeitos perversos dos incentivos que se criam para novas invasões. É como
apagar incêndio com gasolina. Uma das principais razões que o programa de reforma agrária não gerou uma reação semelhante foi que se criou uma regra de que a terra invadida não estaria sujeita à
desapropriação.
É preciso inverter a situação, adotando-se as seguintes medidas a) suspender a titulação de terras invadidas; b) diminuir a intensidade do Favela-Bairro; c)
suspender o microcrédito para regiões não legalizadas; d) mudar a lei orgânica do estado e do município para permitir remoções de favelas ou setores de favelas que estejam em áreas de riscos ambientais ou
de deslizamento, ou impedindo o bom funcionamento da cidade como a livre circulação e finalmente impedir todas e quaisquer novas invasões.
É importante a criação de um amplo programa de subsídio de juros para o financiamento de construção para a baixa renda. O setor privado cuidaria da
construção e o governo se encarregaria de pagar uma parte substancial dos juros, dando uma parcela da TR. Isto deveria ser feito em caráter de urgência e pelos três níveis de governo. O momento é muito
propício para um programa desta natureza, pois existem recursos sobrando para o financiamento habitacional. Com o governo custeando parte dos juros, a prestação cairia e novos compradores poderiam se
habilitar. Em um cálculo aproximado, há 300 mil habitações informais no Rio de Janeiro. Se quiséssemos formalizar 10% destas a um custo de R$ 30 mil por habitação com a prefeitura pagando 10% anuais de
juros, teríamos um custo anual de R$ 90 milhões.
Restabelecida a capacidade do setor formal de competir com o informal, teríamos a chance de observar uma dinâmica virtuosa: muitos favelados venderiam suas
casas para dar entrada na compra de novas moradias no setor formal. Assim, os preços na favela começariam a cair e se desestimulariam novas construções. As favelas finalmente murchariam.
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Topo TÓPICO 8
Favelas: regularização fundiária |
Jornal do Commercio, 21 de dezembro de 2006
Luiz Oswaldo Norris Aranha
Por mais estranho que possa parecer, da mesma forma em que os moradores das favelas recusam-se a ocupar casas mais afastadas, apesar da
perspectiva de obter conforto mais elevado, o sentido da propriedade é muito forte e a grande maioria é agarrada ao barraco que construiu ou comprou. Esse ponto deve ser explorado
positivamente. Lembrando o poeta Adoniran Barbosa, ao se derrubar a maloca, cada tábua que caía, doía no coração! Trata-se de sentimento autêntico, pelo qual os favelados, ao obter a
titulação de seu terreno, passam a se considerar efetivamente cidadãos. Lembre-se que a conta de luz já trazia status bem mais elevado e produzia orgulho, mesmo que significasse parcela
bem pequena desse processo.
Sem dúvidas, a regularização fundiária é fundamental. O processo é, contudo, extremamente difícil, envolvendo extraordinário montante de
áreas públicas que não poderão ser simples objeto de doação, bem como milhares de terrenos de propriedade privada, de tamanhos variados, cujo valor é hoje, na prática, quase nulo, mas
cujos proprietários veriam, se aberta a discussão, a oportunidade de negociar e recuperar algum dinheiro. Há dois formatos básicos a considerar, na solução do problema. O gradual que não
vem dando certo, pois o crescimento ilegal vem se realizando em velocidade bem maior do que a regularização. E o geral, que dependerá de ampla discussão pela sociedade e firme
posicionamento do Congresso.
O debate deve ser público, afastando os viéses de moradores do morro ou do asfalto. Para os primeiros, cabe deixar de lado a postura de
coitadinhos, passando a assumir a discussão do problema, na qualidade de cidadãos que ocupam um pedaço de terra urbano, há muitos anos, com direitos morais e legais e, sobretudo, com o
legítimo desejo de se tornarem proprietários. Deverão, de algum modo, contribuir para tal, inclusive pagando, mesmo que em módicas prestações, pelo pedaço de terra que passará para seu
patrimônio, de forma definitiva, com registro em cartório. Com esta disposição, seria possível pressionar por soluções coletivas e ultrapassar as barreiras legais que vêm impedindo a
almejada regularização fundiária.
Propostas para o impasse
Do lado dos moradores do asfalto, não basta permanecer reclamando das agruras do crescimento das favelas e das ameaças que vêm sofrendo à
integridade física, em função dos tiroteios entre traficantes. Precisam participar intensamente da discussão do problema, tendo em conta que a proximidade de população mais pobre também
lhes traz consideráveis vantagens, em termos da prestação de serviços e que cabe aos mais ricos, intelectualmente mais preparados, desenvolver propostas que possam resolver o impasse.
Devem lembrar que é melhor perder os anéis do que os dedos e que, no final, pode-se encontrar situação racional para todos, reduzindo a insegurança e buscando a paz e harmonia, para toda a
sociedade.
O papel mais relevante é o do Congresso Nacional. O mero equacionamento do uso capião urbano não resolve o problema, pois transfere, para a
esfera judicial, a discussão de situações isoladas que se arrastam, por décadas. Recair-se-ia no caso da solução gradual que vem fracassando redondamente, pois os novos barracos que são
construídos, o são em número muito maior do que aqueles que se regulariza ou mesmo se derruba. A situação é de extrema gravidade, crescendo assustadoramente e envolvendo aspectos os mais
contraditórios. Além dos debates públicos, dando-se ênfase para os diretamente interessados e ouvindo aqueles que já vivenciaram o problema, cabe gerar regras definitivas, para a
propriedade urbana.
Enquanto não houver disposição para resolver o problema da regularização fundiária urbana que está na raiz dos demais, é difícil encontrar
trégua que, ao menos, limite o crescimento desmesurado das favelas e, mais que isso, o domínio que os traficantes sobre elas exercem. Estabelecidas regras legais, durante o processo de
ajuste, as aberrações urbanísticas poderão ser resolvidas, neste caso assumindo o Estado o ônus que eventualmente for causado a moradores. Lembre-se que, mesmo no asfalto, quando se impõe
a abertura de nova via de acesso, ou outro tipo de melhoria, é possível desapropriar propriedades legalmente constituídas. Este fato deve ocorrer, apenas, priorizando o interesse público,
sem favorecer a quem quer que seja.
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Flores fétidas |
Jornal O Globo, 21/11/2005 |
Dói, dói sim e muito, quando a gente vê se escoarem aos olhos indignados dos que amamos esta cidade de São Sebastião as possibilidades de resgatar o Rio da
favelização avassaladora. Pois todos estamos fartos de saber que o ilegal da favelização é orgânico, de berço, de origem. Embora o ilegal seja até justo para os
favelados, essas grandes vítimas do descaso dos administradores que não lhes provêem casas decentes, como seria o exigível. As áreas públicas —- especialmente os
verdejantes morros cariocas — teriam que ser defendidas, a ferro e fogo, pela autoridade pública.
Nem vou levantar aqui as razões históricas e sociais que fizeram as favelas brotarem como flores fétidas nas cidades. É um encadeamento a não mais acabar de
péssimas políticas públicas. E, é claro, de olhares vesgos, quando não populistas, lenientes e preguiçosos, dos prefeitos de certas cidades.
O edifício que apareceu na Rocinha, de repente e obscenamente, nos fez gritar “o rei está nu”. E fez este jornal deflagrar uma das mais úteis campanhas que a
cidade já mereceu para se inteirar do estado de degradação a que chegou. A indignação é geral.
O nosso alcaide chegou a comparar os prédios da orla que deitam sombras nas areias de Copacabana (prédios, de resto, autorizados por prefeitos anteriores, não
menos criminosa e irresponsavelmente) aos que irrompem agora nas favelas, justificando essa anomalia monstruosa como “até mais amável” para a cidade.
Francamente...
Não, não é de hoje que todos sabemos que as favelas abrigam suas máfias da especulação imobiliária, além das máfias dos traficantes. Ambas as infestam. E sempre
sinalizaram para a imediata contenção das favelas, a fiscalização permanente da prefeitura, a remoção em muitos casos. A palavra remoção, aliás, acabou por virar
palavrão, nas sentenças de certas cabeças que ainda pensam que o Brasil vive em estado edênico de riqueza opulenta, de ordem e ética irrepreensíveis, de políticos
suíços, de segurança pública londrina, de transporte coletivo germânico.
O concreto e trágico: as favelas proliferam a olhos vistos em quase todo o país e as autoridades municipais não conseguem impedi-las. E nem sequer as limitam.
Esse crescimento desenfreado vai inviabilizando todos os planos assistencialistas, como os “favelas-bairros”, os “bairrinhos”, e que tais. A tragédia é inevitável,
e ponto final.
O pior de tudo é que as soluções são cada vez mais remotas. Cadê uma política severa de habitações populares, a partir do governo federal e do seu inoperante
Ministério das Cidades? Cadê a imediata contenção e fiscalização permanentes da prefeitura? Cadê os planos para a não favelização, anunciados a cada vez que a
imprensa e as cartas dos leitores gritam mais alto como agora?
Resta-nos clamar pelo Ministério Público. Portanto, daqui ecoa um apelo aos representantes da Justiça: vamos intimar as autoridades a circunscrever as favelas a
limites rígidos, obrigando-as a defender a ordem urbana. E vamos começar a tirar da prisão uma palavra-idéia, uma simples palavrinha que virou palavrão: Remoção.
RICARDO CRAVO ALBIN é jornalista e escritor.
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Atrás de voto |
Jornal O globo, Opinião, 09 de fevereiro de 2006 Em fase de hiperatividade, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva lançou na terça-feira um conjunto de medidas para estimular a construção civil, com especial atenção às faixas de renda mais baixa. Numa
solenidade com direito a claque, foi apresentado um pacote de conteúdo diversificado. Nele se misturam a liberação de recursos para reforçar linhas de
financiamento imobiliário, mais recursos para o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e redução da carga tributária (IPI) sobre uma série de
materiais de construção. O próprio Lula tomou a iniciativa de frisar a inexistência de qualquer interesse eleitoreiro nesse conjunto de medidas.
Precisará exercitar bastante o poder de convencimento.
Não se pode deixar de elogiar o corte do imposto. Num país onde a carga tributária atinge o paroxismo, qualquer alívio é bem-vindo. O
fato, porém, de boa parte dos recursos anunciados não ser do governo, mas das cadernetas de poupança; e uma outra parcela já ser conhecida, prevista no
Orçamento da União e no FGTS, denuncia o caráter político-promocional do pacote. Dos R$ 18,7 bilhões citados como reforço às linhas de financiamento,
apenas R$ 550 milhões são dinheiro novo.
A redução do IPI, em alguns casos eliminação, para estimular o consumo de 26 tipos de materiais de construção, comprova o interesse
eleitoral. É evidente a intenção de agradar a quem compra esses materiais para transformar o barraco em casa de alvenaria ou expandir com mais uma laje
o imóvel erguido na informalidade, em favelas e precários bairros nas periferias. Não é sequer garantido que o comércio repassará a margem criada pelo
corte do IPI.
Mas como o objetivo é afagar a massa, tudo é válido. Mesmo que se incentive a favelização país afora. Sintomaticamente, medidas
efetivas para atacar o problema da casa própria ou não foram tomadas ou ficaram aquém do necessário. Nas discussões internas no governo tratou-se de um
regime tributário especial destinado a projetos imobiliários para a baixa renda. Ficou de fora do pacote. E o bilhão de reais do Fundo Nacional de
Habitação de Interesse Social precisaria ser multiplicado por cinco para subsidiar como é preciso as prestações do pobre. Mas são medidas de difícil
compreensão num momento em que o importante é atrair voto.
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Dilema da habitação |
Jornal do Commercio, 02/Fev/2006
O conjunto de medidas que contemplam desde a criação de incentivos fiscais até o reforço dos programas de crédito, em vias de
ser anunciado pelo Governo e que se vincula ao objetivo de revitalizar a política habitacional e, a um só tempo, estimular a indústria da construção civil - cujos efeitos multiplicadores
em relação à geração de empregos diretos e indiretos são amplamente reconhecidos - marca uma tomada de posição em setor cuja essencialidade é inconteste em qualquer estratégia econômica,
com os desejáveis reflexos em termos de bem-estar social. Se por um lado houve, ao que se sabe, divergências entre áreas técnicas da Fazenda e as de outros ministérios, como o das Cidades,
do Desenvolvimento e da própria Casa Civil, sobre a extensão dos benefícios fiscais a serem, para esse fim, concedidos, por outro não há dúvida quanto ao alcance econômico e social da
iniciativa, sobretudo por sua influência potencial na redução do déficit de habitação, o qual permanece em níveis socialmente inaceitáveis, sobretudo no segmento da chamada habitação de
interesse social. Informa-se, por isso mesmo, que entre as medidas examinadas para beneficiar o setor da construção civil figura a possível redução da carga tributária que incide sobre os
lucros das empresas. A idéia, a esse respeito, é a de reduzir o Imposto de Renda e contribuições como a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e PIS/Cofins, incidentes sobre
receitas advindas da construção de casas populares, seja mediante cortes na alíquota seja na base de cálculo tributário. Os estudos sobre a questão, em cujo curso as referidas divergências
técnicas não deixaram de se manifestar, particularmente em um ponto delicado, qual seja o do volume da renúncia fiscal pretendida, voltam-se, não obstante enfoques diversos quanto à sua
implementação, ao objetivo de beneficiar um setor cujo potencial de geração de empregos é singular, tendo, ademais, condições de influir na expansão do Produto Interno Bruto (PIB), ou
seja, na soma das riquezas produzidas no País, numa fase particularmente delicada assinalada, afinal de contas, pelo ano eleitoral já iniciado. Veja-se, a propósito, e em referência à
isenção do IPI, a qual se anuncia virá a ser objeto de decreto presidencial, que um dos cuidados pincipais consiste, precisamente, na seleção rigorosa dos produtos a serem beneficiados,
figurando entre os mais prováveis, na lista de materiais de construção, azulejo, vidro, tintas, vergalhões, cimento, esquadrias e louças. Por outro lado, ao tempo em que reconhece que a
desoneração de uma série de produtos do IPI permitirá a redução dos custos da construção habitacional, o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo, João Claudio
Robusti, destaca a necessidade de estimular o mercado formal, e não a informalidade: "Se este cuidado de direcionar o estímulo ao segmento formal da construção não for tomado, cada vez
mais a atividade do setor será informal, principalmente na habitação popular. Desse jeito, continuaremos estimulando a implantação de construções precárias, em vez de contribuir para a
erradicação do déficit habitacional por meio de políticas públicas bem formuladas". Um desafio que se coloca, afinal, de forma inarredável, para que os efeitos econômicos e sociais das
medidas anunciadas se façam sentir por inteiro e em estrita conformidade com as razões que as inspiram |
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Imprevisível x A Voz do Morro |
Jornal O Globo, Rio, Opinião, 13 de fevereiro de 2006 Imprevisível
O problema é nacional, mas no Rio, por várias razões, ele mostra sua verdadeira dimensão. A favelização carioca atinge toda a população, esgueira-se em todos os bairros. Mesmo os nobres. O mais recente fruto
desse grave processo de degradação é a expansão da Favela Chácara do Céu por sobre o Alto Leblon, nas franjas do Dois Irmãos, o mais novo candidato a se transformar numa Rocinha ou num Vidigal.
O crescimento desordenado dessas comunidades corrói já há algum tempo uma das melhores características da cidade: o saudável convívio entre classes sociais. Pena, pois foi essa miscigenação que moldou o
espírito carioca, forjou a criatividade artística do Rio, com destaque para a música. Tudo está sob risco.
A sucessão de governos descuidados com o problema, por incompetência, populismo e demagogia operosos, criou a cidade partida e tem prejudicado toda a população por afugentar investimentos e turistas.
Passou o momento de teorizações e posturas politicamente corretas diante da questão. Agora, quando o governo federal, por razões eleitoreiras, decide estimular a venda no varejo de materiais de construção, e
com isso incentiva a favelização por todo o país, o problema se torna ainda mais grave.
É preciso atropelar preconceitos antigos para efetivamente se começar a desfavelizar o Rio. Para o bem de todos, a começar dos próprios favelados. Ninguém deseja viver de forma precária, ainda mais subjugado
por gangues.
Estamos com aproximadamente 5,5 milhões de habitantes, cerca de 20% dos quais são favelados (1,2 milhão). Esse contingente da população cresce à razão de 30 mil pessoas por ano, ou aproximadamente mais 8 mil
barracos a cada doze meses. É fácil concluir que as formas usuais de manejar as favelas são incapazes de impedir a sua expansão.
Antes que a metástase se alastre ainda mais é preciso agir com vigor. Recursos pode se conseguir. Mas sem vontade e mobilização políticas, o futuro do Rio é incerto. Numa visão otimista.
Voz ao morro
AYRTON XEREZ
A própria dificuldade em conceituar demonstra a complexidade do tema: favela, para os que nela moram, tem outro nome — comunidade. Só isso já indica o grau de complexidade de se fazer uma abordagem. De que
lado está quem fala? Portanto, é arriscado se afirmar que “ninguém mora em favela porque gosta”.
Também não se aponte como solução a “abertura de possibilidade de moradia nos extremos menos densamente povoados da região oeste”. Os moradores da Zona Oeste estão cansados desse discurso. É ponto de vista
de quem se sente incomodado com a favela, e quer mandá-la para longe. Com ele, degradaram-se áreas verdes com amontoados de prédios impessoais, verdadeiros pombais, ou casas toscas (Antares, Cesarão, João
23, Nova Sepetiba, por exemplo), sem que o mínimo de infra-estrutura lhes fosse oferecido.
