OGLOBO, 
                                  
                                  
                                  Sábado, 14 de maio de 2011 
                                  
                                  
                                  
                                  OPlNIÃO 
                                  
                                  
                                  Mais 
                                  de um milhão de pessoas vivem em conjuntos 
                                  residenciais populares no Rio, o equivalente a 
                                  17% da população da cidade. Esse contingente, 
                                  que se aproxima de cerca de 1,1 milhão de 
                                  moradores das favelas cariocas, ocupa 304 mil 
                                  domicílios construídos ao longo de cem anos, 
                                  desde que foi erguida a pioneira Vila Operária 
                                  de Marechal Hermes. São números 
                                  significativos. Confrontados com a série de 
                                  reportagens que O GLOBO publica desde domingo 
                                  sobre o tema, revelam uma decepcionante 
                                  realidade: a aglutinação de moradias numa 
                                  mesma área padronizada não conseguiu superar 
                                  demandas habitacionais do município. A exceção 
                                  de alguns poucos exemplos de iniciativas 
                                  bem-sucedidas, tal opção acabou por se tornar 
                                  parte de um problema 
                                  
                                  
                                  —  
                                  
                                  uma 
                                  política habitacional tíbia 
                                  
                                  
                                  —  
                                  
                                  que 
                                  reclama soluções duradouras e que de fato 
                                  contribuam para superar históricos 
                                  contenciosos. 
                                  
                                  
                                  São 
                                  muitas as causas desse fracasso. Entre elas, 
                                  construções de baixa qualidade, padrões 
                                  estéticos duvidosos, ausência de planejamento, 
                                  manutenção inexistente. A 
                                  praticamente todas se sobrepõe a constatação 
                                  de que, de maneira geral, os empreendimentos 
                                  não são concebidos como centros dinâmicos. 
                                  Faltam-lhes, no entorno, vigor urbano e, quase 
                                  sempre, serviços de infraestrutura 
                                  
                                  
                                  —  
                                  
                                  como 
                                  transportes de massa e sistema viário 
                                  eficientes (essenciais para facilitar o acesso 
                                  ao mercado de trabalho). Pinçados como 
                                  exceções nesse
                                  
                                  
                                  quadro de malversação de uma 
                                  ideia que poderia ter contribuído para 
                                  efetivamente reduzir o déficit habitacional, 
                                  os conjuntos conhecidos como lAPs são a 
                                  concretização de experiências bem-sucedidas 
                                  que poderiam se estender a outras unidades. 
                                  Construídos entre 1937 e 1964, eles reúnem 26 
                                  mil unidades. O IAPI da Penha, por exemplo, é 
                                  considerado por seus moradores um oásis 
                                  urbanístico numa área da cidade com grandes 
                                  demandas de serviços públicos. Benefício 
                                  adicional, o conjunto tornou-se uma barreira 
                                  contra a violência comum a bairros da região. 
                                  O contraposto deste exemplo se desenha em três 
                                  conjuntos de Cordovil, que nos anos 60 e 70 
                                  receberam moradores removidos de favelas da 
                                  Zona Sul e, abandonados à própria sorte, 
                                  acabaram por alimentar o crescimento de cinco 
                                  favelas. 
                                  
                                  
                                  O 
                                  déficit de domicílios do 
                                  Rio, 
                                  de 221 mil unidades, é uma das consequências _
                                  
                                  
                                  
                                  
                                   certamente 
                                  a de implicações mais graves, porque envolve o 
                                  exercício de um direito essencial do cidadão_
                                  
                                  
                                  
                                  da 
                                  falta  
                                  de 
                                  uma política habitacional com planejamento e 
                                  integração entre setores diversos. A cidade 
                                  tem para onde crescer, e vive-se um momento 
                                  positivo de oferta de recursos, através de 
                                  programas como Minha Casa Minha Vida e Morar 
                                  Carioca. Também ajuda, e muito, o fato de as 
                                  Olimpíadas viabilizarem importantes 
                                  investimentos em projetos de transporte de 
                                  massa, com destaque para linhas especiais de 
                                  ônibus articulados, capazes de, por um décimo 
                                  do custo, cumprir papel semelhante ao de 
                                  ramais de metrô. Com esta infraestrutura, 
                                  torna-se possível ocupar regiões alternativas 
                                  às áreas que já têm grande densidade 
                                  populacional. E com o fim do estigma das 
                                  remoções de favelas, criado por iniciativas 
                                  mal conduzidas no passado, surgem, então, 
                                  condições para a redução do déficit enquanto 
                                  se faz retroceder, afinal, o processo de 
                                  favelização. Não pode faltar vontade política 
                                  para acelerar essas mudanças.