O Censo do IBGE e os dados do Instituto Pereira Passos trazem uma surpresa: a população carioca tende a estabilizar-se em torno de 6 milhões de habitantes, até o ano 2010. Mesmo as favelas, onde a natalidade
é maior, acompanham essa tendência. Se confirmada, a desaceleração demográfica dá uma trégua ao poder público. Que será de pouca valia, se não for aproveitada para um enfrentamento rápido e consciente dos
problemas habitacionais. E a solução desse desafio não pára no asfalto. Exige que se dê voz e vez ao morro, como no samba de Tom e Vinicius.
A prefeitura tem implementado bons programas, como o Favela-Bairro, organizando as ruas, permitindo a coleta de lixo e a implantação do saneamento básico. As ações de reflorestamento já promoveram o plantio
de mais de 4 milhões de árvores, mantendo o nível de cobertura vegetal da cidade e desestimulando novas invasões. No entanto, por mais eficientes que sejam os esforços municipais, o problema é nacional e
depende de políticas públicas de âmbito federal.
AYRTON XEREZ é secretário de Meio Ambiente da prefeitura do Rio. |
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A decadência do Rio de Janeiro |
Folha de São Paulo (26/02/06)
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
O recente episódio de guerra na Rocinha entre dois bandos rivais foi mais um marco na decadência do Rio de Janeiro. Como é comum nessas ocasiões, as autoridades
estaduais alegaram que não havia muito a fazer e que a responsabilidade era do governo federal, que não consegue controlar o fluxo de armamentos e de drogas.
É verdade que o governo federal poderia fazer mais. Assim como no resto do mundo, a proibição da venda e consumo de drogas é um fracasso no Brasil. Um trabalho
recente do qual o professor de Chicago e Prêmio Nobel de Economia Gary Becker é um dos autores demonstra que, se o objetivo é diminuir o consumo, uma política de taxação de drogas é muito mais
eficiente do que a interdição. É preciso aprofundar a discussão sobre a proibição de drogas no Brasil, mesmo sabendo que mudanças nessa política provavelmente vão gerar uma resposta histérica
da atual administração em Washington. Também cabe ao governo federal reprimir o contrabando e o comércio interestadual de armas.
Drogas e armas seriam excelentes desculpas se as cenas de guerra urbana com que os cariocas já se acostumaram ocorressem com a mesma freqüência em outras capitais.
O fato é que o grande responsável pela situação do Rio são os fluminenses, que elegeram uma seqüência de governos incompetentes. Entre as "contribuições" dos homens e mulheres que governaram o
Estado do Rio destaca-se uma polícia em que a inaptidão do comando só é comparável à sua violência. Em 2003, a polícia do casal Garotinho matou, em proporção à população, mais de duas vezes o
já inaceitável número de mortos pela polícia de São Paulo.
A falta de uma política consistente de ocupação do solo contribui para a favelização. As condições da baía de Guanabara testemunham a longa ausência de uma
política ambiental. A degradação da qualidade de vida na cidade causou grande êxodo de empresas privadas que tinham sede no Rio e a conseqüente queda na qualidade dos empregos.
Mas o declínio do Rio não é um problema apenas para os cariocas. As grandes cidades formam um recurso formidável para as nações. É nesses centros que nasce a
maioria das idéias em arte, literatura, tecnologia ou ciência. É principalmente numa metrópole que se encontra a densidade de talentos que facilita a troca de conhecimento e tem um efeito
multiplicador no processo inventivo de cada indivíduo. Pessoas com talento migram para Nova York ou São Paulo porque lá serão mais criativas. Um grupo de economistas que estudou patentes
concedidas a americanos em 1975 observou que 30% delas foram registradas por inventores em quatro cidades que totalizavam apenas 18% da população.
O Rio de Janeiro sempre teve papel extraordinário na construção da cultura no Brasil. A bossa-nova, o neoconcretismo e o Cinema Novo estão intimamente ligados à
cidade. Menos conhecidas são instituições como o Instituto de Matemática Pura e Aplicada, o melhor centro de pesquisa matemática na América Latina, que ainda dá uma contribuição singular à
formação de matemáticos, economistas e cientistas no país. O Brasil com um Rio decadente tem menos chance de se tornar realmente desenvolvido.
A teórica do urbanismo Jane Jacobs escreveu que "cidades vibrantes, diversas e intensas contêm as sementes do seu renascimento". Com sua beleza ímpar, algumas
instituições que ainda restam de um passado melhor e uma população cheia de imaginação e relativamente educada, o Rio tem muito daquilo que é necessário para se tornar de novo a grande cidade
que foi. Resta saber se os políticos fluminenses vão deixar
José Alexandre Scheinkman, 58, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail - jose.scheinkman@gmail.co
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Folha de São Paulo(26/02/06)
Ferreira Gullar
As montanhas que cercam a cidade ora estão cinzentas, ora de cor negra, ora lilás. A luz dança por entre elas, atravessa bairros, relampeja no verde da floresta da Tijuca e roça
as costas na areia batida por águas azuis. Na praia Vermelha, nesta manhã, as vagas vão e vêm cobertas de dejetos: garrafas vazias de plástico, restos de papelão, cascas de frutas que bóiam ou se depositam na
areia. Um banhista oculta-se atrás de uma barraca e urina. Um menininho se solta da mãe e corre trôpego atrás da bola.
Na rua Duvivier, na esquina com a Ministro Viveiros de Castro, arma-se na calçada uma loja de móveis usados, a céu aberto: estrado de cama, fogão velho, estante, duas cadeiras,
uma poltrona puída, um sofá. Recostado nele, um homem barrigudo, nu da cintura para cima, cochila; sentado numa das cadeiras, um rapaz fuma e coça os dedos do pé. Um ônibus de turismo estaciona do outro lado
da rua em frente ao hotel. Uma caminhonete de frete ocupa a passagem de pedestres. Ali perto, dois guardas da Vigilância Municipal conversam alheios ao que se passa à sua volta. Na banca de jornais, um cartaz
escrito a mão: "Por favor, não faça xixi na banca".
Na avenida Nossa Senhora de Copacabana, o atropelo de ônibus e automóveis, vans e caminhões, que disputam freneticamente cada palmo da rua. A poluição sonora alcança níveis
insuportáveis quando uma ambulância liga no máximo sua sirene ensurdecedora. Ondas negras de fumaça emanam dos motores que queimam óleo diesel e rugem. Os transeuntes respiram o ar pesado da avenida que lhes
queima os pulmões. Um ciclista que desliza em alta velocidade numa das calçadas entupidas de gente choca-se contra uma senhora numa cadeira de rodas e cai sobre a banca de um camelô que vende CD pirata. Um
cego, sentado à porta de um edifício, estende a mão aos que passam, fingindo não vê-lo.
Um grupo que segue em direção à praia joga no chão copos de plástico e papel de picolé, enquanto, da janela de um carro, alguém se livra de uma bola de papel amassada. "A rua não
é lixeira", grita uma senhora. Ao dobrar a esquina da Djalma Ulrich, vê-se numa janela um jarro com miosótis.
Mendigos instalados numa rua do Rio Comprido enrolam os colchões sujos em que dormiram e os escondem junto a um depósito de lixo. Um deles, com mãos negras de ceroto, tira de um
saco um pedaço de pão e começa a mastigá-lo; outro atravessa a rua e entra num boteco em busca de um trago. Pouco adiante, pivetes, sentados na escada de um edifício, fumam maconha e riem. Uma senhora, que
leva um menino pela mão, muda de calçada, com medo. Na esquina próxima, vê-se estacionado um carro de polícia, com uma porta aberta; um policial, recostado nele, observa as pessoas com indiferença, mas é
despertado por disparos vindos de um beco no fim da rua. Em Ipanema, um ladrão, ao roubar o rádio de um carro, morre fulminado por um enfarte. Bandidos assaltam 33 turistas ingleses num ônibus de turismo ao
entrar no aterro do Flamengo. Mesmo assim, Cláudia consegue voar entre os móveis de seu quarto, na rua senador Eusébio.
A noite, como um fumo negro, subiu do asfalto e foi tomando a cidade inteira. Os carros acenderam os faróis e, ali no Centro, os edifícios têm os seus pavimentos iluminados. Pouco
a pouco, a escuridão tinge todos os objetos, todas as pessoas. No Centro Cultural do Banco do Brasil, o cinema está lotado. As salas de exposição já se fecharam, mas, no térreo, alguma pessoas ainda conversam
junto ao balcão onde se servem café e refrigerantes.
As primeiras horas da noite são de tensão e ansiedade. Mas, com o passar das horas, o tráfego intenso que ocupara as grandes avenidas foi diminuindo até fluir normalmente. As
garagens dos edifícios residenciais se enchem de veículos, as mães, os pais de família estão agora em suas casas e, depois do jantar, em diferentes bairros, acompanham na televisão as histórias implausíveis
das novelas de TV. Os jovens, os homens solitários, as mulheres inquietas enchem os bares espalhados por toda a noite carioca e se embebedam. Um adolescente drogado, na Ilha do Governador, com uma faca de
cozinha, degolou a avó que se negara a lhe dar mais dinheiro para comprar cocaína e agora está deitado em seu quarto, que estremece ao som de um rock pesado.
Amanhece. A luz do sol desfaz a neblina que o frio da madrugada acumulara sobre os tetos A cidade começa a despertar, as primeiras pessoas caminham para a estações de trem e
pontos de ônibus; uns vão para o trabalho, outros à procura de emprego. Na porta dos hospitais longas filas de enfermos que esperam atendimento desde a noite anterior.
Um avião cruza o céu do Rio de Janeiro, a caminho da Europa. Dá para ver lá embaixo a cidade aparentemente tranqüila entre as águas e as montanhas. Nem buzinas, nem disparos, nem
queixas, nem risos, nem soluços, nada disso se pode ouvir voando sobre ela a 800 km por hora. |
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Geografia carioca |
Jornal O Globo, 21 de março de 2006 |
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O Rio ganhou nova favela. Fica atrás da Rua General Ribeiro da Costa, na altura do Hotel Acapulco, no Leme. Cresceu dois barracos este fim
de semana e caminha célere — ninguém segura este país! — para se fundir com a favela do Chapéu Mangueira. Não tem nome, mas Ary Barroso, em homenagem ao compositor que morava por ali e fez
“Aquarela do Brasil”, seria justo, justíssimo.
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Favela Rio Sul |
Jornal O Globo, , 19 de Abril de 2006Joaquim Ferreira dos Santos
Está surgindo uma nova favela em Botafogo e seu destino é cercar todo o Shopping Rio Sul. Ela fica, por enquanto, atrás do Instituto Benjamin Constant, em plena Avenida Pasteur. Começou com funcionários
construindo casas atrás do centenário prédio. Ao calçar os becos, colocar placas de sinalização e lixeiras, a prefeitura estimulou a ocupação. Hoje a favela sobe um barraco por dia pelo morro da
Babilônia, destruindo área verde e caminhando para cercar o Rio Sul, que talvez lhe dê o nome no futuro. Em todas as ruelas, a marca do Comando Vermelho. |
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Por que a Rocinha? |
Folha de São Paulo (02/05/06) CESAR MAIA
A Rocinha -comunidade carioca com 70 mil habitantes, segundo o IBGE- ocupa periodicamente espaços na imprensa por conta de tiroteios provenientes da disputa pelo controle da venda de drogas. Por que os
traficantes se interessam tanto pela Rocinha? Ela é uma favela com IDH maior que todos os Estados do Nordeste. A meta de oferta de vagas no Pró-Jovem, lá, não foi atingida, pois não há tantos jovens sem o
primeiro grau completo. Se excluirmos os migrantes e os maiores de 40 anos, não haveria analfabetismo na Rocinha. É uma comunidade que conta com todos os serviços comerciais, com agência de banco,
supermercado, dezenas de lojas de aluguel de vídeos e até com uma estação de TV comunitária, a TV ROC.
Então, por que a Rocinha? Porque ela fica no meio de bairros de classe média/alta, como Gávea, Jardim Botânico, Lagoa, Leblon e São Conrado.
Com isso, tornou-se o maior macrovarejista de drogas do Rio. Estudos dos setores de inteligência policial calculam que a Rocinha é responsável por 35% do total da venda de drogas no varejo na cidade do Rio.
Para isso, precisam distribuir espacialmente esse comércio e contam com mais de 40 bocas-de-fumo ou pontos-de-venda de drogas.
A demanda dos bairros que cercam a Rocinha é atendida de três formas: uma, através dos que vão até lá e compram diretamente. Outra, através do serviço de motodelivery, ou seja, os motoboys que entregam a
droga a domicílio. E, finalmente, pela ação dos repassadores, que compram ali e vendem em outro lugar. Não é incomum ter uma relação de proximidade entre visitantes ilustres e traficantes. O exemplo mais
emblemático disso unia o nome do traficante Lulu -morto pela polícia há um ano e meio- a pessoas muito conhecidas.
Um entreposto desse tipo, que abastece a classe média e média-alta da zona sul -e, certamente, acima disso-, é de alto valor comercial, e por isso o controle da área é tão disputado. Sem esquecer que é
também uma área de alta atratividade para certos policiais. Quem pensa que "mineirar" (extorsão por parte de policiais) traficantes é atrativo se engana. Atrativo mesmo é "mineirar" ilustres consumidores de
cocaína ou pais de jovens viciados de classe média, que pagam o pedágio para evitar o flagrante. Por essa razão, as escutas telefônicas -grampos- na Rocinha são generalizadas. Identificado e localizado o
consumidor, avalia-se o seu poder aquisitivo e se vai "mineirar" sem riscos e com alta taxa de retorno. As listas de nomes grampeados não são de difícil acesso. Recentemente, soube-se que um importante
empresário, possuidor de certa quantidade de cocaína que excedia o consumo pessoal, pagou R$ 300 mil pelo "esquecimento" dos policiais.
Quando acontecem os tiroteios, o foco, geralmente, é a favela, e as opiniões e relatos da imprensa criminalizam o lugar e a própria existência da comunidade. Esquecem-se que a atratividade da área é dada
pelo volume e pela renda dos consumidores de drogas. Uma análise, ou mesmo uma cobertura jornalística isenta, deveria abordar também esse aspecto, de modo que não ficasse a impressão aos desavisados de que
tudo se explica pela existência das favelas em área nobre.
Aliás, a própria existência da Rocinha, e de outras favelas, se dá pela proximidade de um mercado de trabalho ativo, numa situação em que não há transporte público de massa, onde os salários são
historicamente baixos e na qual inexiste uma política de habitação popular subsidiada. Se tomarmos a proporção de pessoas que vivem em favelas no Rio -algo entre 18% a 19%-, constatamos que essa proporção não
variou desde o final do século 19, embora naquela época se tratasse basicamente de cortiços. Um censo do final dos anos 40, que apresentava essa porcentagem, foi adulterado, enquanto o censo de 1950 mudou
parâmetros para não chegar aos mesmos números. Lembro que a taxa de mortalidade infantil nas favelas, nos anos 40, quase alcançava 40%, e a expectativa de vida não chegava aos 45 anos.
Portanto a sustentação da mesma porcentagem é, em si mesma, uma importante contenção. Pelas razões de mercado, há quase um coeficiente constante entre presença de classe média e entorno de trabalhadores,
ocupando historicamente os espaços disponíveis. O que cabe fazer é urbanizar, integrar e potencializar essa marca de diversidade e solidariedade que o Rio possui e que não pode ser afetada para reconstruir no
imaginário da classe média preconceitos sociais. A sociodiversidade cultural e espacial do Rio é uma marca de sua formação e identidade que não deve ser desmontada depois de décadas de construção de uma cidade
integrada.
Cesar Epitácio Maia, 60, economista, é prefeito, pelo PFL, do Rio de Janeiro
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Para Além das Grades: A mídia e a Violência nas fortalezas da Barra da Tijuca |
Ricardo Ferreira Freitas2
Roberta Lessa3
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Resumo
A violência é uma das temáticas mais presentes na mídia brasileira e, especialmente, na carioca. Neste artigo, estudamos as argumentações publicitárias e jornalísticas
relacionadas à violência na mídia impressa do Rio de Janeiro, tendo como campo de análise o bairro da Barra da Tijuca. Nesse bairro, proliferam fortalezas urbanas como shopping centers, condomínios fechados e
centros empresariais. Objetivamos levantar que apelos publicitários, em relação aos argumentos de lazer, de consumo e de segurança, favorecem a permanência dos moradores nos condomínios fechados, assim como
dos consumidores nos shopping centers, e que contradições são sugeridas pelas apurações jornalísticas. Para tanto, foram selecionados matérias e anúncios sobre a Barra da Tijuca publicados no Jornal O Globo no
período de janeiro de 2003 a abril de 2005.
Palavras-chave
Comunicação; cidade; violência; consumo; lazer
Introdução
Os enclaves privados e fortificados cultivam um relacionamento de negação e ruptura com o resto da cidade e com o que pode ser chamado de um estilo moderno de espaço público aberto à livre
circulação. Eles estão transformando a natureza do espaço público e a qualidade das interações públicas na cidade, que estão se tornando cada vez mais marcadas por suspeita e restrição. (CALDEIRA, 2000, p.
259)
1 Trabalho apresentado ao NP 21 – Comunicação e culturas urbanas, do V Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom.
2 Ricardo Ferreira Freitas é professor adjunto da Faculdade de Comunicação Social da UERJ. Doutor em sociologia pela
Universidade Paris V/Sorbonne, mestre em comunicação e cultura pela ECO/UFRJ e graduado em relações públicas pela Uerj. Autor de Centres commerciaux: îles urbaines de la post modernité. Paris, L’Harmattan,
1996. Organizador, com Luciane Lucas, de "Desafios contemporâneos em comunicação". São Paulo, Summus editorial, 2002. Email:
rfreitas@uerj.br
3 Roberta Lessa é bolsista de Iniciação Científica, Pibic/CNPq, no projeto de pesquisa "Entre grades e muros: um cenário de comunicação, consumo e lazer na
Barra da Tijuca". É aluna de graduação do curso de Relações Públicas da Faculdade de Comunicação Social da Uerj. E-mail: roberta_lessa@terra.com.br
As grandes cidades contemporâneas têm se pautado por uma espécie de cultura de risco que evidencia a suspeita e o perigo como vilões do cotidiano. A
mídia, por sua vez, reforça essa tendência ocupando boa parte do tempo de seus usuários com denúncias e matérias jornalísticas centradas na escalada da violência. Nesse panorama, o homem urbano contemporâneo
se sente acuado, impotente, para enfrentar os desafios da metrópole. Assim, cria espaços de fuga e constrói sua história de vida entre grades e muros. Nos últimos anos, a exemplo do que acontece em outras
partes do mundo, as metrópoles brasileiras assistem ao crescimento do número de shopping centers, condomínios fechados, centros empresariais, empresas de vigilância e companhias de seguros. O Rio de Janeiro é
uma cidade-tipo para o estudo dessas fortalezas contemporâneas já que elas se multiplicam de forma exponencial em vários de seus bairros.
Neste texto, interessa-nos discutir as representações midiáticas da violência que afetam os moradores do Rio de Janeiro, mais especificamente da Barra da Tijuca 4,
nos seus espaços urbanos de circulação, de trabalho e de moradia. Os shopping centers e os condomínios fechados merecem destaque nesse cenário por congregarem argumentos, em nome de uma suposta segurança entre
paredes, que propõem consumo e lazer como grandes referências de opção de vida. Nesses lugares, há uma série de reproduções mal formuladas de grandes monumentos europeus e norte-americanos, como a Torre Eiffel
e a Estátua da Liberdade, e a cidades consagradas pela mídia, especialmente pelo cinema, como Londres e Veneza. Pode-se estar em qualquer lugar do planeta, menos no Rio de Janeiro. Na Barra da Tijuca, também
proliferam os agentes de segurança fardados, além de ser um dos paraísos das seguradoras.
Para estudar o quadro descrito, levamos em consideração o pensamento contemporâneo sobre a violência, o risco e o medo, tendo como parâmetros de estudo de campo os
anúncios publicitários e as matérias jornalísticas sobre a Barra da Tijuca. A idéia principal é mostrar as contradições na mídia impressa visto que a propaganda publicada nos grandes jornais cariocas apresenta
um mundo de segurança, o "paraíso eterno" fora de perigo, enquanto as matérias jornalísticas demonstram que os ambientes entre-muros que se proliferam na Barra da Tijuca não deixam de fazer parte do mesmo
estado de emergência dos demais bairros da cidade do Rio de Janeiro. Enfatizaremos o
4 A Barra da Tijuca é o bairro que mais cresce no Rio de Janeiro. No Censo do IBGE de 2000, constatou-se que os 98 mil habitantes de 1991 transformaram-se em 174
mil em 2000. Durante essa década, uma importante parcela dos anúncios de imóveis nos grandes jornais do Rio foi ocupada por propagandas de vendas de casas ou apartamentos em condomínios fechados do bairro. Ao
mesmo tempo, o número de shopping centers e centros empresariais aumentou exponencialmente. enfoque sobre os condomínios fechados e os shopping centers por serem os empreendimentos imobiliários que mais se
multiplicam no bairro, ocupando sistematicamente o tempo e o espaço da mídia, seja na publicidade seja no jornalismo.
Os resultados, aqui apresentados, são fruto de uma pesquisa realizada com recortes do jornal O Globo, nos quais a Barra da Tijuca era o cenário, veiculados no
período de janeiro de 2003 a abril de 2005. A análise dos materiais coletados foi sustentada por uma leitura da bibliografia da antropologia, da sociologia urbana, das teorias da comunicação e da publicidade,
referente ao tema, valorizando especialmente a produzida nos últimos dez anos, acompanhada de observação direta no bairro.
O medo na mídia e os espaços de proteção no cotidiano urbano
Se as sociedades contemporâneas são marcadas pela proliferação de riscos, isso não significa necessariamente que elas são mais perigosas: é a nossa relação com o perigo que mudou, ou seja,
nossa relação com o mundo, com os outros e com nós mesmos. (Peretti-Watel, 2001, p. 19)
O risco está em toda parte, portanto, é preciso se proteger dele. Esse tem sido o argumento principal das empresas imobiliárias e das seguradoras nas últimas décadas. O consumo e o lazer estão
cada vez mais associados um ao outro e isso implica procurar espaços fechados, ou pelo menos protegidos com guardas particulares, para se ter a sensação de liberdade. Essa, por sua vez, não reside mais no
simples direito de ir e vir, mas, sim, nas garantias que um lugar oferece em termos de proteção ao patrimônio material e corporal do cidadão. No caso da população carioca, por exemplo, os impostos ficam por
conta de obrigações a que o povo deve responder, não significando, no entanto, que o Estado corresponderá a seus deveres de manutenção da integridade das pessoas e dos espaços públicos. Assim, os consumidores
herdeiros da ex-classe média5 aderem, em seu cotidiano, aos mais diversos tipos de contratos para manter alguma segurança. Procuram lugares protegidos e todo perigo pode se transformar em um sinistro a ser
coberto por uma seguradora. Por esses motivos, interessa-nos aqui trabalhar com os espaços urbanos que se multiplicam em função do imaginário de horror que cada
5 Acompanhamos a idéia de Patrice Bonnewitz (2004) que propõe uma nova discussão sobre as estratificações e mobilidades sociais contemporâneas. vez mais se consolida em algumas partes do mundo.
Os shopping centers e os condomínios fechados são os espaços elencados para essa discussão.
Após a Segunda Guerra, a confusão comunicacional passou a se manifestar no cotidiano de várias regiões do mundo. Nas grandes cidades dos Estados Unidos, por
exemplo, devido aos engarrafamentos de veículos e pedestres nos pólos comerciais, os consumidores desejavam fazer suas compras e passear em lugares onde pudessem estacionar seus carros tranqüilamente. O
consumo no pós-guerra apresentou vários labirintos à sociedade urbana: a explosão da comunicação de massa, o marketing, a criação dos hipermercados (Freitas, 1996, p. 80/102). Neste contexto começou o início
dos malls como os conhecemos hoje: grandes construções, geralmente fechadas, com alto número de opções de lazer e consumo. A partir desse momento, os shopping centers podem ser considerados como um novo meio
de comunicação, onde as notícias são veiculadas nas vitrines, nos eventos, nos sistemas de sonorização, deixando o perigo do lado de fora. A moda está ligada ao estar-junto dentro de um ambiente repleto de
emissões de informações que desencadeiam um espetáculo de máscaras, telas e mapas, dando a impressão que o risco é algo distante. A comunicação interna dos centros comerciais privilegia uma impressionante
pluralidade de imagens motivando a construção de redes de comunicação que podem também ser entendidas como redes de esteticidade. Poderia-se arriscar a falar de um certo "narcisismo coletivo" (Maffesoli,
1990, p. 35) que se pulveriza entre os públicos dos shopping centers, não somente através das telas, dos mapas ou da música-ambiente, mas, sobretudo, através das máscaras e de todo o "aparathus estheticus"
da pós-modernidade. Na década de 80, Baudrillard defendia que a sociedade caminhava para um desinvestimento do sistema dos objetos em favor de uma hiper-realidade onde as coisas e as pessoas misturam-se em
terminais de múltiplas redes: "Hoje, nem palco nem espelho, mas uma tela e uma rede.
Nem transcendência nem profundidade, mas (...) a superfície lisa e operacional da comunicação" (Baudrillard, 1987, p.12). O quadro, vinte anos depois,
não é muito diferente do que comentava Baudrillard, porém os objetos são cada vez mais efêmeros, apesar de estarem, como nunca, impregnados ao imaginário do cotidiano urbano, o qual, sem comunicação, não
parece ter mais sentido.
As redes de comunicações humanas e tecnológicas instaladas nos shopping centers são signos de uma sociedade que valoriza uma certa espetacularização da informação no cotidiano. A
pluralidade de objetos e as múltiplas redes moldam personagens urbanos mais ligados à encefalização eletrônica que às categorias tradicionais de atores sociais.
Por outro lado, os shopping centers se instalam em um imaginário urbano onde a família pós-moderna troca os lugares tradicionais de lazer para reafirmar uma antiga opção de
recreação: o mercado, hoje travestido de "malls". Não é difícil encontrar economistas que falam sobre a metamorfose da sociedade do fim do século XX como nova revolução industrial sob o impulso da
microeletrônica, das telecomunicações, da biotecnologia e das novas formas de gestão do sistema produtivo. O homem se acostumou a perceber o outro através de máquinas (telefone, televisão, Internet) e dentro
de novos espaços (shopping centers, condomínios fechados, centros empresariais).
Simultaneamente, os condomínios fechados, especialmente os da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, também simulam mini-cidades onde edifícios residenciais verticais 6
são construídos no meio de grandes áreas muradas com várias opções de lazer: piscinas, pátios, pracinhas, saunas, áreas de recreação para as crianças. Neles, há opções de prédios para famílias de variados
tamanhos, assim como para pessoas que moram sozinhas. Os habitantes do condomínio podem contar com transportes coletivos para o centro da cidade e outros serviços (estacionamento, lavanderia, salão de festas)
sob a gestão da administração central.
Escolas, mercados, ciclovia, Internet e TVs a cabo fazem parte do pacote – tudo dentro de um mesmo espaço murado ou gradeado. Um dos maiores argumentos de
venda das imobiliárias reside justamente no fato de que seus moradores, se preferirem, não precisam sair de sua nova circunscrição espacial, já que ali encontram academia de ginástica, quadras de esportes,
saunas, salas de projeção, webcafés, entre outros equipamentos esportivos e de lazer que fazem parte do cotidiano do cidadão com algum poder aquisitivo. Os outros produtos e serviços não contemplados no pacote
imobiliário podem ser pedidos por telefone ou por Internet no próprio bairro, o que alimenta ainda mais a possibilidade de enclausuramento voluntário.
O sistema de ilhas urbanas da Barra da Tijuca consolida uma segunda cidade do Rio de Janeiro que apenas utiliza-se da paisagem da praia e das montanhas para compor o cenário. Na
verdade, o cotidiano é estabelecido em arquipélagos formados de ilhas urbanas: condomínios, shoppings, centros empresariais. A violência parece estar distante, pois, encerrados, seus habitantes e
freqüentadores sentem-se protegidos pelos mais diversos tipos de seguros e de aparatos eletrônicos de vigilância que, apesar de mudarem radicalmente os conceitos de anonimato e individualidade, dão-lhes a
sensação de estarem a salvo. Para Peretti-Watel, nesse imaginário, os perigos são previsíveis e calculáveis, fazendo com que os sistemas de vigilância e as companhias de seguros acabem substituindo, muitas
vezes, o papel da justiça e mesmo da polícia (Peretti-Watel, 2001, p. 9). Nessa análise, Peretti-Watel considera os riscos aos quais toda a humanidade está sujeita, como a questão da camada de ozônio e das
grandes epidemias, mas também aquelas que ganham valor local ou comunitário por fazerem parte da história social e cultural do grupo em questão.
Com os condomínios fechados, o espaço urbano também ganha dimensão protegida entre-muros como no caso dos shopping centers. As novas gerações de moradores lidam, devido ao medo
da violência, com cidades fechadas. Mas nem por isso as drogas e a violência em geral estão distantes dessas ilhas: com códigos próprios, os conflitos da cidade aberta entram nos condomínios, injetando seus
valores. Brigas entre gangues e escândalos com tráfico nas dependências dos condomínios fechados fazem parte do noticiário local, nacional e internacional dos últimos anos. De qualquer forma, esses
empreendimentos se multiplicam e são, hoje, uma realidade urbanística pesada do Rio de Janeiro.
Os shopping centers e os condomínios fechados são fenômenos de uma nova cultura de massa que se confirma como segmentada e, ao mesmo tempo, globalizada. Por esta ambivalência,
passam os principais atrativos desses espaços urbanos enquanto consumo e lazer, ao mesmo tempo que colaboram para várias mudanças na interpretação sobre os limites entre público e privado, seja na esfera do
espaço seja na esfera da notícia. A Barra da Tijuca é um bairro repleto de espaços que comunicam por si só. A cultura dos centros comerciais e dos condomínios fechados é transnacional, baseada na pluralidade
de códigos, e assimila somente uma pequena parte dos emblemas de cada região onde estão instalados. Esta característica, própria do fenômeno da globalização, exige a atenção da academia além dos caminhos da
economia (área que despertou para a importância da análise da globalização há bastante tempo); as ciências da comunicação e da informação clamam por estudos que situem melhor o imaginário que está sendo
desenhado na contemporaneidade, especialmente, em relação às cidades – palco evidente das grandes decisões das comunidades desde o início da erosão do conceito de Estadonação que se dá em várias partes do
planeta.
Nesse sentido, devemos manter nossa atenção sobre a globalização imaginada, como defende Canclini, na qual convivem esferas micropúblicas, mesopúblicas e
6 Existem também, porém em menor quantidade, os condomínios fechados de casas e alguns poucos mistos. macropúblicas7. Consideramos os empreendimentos aqui
estudados híbridos das três categorias com forte influência da primeira, porém pervertidos na sua subjetivação crítica, visto que sua implantação tornou-se um dos principais estímulos para a organização de
setores altos e médios das grandes cidades que não costumavam participar de movimentos sociais: "seu peculiar modo de exercer a cidadania consiste em isolar-se da conflituosidade urbana mediante a privatização
de espaços supervigiados e a restrição da sociabilidade ou dos encontros indesejáveis" (Canclini, 2003, p.163).
Nesta ótica, nossa proposta almeja explorar os sentidos de público e privado fornecidos pelo medo, pelo consumo e pelo lazer e, mais especificamente,
observar como se dão esses processos no bairro que mais cresce na orla do Rio de Janeiro.
Crescimento que se dá, sobretudo, devido à esperança de se fugir da violência urbana, apesar das contradições que a mídia apresenta sobre essa premissa publicitária. Novas
comunidades se formam em nome da fuga. Alguns mais abastados ou desesperados fogem. Outros se enclausuram. Sempre com um toque especial da mídia.
A Barra da Tijuca e a Mídia
Se acompanharmos a informação jornalística sobre as grandes cidades latinoamericanas, observaremos o crescimento das notícias sobre insegurança e violência, decomposição do tecido social e
privatização do espaço público para proteger o privado e o individual. Estudos como os de Miguel Angel Aguilar, no México, e Teresa Caldeira, em São Paulo, mostram como os imaginários dessas megalópoles vêm
sendo modificados pelas novas formas de segregação e violência. (Canclini, 2003, p. 163)
A geografia e a distribuição da população no Rio de Janeiro é peculiar em relação a outras cidades brasileiras. Os morros ocupados por comunidades carentes e pelo mercado de drogas estão
espalhados em quase todos os bairros cariocas. A proximidade com o tráfico e o marcante contraste social traz insegurança a moradores e turistas da cidade. Pelo menos, é isso que tem sido visto na mídia nos
últimos anos. A Barra da Tijuca pretende ser uma exceção no imaginário de perigo do Rio. Com um projeto urbanístico diferenciado do resto da cidade, o bairro tenta se proteger dos perigos físicos da
contemporaneidade. Os grandes condomínios fechados e os shopping centers buscam
7 Em "A globalização imaginada", Canclini utiliza, com críticas, os conceitos desenvolvidos por John Keane sobre as esferas micropúblicas, mesopúblicas e macropúblicas. As primeiras são espaços
locais em que intervêm dezenas, centenas ou milhares de participantes; exemplos: as reuniões de vizinhos, as igrejas, os bares e os movimentos sociais que funcionam como laboratórios locais de comunicação e
cidadania. Já as esferas mesopúblicas são de alcance nacional ou regional, em que milhões de pessoas debatem sobre o poder, por exemplo, em jornais como The New York Times, Folha de São Paulo ou Le
Monde. A esfera macropública é representada por agências de notícias que cobrem todo o planeta e por transnacionais multimídia (Canclini, 2003, p. 175/176). oferecer uma idéia de proteção total aos seus
moradores e freqüentadores através de circuito interno de televisão, grades, muros, detectores de metais e guardas particulares.
A utopia de segurança não é a única questão que separa a Barra da Tijuca do restante da cidade do Rio de Janeiro. As construções e seus respectivos nomes estão
repletos de referências estrangeiras. Os shoppings New York e Barra World possuem simulacros de monumentos de países europeus e dos Estados Unidos, evidenciando a negação da cidade e a
valorização de outras culturas. Da mesma forma, vários condomínios fechados, especialmente os construídos nos últimos dez anos, remetem-se a expressões estrangeiras como Barra Golden Green, Barra
Summer Dream e Waterways
Residencial .
A Região Administrativa da Barra da Tijuca (Recreio, Vargem Grande, Vargem Pequena, Camorim, Joá, Itanhangá, Grumari e Barra da Tijuca) cresce de forma vertiginosa. Segundo o
Instituto Pereira Passos (IPP), em 2020, a R.A da Barra da Tijuca terá 507.520 habitantes. Grandes empresas, como a Amil, CBF, Esso e Michelin, também têm escolhido a Barra da Tijuca para instalar suas sedes
em busca de maior segurança e infra-estrutura. O Rio de Janeiro possui um déficit de prédios comerciais de alta tecnologia. Para suprir essa necessidade do mercado, as construtoras têm investido em
empreendimentos que ofereçam sistema de co-geração de energia, facilidades de telecomunicações e controle administrativo por computador e outros diferenciais, como spa, academia, piscina e salão de beleza. A
Barra da Tijuca é o destino da maioria desses empreendimentos por, além de outros motivos, possuir extensos terrenos para construção.
Os anúncios de centros comercias e condomínios residenciais trazem argumentos como segurança, lazer e ecologia para atrair compradores. Os grandes condomínios fechados oferecem
diferentes formas de lazer como quadras de esportes, parques infantis, piscina e academias de ginástica. O consumo também pode ser feito sem precisar atravessar as fronteiras do condomínio, já que muitos
contam com lojas de conveniência ou até mesmo pequenos "malls".
Os fortes esquemas de segurança, cada vez mais avançados, oferecidos por esse empreendimentos, trazem uma idéia de liberdade vigiada aos seus usuários que parecem estar a salvo
dos perigos existentes fora dos muros. As novas construções têm valorizado o meio ambiente, oferecendo a seus moradores uma extensa área verde longe da poluição e do cinza da cidade. Por outro lado, o bairro é
um dos mais problemáticos em relação aos sistemas de tratamento de esgotos e a outras questões graves de poluição ambiental.
Enfim, a Barra da Tijuca pretende se configurar como um paraíso auto-suficiente que possui toda a comodidade da alta tecnologia existente nas grandes cidades, as formas de lazer
e consumo urbanas acompanhadas da segurança e tranqüilidade imaginada para o campo. Contudo, na contra-mão das promessas de segurança feitas em anúncios, os jornais trazem notícias, cada vez mais freqüentes,
de crimes ocorridos no bairro. Roubos de carros e quadrilhas especializadas em assaltos a residências mostram que, apesar do alto investimento em segurança, a Barra da Tijuca sofre com os mesmos problemas de
outros locais da cidade. Como agravante desse quadro, muitos crimes são cometidos pelos próprios moradores. Brigas entre vizinhos ou entre grupos jovens rivais, tráfico de drogas, prostituição e discriminação
racial ocorridos nas dependências dos condomínios configuram o paradoxo entre as promessas e a realidade da Barra da Tijuca.
Outras considerações
Nas última décadas, em cidades tão diversas como São Paulo, Los Angeles, Johannesburgo, Buenos Aires, Budapeste, Cidade do México e Miami, diferentes grupos sociais, especialmente das
classes mais altas, têm usado o medo da violência e do crime para justificar tanto novas tecnologias de exclusão social quanto sua retirada dos bairros tradicionais dessas cidades. Em geral, grupos que se
sentem ameaçados com a ordem social que toma corpo nessas cidades constróem enclaves fortificados para sua residência, trabalho, lazer e consumo. Os discursos sobre o medo que simultaneamente legitimam essa
retirada e ajudam a reproduzir o medo encontram diferentes referências.
(Caldeira, 2000, p. 09)
O imaginário de consumo que leva os compradores de imóveis da Barra da Tijuca a associarem o bairro ao lazer stricto sensu é povoado pela fantasia de
se poder estar em outra cidade que, favorecida pelas novas tecnologias e sistemas de segurança, os isenta do medo e do risco. A Barra da Tijuca é proposta nos anúncios publicitários como um lugar asséptico
onde as pessoas que tenham renda média ou alta poderão usufruir de um mundo de tranqüilidade e diversão longe dos malefícios da cidade. O problema e a grande frustração é que o bairro é, mais do que nunca,
parte integrante do caos urbano ainda que sua estética seja diferente da restante do Rio de Janeiro. Povoada por outdoors luminosos, a Barra da Tijuca convida seu morador ou freqüentador a um imaginário de
consumo e lazer que tenciona ser alternativo aos que podem pagar pela segurança privada. A Barra da Tijuca sugere, assim, um importante quadro de estudos em diversas áreas acadêmicas. No entanto, pouco tem
sido produzido sobre o assunto. Algumas dissertações de mestrado e doutorado, poucos artigos e alguns livros foram dedicados a estudar esse bairro até o presente momento. Por isso, insistimos na importância de
as universidades desenvolverem mais pesquisas analíticas sobre a região.
Além dos desafios mundiais a que todos estão sujeitos em qualquer parte do planeta, é evidente a ausência dos poderes públicos nas grandes cidades brasileiras assim como no
campo. Nesse quadro, como sabemos há muito tempo, a mídia acaba exercendo um papel de construção e controle importante nas representações sociais. Por isso, insistimos nos contrapontos entre os discursos
jornalísticos e os discursos publicitários, não para demonizar a publicidade e a propaganda a favor de um jornalismo correto e humanitário.
Seria muito inocente essa proposta. Mas, sim, para contribuir com a área de comunicação social no sentido de construir novos elementos de análise do papel da mídia nas novas
formas de práticas sociais.
Referências Bibliográficas
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VIOLÊNCIA ALÉM DO LIMITE |
http://brasil.indymedia.org/ |
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SOARES em 31-05-2006 às 13:27:49 |
VIOLÊNCIA ALÉM DO LIMITE
A violência no Brasil acaba de ultrapassar o limite do suportável. A sociedade, que trabalha e paga seus impostos, está acuada. O direito de ir e vir do cidadão está
cerceado, e o medo vem marcando as ações e relações nas grandes cidades. A recente crise em SP só fez acentuar esta sensação de medo, insegurança e indignação. A ousadia e
a desfaçatez com que os criminosos vêm desafiando o estado e a sociedade, a reação tardia e titubeante do governo paulista, e a demagogia oportunista com que o governo de
Lula se aproveitou dos trágicos acontecimentos para tirar proveito político, só fez aumentar a sensação de que a sociedade encontra-se entregue a sua própria sorte.
Nos diversos debates que trataram do assunto ,promovidos pela mídia, ouvem-se ,da parte de “especialistas”, jornalistas e políticos poucas opiniões sensatas e muitas
opiniões estapafúrdias. Predomina, é claro, aproveitando-se do estado emocional em que se encontra a sociedade, a idéia de que a criminalidade deve ser combatida
exclusivamente pelo aumento da repressão , um equívoco que só poderá gerar um ciclo vicioso de aumento da criminalidade, seguido de mais repressão, seguida de mais aumento
da criminalidade,e assim sucessivamente. Não é por aí.
O fato é que a questão da criminalidade no Brasil é muito mais ampla e complexa do que parecem crer aqueles que defendem a solução exclusiva do uso da força. Envolve
raízes que vão desde o descaso do governo pelo tema até a completa desarticulação dos órgãos de repressão, passando pela impunidade patrocinada pela leniência do
Judiciário, pelo desprezo secular pela educação pública e por um ambiente social degradante, que possibilita a proliferação do crime. Neste último ponto, é bom acentuar um
aspecto que tem dado margem às opiniões deturpadas e mal intencionadas.
Na tentativa de isentar o quadro de pobreza e marginalidade em que se encontra a maioria da população de qualquer responsabilidade pela consolidação da criminalidade no
país, partem para argumentos tais como “se a pobreza fosse a causa da criminalidade , a favela da Rocinha já teria invadido a Barra da Tijuca, e o caos total já teria sido
estabelecido”. Como se nota, trata-se muito mais de um sofisma mambembe do que de um argumento sério.
É evidente que quando muitos atribuimos ao quadro de pobreza e degradação social a sua (grande) parcela de culpa pelo aumento da criminalidade, especialmente do crime
organizado, não estamos querendo dizer que o pobre tem uma tendência inevitável ao crime. Estamos afirmando, e isto é fato, que a degradação social cria um ambiente
propício à proliferação do crime. Ambiente este que é usado pelos chefões do crime organizado – muitos deles vivendo em bairros de luxo- para , por exemplo, contratar mão
de obra barata , ou para instalarem os seus quartéis generais e seus pontos de distribuição de drogas e de armas fora da vigilância dos agentes do estado. Portanto, muito
mais do que a classe média é a classe pobre a que mais tem sofrido com a instalação das organizações criminosas em suas comunidades .Desprezar, portanto o fator social
como um dos determinantes para o estagio em que a criminalidade chegou ,além de tangenciar o núcleo da questão conduz apenas à soluções paliativas e imediatistas.
O que fazer, então? É óbvio que à curto prazo faz-se necessário um aperfeiçoamento na política de segurança pública, através de um projeto viável para o setor, que inclua
a integração entre os governos federal, estaduais e municipais .Este projeto abrangeria a capacitação, a integração das forças de segurança para o desempenhos suas
funções, a reestruturação do sistema penitenciário de modo que não se torne foco de rebeliões nem centro de comando da marginalidade, uma reforma do Códigos Penal e do
Código de Processo ´Penal ,visando a adequá-lo à realidade atual e torna-lo mais rigoroso quanto à aplicação das penas. Isto é o básico. São medidas que terão efeito a
curto prazo e imprescindíveis para estancar a onda de crimes que paralisam o país.
Mas todas estas providências serão insuficientes se não forem atacadas as raízes sociais da questão da segurança pública. E isto consiste praticamente em fazer com que o
estado se torne efetivo junto às comunidades pobres. E esta presença se faria, basicamente, com reurbanização, saneamento, escolas e postos de saúde e postos policiais nos
locais hoje dominados pelo tráfico. À longo prazo, uma revolução educacional acompanhado de um projeto de crescimento econômico capaz de multiplicar os negócios e gerar
empregos certamente possibilitariam uma solução final para o problema.
O fato é que a busca de soluções unilaterais, paliativas e imediatas para um problema que é muito amplo e complexo faz apenas com que fiquemos eternamente a andar em
círculos sem avançar, sem encontrar soluções concretas e definitivas, e continuando a alimentar projetos eleitoreiros de políticos demagogos que usam o tema segurança para
se promoverem .
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A desfavelização do Estado do Rio |
Jornal O Globo, Alexandre Arraes, 29/junho/2006
O Rio de Janeiro vem sofrendo longo processo de esvaziamento econômico e desestruturação administrativa.
Estamos no derradeiro degrau a caminho do caos na gestão pública, através da institucionalização da informalidade e ilegalidade. Presenciamos os setores informais e
clandestinos da sociedade conquistando espaços na economia e nos setores públicos. A sensação de que é mais fácil alcançar sucesso por vias alternativas e escusas
contaminou as relações entre o mercado, Estado e terceiro setor. Cresce com isso a criminalidade e a parcela de excluídos, uma vez que o interesse coletivo cada vez
importa menos nas decisões em políticas públicas.
A região metropolitana do Rio de Janeiro segue continuamente perdendo importância econômica em relação
às demais regiões metropolitanas e à Bacia de Campos. Os problemas estruturais se agravam sem qualquer plano de ação para revertê-los. A discrepância de valores de
IDH entre cidades da região metropolitana chega a aproximadamente 100 anos de evolução. Este padrão também existe entre bairros contíguos da cidade do Rio. A despeito
da relativa melhora do IDH na última década, o novo fenômeno que deve ser monitorado é a violência urbana. Taxas de mortalidade de homens jovens já impactam na
expectativa de vida masculina nesta região.
Pobreza e violência não estão necessariamente correlacionadas. Por outro lado, é direta a relação da
pobreza com o maior número de moradores por residência, ou seja, aglomerados populacionais com mais de dois moradores por cômodo por habitação. Assim, a pobreza se
encontra espalhada para além das divisas das áreas favelizadas. Entretanto, quando se fala em violência urbana, a correlação se dá com áreas favelizadas.
A característica desestruturada do meio urbano da favela contribui sobremaneira para este fenômeno.
Políticas públicas convergentes específicas para esta parcela da população serão mais eficazes se alterado o meio ambiente urbano. A recuperação estética dos
aglomerados habitacionais é fator importante para elevação da auto-estima de seus moradores e da própria cidade.
Hoje é fundamental que se desenvolva um projeto estadual de desfavelização que contemple individualmente
as regiões onde seja mais grave o passivo habitacional e onde estejam mais claros os efeitos de décadas de políticas públicas segregacionistas. São necessárias
intervenções definitivas do tamanho dos problemas. Deve-se observar as conquistas desta população como: proximidade dos centros empregadores, transporte e lazer. Esta
é a oportunidade de equacionarmos o atual impasse fundiário. A concessão de titularidade dos imóveis após as intervenções é uma questão de justiça. Habitação digna,
revolução educacional, administração pública descentralizada, economia solidária, saneamento e prevenção na saúde devem ser compromissos do Estado atual, mais
facilmente executados, se alterado o meio ambiente urbano.
É tal a magnitude do problema que as instituições e suas formas de relacionamento clássicas dificilmente
darão conta de resolvê-lo. Há que serem criadas novas formas institucionais onde prevaleça o compromisso com metas de resultados, a transparência administrativa e
orçamentária, o controle social, a competência técnica e a participação equânime na gestão dos diversos segmentos sociais e onde haja mecanismos eficazes de proteção
contra a descontinuidade administrativa e os efeitos do ciclo político-eleitoral.
Um projeto institucional que vise à criação de um tripé composto por uma agência executiva, um conselho
deliberativo e um fundo de habitação de interesse social de múltipla composição é a forma mais adequada de desenvolver o programa de desfavelização que
indiscutivelmente mudaria a cara e a alma da região metropolitana do Rio de Janeiro e interromperia o processo de favelização em curso nas médias cidades do Estado.
Sem medo de errar, este seria o maior projeto de inclusão já desenvolvido no país. Beneficiar populações alijadas e historicamente segregadas dos efeitos de políticas
públicas ditas universalistas é sem dúvida uma questão de justiça social e redução das desigualdades, objetivo principal de toda ação afirmativa.
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Plano Diretor participativo |
O Globo, 16/julho/2006
César Maia
O Rio de Janeiro foi, certamente, o primeiro grande município brasileiro a ter seu Plano Diretor na forma da Constituição de 1988,
tendo sido sancionado em 1991. A sua vigência é decenal e, portanto, em 2001 a prefeitura do Rio apresentou uma proposta de revisão para o debate da Câmara de Vereadores. Mais
tarde, o chamado Estatuto da Cidade tornou essa tarefa - a de aprovar planos diretores - compulsória para os municípios e, como desdobramento, fixou-se uma data-limite - outubro
deste ano - para aqueles que ainda não tinham um plano diretor.
Desde 1991, o Rio já tem esta tarefa cumprida e o que cabe, agora, é atualizar o seu Plano Diretor. Isso está sendo feito pela
Câmara Municipal, sem açodamento. Uma comissão especial foi eleita pelos senhores vereadores para definir o documento base, a partir do qual serão feitas as emendas que
considerarem necessárias e, finalmente, proceder às votações. Estima-se que essa etapa final ocorrerá no último bimestre de 2006 ou no primeiro trimestre de 2007. O Conselho
Municipal de Política Urbana (Compur), criado por lei municipal com representação governamental e dos segmentos sociais diretamente interessados, como moradores, profissionais e
empresários, debruçou-se sobre o plano vigente, sobre a experiência de sua aplicação, sobre os novos desafios da cidade, e desenhou um longo e extenso documento, na forma de
proposta de novo Plano Diretor.
Mesmo que seja um documento que vai além das funções de um plano, entrando no terreno da legislação de rotina, ele passou a ser um
guia de discussão. Alguns queriam que a prefeitura o adotasse, ou desenhasse uma proposta a partir de sua coluna vertebral, e encaminhasse como emenda substitutiva geral à
Câmara Municipal. Decidiu-se entregar a proposta do Compur diretamente aos senhores vereadores da Comissão Especial, e que esses a apresentassem, na forma de proposta interna, à
própria Comissão. Essa metodologia torna o processo de discussão mais democrático, mais amplo e mais participativo.
O Poder Executivo irá acompanhando os debates através da liderança do governo na Câmara e através de seus secretários e técnicos,
de modo que sua opinião seja mais uma em discussão nesta etapa. Uma vez concluído o documento base, e se houver um ou mais pontos divergentes, se apresentarão emendas
diretamente ou através da liderança do governo. Os limites do Plano Diretor estão em seu próprio escopo: definir prioridades, restrições, critérios, instrumentos e princípios
que venham nortear a legislação ordinária e delimitar os atos administrativos. Há questões consensuais, como a redefinição destas e apenas cinco áreas de planejamento, que
obrigam o Executivo a desmembrá-las para torná-las operacionais e práticas. AP-3, por exemplo, agrupa toda a Zona Norte, de Anchieta ao Méier. A Zona Sul está agregada à Tijuca
e à Vila Isabel. Bangu está agregado a Santa Cruz. É necessário, portanto, desenhar novas subdivisões.
Questões como antigas regiões agrícolas, que já não cabem mais, podem ser revistas sem que se confunda o escopo do Plano Diretor
com o de um PEU - Plano de Estruturação Urbana. Deve-se discutir quais instrumentos alocados anteriormente ao Poder Executivo devem se tornar decisões legislativas e vice-versa.
Deve-se separar com mais clareza o conceito de interesse social daquele de interesse urbano ou de interesse privado. Explico, usando como referência o solo já definido ou a ser
criado. No primeiro caso, o poder público pode até transferir imóveis seus para regularização da propriedade em comunidades mais pobres. No segundo, pode induzir e estimular a
ocupação, abrindo mão de compensação pelo solo criado, para evitar a degradação urbana. E, no terceiro, não pode abrir mão de compensação - mais-valia - pelo solo criado por se
configurar interesse privado em condições de mercado.
O Plano Diretor define as regras, mas não as regulamenta, deixando para a lei ordinária e permitindo que o tempo possa indicar
correções através de novas legislações. Um tema pouco abordado diz respeito à administração pública, que mais do que nunca deve ser parte integrante do Plano Diretor, como por
exemplo pela exigência de um sistema de controle de dois grandes vetores: o financeiro e o jurídico. É importante que, de acordo com a Constituição e com base no Plano Diretor
atual, sejam rediscutidas as regiões de expansão induzida e as áreas prioritárias para habitação popular, com os estímulos correspondentes. É importante que temas como
Transportes, Área Social, Saúde, Educação e Meio Ambiente ganhem maior profundidade.
Enfim, estes são meros exemplos da riqueza deste debate, que já começou. E que não se pense um plano diretor como tarefa apenas de
urbanistas. Se as audiências públicas do Plano se tornarem maciças, seja pela presença de moradores, profissionais ou empresários, seja pelo envolvimento das faculdades, não há
dúvida que, partindo-se de um bom documento, como o Plano atual, se chegará a um plano diretor melhor ainda e de acordo com as necessidades da cidade.
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Espaço Urbano Contemporâneo e subjetividade: um foco especial sobre as favelas do Rio de Janeiro
Contemporary Urban Space and Subjectivity: a special focus on
the slums of Rio de Janeiro |
Ana Lúcia Gonçalves Maiolino*
Resumo
A pesquisa “Espaço urbano contemporâneo e
subjetividade: um foco especial sobre as favelas do Rio de Janeiro”, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UERJ, a partir de maio de 2005, tem como
objetivo a análise da história e das características da diferenciação e da segregação socioespacial, desenvolvidas na cidade do Rio de Janeiro, bem como da produção de estigmas
sociais e territoriais, confrontando teorias existentes com a realidade carioca. Igualmente, são avaliados os impactos de políticas públicas - como o Programa Favela-Bairro -
sobre a população e os embates travados na tentativa de integração das favelas aos bairros formais da cidade. O trabalho caminha na interface da Psicologia com as Ciências
Sociais, mantendo sempre em cena o interesse em ampliar o entendimento da produção de subjetividade do homem urbano contemporâneo.
Palavras-Chave:
Espaço urbano; subjetividade; políticas públicas;
segregação territorial; exclusão social.
A pesquisa “Espaço urbano contemporâneo e subjetividade: um foco especial sobre as
favelas do Rio de Janeiro” vem sendo desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ, a partir de maio de 2005, com financiamento da CAPES, através do
Programa de Apoio a Projetos Institucionais com a Participação de Recém-Doutores – PRODOC. O trabalho insere-se na linha de pesquisa “Contemporaneidade e Processos de
Subjetivação” do PPGPS e tem como objetivo institucional a ampliação, no Programa, das pesquisas relativas à temática “Espaço Urbano e Subjetividade”.
Um primeiro núcleo de estudos volta-se à análise das características da ocupação do solo
urbano da Região Metropolitana e em especial na cidade do Rio de Janeiro, confrontando a extensa produção teórica sobre as grandes cidades mundiais contemporâneas com a
realidade local. Nesse âmbito, são avaliados tanto os aspectos históricos da ocupação desta área, como a configuração de sua distribuição socioespacial. Na reconstituição
histórica, são utilizadas como referências as obras de historiadores e geógrafos, como Maurício Abreu, Luís Felipe Alencastro, Carlos Kessel,
Maria Ângela D´Incao e Robert Pechman. Nos processos de configuração socioespacial de grandes cidades ocidentais, no final do século XX, relevam-se os estudos de sociólogos
urbanos, arquitetos e urbanistas como Saskia Sassen, Edmond Preteicelle, e Marie-France Prévôt Schapira, enquanto a situação brasileira é
mapeada pelos trabalhos de Ermínia Maricato, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Luciana Corrêa do Lago e Carlos Vainer, dentre outros,
destacando-se a importância da produção do Observatório de Políticas Urbanas e Gestão Municipal e do Observatório das Metrópoles – IPPUR-UFRJ/FASE.
A partir deste específico cenário de ocupação do solo urbano, são analisados os
fenômenos de exclusão social e a produção de estigmas territoriais e sociais. A discussão da exclusão social orienta-se em ampla literatura européia, produzida por sociólogos
como Robert Castel, Serge Paugan e Loïc Wacquant, este uma referência também nos estudos sobre os estigmas. A análise do contexto brasileiro é realizada a partir de estudos
realizados por sociólogos, urbanistas e psicólogos, como Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, Luciana Corrêa do Lago, Lúcio Kowarick, Maura Veras,
Bader Sawaia, Deise Mancebo e Ana Lúcia Maiolino.
Uma segunda vertente da pesquisa teórica volta-se às favelas cariocas e às políticas
públicas direcionadas a estes espaços, envolvendo as seguintes sub-temáticas:
(a) A constituição e a caracterização do espaço das favelas cariocas, a partir dos
trabalhos de urbanistas e sociólogos, destacando-se Lícia do Prado Valladares, Luciana Côrrea do Lago, Alba Zaluar e Marcos Alvito, além da ampla bibliografia disponível no site
“Armazém de Dados”, do Instituto Pereira Passos/SMU/PCRJ;
(b) A história das políticas públicas direcionadas às favelas e seus efeitos sobre a
população alvo, que toma como referência básica publicações de Lucia Lipp Oliveira, Lícia do Prado Valladares, Adauto Lúcio Cardoso, Marcelo Baumann Burgos e Ermínia Maricato;
(c) O levantamento crítico das recentes discussões e novas diretrizes jurídicas,
urbanísticas e sociais sobre a regularização fundiária de assentamentos irregulares e a produção da moradia popular, realizadas por entidades de pesquisa, representantes de
movimentos sociais e órgãos governamentais, com destaque para o próprio Ministério das Cidades. A base teórica dessa sub-temática, obrigatoriamente multidisciplinar, compõe-se
de trabalhos de sociólogos, urbanistas, arquitetos, historiadores e advogados, lançando-se mão de autores representativos nessas discussões como Ermínia Maricato, Rachel Rolnik,
Martim Smolka e Betânia Alfonsin, dentre outros.
Ao lado deste trabalho de cunho teórico, a pesquisa “Espaço Urbano Contemporâneo e
Subjetividade: um foco especial sobre as favelas do Rio de Janeiro”, realizará estudo empírico em favelas no Rio de Janeiro, submetidas a programa de urbanização, como o
Programa Favela-Bairro, em curso, desde 1994, pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, discutindo as seguintes temáticas: a inclusão da favela à cidade formal, após a
intervenção urbanística; as repercussões psicossociais geradas nesse campo (estigmas, violência, comportamentos face à alteridade, dentre outras); alterações na vida cotidiana
das populações alvo destas intervenções, com destaque para os significados da casa, necessidades e desejos investidos em objetos, espaços e práticas domésticas, comparando-os
aos vigentes em momentos anteriores ao da intervenção.
Observa-se que esta pesquisa utiliza e permite dar continuidade aos estudos teóricos e
empíricos realizados para a elaboração da tese de doutoramento intitulada “Espaço Urbano e Subjetividade: um foco especial sobre a favela do Canal das Tachas”, defendida no
PPGPS/UERJ, em fevereiro de 2005, por Ana Lúcia Gonçalves Maiolino, e orientada pela professora Deise Mancebo.
Cabe ainda destacar que a pesquisa caminha na interface da Psicologia com as Ciências
Sociais, mantendo sempre em cena o interesse em ampliar o entendimento da produção de subjetividade do homem urbano contemporâneo, estabelecendo, neste sentido, uma interlocução
com diversos autores e, mais estreitamente, com Fernando Gonzalez Rey, Félix Guattari, Suely Rolnik, Jurandir Freire Costa, Luis Antônio Baptista e o filósofo Francisco Ortega,
com suas recentes discussões sobre “a amizade na cidade”.
A pesquisa está sendo desenvolvida por Ana Lúcia Gonçalves Maiolino, através da com
bolsa de Pós-Doutorado Prodoc/CAPES, contando com a professora Deise Mancebo como responsável institucional. Em momento futuro, pretende-se que venha a agregar alunos da
graduação do Instituto de Psicologia da UERJ interessados na temática.
NOTAS
Doutora em Psicologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social do Instituto de Psicologia da UERJ. Bolsista Pós-Doutorado Prodoc/CAPES, vinculada ao PPGPS/UERJ.
Professora Visitante do Instituto de Psicologia da UERJ.
Abstract
“Contemporary Urban Space and
Subjectivity: a special focus on the slums of Rio de Janeiro” has been developed on the Program of Pos-graduation in Social Psychology of the UERJ since may 2005. It aims to
analyse the history and the characteristics of the differentiation and the socioespacial segregation, developed in the city of Rio de Janeiro, as well as the production of
social and territorial stigma, comparing general theories with the peculiar reality of the city. Further, the impacts of public politics, such as the “Programa Favela-Bairro, on
the population are evaluated, and also the conflicts resulting from the attempt of integrating the slums to the formal quarters of the city. The present work – proceeding in the
interface of Psychology and Social Sciences – aims at adding to the understanding of the production of subjectivity of the contemporary urban man.
Keywords
Urban space; subjectivity; public
politics; spacial segregation; social exclusion.
Recebido em: 28/06/05
Aceito para publicação em: 15/09/05
Endereço: e-mail
anamaiolino@br.inter.net
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COMEÇA ASSIM |
http://www.nominimo.com.brPublicado por Xico Vargas - 17/07/06
No Rio de Janeiro nem as decisões da Justiça são garantia de coisa alguma. Moradores do condomínio Floresta, em Jacarepaguá, conseguiram apoio do Greenpeace e
atenção do Ministério Público, e processaram um grileiro que havia criado loteamento irregular e liquidava uma encosta de mata nos fundos do condomínio.
O espertalhão foi condenado a dois anos de prisão (como era primário, presta serviços no Jardim Botânico), multado em 40 mil pratas e recebeu ordem de reflorestar a área que
havia destruído. Para isso, porém, a prefeitura deveria retirar as casas e barracos erguidos no terreno.
Segundo os autores da ação, o então secretário fez que não era com ele. Tempos depois, deixou a secretaria de Urbanismo para ser candidato, justamente pelo PV. A prefeitura
fingiu que não sabia de nada e o loteamento, hoje uma favela, caminha para a consolidação. Avança maciço da Tijuca acima para encontrar-se com uma jovem favela do Grajaú.
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Exotismo da favela dá dinheiro |
http://www.nominimo.com.br
Segunda-feira, 13 de novembro de 2006
Carla Rodrigues
Autora de “A invenção da favela”, lançado no Brasil ano passado, a socióloga Lícia Valladares acaba de levar seu amplo conhecimento sobre o tema para a França, onde vive e publicou
versão francesa do livro, intitulada “La favela d’un siècle à l’autre”, editada pela Maison des Sciences de L’Homme, casa editorial dos melhores sociólogos franceses, como Alain
Tourraine e Pierre Bourdieu. Pesquisadora de reconhecimento internacional, Lícia discute, na obra, os três dogmas que acompanham o imaginário social criado em torno das favelas
cariocas, responsabilidade, em grande parte, da própria pesquisa sociológica que ela corajosamente contesta. Singularidade, unicidade e pobreza são mitos que interessam a muita
gente, inclusive aqueles que ganham apoios para projetos de pesquisa de campo. Nesta entrevista, ela explica a quem interessa cristalizar as visões exóticas sobre a favela: “O
exotismo atende a interesses de muita gente”.
No livro você fala em três dogmas sobre as favelas que estão sendo construídos desde o início do século 20. Quais são?
O dogma da especificidade, o dogma da favela como território da pobreza e o dogma da favela como unidade continuam vigindo. Por exemplo, o dogma da especificidade sobrevive porque
não há estudos comparativos. Assim, sem comparações, sempre se encontra especificidades de um objeto naquele universo. Isso é reforçado por existir, de fato, uma especificidade
geográfica. O espaço da favela é diferente, irregular, não é legalizado, tem normas próprias. Porque é geograficamente diferente, é como se fosse socialmente diferente. Nada
comprova que é socialmente diferente. Porque? Para comprovar as diferenças sociais seria preciso comparar o perfil social dos moradores de favela com o perfil social dos moradores
de outras áreas. Compara-se favela com não-favela, mas esse universo é extremamente heterogêneo: loteamentos irregulares, loteamentos clandestinos, cortiços, casa de cômodos,
bairros de periferia. Tudo isso também é muito pobre. Essa associação do social com o geográfico é muito rápida. Porque a favela corresponde a um território diferente, se diz que
as pessoas na favela têm um modo de diferente.
E a afirmação de que favela é território de pobres também é um dogma? Por que?
Há uma associação direta de favela com pobreza. Mas essa visão que legitimou a favela como território da pobreza evita pensar que na favela tem uma classe média cada vez maior
diversidade social. Há extratos sociais diferenciados lá dentro. A idéia de que os pobres moram nas favelas não é mais necessariamente verdade, porque morar na favela já se tornou
caro. O terceiro dogma é o da unidade. Não existe “a favela carioca”, mas “as favelas”. Não existe essa unidade. A favela é tão diversa. Não se pode achatar uma categoria que tem
100 anos de história.
Quais são as principais implicações desses três dogmas?
Em primeiro lugar, tem a implicação política. Esses dogmas têm servido para determinar as políticas públicas em relação à favela. Ou seja, se a favela é diferente, se a favela é
território dos pobres, se a favela é uma categoria, ela de tratamento especial. Tanto nas políticas contrárias às favelas, como na política favorável às favelas, esse dogma da
unidade tem sido útil. Ou para propor a destruição, por que é diferente, ou para integrar, também por que é diferente. A política atual do Favela-Bairro é uma política integradora
e integra o que é diferente. E a política de remoção destrói o que é diferente. Na disso dá conta da especificidade de cada uma das favelas.
E a quem os dogmas interessam?
Interessa, por exemplo, às associações de moradores como forma de defender que se aplique dinheiro nas favelas e não em outras áreas. As ONGs internacionais têm que defender a
especificidade da favela para garantir que os recursos sejam destinados para aquela área e não para outra. Os sociólogos são, em parte, responsáveis pela afirmação desses dogmas.
Eles deveriam ser os primeiros a negar qualquer visão redutora ou simplista, da favela. Mas de certo modo a favela se tornou um “bom negócio” para os pesquisadores. Como explicar
essa enorme quantidade de teses, de livros, de artigos sobre favela? A produção é cada vez maior, principalmente nas universidades. Os pesquisadores também têm um registro
pragmático, que tem a ver com a possibilidade de obter financiamento. Favela, e sua associação com pobreza, está, digamos assim, na moda entre os órgãos internacionais de
financiamento. É mais fácil para um pesquisador levantar recursos para estudar favelas do que para investigar o que está acontecendo em bairros de classe média e alta, por exemplo.
Para um pesquisador, ir pra favela representa uma verdadeira aventura antropológica. Ao mesmo tempo, é um confronto com o diferente que se dá de forma bem próxima, porque as
favelas do Rio estão próximas de onde se mora.
Você cita a expansão dos diplomas universitários nas favelas como fator que, a longo prazo, pode vai influenciar nas pesquisas. Como?
Vai influenciar porque a tendência atual é a afirmação de quem está vendo de dentro, o que dá propriedade a quem fala. Acontece o mesmo no movimento negro: quem é negro afirma ter
mais condição de falar do que quem é branco. Acho que os ‘doutores de favela’ vão acabar provocando um conflito de legitimidade.
Como a mídia contribui para a consolidação desses dogmas?
Não se pode generalizar totalmente, mas a mídia convencional, não tenho dúvida nenhuma, é favorável à extinção da favela e divulga esse estereótipo da favela e dos favelados. Ao
mesmo tempo, o uso da palavra comunidade é um subterfúgio muito usado pelas ONGs, pelas associações de moradores, pela política pública, mas é uma palavra que escamoteia os
conflitos internos na favela. Acho estão sempre em disputa duas visões da favela: a favela como campo de batalha e a afirmação da positividade da favela.
A afirmação dessa positividade da favela, interessa a quem?
Ela interessa, sobretudo, àquele que defende a favela, aos moradores de favela, às associações de moradores, interessa às ONGs, interessa até a uma parte do governo que está
fazendo trabalho social em favela. No livro, faço uma análise dos sites de favela. Há uma enorme gama de sites (consulte links abaixo) que defendem a positividade da favela, alguns
de natureza puramente comercial, como os de turismo. Eles também estão afirmando a positividade das favelas para vender melhor produtos os mais variados.
Ao mesmo tempo essa visão positiva, essa positividade convive com a discriminação em relação à favela?
Exatamente. Grande parte da população do Rio de Janeiro identifica favela com violência.
E faz essa associação entre favelado e bandido. Isso é muito ruim. Em primeiro lugar, o tráfico de drogas não está somente nas favelas e a grande maioria da população das favelas
não tem nada a ver com tráfico de drogas. Ao se localizar o tráfico de drogas como um problema específico da favela, faz com que uma série de outras questões sejam descartadas,
como a da corrupção policial.
Você acha que o interesse pelas favelas ainda é crescente?
É uma coisa impressionante o número de pessoas que me procuram, alemães, americanos, franceses, e que querem vir ao Brasil estudar favela. Está aumentando o número de estrangeiros
estudando favela no Brasil. O interesse é crescente porque a imagem exótica da favela no exterior é cada vez mais forte. Esses dogmas estão reforçando essa imagem do exótico.
Quando se defende o mito da especificidade, acaba defendendo também o mito do exotismo. Tem muita gente que pegou o gancho da favela e que está transformando a favela num negócio.
Não são só as agências de turismo aqui, mas no exterior também. Uma reportagem do “Le Monde” cita as sandálias Havaianas como sendo o “sapato dos favelados”. No morro da Proviência,
há um museu a céu aberto, tentativa da prefeitura de entrar nessa área turística. É muito interessante, há uma visita guiada. Será que não vai se tornar um patrimônio da
humanidade?
Por que o seu livro interessou tanto aos franceses?
Por que o livro vai além da favela. O que interessou mais aos franceses foi a discussão de como se contrói um objeto social. Mostro justamente esse longo processo, no qual vários
atores sociais são responsáveis por diferentes representações da favela. Essas representações atendem a interesses os mais variados. Pensar a favela somente hoje não faz sentido, é
preciso pensá-la como processo histórico, como ela foi sendo construída, inventada e reinventada, em diferentes conjunturas. A conclusão na versão francesa do livro é mais
atualizada e leva em consideração os últimos acontecimentos relativos à favela no Rio de Janeiro. Considerei, por exemplo, a produção mais recente. |
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O voto das milícias |
http://www.nominimo.com.br
25.09.2006 Xico Vargas
Quando diz que é mais fácil o convívio de moradores e poder público com as milícias (eufemismo para grupos de extermínio) que dominam favelas do que com o
tráfico de drogas o prefeito Cesar Maia oferece à cidade duas notícias: há muito não tira os olhos do ex-blog e não conversa com seus assessores.
Se olhasse em volta saberia que não são mais 34, mas 42 as favelas dominadas por milícias. As novas comunidades já nascem sob essa proteção. Se ouvisse o que têm a dizer os que
o cercam saberia que o pessoal do Favela Bairro, por exemplo, prefere operar onde mandam os traficantes.
Com os bandidos, contam, é possível negociar o que o poder público julga interessante para a comunidade. Com as milícias, nem pensar. Onde se instalam são lei máxima, não tem
negócio. Eles é que sabem o que deve ou não ser feito para a comunidade. Exemplo mais recente disso é a alteração de traçado promovida pela secretaria de Habitação na avenida
que corta a favela Rio das Pedras. Apresentou um projeto e, pressionada, executou outro. Tempos depois, ofereceu um farrapo de desculpa à consulta do vereador Luís Guaraná,
presidente da Comissão de Urbanismo.
Exagera, porém, o prefeito ao apresentar esse quadro como novidade com a qual o poder público busca uma forma de relação. Há mais de 10 anos Rio das Pedras e arredores estão sob
esse tipo de comando. E na eleição que o botou na prefeitura o acordo político entre o PFL e a milícia de Rio das Pedras foi costurado pelo filho do prefeito. Tanto que daí
resultou legenda para a liderança da milícia buscar com sucesso uma cadeira na Câmara de Vereadores. Em “O Rio está trocando de crime”, NoMínimo contou essa história em junho do
ano passado.
O prefeito tem tamanha clareza sobre como deve o poder público relacionar-se com esses grupos que o número favelas dominadas por milícias na Zona Oeste multiplicou-se depois de
sua posse. Pelas faixas que tomaram as comunidades após a expulsão dos traficantes fica clara a influência de Maia e de seu filho na troca de comando (haja agradecimentos a
ambos). Esse teria sido o principal motivo que levou à substituição de Fernando Modolo, o jovem subprefeito de Jacarepaguá.
É no voto das favelas que reside o interesse fundamental de Cesar Maia. Na recente entrevista que deu ao “Globo”, o único trecho veraz contém sua admissão de que as milícias têm
votos e os traficantes não. Juntando-se isso às declarações, no início da administração, de que as favelas lhe deram poucos votos e, a seguir, de que eram sua prioridade
percebe-se que declaração restritiva à ação desses grupos é pura cascata discursiva. Fora o fato de que o prefeito diz qualquer bobagem.
Percebeu que os jornais publicam frases de autoridades ainda que somem as batatas de ontem com as laranjas de hoje. Por isso, confrontado com episódios incômodos, o prefeito
tornou hábito dizer uma besteira e seguir em frente. Como isso:
- Sobre o espigão de 11 andares na Rocinha: “É melhor na favela do que na praia”.
- Sobre a incapacidade de conter as favelas: “É apenas micro-expansão vertical. Portanto, não é expansão”.
Há alguns anos, num fevereiro, indagado sobre o que achava do fim do horário de verão, disse que a cidade perderia 30 mil empregos. Ganhou manchete dos jornais. Tempos depois,
indagado pelo repórter Alfredo Ribeiro sobre a origem da conta, admitiu ter sido pura lorota.
Assim, quando diz hoje que as milícias são melhores do que o tráfico de drogas, o prefeito esconde numa platitude a face política desse fenômeno. Em princípio, qualquer coisa é
melhor do que o tráfico de drogas. Mas grupos organizados como as máfias são tão danosos quanto traficantes, assassinos ou ladrões. O que o prefeito realmente está dizendo e
deve ser lido com atenção pelo carioca é o seguinte: Esses caras têm voto. Os outros, não. |
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Desigualdade de renda e situação da saúde: o caso do Rio de Janeiro
Income inequality and health: the case of Rio de Janeiro |
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
ARTIGO ARTICLE
1 Departamento de Informações em Saúde,
Centro de Informação Científica e Tecnológica,
Fundação Oswaldo Cruz.
Av. Brasil 4365,
Rio de Janeiro, RJ
21045-900, Brasil.
Célia Landmann Szwarcwald 1
celia@malaria.procc.fiocruz.br
Francisco Inácio Bastos 1
Maria Angela Pires Esteves 1
Carla Lourenço Tavares de Andrade 1
Marina Silva Paez 1
Erika Vianna Medici 1
Mônica Derrico 1
Abstract This ecological analysis addresses the association between income
inequality and health status in the municipality of Rio de Janeiro. Data were analyzed using geo-processing and multiple regression techniques. The following health indicators were used: infant mortality rate;
standardized mortality rate; life expectancy at birth; and homicide rate among 15-29-year-old
males. Patterns of income inequality were assessed through income distribution indicators: Gini
index, Robin Hood index, and top 10%/bottom 40% average income ratio. The results indicate
significant correlations between income distribution indicators and health indicators, providing
additional empirical evidence of the association between health status and income inequality.
For the homicide rate, the effect of the indicator "density of slum residents" was also relevant,
suggesting that further deterioration in health standards may be due to social disruption of deprived
communities and the resultant increase in criminal activity. The geo-epidemiological
analysis presented here highlights the association between adverse health outcomes and residential
concentration of poverty. Social policies focused on slum residents are needed to reduce the
harmful effects of relative deprivation.
Key words Health Indicators; per capita
Income; Geoprocessing; Epidemiology
Resumo Este estudo ecológico testa a associação entre desigualdade de renda e
condições de
saúde no Município do Rio de Janeiro. Utilizaram-se técnicas de geoprocessamento e de regressão
múltipla, além do coeficiente de mortalidade infantil, da taxa de mortalidade padronizada por
idade, da esperança de vida ao nascer e da taxa de homicídios. Os padrões de desigualdade de
renda foram avaliados por meio do índice de Gini, do índice de Robin Hood e da razão da renda
média entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres. Os resultados evidenciam correlações significativas
dos indicadores de desigualdade de renda com todos os indicadores de saúde, demonstrando
que as piores condições de saúde não podem ser dissociadas das disparidades de renda.
Para os homicídios, a concentração de indivíduos residentes em favelas se mostrou relevante,
sugerindo uma piora adicional das condições de saúde através da deterioração das interações
comunitárias e do aumento da criminalidade. A análise geoepidemiológica aponta para o vínculo
entre as piores condições de saúde e a concentração residencial de pobreza. Conclui-se que
há necessidade urgente de se implementarem políticas compensatórias para amenizar os efeitos
danosos da desigualdade social.
Palavras-chave Indicadores de Saúde; Renda per capita;
Geoprocessamento; Epidemiologia
16 SZWARCWALD, C. L. et al.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Introdução
Classicamente, os estudos epidemiológicos têm
procurado explicar as desigualdades na saúde
da população segundo fatores sociais e econômicos
tais como renda, ocupação, educação,
habitação, ambiente ou, de maneira geral, as
assim denominadas condições de vida. Consensualmente,
estes estudos mostram que a
saúde da população apresenta forte gradiente
social que se reproduz nos mais diferentes países,
independentemente da natureza, abrangência,
eficácia e eficiência dos respectivos sistemas
de saúde. Invariavelmente desfavorável
aos grupos socialmente menos privilegiados, a
falta de eqüidade social no âmbito da saúde
manifesta-se tanto nos diferenciais encontrados
nas taxas de morbi-mortalidade como no
adoecimento mais precoce das camadas menos
favorecidas (Marmot et al., 1987).
É vasta a literatura que aborda os diferenciais
na saúde como reflexo das desigualdades
de uma sociedade. Um estudo internacionalmente
conhecido, realizado na Grã-Bretanha,
"The Black Report" (Townsend & Davidson,
1990), revelou grandes disparidades na situação
de saúde, demonstrando que aqueles situados
no limite inferior da escala social têm
condições bem piores de saúde do que aqueles
pertencentes aos estratos mais favorecidos.
Porém, se nos estudos epidemiológicos no
nível individual as correlações encontradas para
grande parte dos agravos de saúde e condições
de vida são bastante claras e consistentes,
não se pode dizer o mesmo a respeito dos estudos
ecológicos. Neste contexto, são cada vez
mais freqüentes as evidências no sentido de
que a associação entre renda e saúde não é uma
relação direta. Em estudo envolvendo um grupo
de países europeus, Wilkinson (1992a) demonstrou
a não-linearidade da relação ecológica
de dependência entre as duas variáveis, já
que às diferenças no nível de renda entre os
países não corresponderam, proporcionalmente,
diferenças semelhantes nos indicadores de
saúde por ele utilizados.
O relatório "The Health Divise", atualização
dos dados do "The Black Report" para a década
de 80, comprovou igualmente a ausência de
uma relação direta entre renda e desigualdade
na saúde no nível coletivo. Apesar da diminuição
da pobreza absoluta, as diferenças nas condições
de saúde entre os diferentes estratos sociais
não só persistiram como até se agravaram
(Townsend & Davidson, 1990).
Na mesma linha de pesquisa, Evans et al.
(1994) descrevem vários exemplos encontrados
na literatura tanto de "saúde sem riqueza" como
de "riqueza sem saúde", isto é, sociedades
que desfrutam de condições de saúde bem melhores
do que as esperadas pelos seus níveis de
renda e vice-versa, e sugere que outros fatores
relacionados à complexidade da estrutura social
podem influenciar mais profundamente a
situação de saúde do que os índices de pobreza.
No Brasil, Leal & Szwarcwald (1997) detectaram
uma ausência de correlação entre a mortalidade
infantil, calculada para os municípios
do Estado do Rio de Janeiro no ano de 1991, e
um índice de condições sócio-econômicas, estimado
com base em informações censitárias
sobre educação, renda e abastecimento d’água.
Apesar de inquestionável no nível individual, a
ausência de associação significativa no nível
ecológico apontou para outros mecanismos de
explicação do padrão de distribuição espacial
da mortalidade infantil encontrado.
Achados recentes mostram que pode ser
bastante importante a inclusão de indicadores
que considerem a distribuição da riqueza como
característica de uma sociedade ou de um
grupo. Estes estudos têm optado por enfocar
indicadores de renda relativa ao invés dos tradicionais
indicadores de renda absoluta (Wilkinson,
1992a; Wilkinson, 1992b; Kaplan et al.,
1996; Kennedy et al., 1996), enfatizando a relevância
da pobreza relativa e a maneira como
ela exclui pessoas, social e materialmente, das
oportunidades proporcionadas pela sociedade.
A associação ecológica entre a concentração
de renda e a situação de saúde foi demonstrada
empiricamente em uma série de investigações
internacionais, incluindo comparações
entre países industrializados europeus (Wilkinson,
1992b) e entre estados dentro dos Estados
Unidos (Kaplan et al., 1996; Kennedy et al.,
1996; Kawachi & Kennedy, 1997a). Estes estudos
relacionaram diferentes indicadores de desigualdade
de renda a vários indicadores de
saúde como a esperança de vida, a mortalidade
infantil, as taxas de mortalidade geral e específica
por causas selecionadas, a freqüência
de baixo peso ao nascer, as taxas de criminalidade,
entre muitos outros. Os resultados indicaram,
de forma consistente, melhores condições
de saúde em sociedades com distribuição mais
equilibrada de renda. No Brasil, vários trabalhos
têm sugerido que o crescimento da violência
é tributário, em grande parte, do aumento
da concentração de renda que ocorreu nas últimas
décadas (Minayo, 1994; Szwarcwald &
Castilho, 1998). Entretanto, até o presente, não
se dispõe de comprovações de natureza empírica
desta hipótese no nosso meio.
Reconhecidamente, o Brasil apresenta, no
mundo, um dos níveis mais elevados de con Cad.
Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
concentração de renda. Adotando-se como medida
de desigualdade a razão entre a renda média
dos 10% mais ricos em relação à dos 40%
mais pobres, para grande parte dos países este
indicador tem valores inferiores a 10, enquanto,
no Brasil, este parâmetro situa-se no patamar
de 30 (Barros et al., 1995). Tomando-se como
referencial a razão entre a renda média familiar per capita entre os dois últimos decis da
distribuição de renda, este índice é menor que
1,5 nos Estados Unidos, Japão e Hungria, situase
em torno de 2,3 no México e na Argentina<
enquanto no Brasil ultrapassa o valor de 3,0
(PNUD/Ipea, 1996). Segundo os dados do Banco
Mundial (1994), o Brasil exibe a pior situação
do seu grupo (países de renda média alta),
com participações correspondentes ao primeiro
e ao último quintil, respectivamente, mais
baixa e mais alta do que quaisquer outros países
em situação comparável.
Motivado pelo quadro de grave desigualdade
da distribuição de renda apresentado pelo
Brasil, este estudo tem como principal objetivo
analisar quantitativamente a associação entre
indicadores de distribuição de renda e alguns
agravos de saúde. Tomou-se o Município do
Rio de Janeiro como caso particular desta investigação,
por ser este município cenário de
elevadas taxas de criminalidade e extremas disparidades
sociais.
Material e métodos
Para este estudo, foram considerados dois conjuntos
de indicadores, estimados para as regiões
administrativas do Município do Rio de
Janeiro, tendo como ano-base de cálculo o ano
censitário de 1991. O primeiro foi constituído
por indicadores de saúde e o segundo por indicadores
de distribuição de renda e outros indicadores
sócio-demográficos.
Para a construção dos indicadores de saúde
foram utilizadas as informações referentes a
óbitos do Sub-Sistema de Informações sobre
Mortalidade (MS, 1997) e as informações censitárias
relativas à população da Fundação Instituto
de Geografia e Estatística (FIBGE, 1994). Os
indicadores sócio-econômicos foram elaborados
valendo-se das informações relativas às características
dos chefes de domicílio, fornecidas<
por setor censitário do Município do Rio de Janeiro
pela FIBGE (1994), e agregadas por Região
Administrativa (RA), menor unidade geográfica
disponível para os dados de mortalidade.
Embora o Município do Rio de Janeiro fosse
constituído em 1991 por 26 RAs, as informações
de óbitos eram classificadas, até 1992, de acordo com o endereço notificado do falecido,
em apenas 24 RAs, o que fez com que tivéssemos
que proceder a uma redistribuição dos dados
>censitários, descrita a seguir. As informações
censitárias correspondentes à Região Administrativa
da Pavuna (RA XXV) foram agregadas
à de Anchieta (RA XXII), e as de Guaratiba
(RA XXVI) à de Campo Grande (RA XVIII), considerando-
se como objeto de análise o conjunto
de 24 regiões administrativas assim formado.
DESIGUALDADE DE RENDA E SAÚDE 17
A seguir, são apresentados todos os indicadores
considerados no estudo.
Indicadores de saúde
1) Coeficiente de mortalidade infantil – calculado
como uma taxa média trienal, a partir dos
óbitos em menores de um ano registrados nos
anos de 1990, 1991 e 1992.
A estimação dos nascidos vivos por RA foi
realizada em etapas. Estimou-se o número de
nascidos vivos, corrigido pelo método de Brass
(1975), para a totalidade do município, por meio
das informações sobre fecundidade relativas
ao ano de 1991 (FIBGE, 1994). A seguir, foram
estimadas as freqüências relativas de nascidos
vivos por RA, baseando-se nas informações do
Sistema de Nascimentos (Sinasc) fornecidas
pela Secretaria Municipal de Saúde, referentes
ao ano de 1994 (primeiro ano com dados fidedignos).
As estimativas por RA foram calculadas
pela multiplicação de cada uma das freqüências
percentuais pelo número total corrigido
de nascidos vivos no Rio de Janeiro;
2) Taxa de mortalidade padronizada por
idade – calculada com base nas taxas de mortalidade
específicas por faixas qüinqüenais de
idade, estimadas como médias trienais no período
1990-92. A população padrão foi a do
Município do Rio de Janeiro;
3) Esperança de vida ao nascer – calculada
por meio da construção da tábua de vida por
RA, conforme a formulação de Frias & Rodrigues
(1981), valendo-se das taxas centrais de
mortalidade, idade e sexo, estimadas como médias
trienais no período 1990-92. Foi calculada
para cada sexo em separado como também para
ambos os sexos;
4) Taxa de homicídios – calculada como a
taxa média trienal no período 1990-92, para indivíduos
do sexo masculino de 15 a 29 anos de
idade. O número de óbitos compreende aqueles
classificados segundo a 9a Classificação Internacional
de Doenças (CID) como "homicídios
e lesões provocadas intencionalmente por
outras pessoas" (CID E960-969). A transformação
da raiz quadrada foi usada como estabilizadora
da variância (Cressie, 1993).
18 SZWARCWALD, C. L. et al.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Embora se saiba que há grande subnotificação
dos homicídios no Município do Rio de
Janeiro (Szwarcwald & Castilho, 1986), e a despeito
do fato de outros autores terem proposto
a utilização de indicadores distintos (Souza,
1994), utilizou-se neste trabalho o conjunto de
óbitos classificados exclusivamente como homicídios
(CID E960-969). Partiu-se do pressuposto
de que a subenumeração é homogênea>
nas diferentes RAs, o que não afeta a hipótese
de interesse. Os óbitos classificados como "lesões
por arma de fogo, com intencionalidade
ignorada" (CID E985-E986) acarretariam a inclusão
de óbitos que podem ser auto-infligidos
(suicídios) ou acidentalmente infligidos, que a
literatura especializada não associa a indicadores
de desigualdade de renda.
Indicadores de distribuição de renda
Os indicadores que se seguem foram construídos
com os dados censitários contendo informações
sobre a renda dos chefes de domicílio,
classificadas em 16 classes de renda baseadas<
no valor do salário mínimo para 1991. Para cada
uma das 16 classes, o número de chefes de
domicílio e a renda média foram usados para
calcular os decis da distribuição de renda por
RA.
1) Índice de Gini – uma das medidas mais
conhecidas do grau de concentração de renda,
varia de zero a um, este último valor correspondendo
à desigualdade máxima. É derivado
por meio da curva de Lorenz, gráfico que
representa os percentuais acumulados de renda
por decis da população. O índice é estimado
consoante as diferenças entre as áreas delimitadas
pela curva de Lorenz, o eixo horizontal
e a reta de 45o (Hammond & McCullagh,
1978);
2) Índice de Robin-Hood – esta medida de
concentração de renda é assim denominada
porque indica a proporção de renda que deveria
ser retirada dos ricos e transferida para os
pobres para que fosse alcançada uma distribuição
eqüitativa de renda. Para o cálculo matemático,
deve-se, primeiramente, obter as rendas
percentuais relativas de cada decil em relação
à renda total. O índice corresponde, então,
à soma dos excessos em relação ao valor de
10%, em todos os decis de renda cuja renda relativa
percentual ultrapassar 10% (Kennedy et
al., 1996);
3) Razão da renda média entre os 10% mais
ricos e os 40% mais pobres – este índice é freqüentemente
utilizado para a comparação internacional
de níveis de desigualdade de renda,
uma vez que esta medida é sensível às diferenças
entre os extremos da distribuição (PNUD/
Ipea, 1996). É calculado dividindo-se a renda
total do último decil pela renda total dos 40%
mais pobres.
Outros indicadores sócio-demográficos
1) Taxa de analfabetismo – calculada como a
proporção de chefes de domicílios sem instrução;
2) Índice de pobreza – calculado como a
proporção de chefes de domicílio com rendimento
mensal menor do que um salário mínimo;
3) Renda média – média de renda dos chefes
de domicílios, fornecida por RA pela FIBGE
(1994);
4) Densidade demográfica – calculada pelo
número de habitantes por ha. A transformação
logarítmica foi usada como estabilizadora da
variância;
5) Densidade de população favelada – calculada
através do número de habitantes residentes
em setores censitários classificados como
"aglomerados subnormais" (FIBGE, 1994)
por ha. A transformação logarítmica foi usada
como estabilizadora da variância.
Para a análise estatística, foram utilizadas
técnicas de regressão múltipla, por meio do
software SPSS (1993). Os melhores preditores
de cada indicador de saúde foram escolhidos
por meio de procedimentos "stepwise", sendo
5% o nível de significância para inclusão de variáveis
e 10% para a sua exclusão.
Para analisar a configuração geográfica dos
indicadores no Município do Rio de Janeiro, foram
construídos mapas temáticos, usando o
softwareMapInfo (1994). Com relação aos pontos
de corte dos mapas procurou-se obedecer à
divisão dos 33 centis e 67 centis, correspondendo
a aproximadamente um terço das RAs reunidas
em uma mesma faixa do mapa, procurando
enfatizar os resultados pelo recurso de mapas
de visualização. Inicialmente, as 24 RAs e
seus respectivos números são apresentados na
Figura 1.
Em uma etapa final, para uma melhor compreensão
dos resultados obtidos, alguns indicadores
sócio-demográficos foram estimados
por RA, segundo a classificação do setor de residência,
se favelado ou não favelado.
DESIGUALDADE DE RENDA E SAÚDE 19
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Resultados
Na Tabela 1, estão apresentados todos os indicadores
de distribuição de renda e indicadores
sócio-demográficos utilizados neste estudo segundo
as regiões administrativas do Município
do Rio de Janeiro. Em relação à taxa de analfabetismo
destacam-se os elevados percentuais
encontrados nas regiões de Ramos, Santa Cruz,
Portuária, São Cristóvão e Inhaúma, ultrapassando
o valor de 10%. Igualmente, são muito
grandes os índices de pobreza. Em onze das 24
RAs, mais de 20% dos chefes de domicílio têm
renda mensal menor do que um salário mínimo.
Quanto à renda média, percebe-se uma
enorme amplitude de variação, de 2,4 salários
mínimos em Santa Cruz a 18,1 na Barra da Tijuca.
Pela observação dos três indicadores de
concentração de renda, verifica-se que as distribuições
mais eqüitativas de renda são encontradas
para Copacabana, Barra da Tijuca e
Botafogo. Estas regiões administrativas correspondem
às áreas mais ricas da cidade, onde há
menor concentração de pobreza. Em contraste,
na região Portuária e adjacências ao noroeste,
são encontradas as maiores desigualdades
de renda (Figura 2).
Os indicadores de saúde por RA estão expostos
na Tabela 2. O coeficiente de mortalidade
infantil varia de 8 por 1.000 nascidos vivos
(NV), no Méier, a quase 40 por 1.000 NV em
Inhaúma, o dobro da taxa estimada para o Município
do Rio de Janeiro como um todo. Valores
muito elevados, próximos de 30 por 1.000
NV, correspondem às regiões Portuária, Centro
e Irajá.
Expressão da violência na cidade, as taxas
de homicídios são extremamente altas em determinadas
regiões administrativas. As taxas
superiores a 200 por 100.000 habitantes concentram-
se na região Portuária e nas áreas vizinhas
ao noroeste, como pode ser visualizado
na Figura 3. Valores intermediários são encontrados
para as regiões administrativas da denominada
Zona Oeste, fronteiriça aos municípios
da região metropolitana do Estado do Rio
de Janeiro. As menores taxas ocorrem nas re-
Figura 1
Localização das regiões administrativas do Município do Rio de Janeiro.
Fonte: SIG-FIOCRUZ.
20 SZWARCWALD, C. L. et al.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Regiões administrativas situadas no litoral, que
possuem as melhores condições sócio-econômicas.
Refletindo também os efeitos da alta mortalidade
entre os adolescentes e adultos jovens,
os outros dois indicadores utilizados, a taxa de
mortalidade padronizada por idade e a esperança
de vida ao nascer exibem o mesmo comportamento
espacial. As regiões Portuária, Centro,
São Cristóvão, Rio Comprido, Irajá e Inhaúma
apresentam as maiores taxas de mortalidade
padronizadas por idade, superiores a 10 por
1.000 habitantes. Disparidades ainda maiores
são encontrados para a esperança de vida ao
nascer, sobretudo para o sexo masculino, nas
diferentes regiões. Para regiões como Inhaúma,
Centro, Portuária e São Cristóvão, a esperança
de vida ao nascer entre os homens é inferior a
58 anos. Em Inhaúma, a diferença chega a ser
superior a 9 anos frente à estimada para a totalidade
do Município do Rio de Janeiro.
A matriz de correlações entre os indicadores
de saúde e os indicadores de desigualdade
de renda está apresentada na Tabela 3. Constata-
se, primeiramente, que todos os indicadores
de concentração de renda são forte e significativamente
correlacionados entre si. Adicionalmente,
a hipótese de associação entre a situação
de saúde e a desigualdade de renda é plenamente
confirmada. Todos os indicadores de
saúde se mostram significativamente correlacionados
a todos os indicadores de desigualdade
de renda. Os sinais das correlações (negativo
apenas para a esperança de vida ao nascer)
mostram que quanto maior a desigualdade de
renda, pior é a situação de saúde. Observa-se
ainda que o indicador de saúde mais correlacionado
às disparidades na distribuição de renda
é a taxa de homicídios seguida da esperança
de vida ao nascer.
A análise dos resultados dos procedimentos
stepwise de regressão múltipla, considerando-se
Tabela 1
Indicadores sócio-econômicos e demográficos segundo as regiões administrativas do Município do Rio de Janeiro, 1991.
RA Indicadores sócio-econômicos e demográficos
Taxa de Índice de Renda média Densidade Densidade Índice Índice de Razão de renda
analfabetismo pobreza (em salários demográfica de população de Gini Robin-Hood 10% mais ricos/
(%) (%) mínimos) (hab/ha) favelada 40% mais pobres
(hab/ha)
I - Portuária 12,9 24,1 2,7 52,2 20,1 0,61 0,48 26,4
II - Centro 4,1 12,6 4,6 76,7 0,0 0,56 0,42 20,5
III - Rio Comprido 8,0 22,5 4,4 134,7 38,0 0,60 0,47 29,1
IV - Botafogo 2,4 5,1 12,2 161,5 8,6 0,43 0,32 10,3
V - Copacabana 2,6 2,6 12,3 310,5 15,8 0,43 0,32 10,0
VI - Lagoa 7,0 9,7 16,3 98,6 25,6 0,46 0,35 16,2
VII - São Cristóvão 10,3 26,0 3,1 107,7 46,6 0,61 0,48 28,6
VIII - Tijuca 3,6 5,8 10,1 45,7 6,2 0,47 0,35 12,7
IX - Vila Isabel 3,9 7,8 8,8 152,6 16,6 0,49 0,36 14,2
X - Ramos 13,6 23,8 2,9 157,5 70,9 0,62 0,49 28,8
XI - Penha 8,5 21,2 3,2 122,1 24,5 0,60 0,46 26,0
XII - Inhaúma 10,0 21,7 3,1 143,8 52,2 0,60 0,47 26,2
XIII - Méier 4,1 13,2 5,5 141,2 12,0 0,54 0,41 19,3
XIV - Irajá 5,1 15,2 4,2 135,4 16,2 0,57 0,43 21,7
XV - Madureira 6,6 19,8 3,5 121,4 12,5 0,58 0,44 23,9
XVI - Jacarepaguá 7,8 16,4 5,2 33,5 4,6 0,59 0,45 25,3
XVII - Bangu 9,0 22,1 3,0 48,7 6,1 0,61 0,48 27,4
XVIII - Campo Grande 10,0 23,7 3,1 13,7 0,8 0,62 0,47 29,8
XIX - Santa Cruz 11,1 27,1 2,4 15,5 1,0 0,63 0,51 32,3
XX - I. do Governador 6,8 12,2 6,2 46,7 11,5 0,55 0,42 21,2
XXI - I. de Paquetá 9,7 21,0 4,4 22,1 0,0 0,58 0,44 24,4
XXII - Anchieta 9,1 22,9 2,8 102,0 21,7 0,65 0,53 34,9
XXIII - Santa Teresa 7,2 12,1 5,1 78,2 15,6 0,60 0,46 26,1
XXIV - Barra da Tijuca 6,8 6,8 18,1 5,6 0,8 0,41 0,32 11,7
Rio de Janeiro 7,3 15,9 6,8 43,7 7,0 0,61 0,47 29,3
DESIGUALDADE DE RENDA E SAÚDE 21
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
do como variável resposta cada indicador de
saúde e como variáveis independentes o conjunto
de indicadores de distribuição de renda e
os indicadores sócio-demográficos, pode ser
realizada com base nos dados dispostos na Tabela
4. Exceção feita à mortalidade infantil, para
todos os indicadores de saúde, a variável
mais fortemente correlacionada à variável resposta<
é o indicador de concentração de renda
"Índice de Robin-Hood". Estes achados corroboram
os anteriores no sentido de que quanto
maior a concentração de renda mais adversa é
a situação de saúde.
Com relação à esperança de vida ao nascer
e à taxa de mortalidade padronizada, após a inclusão
do Índice de Robin-Hood nos modelos
de regressão, nenhuma das demais variáveis
independentes consideradas mostrou correlação
parcial estatisticamente diferente de zero.
Já para a taxa de homicídios, a densidade de
população favelada demonstrou efeito parcial<
significativo. Ou seja, para os homicídios, além
da desigualdade de renda, a concentração de
indivíduos residentes em favelas é também fator
preponderante. Já com relação ao coeficiente
de mortalidade infantil, somente a renda
média se mostrou importante.
A Figura 3 mostra que as áreas com maior
densidade de moradores em aglomerados subnormais
se situam exatamente no mesmo setor
da cidade que apresenta as piores condições
de saúde. Estes resultados indicam que a
correlação estabelecida entre a situação de
saúde e desigualdade de renda no Município
do Rio de Janeiro é decorrente da alta concentração
residencial de pobreza em certas áreas
da cidade, o que provoca desequilíbrios nas
correspondentes distribuições de renda.
Comparando-se as condições de vida da população
favelada com a não favelada, grandes
contrastes podem ser percebidos (Tabela 5).
Qualquer que seja a região administrativa sob
análise, as piores condições sócio-econômicas
são encontradas para a população residente em
favelas. Merecem atenção especial as diferenças
em relação aos indicadores de pobreza, particularmente
nas 6 regiões administrativas que
detêm as piores condições de saúde. Por exem-
Figura 2
Distribuição do indicador de Robin-Hood segundo as regiões administrativas do Município do Rio de Janeiro, 1991.
Fonte: dados primários da FIBGE, 1994.
22 SZWARCWALD, C. L. et al.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999, exemplo, nos setores favelados situados na região
administrativa Rio Comprido, 46,5% dos chefes
de domicílio têm rendimento mensal menor do
que um salário mínimo. Em contraste, entre os
residentes de setores não favelados da mesma
RA, apenas 15,0% dos chefes de domicílio estão
situados abaixo do índice de pobreza.
Discussão
Ao comprovar empiricamente a hipótese de
que a situação de saúde está associada à desigualdade
de renda no Município do Rio de Janeiro,
este trabalho traz vários aspectos para
discussão. Há que ressaltar a limitação do presente
trabalho ao tomar as RAs como escala
geográfica de análise. Levando em conta a natureza
político-administrativa da divisão por
RAs, novas análises deverão reavaliar a questão
utilizando diferentes níveis de agregação geográfica,
sobretudo pelas reconhecidas disparidades
Tabela 2
Indicadores de saúde segundo as regiões administrativas do Município do Rio de Janeiro, 1991.
RA Indicadores de saúde
Taxa de homicídios Taxa padronizada Coeficiente de Esperança de vida de mortalidade mortalidade infantil
Total Sexo masculino Sexo feminino
I - Portuária 288,3 11,3 29,4 63,0 56,9 70,1
II - Centro 155,9 11,1 30,3 62,0 55,2 70,3
III - Rio Comprido 273,8 11,3 24,0 63,2 57,6 69,6
IV - Botafogo 50,0 5,6 15,4 73,5 69,0 77,3
V - Copacabana 48,2 6,4 18,2 71,4 65,5 76,5
VI - Lagoa 76,6 6,0 16,0 72,9 68,3 77,4
VII - São Cristóvão 170,9 10,7 22,1 64,0 58,6 69,8
VIII - Tijuca 113,8 7,4 19,1 70,2 65,1 74,8
IX - Vila Isabel 93,4 6,3 22,0 71,6 66,8 75,9
X - Ramos 194,9 9,9 22,0 65,8 60,5 71,4
XI - Penha 212,7 8,5 22,3 67,4 62,2 72,8
XII - Inhaúma 261,2 17,8 38,9 58,3 52,8 64,4
XIII - Méier 57,5 3,2 8,3 79,0 75,6 81,9
XIV - Irajá 227,6 11,3 28,7 63,5 58,3 68,8
XV - Madureira 124,2 7,5 21,6 69,4 64,4 74,3
XVI - Jacarepaguá 126,7 8,9 18,0 67,9 63,5 72,4
XVII - Bangu 174,4 9,1 23,3 66,6 62,1 71,4
XVIII - Campo Grande 123,1 8,8 21,1 67,3 62,8 72,2
XIX - Santa Cruz 155,6 9,3 25,8 66,1 61,6 71,0
XX - I. do Governador 105,6 7,4 17,7 69,9 65,5 74,6
XXI - I. de Paquetá 0,0 6,4 8,8 72,2 68,3 76,1
XXII - Anchieta 387,0 9,3 23,4 66,4 61,7 71,3
XXIII - Santa Teresa 107,0 8,7 18,7 68,1 63,6 72,6
XXIV - Barra da Tijuca 37,8 6,7 14,4 72,2 68,1 76,9
Rio de Janeiro 163,1 8,6 21,7 68,1 63,0 73,2
dades de renda que ocorrem no Brasil atualmente
(PNUD/Ipea, 1996).
A associação entre condições de saúde e a
desigualdade de renda aqui encontrada evidencia
a importância da pobreza relativa e os
efeitos da privação social e material de grande
parte da nossa população.
No presente trabalho, todos os indicadores
de concentração de renda mostraram-se altamente
correlacionados entre si e significativamente
correlacionados aos indicadores de saúde.
Sendo assim, conforme observado anteriormente
por Kawachi & Kennedy (1997b), a
escolha do índice de concentração de renda
não altera fundamentalmente os resultados.
No que se refere aos indicadores de saúde, a taxa
de homicídios foi o indicador mais correlacionado
aos níveis de desigualdade de renda,
demonstrando que a questão da violência urbana
entre os jovens brasileiros não pode ser
dissociada da aguda disparidade presente na
nossa sociedade.
DESIGUALDADE DE RENDA E SAÚDE 23
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Figura 3
Distribuição da taxa de homicídios entre indivíduos do sexo masculino de 15-29 anos segundo as regiões
administrativas do Município do Rio de Janeiro, 1991.
Fonte: dados primários do SIM/MS, 1997 e FIBGE, 1994.
A mortalidade infantil foi o indicador menos
correlacionado aos níveis de desigualdade
de renda. Tal achado, abordado com maior detalhe
em trabalhos anteriores (Leal & Szwarcwald,
1996), parece secundário ao fato de que
o componente dominante da mortalidade infantil
no município é a mortalidade neonatal,
associada principalmente à atenção ao parto e
à assistência ao recém-nato do que à desigualdade
de renda stricto sensu.
Entre os fatores explicativos da associação
entre concentração de renda e situação de saúde,
sobressai a falta de investimento em políticas
sociais (Kaplan et al., 1996; Smith, 1996; Kawachi
& Kennedy, 1997a). Acredita-se que sociedades
com grande nível de concentração de
renda são as que menos investem em programas
sociais, resultando em educação pública e
assistência médica insuficientes, habitação inadequada
e capacitação profissional deficiente.
Neste contexto, as condições de saúde estariam
refletindo as desigualdades de acesso aos serviços
coletivos necessários ao bem-estar social.
Uma vertente explicativa complementar
entende que a desigualdade de renda tem efeitos
sobre a qualidade de vida, aumentando a
frustração, o stress, fomentando rupturas sociais
e familiares, o que implica deterioração
adicional das condições de saúde, através da
dinâmica auto e hetero-destrutiva de fenômenos
sociais complexos, em interação permanente
com o quadro específico da saúde, como
o crescimento das taxas de criminalidade e do
abuso do álcool e de drogas ilícitas, e a disseminação
do HIV e outras doenças de transmissão
sexual (Wallace et al., 1996).
Recentemente, Kawachi et al. (1997) mostraram
que sociedades com grandes desequilíbrios na distribuição de renda tendem a ser menos coesas. Foi evidenciado que indivíduos residentes em estados americanos com maior
heterogeneidade na distribuição de renda julgam seu ambiente social como menos confiável, mais injusto e hostil. Uma possível interpretação destes achados empíricos é que a coesão
social dentro das comunidades se deteriorou
SZWARCWALD, C. L. et al.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
ra à medida que aumenta o nível de privaçãorelativa, medido não em relação à própria comunidade
mas comparativamente aos padrões
da sociedade como um todo (Wilkinson, 1997).
A análise geográfica e ecológica do presente
trabalho mostra, de maneira nítida, o estreito
vínculo entre piores condições de saúde
e concentração residencial de pobreza. É nas
áreas com maior concentração de comunidades
carentes, que ocorrem os maiores coeficientes
de mortalidade infantil e geral, os níveis mais
baixos de expectativa de vida e as mais elevadas
taxas de violência.
Conforme discutido por Kawachi & Kennedy
(1997a), a acentuação da desigualdade na
distribuição de renda de vários países foi acompanhada
por um importante crescimento na
concentração residencial da pobreza. No caso
Tabela 3
Coeficientes de correlação entre os indicadores. Regiões administrativas do Município do Rio de Janeiro, 1991.
Indicadores Coef. de Esperança Taxa de Taxa pa- Coef. R. 10% Índice de Dens. de Dens. Taxa de Índice de Renda
mortali- de vida homicí- dronizada de Gini mais ricos/ Robin- população demo- analfa- pobreza média
dade dios de morta- 40% mais Hood favelada gráfica betismo
infantil lidade pobres
Coef. de 1,00 -0,91** 0,77** 0,90** 0,43* 0,39 0,44* 0,26 0,20 0,31 0,40 -0,46*
mortalidade
infantil
Esperança -0,91** 1,00 -0,74** -0,96** -0,60** -0,58** -0,61** -0,22 -0,07 -0,51* -0,57** 0,57*
de vida
Taxa de 0,77** -0,74** 1,00 0,68** 0,60** 0,60** 0,64** 0,49* 0,27 0,40* 0,53** -0,55*
homicídios
Taxa 0,90** -0,96** 0,68** 1,00 0,54** 0,52** 0,55** 0,27 0,09 0,49* 0,53** -0,51*
padronizada
de mortalidade
Coeficiente 0,43* -0,60** 0,61** 0,54** 1,00 0,97** 0,99** 0,15 -0,03 0,73** 0,91** -0,94**
de Gini
R.10% mais 0,39 -0,58** 0,60** 0,52** 0,97** 1,00 0,99** 0,12 -0,13 0,79** 0,93** -0,84**
ricos/40%
mais pobres
Índice de 0,44* -0,61** 0,64** 0,55** 0,99** 0,99** 1,00 0,15 -0,08 0,78** 0,93** -0,90**
Robin-Hood
Densidade de 0,26 -0,22 0,49* 0,28 0,15 0,12 0,15 1,00 0,79** 0,12 0,11 -0,15
população
favelada
Densidade 0,20 -0,07 0,27 0,09 -0,03 -0,13 -0,08 0,79** 1,00 -0,31* -0,15 -0,11
Taxa de 0,31 -0,51* 0,40* 0,49* 0,73** 0,79** 0,78** 0,12 -0,31 1,00 0,86** -0,56**
analfabetismo
Índice de 0,40 -0,57** 0,53** 0,53** 0,91** 0,93** 0,93** 0,11 -0,15 0,86** 1,00 -0,82
pobreza
Renda média -0,46* 0,57** -0,55** -0,51* -0,94** -0,84** -0,89** -0,15 -0,11 -0,56** -0,82** 1,000
* Significativo no nível de 1%
** Significativo no nível de 5%
particular brasileiro, nas últimas duas décadas,
houve uma expansão relevante de comunidades
faveladas nas grandes metrópoles (Rodrigues,
1994). No Rio de Janeiro, a população residente
em favelas expandiu-se aceleradamente,
concentrando-se em área vizinhas à região
Portuária (Corrêa, 1996).
O fato da pobreza estar concentrada geograficamente
tem profundas implicações para
a natureza da vida social. Em primeiro lugar, é
preciso ver que se a pobreza está concentrada
espacialmente, qualquer coisa relacionada à
pobreza também o será. Conseqüentemente, à
medida que a pobreza aumenta em uma área
particular da cidade, ali crescerão a criminalidade,
a mortalidade infantil, o abuso de drogas,
o alcoolismo, e as doenças de uma forma geral
(Massey, 1996). Adicionalmente, os moradores
DESIGUALDADE DE RENDA E SAÚDE 25
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Tabela 4
Resultados das regressões múltiplas para os indicadores de saúde.
Taxa de homicídios
Variáveis incluídas Coeficientes Significância
Constante -7,99 0,072
Índice de Robin-Hood 38,83 0,001
Dens. de pop. favelada 1,23 0,011
Variáveis não incluídas Correlação parcial Significância
Dens. demográfica -0,01 0,972
Taxa de analfabetismo -0,23 0,324
Índice de pobreza -0,34 0,393
Renda média 0,15 0,647
Esperança de vida
Variáveis incluídas Coeficiente Significância
Constante 86,89 0,000
Índice de Robin-Hood -43,97 0,002
Variáveis não incluídas Correlação parcial Significância
Dens. de pop. favelada -0,127 0,470
Dens. demográfica -0,114 0,515
Taxa de analfabetismo -0,085 0,759
Índice de pobreza -0,086 0,853
Renda média 0,158 0,686
Taxa padronizada de mortalidade
Variáveis incluídas Coeficiente Significância
Constante -2,00 0,577
Índice de Robin-Hood 24,85 0,006
Variáveis não incluídas Correlação parcial Significância
Dens. de pop. favelada 0,197 0,977
Dens. demográfica 0,132 0,994
Taxa de analfabetismo 0,166 0,396
Índice de pobreza 0,147 0,142
Renda média -0,119 0,200
Coeficiente de mortalidade infantil
Variáveis incluídas Coeficiente Significância
Constante 25,45 0,000
Renda média -0,69 0,024
Variáveis não incluídas Correlação parcial Significância
Índice de Robin-Hood 0,064 0,200
Dens. de pop. favelada 0,222 0,976
Dens. demográfica 0,172 0,989
Taxa de analfabetismo 0,735 0,688 Índice de pobreza 0,840 0,331 de comunidades carentes têm de se haver com
as conseqüências sociais de morar em um ambiente onde a maioria dos seus vizinhos são igualmente pobres, padecem de males semelhantes e têm as mesmas demandas por serviços de natureza diversa, o que gera efeitos ampliados sobre a comunidade enquanto conjunto de redes de interação social (Wallace, 1993).
Para o Município do Rio de Janeiro, constatou-
se, através de análise multivariada para a
taxa de homicídios, um efeito significativo do
indicador "densidade de população residente
em favelas" sobre o excesso de homicídios. Este
achado indica a influência do ambiente (da favela
neste caso) em que os jovens se socializam
sobre a sua exposição à violência e sua eventual
inserção nos circuitos de criminalidade.
Reconhecidamente, o crescimento dos homicídios
nas favelas do Rio de Janeiro está relacionado
ao aumento da criminalidade secundária
à expansão do narcotráfico. Sob um prisma
complementar, o aumento das mortes por
violência pode ser examinado como um reflexo
da vulnerabilidade dos jovens carentes ao engajamento
na atividade criminal. Em decorrência
da falta de integração social, da hostilidade
crescente em relação aos mais ricos (e a
discriminação em sentido oposto, correspondente)
e da incapacidade de inserção no mercado
de trabalho, os adolescentes e adultos jovens
são facilmente seduzidos pelas ofertas de
dinheiro fácil e posições de liderança trazidas
pelo crime organizado (Minayo, 1994). Acabam
por se envolver em disputas pelo controle dos
pontos de tráfico, em assaltos e seqüestros, e,
na sua maioria, morrem muito jovens (Zaluar
et al., 1994).
A mortalidade precoce entre os jovens carentes
já produz seqüelas relevantes nas tábuas
de vida do Município do Rio de Janeiro. A magnitude
do problema é melhor dimensionada
quando se constata que em certas áreas da cidade
a esperança de vida ao nascer entre os indivíduos
do sexo masculino é de 8 a 10 anos
menor do que a estimada para o Brasil como
um todo.
As relações aqui estabelecidas entre as condições
de saúde e as divisões residenciais do
município da capital constituem um claro
exemplo da interação entre os processos sociais
que se desenvolvem na cidade e a forma
pela qual o espaço se estrutura (Abreu, 1988).
A situação de penúria nas comunidades faveladas caracterizada no presente estudo reflete o efeito da privação de muitas famílias de um mínimo de poder
aquisitivo, evidenciando claramente que não resta a estas famílias outra opção que a de residir nestas localidades despro 26
SZWARCWALD, C. L. et al.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Tabela 5
Indicadores selecionados segundo tipo de setor (favelado ou não) por região administrativa do Município do Rio de Janeiro, 1991.RA Aglomeração domiciliar Taxa de analfabetismo Índice de pobreza Percentual (%) de domicílios
com abastecimento d’água
da rede geral
Não-favelado Favelado Não-favelado Favelado Não-favelado Favelado Não-favelado Favelado
I -Portuária 3,11 3,89 7,24 23,21 20,24 31,33 83,19 91,93
II - Centro 2,36 – 4,12 – 12,58 – 85,30 –
III - Rio Comprido 2,79 3,94 5,16 16,52 14,96 46,50 75,74 90,27
IV - Botafogo 2,70 3,81 1,59 22,94 3,90 35,53 95,22 93,38
V - Copacabana 2,53 3,71 1,69 29,93 2,33 10,50 98,18 87,25
VI - Lagoa 2,86 3,65 2,03 24,57 2,80 34,07 95,60 87,48
VII - São Cristóvão 3,06 3,84 6,04 16,46 16,63 39,69 84,63 90,21
VIII - Tijuca 2,97 3,94 1,76 18,76 4,06 21,05 92,95 55,68
IX - Vila Isabel 3,09 3,92 2,02 23,76 5,65 32,13 96,75 66,52
X - Ramos 3,47 3,76 6,63 22,80 16,79 33,63 96,87 89,45
XI - Penha 3,47 3,96 5,80 20,37 18,12 35,51 97,24 84,54
XII - Inhaúma 3,44 3,86 5,19 19,58 15,26 34,80 98,16 92,42
XIII - Méier 3,25 4,04 3,00 18,90 11,21 41,26 95,71 69,11
XIV - Irajá 3,50 4,13 3,98 14,92 13,81 27,90 98,50 83,09
XV - Madureira 3,48 3,99 5,90 18,53 17,45 44,13 97,43 70,75
XVI - Jacarepaguá 3,48 3,81 5,71 22,02 13,48 35,19 91,96 56,22
XVII - Bangu 3,73 3,96 7,86 17,02 20,10 36,95 95,92 85,00
XVIII - Campo Grande 3,85 3,90 9,47 18,11 22,46 43,17 91,21 73,85
XIX - Santa Cruz 3,95 4,08 10,43 21,33 26,43 37,28 93,03 85,18
XX - I. do Governador 3,51 3,99 3,28 19,10 7,29 29,78 95,97 87,49
XXI - I. Paquetá 2,97 – 9,70 – 21,04 – 79,76 –
XXII - Anchieta 3,72 3,95 6,38 19,87 19,96 34,90 97,11 89,94
XXIII - Santa Tereza 2,83 3,93 5,42 16,26 12,83 8,14 92,18 94,45
XXIV - Barra da Tijuca 3,19 3,98 4,64 23,07 4,23 26,21 83,21 78,45
XXV - Rio de Janeiro 3,34 3,90 5,14 20,30 13,14 32,15 94,52 82,69
vidas de toda infra-estrutura. O engajamento do jovem carente na atividade criminal vinculada ao tráfico de drogas pode ser encarado da mesma forma, não como uma opção de vida, mas como uma estratégia de sobrevivência. Entretanto, conforme apontado por Souza (1996), a mídia se concentra em focalizar as ações dos traficantes de favela, desviando a atenção da opinião pública das operações de importação, exportação e lavagem de dinheiro pelo mercado formal dos grandes traficantes. São, porém, os traficantes de favela que se expõem à violência armada, morrem precocemente ou são presos, enquanto os grandes traficantes permanecem incólumes.
O domínio das favelas pelo crime organizado, que cresceu no vácuo das políticas públicas, trouxe, por seu turno, dificuldades cada vez maiores às ações governamentais, seja na melhoria da infra-estrutura urbana, seja na integração social das comunidades à sociedade como um todo, provocando, cada vez mais, a fragmentação sócio-espacial da cidade (Souza, 1996).
Os achados deste trabalho apontam para a necessidade urgente de enfrentar os desafios e implementar medidas e políticas compensatórias para amenizar os efeitos danosos da desigualdade social. É preciso um esforço coletivo para modificar esta situação desastrosa que está sendo experimentada por grande parcela de jovens carentes e afetando gravemente as suas próprias chances de sobrevivência.
Não nos move aqui o propósito de oferecer respostas fáceis a problemas difíceis, mas de subsidiar um processo de estudos e reflexões sobre a ecologia da desigualdade, do qual possam emergir soluções que sejam a um tempo eticamente desejáveis e efetivas.
DESIGUALDADE DE RENDA E SAÚDE 27
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 15(1):15-28, jan-mar, 1999
Agradecimentos
Agradecemos ao Dr. Cláudio Noronha, gerente da Gerência de Informação Epidemiológica da Secretaria
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, por ter nos cedido
os dados necessários à realização desta pesquisa.
Este trabalho teve os seguintes apoios: CNPq
(n.350025/97-5); Papes/Fiocruz (n.0250.250.369);
Medical Research Council, Canada.
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